Magistério da Igreja – Autoridade Mundial

[Após o Papa Bento XVI ter dito, na sua última carta encíclica, que “urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial”, muitas pessoas rasgaram as vestes e escandalizaram-se, achando que o Papa estaria cedendo ao globalismo moderno, capitulando diante da ONU, adotando posições modernistas, ou qualquer coisa do tipo. Na verdade, o número 67 da Caritas in Veritate não constitui novidade alguma (obviamente) na Doutrina Social da Igreja, como se pode ver pelos documentos abaixo apresentados. Agradeço ao Rodrigo R. Pedroso pela elaboração e envio da coletânea.]

I – Catecismo e Compêndio de DSI

1911. As dependências humanas intensificam-se. Estendem-se, pouco a pouco, a toda a terra. A unidade da família humana, reunindo seres de igual dignidade natural, implica um bem comum universal. E este requer uma organização da comunidade das nações, capaz de «prover às diversas necessidades dos homens, tanto no domínio da vida social (alimentação, saúde, educação…), como para fazer face a múltiplas circunstâncias particulares que podem surgir aqui e ali (por exemplo: […] acudir às misérias dos refugiados, dar assistência aos migrantes e suas famílias…)» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 84: AAS 58 (1966) 1107).

1927. Compete ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem comum de toda a família humana exige uma organização da sociedade internacional.

(Catecismo da Igreja Católica)

442 Uma política internacional voltada para o objetivo da paz e do desenvolvimento mediante a adoção de medidas coordenadas mais do que nunca tornou-se é necessária em virtude da globalização dos problemas. O Magistério destaca que a interdependência entre os homens e as nações adquire uma dimensão moral e determina as relações no mundo atual sob o aspecto econômico, cultural, político e religioso. Nesse contexto, seria de desejar uma revisão, que «pressupõe a superação das rivalidades políticas e a renúncia a toda a pretensão de instrumentalizar as mesmas Organizações, que têm como única razão de ser o bem comum», com o objetivo de conseguir «grau superior de ordenação a nível internacional».

443 O Magistério avalia positivamente o papel dos agrupamentos que se formaram na sociedade civil para exercer uma importante função de sensibilização da opinião pública para com os diversos aspectos da vida internacional, com uma atenção especial para o respeito dos direitos do homem, como revela o «o número das associações privadas, recentemente instituídas, algumas de alcance mundial, e quase todas empenhadas em seguir, com grande cuidado e louvável objetividade, os acontecimentos internacionais num campo tão delicado».

(Compêndio de Doutrina Social da Igreja)

II – Magistério Pré-Conciliar

5. Em primeiro lugar, o ponto fundamental é que a força moral do direito anteceda a força material das armas. Portanto, um justo acordo de todos na diminuição simultanea e reciproca das armas, segundo normas e garantias a serem estabelecidas, na medida necessaria e suficiente à manutenção da ordem publica nos países individualmente; e, em substituição das armas, um instituto que possa arbitrar com alta função pacificadora, segundo normas a estabelecer e a sanção a ser combinada contra o país que recusasse submeter as questões internacionais à decisão desse arbitro.

(Bento XV – Carta Dès le début, aos chefes dos povos beligerantes, 01.08.1917)

11. O que aqui recordamos aos individuos a respeito dos deveres que têm de praticar a caridade, entendemos que isso deva também ser estendido aos povos que combateram a Grande Guerra, para que removida, por quanto possivel, toda causa de dissidio — e salvas as razões da justiça –, reatem entre eles relações amigaveis. Não é outra a Lei do Evangelho da caridade entre os individuos da que deve existir entre os estados e nações, não sendo esses senão a conjugação dos individuos singularmente. A partir do momento em que a Guerra cessou, não apenas por motivos de caridade, mas também por certa necessidade de coisas, vai-se delineando uma coligação universal de povos, motivados a se unirem entre si para o atendimento de mutuas necessidades, além de benevolencias reciprocas, especialmente agora com a crescente humanização e com as vias de comunicação admiravelmente multiplicadas. (…)

13. Restabelecidas assim as coisas, segundo a ordem evocada pela justiça e pela caridade, e reconciliados entre si os povos, seria muito desejavel, veneraveis irmãos, que todos os estados, removidas as suspeitas reciprocas, se reunissem numa unica sociedade, ou melhor, familia de povos, seja para garantir a propria independencia, e seja para tutelar a ordem da sociedade civil. Para formar essa sociedade entre povos é de estimulo, entre outras considerações, a necessidade geralmente reconhecida de reduzir, senão abolir, as enormes despesas militares que não podem continuar a ser sustentadas pelos estados, para que assim se impeçam futuras guerras mortiferas, e se assegure aos povos nos seus justos limites a independencia da integridade do proprio territorio.

