Boa morte

Assistimos todos os dias à morte de muitos, celebramos os seus enterros e funerais e, no entanto, continuamos a prometer-nos longos anos de vida – Santo Agostinho [?]

Os santos estavam certos. Lembro-me de que, quando eu era pequeno, tinha muito medo de morrer; queria uma morte bem rápida e indolor, um acidente, um infarto fulminante, um tiro na cabeça, qualquer coisa que me fizesse morrer rápido o suficiente para não ter tempo de perceber que estava morrendo. Lembro-me também de que, quando tive contato pela primeira vez com os escritos dos santos, estranhei sobremaneira o tipo de morte que era louvado e até pedido como uma graça: em casa, na cama, com a família em redor, após ter bastante tempo para se preparar. E eu não conseguia entender.

Mas hoje, eu entendo um pouco melhor. A morte é um momento decisivo de nossas vidas, é o momento do “tudo ou nada”, é quando saberemos se valeu a pena todos os anos que passamos nesta terra. Um momento desejado, pois é o nosso encontro com o Senhor de nossas vidas, mas ao mesmo tempo um momento temido, devido às enormes culpas que acumulamos ao longo da nossa peregrinação terrestre. O momento em que cai o pano e, nos bastidores, saberemos se fomos dignos de aplausos ou de vaias. E, por tudo isso, o momento da morte é importante demais para que não pensemos nele.

Preparar-nos para morrer, que trabalho da mais alta importância! A frase em epígrafe (se alguém souber a referência correcta, por favor me avise) ilustra muito bem a negligência que as mais das vezes temos em executar esta grave obrigação. Não sabemos quando há de chegar a nossa morte e – agora eu entendo os escritos dos santos – não sabemos se vamos ter tempo para nos preparar. Insensatez minha, na infância, quando desejava uma morte rápida e inconsciente! Deus, dai-me sempre consciência de que hei de morrer um dia, e não sei quando será este dia terrível.

Domingo, presenciei um acidente de trânsito horrível, quase na minha frente. Um carro – dirigido por uma jovem senhorita – bateu numa moto com dois passageiros. Os dois voaram longe; ao ouvir o barulho (ainda cheguei a ver um dos motoqueiros sendo arremessado à distância), corri para ver se alguém se tinha machucado. Tinha. Um dos dois motoqueiros – não sei se o motorista ou o “carona” – havia batido violentamente num poste. Perto das três horas da tarde, entre pedir para que as pessoas se afastassem, não tocassem nos acidentados, ligassem depressa para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, vi o acidentado mais grave. Ele não sangrava: jorrava sangue aos borbotões, pela boca, pelo nariz, a cada respiração forçada, que depressa formou uma grande poça. As pessoas amontoavam-se ao redor, e eu, angustiado, vendo o sujeito nitidamente morrer, sem poder fazer absolutamente nada. O SAMU não chegou a tempo: veio uma caminhonete da polícia, pegaram o acidentado como um saco – provavelmente já morto -, colocaram-no na parte de trás e o levaram.

Coisa bem diferente é ver um morto e uma pessoa morrendo! Um morto é uma tragédia, mas è finito, andiamo; uma pessoa morrendo é uma angústia, é um desejo enorme de se fazer alguma coisa e uma tremenda frustração diante da própria impotência. E isso me fez lembrar os escritos dos santos: queira Deus nos conceder a graça de uma boa morte, de uma morte preparada! Porque morrer acidentado na rua, numa tarde de domingo, sangrando como um animal, sob os olhares de dezenas de transeuntes curiosos (é sangue mesmo, não é mertiolate…), sem um amigo que lhe apóie, sem um padre para lhe dar a absolvição, é uma coisa muito, muito triste. Que a Virgem Maria olhe com benevolência para aquele acidentado.

E que Deus nos livre de todas as tragédias, e nos conceda a graça de prepararmo-nos bem para morrer. Uma boa morte é coisa fundamental, e infelizmente não poucas vezes negligenciada.

Nossa Senhora da Boa Morte,
rogai por nós!

