Comentando o adeus do Arcebispo – 07

7 –  Pensar no que se crê…

Um belo título seria este para um artigo católico, sobre um assunto tão necessário hoje em dia: a Fé enquanto atitude intelectual. Poder-se-ia falar tanta coisa! Desde Santo Agostinho, com o seu fides si non cogitatur nulla est e o seu intellige ut credas, crede ut intelligas; passando por Santo Tomás de Aquino e toda a Escolástica Medieval; chegando até o Concílio Vaticano I e os cânones sobre a relação entre a Fé e a Razão; citando a excelente Fides et Ratio de João Paulo II! Este tema é tão vasto e interessante que seria mais do que suficiente para se fazer um artigo primoroso. Todavia, quem escreve sob este título no especial do JC é… a Ivone Gebara!

Esta senhora é aquela que escreve artigos para as Católicas pelo Direito de Matar (aquien passant, notem o banner nojento em apoio descarado ao homossexualismo que se encontra no site dessas fulanas!) defendendo o aborto. Por que não provoca surpresa que ela tenha sido convidada pelo Jornal do Commercio para escrever um artigo contra o Arcebispo?

Devido às suas posições que contradizem frontalmente a Doutrina da Igreja, esta senhora não se pode pretender católica; apresenta-se todavia como teóloga (teóloga feminista, seja lá o que signifique isso, como ela se auto-define no texto) e pretende fazer uma análise sobre o legado de Dom José Cardoso. O blá-blá-blá é absolutamente intragável para qualquer pessoa que tenha um mínimo de capacidade crítica que seja.

Ela diz que viveu durante os últimos 23 anos fora das atividades oficiais da arquidiocese (por que será?), que participou de lutas que não entravam nos espaços oficiais da Igreja, que se abriu para além dos muros e das preocupações da instituição (para longe, bem longe da Igreja…), que se debruçou sobre outras maneiras de entender a tradição cristã… enfim, resumindo a tagarelice enfadonha, ela se declara herege. Reconhece ainda assim – e isso é precioso – que Dom José foi um Arcebispo fiel à Igreja, pois escreve:

O arcebispo de Olinda e Recife foi um instrumento, entre outros, da crença na restauração da Igreja através da disciplina e do Direito Canônico. Essa foi uma das tendências que se expandiu no pontificado de João Paulo II e tornou-se para muitos uma nova cruzada cristã. Nesse sentido, dom José foi um fiel servidor das orientações papais e das orientações das instâncias romanas de governo da Igreja.

Todavia, tem uma visão completamente marxista da sociedade. Os padres chegam a ser grandes capitalistas (…), que dão as diretivas para o funcionamento político do cristianismo no mundo! Com tamanha miopia religiosa, que espécie de análise esta mulher poderia fazer? Todo o artigo é o mesmo besteirol de sempre, de uma superficialidade infantil: por um lado, destila rebeldia contra o Papa ([n]ão podemos mais acreditar que o destino de uma comunidade está nas mãos de um só homem como se fôssemos todos crianças dependentes de sua orientação e pensamento) e, por outro, conclama as pessoas à “Revolução” (convido os leitores a descobrir as boas novas que estão hoje no meio de nós, (…) [que] deram um outro rumo à vida, um rumo que foi capaz de reavivar esperanças e renovar a força libertária de muitos). Não tenho mais paciência para escrever contra esse tipo de coisa (e, aliás, acho que tampouco ninguém tem paciência para ler). Este artigo entra no conjunto daqueles que servem como elogios “pelo caminho contrário”. Para terminar, somente destaco um ato falho cometido pelo jornal:

Mas o arcebispo não estava só nas posições que tomou, por exemplo, contra o aborto, a distribuição de preservativos, as atividades políticas de alguns sacerdotes ou as posições críticas de leigos. Foi respaldado por um bom número de adeptos locais e, sobretudo, pelas instâncias do poder romano.
[grifos meus]

Talvez por falta de revisão, aquilo que é evidente “escapuliu” e entrou na reportagem: Dom José Cardoso – ao contrário do que o caderno especial do JC inteiro dá a entender – nunca esteve sozinho nesses 23 anos em que governou a nossa Arquidiocese, e quem o diz não é um carola amigo do bispo, mas sim uma senhora que lhe é contrária. Ao longo das tribulações, Sua Excelência sempre contou com o apoio do povo fiel, do povo que não é modernista nem TLista, do povo que é católico simplesmente, e que enxerga no seu Arcebispo um sucessor dos Apóstolos, enviado por Deus para o conduzir, aqui na terra, pelos caminhos estreitos e difíceis da vida cristã; caminhos abertos pelo Crucificado, e que – se forem seguidos com sinceridade – conduzem, no final, à Vida Verdadeira e à Glória que não tem fim. São estas as coisas com as quais o povo realmente se importa; o resto, são preocupações vazias de gente desocupada que não tem mais o que fazer.