14. E uma vez que essa federação entre nações seja fundada sobre as leis cristãs, por tudo o que se refere à justiça e à caridade, certamente não será a Igreja que recusará o seu contributo válido, uma vez que, sendo ela o tipo mais perfeito de sociedade universal, por sua mesma essencia e finalidade é de eficacia maravilhosa para irmanar os homens, não somente em ordem à eterna salvação, mas também no seu bem-estar material e os conduz através dos bens temporais, de modo a não perder os eternos

(Bento XVCarta enciclica Pacem Dei Munus sobre a reconciliação cristã de paz, 23.05.1920)

En toda reordenación de la convivencia internacional, sería conforme a las máximas de la humana sabiduría que todas las partes interesadas dedujeran las consecuencias de las lagunas o de las deficiencias del pasado; y al crear o reconstruir las instituciones internacionales, que tienen una misión tan alta, pero al mismo tiempo tan difícil y llena de gravísima responsabilidad, se deberían tener presentes las experiencias que resultaron de la ineficacia o del defectuoso funcionamiento de anteriores iniciativas semejantes. Y, como a la debilidad humana es tan dificultoso, casi podríamos decir tan imposible, preverlo todo y asegurarlo todo en el momento de los tratados de paz. cuando es tan difícil verse libre de las pasiones y de la amargura, la constitución de instituciones jurídicas que sirvan para garantizar el leal y fiel cumplimiento de tales tratados, y, en caso de reconocida necesidad, para revisarlas y corregirlas, es de importancia decisiva para una honrosa aceptación de un tratado de paz y para evitar arbitrarias y unilaterales lesiones e interpretaciones de las condiciones de los referidos tratados.

(Pio XIIAlocução natalina In questo giorno aos membros da Cúria, 24.12.1939)

44. Ya en nuestro discurso navideño de 1939 Nos presagiábamos la creación de organizaciones internacionales que, evitando las lagunas y las deficiencias del pasado, fuesen realmente aptas para preservar la paz, según los principios de la justicia y de la equidad contra toda posible amenaza en el futuro. Puesto que hoy, a la luz de tan terribles experiencias, la aspiración hacia una semejante institución universal de paz reclama cada vez más la atención y los cuidados de los hombres de Estado y de los pueblos, Nos espontáneamente expresamos nuestra complacencia y deseamos que su realización concreta responda verdaderamente, en la más amplia medida, a la altura del fin, que es el mantenimiento, en beneficio de todos, de la tranquilidad y de la seguridad en el mundo.

(Pio XIIRadiomensagem Oggi al compiersi, no 5° aniversario do inicio da guerra, 01.09.1944)

III – Sacro Império Medieval

Que o orgulho da França não venha protestar dizendo que ele não reconhece superior, pois é uma mentira. De direito os franceses estão e devem estar submetidos ao rei dos romanos, que também é imperador. Não sabemos de onde eles tiraram e onde eles puderam encontrar a ideia de sua independência, pois está estabelecido que os cristãos sempre estiveram submetidos ao monarca de Roma e que eles assim devem permanecer.

(Bonifacio VIII, bula Ausculta Fili, 05.12.1301)

IV – Referências Conexas

– Plínio Corrêa de Oliveira, sobre Bento XV, a Liga das Nações e o Sacro Império.

– Dante Alighieri, De Monarchia (original latim, ou nesta tradução para o inglês).