14 comentários em “Boa morte”

  1. Sr. Jorge Ferraz

    Faz algum tempo, venho ‘freqüentando’ o seu blog o qual aprecio bastante. Aprecio tanto, aponto de recomendar e até mesmo de enviar (ctrl + C – ctrl + V) para muitos de minha lista e e-mail´s seus textos.

    Lendo este seu comentário sobre a morte, me recordei de um vídeo com o nome de “Fishers of men” (Pescadores de Homens) que recentemente foi premiado. Este vídeo foi elaborado no EUA pelo clero de lá e fala sobre a vocação sacerdotal. No seu enredo, mostra um trágico acidente, muito semelhante ao relatado pelo Sr. Só que no vídeo, pela Providência Divina, se encontra no congestionamento (causado pelo acidente) um Sacerdote (De verdade!!). Daqueles que a muito não tenho conhecimento de existência. Infelizmente!

    Pois bem! Este vídeo tem um comentário aqui : http://www.h2onews.org/_page_videoview.php?id_news=1180&lang=pt#

    Não me lembro onde consegui ‘baixá-lo’ mas se me enviar seu e-mail poderei lhe encaminhá-lo, caso não consiga encontrá-lo.

    Até mais ver e que Nossa Senhora de Fátima lhe conduza sempre na direção de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Per Christum Dominum nostrum. Amem.

    André Víctor Secundino

  2. Estimado André Víctor,

    Muito obrigado pelas palavras gentis, frutos mais da caridade do senhor do que de méritos meus pelos textos escritos. Deus lhe pague, e faça-me a cada dia menos indigno de O servir.

    Interessei-me sobremaneira pelo vídeo, até porque era EXATAMENTE o que eu pensava quando vi o acidente, se não haveria um sacerdote por perto que pudesse salvar a alma do moribundo.

    O senhor tem o vídeo completo? Pelo que eu pude ler no site indicado, é um filme. Se puder enviar-me por email, está do lado superior direito do BLOG, logo abaixo da foto da praça de São Pedro, onde tem “ABOUT ME”.

    Obrigado, mais uma vez, e que Nossa Senhora da Conceição Aparecida continue a abençoar o senhor e todos os seus.

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  3. Jorge, meu amado marido ficou 5 anos doente. As 47 anos ele faleceu.
    Seus 12 últimos meses, foram de pura dor. Os três últimos foram de uma dor agonizante.
    Dor no sentido literal da palavra ( ele teve câncer nos ossos, na metástase )
    Foi um processo de morte lento e dolorido.
    Ele suplicava a Deus que acabasse com sua missão.
    Nos seus últimos 10 dias de vida ele entrou em coma, pois seu corpo não resistia mais a tanta dor.
    Assistimos a essa morte lente e sofrida ( cada dia parava um órgão ) e te garanto foi muito muito duro para meus filhos e eu.
    Por outro lado meu pai estava aguando a horta e teve um enfarte fulminante. Nossa foi um choque para todos. Levei uns 3 meses para “cair a ficha”

    A morte súbita ou a morte lenta, serão “boas mortes”?

    Sinceramente, não sei.

  4. Sandra,

    A boa morte é a morte preparada, aquela na qual temos tempo de “acertar as contas” com Deus. A que não nos leve quando deixamos algumas coisas urgentes “para fazer depois”. O acidentado do vídeo citado pelo André Víctor teve a graça de um sacerdote no meio da rua, de modo que foi uma boa morte, assistida espiritualmente no momento derradeiro. Isso, no entanto, é uma graça especialíssima com a qual não podemos contar (o motoqueiro de domingo não teve nenhum sacerdote por perto…).

    Sinto muito pelo marido da senhora; não digo que sei (porque nunca passei pela situação), mas imagino, como deve ter sido difícil.

    Abraços,
    Jorge

  5. Meu marido recebeu a Unção dos Enfermos em casa, do nosso Pároco.
    Depois a minha sogra ( que não sabia se eu havia pedido a nosso Padre ) levou o Pároco dela no hospital para novamente receber a Unção dos Enfermos.

    Acredito, que Deus em Sua sapiência, tenha encaminhado Anjos para acompanhar o rapaz acidentado.

    Como deve ter mandado para meu pai também.

