Liberdade e direitos

Da série “notícias bizarras”: parlamento sueco vai debater se um menino de oito anos provocou ou não alguma ofensa intolerável ao não convidar dois colegas de escola para a sua festa de aniversário. A situação é tão surreal que, mesmo lendo, o primeiro instinto é o de rechaçar a notícia como sendo alguma piada ou algum engano. No entanto, parece que aconteceu mesmo. A notícia foi publicada em jornais mundo afora (como, p.ex., aqui e aqui). Pelo que foi noticiado,

[o] menino distribuiu os convites durante o horário das aulas e quando o professor percebeu que dois alunos haviam sido excluídos, os convites foram confiscados.

O que dizer? É, realmente, o fim do mundo. Agora, uma criança não pode nem mais escolher quais os amigos que quer ter junto a si na sua própria festa de aniversário, pois isso é discriminação para com os não-convidados.

Conhecem o ditado que diz: “é de pequenino que se torce o pepino”? Aquilo que sempre foi usado para a educação, formando as pessoas na virtude desde a mais tenra idade, tem agora uma aplicação reversa: o Estado Totalitário (que uma intromissão dessas na vida privada dos cidadãos não pode ser atribuída senão a uma mentalidade totalitária mostrando as garras) quer criar pepinos tortos em série, através da aplicação de leis já em si nonsenses a situações onde tais leis atingem o ápice do irracionalismo.

As leis “anti-discriminação” são quase todas absurdas. Por motivos os mais diversos: porque falta de educação não é assunto de polícia, porque é difícil separar, no caso concreto, as discriminações justas das injustas, porque não faz sentido resolver um problema discriminatório criando outras discriminações “para o lado contrário”, etc. Mas o problema que, às vezes, passa despercebido nessa brincadeira toda, é de ordem mais conceitual: afinal de contas, quais os direitos que as pessoas têm? Será que o garoto que não foi convidado para a festa tinha realmente direito de ir à festa?

Chesterton tem um exemplo muito eloqüente sobre o assunto no seu livro “Ortodoxia”, tirado dos contos-de-fadas. Em resumo, o insigne escritor inglês traz à baila o conto de Cinderela, onde a protagonista ganha, da sua fada madrinha, roupas e carros para poder ir ao baile para o qual ela queria muito ir. O detalhe é que, à meia-noite, o encanto seria quebrado. Se Cinderela fosse partidária do “direito-de-ir-ao-baile”, poderia reclamar com a fada: “mas por que somente até à meia-noite”? Ao qual a fada, segundo Chesterton, retorquiria: “e por que você pode ir até à meia-noite”?

Oras, Cinderela não iria ao baile, e ganhou a possibilidade de ir gratuitamente; se é assim, por que ela estaria em condições de fazer exigências? A resposta da fada à suposta Cinderela moderna coloca-a no seu devido lugar: ao invés de reclamar por ter somente isso, ela deveria parar e pensar por que tem tudo isso.

As crianças suecas não têm mais direito de ir ao aniversário do colega do que Cinderela tinha de ir ao baile. A mentalidade moderna, assim, gera desequilibrados dependentes de supostos “direitos” às coisas mais bizarras. O pobre do menino – que não pode nem fazer uma festa de aniversário em paz – é, assim, educado com uma “ética” diferente daquela que se encontra nos contos-de-fadas: eu sou obrigado a convidar para a minha festa fulanos e sicranos, ainda que eu não queira.

E, onde é instaurado o reino do “direito-a-tudo”, o homem é desumanizado. Por um lado, o egoísmo impera e o sujeito, “mimado” com direitos inventados desde criança, termina por reinvidicar outros pretensos direitos bem mais injustos do que o de participar de uma festa de criança: não é coincidência o fato de que, na Suécia, onde algumas crianças têm direito inalienável a ir aos aniversários mesmo que não sejam amigas do dono da festa, outras não têm sequer o direito de nascer, pois o país detém um dos mais elevados índices de aborto da Europa. Por outro lado, desaparece a noção de caridade: afinal, se tudo é “direito” de fulanos e sicranos, o que sobra para se fazer de graça? Se dar uma festa, ao invés de ser generosidade de alguém que está feliz e quer comemorar com algumas pessoas, é fazer valer o direito dos colegas… qual o mérito de se fazê-las? No final das contas, qual a graça de se viver num mundo desses? Certamente não vale a pena!

Haverá, todavia, um Dia no qual o Senhor da História chegará para julgar o mundo. E, então, ele convidará alguns a se sentarem à Mesa, junto a Ele; e, a outros, dirá que não os conhece. Neste Dia, pode até ser que alguns se levantem contra esta gritante e despótica violação do direito universal ao Céu – mas não adiantará, porque o Justo Juiz aproxima-se muito mais da Fada Madrinha do que do Parlamento Sueco.