O Baile do Menino Deus

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Nos últimos cinco anos, todo natal, acontece no Marco Zero a encenação do Baile do Menino Deus, espetáculo natalino que conta a história do nascimento de Jesus por meio de elementos da cultura e do folclore regionais. Já havia assistido à apresentação nos outros anos; este ano, fui por acaso, ontem à noite, porque fui convidado de última hora por uma amiga.

O que falar sobre o espetáculo recém-assistido? Creio que se o pode ver sob dois ângulos. Alguém pode reclamar que o tom lúdico da peça, junto com uma espécie de “sincretismo cultural” com os elementos folclóricos que são estranhos à tradição católica, unidos à irreverência dos protagonistas, formam um todo pouco recomendável. Concedo aos críticos esta visão. No entanto, deixem-me hoje ser um pouco “Poliana”, e falar sobre os pontos positivos da cantata.

Em primeiro lugar, só o fato de se fazer uma apresentação pública do nascimento de Jesus é já uma coisa extraordinária e digna de louvor. No meio do laicismo feroz, sobrevive a cultura “tradicional” – o espetáculo tem vinte e cinco anos – e, no meio das festividades de fim de ano, é aberto um espaço para se falar em Jesus, em Belém, em José, em Maria. Em segundo lugar, o espetáculo é de censura livre (de verdade), de modo que se apresenta como uma das poucas alternativas de lazer público familiar: não há cenas de violência nem de apelo sexual. Em terceiro… bom, há coisas bem aproveitáveis no espetáculo!

Os dois protagonistas estão procurando a casa onde nasceu Jesus. Procuram, cantam, dançam, encontram; a porta está fechada, e eles não conseguem abri-la. Após muitas idas e vindas, finalmente a porta se abre e aparecem José, Maria e o Menino. O espetáculo praticamente inteiro gira em torno desta busca: é necessário encontrar o Menino Jesus que nasceu e, para tanto, é fundamental que se O busque com diligência e com esforços. Algumas vezes um dos protagonistas fala em desistir e ir pra casa; o outro, prontamente, fala que eles não podem voltar sem antes ver o Menino. Como se quisesse dizer – aqui cogito eu – que não podemos voltar para casa, no meio das festividades natalinas, sem encontrar o Menino Jesus.

Os personagens não são propriamente religiosos; em um certo momento, um deles diz que nunca aprendeu a rezar a ave-maria, e que passou a vida a “virar bunda-canastra pelo mundo”. Nem sei se os que são de fora do nordeste sabem o que é “bunda-canastra”: é “cambalhota”. No entanto, é este o personagem que está procurando a casa onde nasceu Jesus; como se dissesse – de novo, cogito eu – que não importa quantas idas-e-vindas se deu pelo mundo, não importa o quão desordenada foi a vida pregressa: quaisquer que sejam os antecedentes que se tenha, o Natal é a época de “endireitar as veredas”, e aquele que virou bunda-canastra mundo afora, hoje, procura o Deus recém-nascido.

Uma das peças é um caboclinho – José com Maria e o Menino já estão na porta da casa. Entram três figuras pomposamente adornadas – a indumentária é pagã, sem sombra de dúvidas, de matriz africana. Sincretismo? Não me pareceu. Enquanto se cantava alguma coisa como “somos reis da terra e do mar” (não lembro com exatidão a música), as três figuras (para mim, são os três reis magos) entram no palco e, voltando-se para a Sagrada Família – dando as costas ao público – fazem uma profunda vênia. O último deles, aliás, faz uma genuflexão teatral maravilhosa: volta-se para o Menino, ajoelha-se apoiado no cajado, puxa o manto para a frente do corpo, inclina profundamente a cabeça, assim permanece alguns segundos antes de se levantar. Aqui, cogito eu: quando Deus vem ao mundo, todos os grandes dos povos prostram-se diante d’Ele. O Menino nascido põe os pagãos de joelhos aos Seus pés.

Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria;
queremos fazer um baile
que emende a noite no dia.
(…)
Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria!
Sem vosso consentimento,
O baile não principia…

José consente. E começa a festa.

Em um certo momento, entram em cena umas personificações da natureza; o sol dizendo que veio “aquecer o menino”, a lua dizendo uma coisa da qual não me recordo, a estrela dizendo que veio mostrar o caminho até Ele; cogito eu, “narram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 18, 2). Após a peça, recita-se uma bela quadrinha em honra da Virgem Santíssima (esta, é literal, e não minha cogitação): Passa o sol pela vidraça, / já passou, sem tocar nela; / assim foi a Virgem Pura, / levou Luz, ficou donzela.

E tem o Jaraguá! Não faço idéia do que seja este personagem – é o que aparece no vídeo acima – e, mesmo perguntando aos meus pais hoje de manhã (eles de ordinário sabem das coisas), não mo souberam dizer. Surge ele após a casa ser perdida: os personagens pegaram no sono e, ao despertar, a casa “havia sumido” (lembro-me eu: “Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora!” – Mc 14, 37). Então, no meio das buscas, aparece o Jaraguá “com a boca aberta”, “pra pegar Mateus”. Para mim, é figura de Satanás, que aparece quando se perde o Menino Jesus, quando se dorme – “sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (1Pd 5, 8). Ao final, no entanto, sai ele de cena, e a casa reaparece, e termina o espetáculo com o baile recomeçando: a alegria natalina que, embora tenha no Nascimento do Salvador as suas raízes, espalha-se a partir do Natal e cresce estendendo-se por toda a vida (e, cogito eu, também para além dela):

Senhores donos da casa,
Jesus, José e Maria!
O baile aqui não termina,
O baile aqui principia.
Do mesmo jeito que o sol
Se refaz a cada dia,
Da mesma forma que a lua
Por quatro vezes se cria
(…)
continuemos o baile,
agora e em cada dia!

Feliz Natal a todos!