O show da mídia

Existem certas coisas estranhas nos brasileiros. Lembro-me de que, antes do trágico desfecho do seqüestro da garota de Santo André, eu escrevi alguma coisa aqui sobre egoísmo e caridade citando, como exemplo, o crime (à época, ainda em curso). Após a tragédia, a comoção nacional e o show da mídia, entendi que eu não tinha nada a acrescentar e resolvi ficar calado.

Rompo o silêncio agora, de maneira breve, por causa de um fenômeno curioso que identifiquei nos últimos dias: a (invejável) mobilização de pessoas que a mídia é capaz de provocar! Como é possível que a comunidade “Eloá e Nayara ♥ Justiça”, do orkut, consiga ter mais de 540.000 membros? Participo há anos de algumas comunidades que (p.ex., a “Católicos”) que ainda não chegaram aos 100.000. É certo que o escopo das duas comunidades é diferente, mas nós estamos falando de meio milhão de pessoas, em menos de um mês, só no orkut – é muita gente!

O que leva tanta gente a se unir em torno de uma causa? Por que nós não conseguimos, p.ex., meio milhão de assinaturas contra o aborto, se o número de brasileiros que é contrário ao assassinato de seus concidadãos é bem maior do que isto? Só posso acreditar que é o fator emoção, deliberadamente alimentado pela cobertura que a mídia faz da tragédia; afinal, na Rede Globo não passa O Grito Silencioso

Às vezes, tenho a [injusta, forçoso reconhecer, porque há honrosas exceções] sensação de que o Quarto Poder só faz besteiras. No caso concreto do assassinato da menina, p.ex., eu consigo ver pelo menos dois problemas muito sérios: o primeiro – e o mais evidente – é o fato incontestável de que os holofotes atrapalham o trabalho dos policiais. Sim, eu acredito na existência de policiais sérios (como pareciam ser os que estavam responsáveis pelo seqüestro), e acho profundamente injusto falar em uma tragédia de incompetência. Se houve incompetência, foi precisamente da mídia, porque é um absurdo permitir candidamente que a tensão natural de uma situação como um seqüestro seja elevada à n-ésima potência por meio da ampla divulgação em cadeia nacional de todos os detalhes do caso ainda em andamento. Estou sinceramente convencido de que o desfecho poderia ter sido completamente diferente se os envolvidos no caso pudessem fazer o que estavam fazendo em paz.

O segundo problema, enxerga-se na comunidade de orkut com meio milhão de internautas. Estes casos esporádicos terminam por servir como uma espécie de “válvula de escape” para a população brasileira, atônita diante do caos no qual a sociedade está imersa; então eles vão ao velório, comentam o assunto no trabalho ou na faculdade, entram na comunidade do orkut que pede justiça, e pronto. Tranquilizam-se, e nada muda, até o próximo escândalo e a próxima vítima indefesa que provoque a indignação dos brasileiros. As cenas comotivas mostradas na TV e nos jornais, desde o “acompanhamento” da operação até o velório, dão a impressão de que alguma coisa está sendo feita quando não está.

A cortina de fumaça montada pelo Quarto Poder impede as pessoas de verem que morrem muito mais “eloás” do que as que saem na televisão – só que a esmagadora maioria delas não tem nome e não tem glamour – e ninguém se importa nem com elas, nem com as verdadeiras causas do problema. A imprensa, que poderia ser uma coisa muito boa, mau utilizada no Brasil, puxa o país para cada vez mais fundo no buraco.