Comentando o adeus do Arcebispo – 03

3 – O desabafo secreto & Sem auxiliares por perto

Depois de pintar com as cores mais repulsivas possíveis a figura do Arcebispo, o Jornal do Commercio passa a fazer, agora, fofoca pura e simples. É apresentado um “relatório confidencial”, supostamente atribuído a Dom João Evangelista Terra, à época bispo auxiliar da Arquidiocese.

Começa o artigo:

[P]or quase 20 anos, o documento reproduzido nesta página ficou guardado num canto de gaveta a sete chaves.

O texto do documento não é reproduzido e não se encontra na versão online deste texto no JC. Foi somente reproduzido na versão impressa; é da edição digital do dia 04 de julho que foram retiradas as fotos abaixo, que mostram o documento tal e qual o jornal o publicou:

Em momento algum o jornal diz se o documento, tal como foi reproduzido, é original ou é editado; as reticências que existem no texto, bem como o fato das letras estarem bem legíveis para um documento tão antigo, e a ausência de uma coisa tão fundamental como a data do documento – parece que o jornal não gosta de datas… – fazem-me crer que esta foto foi produzida para fins de visualização pelos leitores, tendo (supostamente…) por base o (suposto…) relatório confidencial ao qual se refere o artigo. Prossigamos.

O texto é contundente e extremamente direto. Sobre o arcebispo, o auxiliar teria escrito: “Não tem capacidade de diálogo. É muito autoritário, rancoroso e vingativo. Incapaz de perdoar”.

O texto (o reproduzido no JC) também diz, sobre o Arcebispo, que ele “foi muito eficiente, enérgico e inflexível na solução dos problemas estruturais”, que ele “[c]umpriu as ordens da Santa Sé para fechar o Iter (Instituto Teológico do Recife) e o Serene II (Seminário Regional do Nordeste II)” e que ele “[e]nfrentou corajosamente a oposição e contestações do arcebispo emérito D. Hélder Câmara, de outros bispos do regional, de numerosos religiosos, religiosas e leigos. Foi realmente heróico, na sua resistência, sofreu oposição de boa parte da CNBB”. Mas nada disso aparece na reportagem do Jornal, pois esta só está interessada em reproduzir os trechos que sirvam para denegrir a imagem do arcebispo.

Registro ainda duas coisas que, se o suposto documento for verdadeiro, são interessantíssimas: (1) as ordens para fechar o ITER e o SERENE II (legados de Dom Hélder) vieram de Roma e, portanto, a Santa Sé estava ciente da situação da Arquidiocese e descontente com ela; (2) Dom José enfrentou com coragem a oposição de a) Dom Hélder; b) outros bispos da regional; c) numerosos religiosos, religiosas e leigos; e d) boa parte da CNBB. Numa situação dessas, seria acaso de se espantar que o Arcebispo dividisse “as pessoas em amigos e inimigos”?

O relatório teria sido encaminhado, no início da década de 90, à Nunciatura Apostólica, em Brasília

Percebam as construções constantemente empregadas: o documento é atribuído ao então bispo…, e teria sido encaminhado…, e dom João Terra teria registrado…; oras, por que não é dito que o relatório foi escrito por tal pessoa, e que foi encaminhado para a Nunciatura, e que nele foram registradas tais e tais coisas?! Por que o tom especulativo? Será que o Jornal não assegura a autenticidade das coisas que publica? E por quê, então, ele publica coisas de autoria duvidosa que mancham a imagem e a reputação do Arcebispo de Olinda e Recife?

O JC conversou com dom Marcelo, hoje arcebispo emérito da Paraíba, e ele confirmou ter aconselhado dom João a relatar os problemas que ocorriam na arquidiocese. “Ele estava muito preocupado. Fez o relatório, mas eu não li. Ele apenas me falou do texto”, […] conta o religioso, que durante anos guardou o material.

Aqui, o Jornal deve pensar que os leitores são burros. Afinal, Dom Marcelo leu o relatório (durante anos guardou o material) ou não (eu não li. Ele apenas me falou do texto)? Ou será que ele guardou, sem ler, um relatório confidencial (aliás, o que estava fazendo com ele?) durante anos, até que o pessoal do JC gentilmente o solicitasse e ele alegremente o cedesse? Haja paciência!

