A metade do argumento

Brincando com o google durante o meu horário de almoço, descobri, com surpresa, que um artigo de minha autoria (publicado primeiro aqui no BLOG e, depois, no Veritatis Splendor) fora atacado em um outro BLOG que parece ser dedicado à difamação do Veritatis. O post é do dia 30 de junho; como eu só o vi agora, somente agora vai a resposta.

Primeiro, o texto por mim publicado tem um escopo muito bem definido: contra-argumentar o artigo da MONTFORT sobre Hans Küng e o Vaticano II. Ele não é, e nem pretende ser, por evidentes limitações de espaço, a defesa completa do Concílio Vaticano II contra todas as acusações rad-trads dos últimos quarenta anos. Se, nele, só tem metade do argumento, é porque no artigo original comentado não tem argumento nenhum e qualquer “meio-argumento” basta para o refutar.

Segundo, a acusação do BLOG “Falsitatis Splendor” – de estar faltando a segunda parte do argumento – só procederia se o meu objetivo fosse refutar o Küng. Aí sim, de facto, seria necessário debruçar-me sobre os argumentos do teólogo herege (por mais herege que ele fosse) para fazer o serviço completo e mostrar como ele estava errado em cada um deles. Mas acontece que – como eu disse acima – não estou contra-argumentando Hans Küng, e sim Orlando Fedeli.

Afinal de contas, o que tem no texto da Montfort? Uma acusação – a de que o Vaticano II “conseguiu introduzir e integrar na catolicidade o paradigma da reforma protestante e o paradigma iluminista da modernidade” – e um argumento – Hans Küng disse assim. Oras, qualquer um há de convir que dizer “Küng disse” não é um argumento! Gratis affirmatur, gratis negatur: assim, a simples frase “o Vaticano II não introduziu o paradigma da reforma protestante na catolicidade” já refutaria o palavrório da Montfort no artigo em litígio. Não prova nada, mas a frase de Küng também não prova e, portanto, ficamos empatados.

Terceiro, o que eu escrevi não se resume a negar de maneira gratuita o que disse o Küng e o Fedeli toma como dogma (embora eu pudesse ter feito isso). Fui além disso e propus uma comparação entre o que disseram e dizem dois teólogos participantes do Vaticano II: um deles diz que o Concílio foi herético, o outro diz que foi ortodoxo. A análise de um deles a Montfort subscreve, a do outro eu subscrevo. Um deles é Hans Küng, o outro é Joseph Ratzinger. Um deles é herege, o outro é Papa.

O Papa pensa diferente de Küng, como foi citado, e isso muda a história: afinal, a uma opinião, foi contraposta outra, que – por acaso – é a do Vigário de Cristo. Alguém poderia redargüir que o Papa não é infalível quando emite opiniões sobre o Vaticano II, e isto é verdade, mas tampouco Hans Küng o é. Outrossim, é óbvio para qualquer pessoa que não tenha perdido o sentido de catolicidade que as opiniões do Papa são mais garantidas do que as opiniões dos hereges.

Quarto, há equívocos no texto do BLOG “Falsitatis Splendor”:

Mas precisamos mostrar que a letra é boa, enquanto que a leitura modernista é falsa.

Não, não precisamos, porque o ônus da prova cabe a quem acusa. Faltando – como falta no texto da Montfort – quaisquer argumentos contra a letra do Vaticano II, é evidente que não ficamos nós obrigados a contra-argumentar. Além do quê, há uma enormidade de textos escritos em português mostrando que é boa a letra do Vaticano II (por exemplo, veja-se este dossiê), que eu não preciso ficar reproduzindo aqui no BLOG o tempo inteiro sem que haja argumentos da parte contrária!

Afinal, graças à letra ambígua que surge esse espírito modernista.

Errado, o Modernismo existe desde antes do Vaticano II; afinal, foi condenado por São Pio X no início do século XX. Portanto, a causa do espírito modernista não é a “letra ambígua”.

Resumindo, o cerne da questão é o seguinte: Hans Küng dizer alguma coisa sobre o Vaticano II é, antes, motivo de cautela do que de adesão entusiasmada. Se, além disso, o que ele diz contraria frontalmente o que diz o Papa, então a cautela deveria ceder lugar ao repúdio direto. O fato de alguns darem mais ouvidos aos hereges do que ao Papa é lamentável e preocupante. Quem tem olhos, que veja.