  6. André/Jorge

    Ótima dica esse video –

    o link que você colocou é um resumo, explicando o video,
    está em português.

    O original está no YouTube em 2 partes, em inglês:

    http://www.youtube.com/watch?v=t9a1DpmCDuc

    http://www.youtube.com/watch?v=SnwodBiLq1g

    40 Mb total

    Mereceria que fosse legendado !.

    Com um porém, somente consegui “baixá-lo” usando o Real Player.

    Usando outro software que tenho não consegui.

    Vou passar um cópia para o meu pároco !

  7. Olá Vanderley/Jorge.

    O arquivo que tenho aqui sobre o vídeo (Pescadores de Homens) tem no total, quase 90 Mb. Não me lembro de onde eu consegui baixa-lo (rs). Mas estou buscando em meus ‘arquivos’ (não tenho memória, mas uma vaga lembrança – rs).

    Fui compacta-lo para envir paro o Jorge e não adiantou muita coisa. Daí, tentei enviar por e-mail assim mesmo e estava demorando muito, mas muito mesmo.

    O que tenho aqui tem aproximadamente 17 a 18 minutos.

    Mas vou continuar tentando, até descobrir como é que este vídeo veio ‘parar’ nas minhas mãos…

    Abraços e até mais ‘ver’.

  8. Caro André,

    Desista! :-)

    É muitíssimo complicado enviar por email arquivos de mais de 10Mb. Alguns provedores nem sequer anexam; os que anexam, é grande o risco do arquivo se corromper no envio. Nunca nem sonharia em receber 90Mb de anexo… :-)

    O vídeo que tu tens está em inglês “puro” ou em inglês legendado?

    Abraços, e obrigado mais uma vez.
    Jorge

  9. Olha só Jorge,

    Já desisti! (rs)

    O vídeo que tenho está em inglês `puro’ e sem legendas.

    Já procurei alguém que pudesse traduzi-lo, pois tenho um colega de trabalho que poderia legendá-lo (ele trabalha com isso) mas eu teria que passar o vídeo para um tradutor antes, o que eu não encontrei nenhum ainda.

    Enquanto isso, continuo na ‘busca’, tentando localizar em que site consegui ‘baixá-lo’ integralmente e assim que tiver a resposta, te enviarei o link. Ok?

    Abraços e até mais ‘ver’.
    André Víctor

  10. André,

    Obrigado, caríssimo, pela disponibilidade! Rs.

    O link que o Vanderley colocou acima [mensagem de número 6 aqui em cima] não é o mesmo vídeo que tu tens não?

    É que aqui, do trabalho, eu não consigo acessar o youtube para ver…

    E, sim, sem dúvidas, seria muito bom se pudéssemos encontrar alguém disposto a traduzir…

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  11. Jorge,

    Daqui do trabalho, também não posso acessar o youtube (rs).

    E o que me levou a crer que o vídeo do link acima (mensagem 6) não seja o mesmo que eu tenho aqui, foi o fato de o Vanderley mencionar ser duas partes e que no TOTAL ficaria com um tamanho de 40 Mb.

    A não ser que entendi errado.

    O que tenho aqui é um único arquivo com o tamanho de 89,7 Mb (pra ser mais exato).

    Pax!

    Até mais ‘ver’
    André Víctor

  12. Olá Jorge!
    Estou no início de um Mestrado em Artes, e meu projeto é sobre os Retratos Mortuários e a religiosidade em Juazeiro do Norte… e por algum tempo me questionei sobre o fato da Morte me interessar tanto, antes mesmo deste projeto ter início. Desde muito jovem estive diante desta atração/curiosidade, tendo ido duas vezes ao anatômico da universidade sem mesmo fazer Medicina, sempre inquiri sobre a possibilidade de existir uma beleza nesta tão indesejável realidade da vida! Não tenho nenhum distúbio mórbido, sou apenas alguém que acredita sim, que seja possível estarmos mais conscientes deste processo natural da morte. E em minhas pesquisas me deparei com este tema da Boa Morte, realmente como uma preparação, uma resignação diante de Deus, da vida e da própria encarregada pelo trespasse… bom, é isso! Parabéns pelo texto!

Os comentários estão fechados.