Procurado, dom João não quis dar declarações sobre o período em que foi bispo auxiliar de Olinda e Recife.

E, mesmo assim, sem confirmação de fonte nem nada, o jornal publicou com estardalhaço o documento confidencial atribuído ao bispo. Quanto profissionalismo!

Em resumo: ainda concedendo que o material seja verdadeiro tal e qual foi publicado, a única coisa que ele contém são impressões pessoais de um bispo auxiliar (que, é bom frisar, não autorizou a publicação do documento) sobre a Arquidiocese há quase vinte anos! Que motivo pode ter o jornal para publicá-lo (lançando a Dom José a pecha de autoritário e vingativo logo no subtítulo) que não seja a vontade de difamar e injuriar o Arcebispo, atacando-lhe a honra?

A reportagem seguinte, sobre os bispos auxiliares, nada diz. Reproduz uma única informação – que Dom José teve apenas três bispos auxiliares durante o tempo em que ficou na Arquidiocese – e se utiliza dela para dar uns retoques de centralizador e isolado ao retrato escabroso que vem pintando do Arcebispo desde a primeira página. Repetimos: se o objetivo não é passar uma imagem negativa do Arcebispo, então qual é?

Só saliento o fato de que os bispos auxiliares são nomeados pelo Papa, e não pelo Arcebispo; este pode no máximo solicitá-los à Santa Sé. E Dom José possui, atualmente, três vigários-gerais, que o auxiliam e exercem [por delegação] algumas funções próprias do ofício do Bispo Diocesano, de modo que a acusação de “querer governar sozinho” não procede.

Merece ainda citação, todavia, uma coisa: o mesmo Dom João que, na reportagem anterior, não quis dar declarações sobre o período em que foi bispo auxiliar de Olinda e Recife, aparece agora, no fim da mesmíssima página, dando um monte de declarações sobre o período! Que coisa curiosa! Se o jornal é capaz de contradizer no fim da página aquilo que disse no começo, qual é a credibilidade que ele merece?

Não mede esforços o jornal para formar, de Dom José, a imagem mais negativa possível. À multiplicação de adjetivos depreciativos dos quais o Arcebispo é tachado pelo JC, somam-se as contradições das reportagens e as opiniões de terceiros – contanto que sejam contrárias a Dom José Cardoso. O caderno especial do Jornal do Commercio, em essência, não contém outra coisa: oito páginas de cretinice. É a isto que serve a imprensa?

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Anexo 1 – .O adeus do arcebispo

O desabafo secreto
Publicado em 04.07.2008

Relatório confidencial, atribuído a ex-auxiliar, considera dom José autoritário e vingativo

[P]or quase 20 anos, o documento reproduzido nesta página ficou guardado num canto de gaveta a sete chaves. Trata-se de um relatório confidencial atribuído ao então bispo auxiliar de Olinda e Recife, dom João Evangelista Martins Terra, sobre a delicada situação de dom José Cardoso Sobrinho à frente da arquidiocese. O texto é contundente e extremamente direto. Sobre o arcebispo, o auxiliar teria escrito: “Não tem capacidade de diálogo. É muito autoritário, rancoroso e vingativo. Incapaz de perdoar”. Dom João Terra foi bispo auxiliar de dom José, no período de dezembro de 1988 a fevereiro de 1995.O documento faz uma análise, ponto a ponto, dos principais problemas enfrentados pela arquidiocese. Relata a situação do clero, do arcebispo, o relacionamento com os bispos auxiliares, a qualidade de ensino do seminário diocesano, revela preocupações quanto ao reitor da época e enxerga problemas em relação à pastoral vocacional. “As perspectivas para o futuro do clero na arquidiocese são muito pessimistas”, prevê.O relatório teria sido encaminhado, no início da década de 90, à Nunciatura Apostólica, em Brasília, que funciona como uma espécie de embaixada do Vaticano no Brasil. No texto, dom João Terra teria registrado que a sugestão de escrever o documento partiu do então presidente do Regional Nordeste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Marcelo Carvalheira. O JC conversou com dom Marcelo, hoje arcebispo emérito da Paraíba, e ele confirmou ter aconselhado dom João a relatar os problemas que ocorriam na arquidiocese. “Ele estava muito preocupado. Fez o relatório, mas eu não li. Ele apenas me falou do texto”, contou o religioso.