* * *

Anexo – .O adeus do arcebispo

ARTIGO
Pensar no que se crê…
Publicado em 04.07.2008

[A]ceitei, não sem hesitação, escrever algumas linhas sobre o legado de dom José Cardoso depois de 23 anos de arcebispado. Confesso que vivi todo esse tempo, por opção própria, fora das atividades oficiais da arquidiocese. Abracei causas que não cabiam nas preocupações de sua missão em Olinda e Recife, embora estivessem no dia-a-dia da vida do povo. Como filósofa e teóloga feminista, participei de lutas que não entravam nos espaços oficiais da Igreja. Abri-me para outros desafios, para além dos muros e das preocupações da instituição. Discordei de posições oficiais e me debrucei sobre outras maneiras de entender a tradição cristã. Creio que esse caminho foi trilhado também por outras pessoas e grupos que não se sentiam “em casa” na arquidiocese, pois haviam descoberto em suas vidas referências diferentes das existentes na instituição religiosa. Estou convencida de que essa situação não está necessariamente ligada à pessoa do arcebispo, mas à acelerada mutação do mundo em que vivemos. O cristianismo se tornou mais plural do que sempre foi e a competição entre as várias interpretações e denominações do legado de Jesus estão na ordem do dia dos mercados religiosos. Os sacerdotes hoje não são apenas os jovens que continuam sendo ordenados pelas dioceses, mas os grandes capitalistas ditos cristãos, que dão as diretivas para o funcionamento político do cristianismo no mundo. O arcebispo de Olinda e Recife foi um instrumento, entre outros, da crença na restauração da Igreja através da disciplina e do Direito Canônico. Essa foi uma das tendências que se expandiu no pontificado de João Paulo II e tornou-se para muitos uma nova cruzada cristã. Nesse sentido, dom José foi um fiel servidor das orientações papais e das orientações das instâncias romanas de governo da Igreja. Houve uma nítida pretensão de volta à hegemonia do poder católico romano na sociedade, orquestrada pelo Vaticano. Crença talvez ingênua nos países de passada maioria cristã onde o pluralismo religioso cresce a olhos vistos.

Tenho procurado distanciar-me das posturas saudosistas e dos revanchismos. Creio que essas posturas nos impedem de assumir a responsabilidade de não só entendermos o que se passa em nosso mundo, mas de reagirmos com responsabilidade não só diante das políticas do Estado, mas das políticas das Igrejas. Não podemos mais acreditar que o destino de uma comunidade está nas mãos de um só homem como se fôssemos todos crianças dependentes de sua orientação e pensamento. Sem dúvida, não desprezo a capacidade das lideranças, mas não creio que elas tenham o poder de mudar a história à revelia da maioria ou sem a força de uma elite poderosa. A maioria, em nosso caso, estaria ocupada em outras coisas ou desinteressada dos rumos da instituição? Ou estaria habituada a ser conduzida e, por isso, não assumiu a responsabilidade de conduzir-se? De fato, sob a liderança de dom José muitas polêmicas se abriram em relação a assuntos da maior importância social. Mas o arcebispo não estava só nas posições que tomou, por exemplo, contra o aborto, a distribuição de preservativos, as atividades políticas de alguns sacerdotes ou as posições críticas de leigos. Foi respaldado por um bom número de adeptos locais e, sobretudo, pelas instâncias do poder romano. Vivemos essa situação como um conflito político e cultural de grande alcance mundial. O conflito religioso é apenas uma parte desse conflito e nele algumas pessoas “religiosas” aparecem como responsáveis. Na verdade são apenas, em pequeno grau, responsáveis. São parte de um grupo ideológico religioso em conflito com outros grupos. No cristianismo do passado esses conflitos fizeram história e continuam fazendo-a no presente. Dom José faz apenas parte desse conjunto maior de conflitos históricos. Nesses 23 anos muitas coisas novas e desafiantes aconteceram, talvez propulsadas pela postura defensiva e legalista da arquidiocese. Essas coisas novas são, a meu ver, a herança indireta ou o legado de nossas ações coletivas e individuais. Por essa razão, convido os leitores a descobrir as boas novas que estão hoje no meio de nós, para além de nossos desapontamentos. Elas deram um outro rumo à vida, um rumo que foi capaz de reavivar esperanças e renovar a força libertária de muitos. Há tesouros humanos espalhados no meio de nossa cidade. Podemos vê-los, reconhecê-los como serviços ao bem comum e dar graças à vida porque estão vivos no presente, graças ao passado que tivemos.

» Ivone Gebara é filósofa e teóloga