“Na época, houve muitos comentários sobre esse documento, mas pouquíssimas pessoas do clero tiveram acesso a ele. Era extremamente sigiloso”, conta o religioso, que durante anos guardou o material. Ele lamenta que, diante de um relato tão contundente, nenhuma providência tenha sido tomada. “Quando eu vi que um documento com esse peso foi entregue e a Cúria Romana silenciou, percebi que nada do que nós fizéssemos teria resultado. Nossos apelos seriam todos em vão.” Procurado, dom João não quis dar declarações sobre o período em que foi bispo auxiliar de Olinda e Recife.

Anexo 2 – .O adeus do arcebispo

Sem auxiliares por perto
Publicado em 04.07.2008

Em 23 anos de arcebispado, dom José Cardoso só teve três bispos auxiliares. Passou mais da metade desse tempo sem contar com a colaboração de qualquer adjunto. Apesar do tamanho da arquidiocese – 20 municípios, 100 paróquias –, ele preferiu governar sozinho. O temperamento difícil ajuda a explicar a opção pelo isolamento. Dom José Cardoso é descrito como um homem centralizador e que dava poucas responsabilidades aos seus bispos auxiliares. Quando deixou o posto, dom João Evangelista Martins Terra queixou-se do esvaziamento de suas funções e da difícil convivência com o arcebispo. Já dom Fernando Saburido, o último dos auxiliares de dom José, reconheceu que o longo período sem um bispo adjunto prejudicou a atividade pastoral da arquidiocese.“Nunca recebi nenhum ministério específico. Meus trabalhos ordinários foram assumidos por iniciativa própria”, confidenciou dom João, em entrevista concedida ao JC, um dia antes de ir embora do Recife, em fevereiro de 1995. Jesuíta, poliglota e conhecido como homem culto e com larga experiência didática, ele lamentou a falta de atribuições. “Como bispo auxiliar, nos primeiros anos ainda consegui manter as minhas atividades. Depois a minha vida ficou muito parada, muito limitada. Não recebi tarefas nem missões específicas, limitando-me a pregar retiros ao clero e dar aulas no Seminário de Olinda”.Dom João reconheceu a crise vivida pela arquidiocese e, já naquela época, avaliou que seria complicado enfrentar as dificuldades. “Para superar essa conflitividade seria necessário uma personalidade genial e profundamente carismática. Não é o nosso caso”, observou. Ele revelou que os desacertos da Igreja Católica em Pernambuco tinham chegado a Roma e eram motivo de preocupação do então papa João Paulo II. “A divisão do nosso clero é um problema que preocupa muito a Santa Sé. No fim do ano, fui chamado à Roma por causa dessa divisão. O cardeal Gantin (na época, prefeito da Congregação dos Bispos) me disse que o papa chora a cada vez que se fala na situação do clero na Arquidiocese de Olinda e Recife”.

Contemporâneo de dom João (os dois chegaram ao Recife no mesmo dia), o bispo auxiliar Hilário Mooser ficou ainda menos tempo na função. Foi embora em maio de 1992, em meio a especulações de que pedira sua transferência para se afastar da crise aqui instalada. “Era um homem muito bom, como salesiano era um educador e teria se dado muito bem com o clero. Mas foi logo escanteado, sob a acusação de que não estaria a favor do bispo”, relembra um padre, em reserva. De temperamento conciliador, dom Fernando Saburido também conquistou a confiança do clero e dos leigos da área progressista da Igreja. “É verdade que ele precisaria ter um pouco mais de diálogo. Porque os conflitos prejudicaram o lado pastoral, a igreja missionária. Mas eu sinto que dom José é um homem que tem muito amor pela Igreja. Sua formação é romanizada. Muito do que ele faz, faz convicto de que está certo”.