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

79 comentários em “Magistério da Igreja – Autoridade Mundial”

  1. Telefonei-lhe no mesmo dia. Ele prometeu esforçar-se mais da próxima vez.

  2. João de Barros,

    Indubitavelmente a leitura de outras obras de Ratzinger pode enriquecer a interpretação da Caritas in Veritate, mas ela é perfeitamente inteligível sem isso. Penso que o que o Canônico quer reiterar é que uma vez que é incontornável o processo de globalização, o exercício de uma autoridade global de fato ou de direito se dará, então é necessário que essa haja de acordo com os princípios éticos que cabe à Igreja balizar.

    Abrir mão desse balizamento por parecer utópico nos dias atuais equivale deixar de pregar a necessidade de a justiça e a caridade no relacionamento social por ser também utópico.

    E, por curiosidade, quem são “os eles”?

  3. Caro Lampedusa:

    São duas coisas diferentes.

    É necessário pregar a justiça e a caridade por assim ter ordenado Jesus, independentemente dos frutos que tal pregação venha dar.

    A utopia não está na pregação em si. A utopia está em achar que todos os homens vão dar ouvidos à pregação.

    Analogamente, não é utópico dizer que os princípios do envangelho devem reger as relações entre os povos. Na verdade, é dever da Igreja dizer isso. Mas é utópico achar que uma Autoridade Política Mundial, no futuro minimamente previsível, vá reger-se por esses princípios.

  4. “é necessário que essa haja de acordo”

    Mil perdões por esse inconveniente e intrusivo “h”…

    João,

    “Analogamente, não é utópico dizer que os princípios do envangelho devem reger as relações entre os povos. Na verdade, é dever da Igreja dizer isso. Mas é utópico achar que uma Autoridade Política Mundial, no futuro minimamente previsível, vá reger-se por esses princípios.”

    Eu não consigo discordar de seus argumentos, mas também não consigo que eles me levem à crítica do ponto 67. Se entendi bem, você considera que é tão utópico pensar que uma APM vá se reger pelos princípios evangélicos quanto a que os homens se movam por eles. É isso?

  5. Caro Lampedusa:

    Você achou a encíclica inteligível e receba, por isso, meus parabéns.

    A encíclica fala várias vezes no princípio da subsidariedade, um dos pilares da Doutrina Social da Igreja. Esse princípio diz que instâncias superiores não devem fazer o que instâncias inferiores sejam capazes de fazer.

    Bem, você poderia então esclarecer-me o que Papa quis dizer com um “oportuno e integral desarmamento” e como esse desarmamento pode ser harmonizado com o princípio da subsidariedade?

    Isso significa que a segurança nacional deixaria de estar a cargo de cada país e passaria a ser exercida pela tal Autoridade Política Mundial?

    Você também poderia esclarecer-me o que o Papa quis dizer com “governo da economia mundial” e como isso seria harmonizado com o princípio da subsidariedade?

    Isso significa que as decisões econômicas de cada país seriam submetidas a essa tal Autoridade Política Mundial?

    Você poderia também explicar-me o que o Papa quis dizer com “é necessária também uma redistribuição mundial dos recursos energéticos”?

    Isso significa o que exatamente? Significa que devemos deixar os gringos explorar livremente o petróleo brasileiro? Significa que devemos rever o acordo de Itaipu porque ele é injusto com os hermanos paraguayos?

    Para finalizar, você poderia explicar-me porque o Papa começou a encíclica dizendo que não iria propor soluções técnicas mas acabou propondo pelo menos uma dúzia delas?

  6. Caro Lampedusa:

    É mais ou menos isso.

    É utópico pensar que *todos* os homens um dia serão guiados pelo envangelho. Mas não é de modo algum utópico pensar que haverá um dia, num futuro mais ou menos distante, em que a maioria dos homens seguirá o evangelho.

    Por outro lado, é claramente utópico achar que uma Autoridade Política Mundial, constituída num futuro próximo, e portanto mais ou menos previsível, venha ser guiada pelo evangelho.

    Se o Papa estivesse falando abstratamente numa vaga Autoridade Política Mundial, a ser criada num futuro longíquo, então não teríamos uma utopia e sim uma possibilidade remota. Menos mal.

    Infelizmente, o contexto do parágrafo nos induz a achar que tal Autoridade Política Mundial deve ser constituída num futuro próximo.

  7. Caro Lampedusa:

    “Eles” são os protestantes, os maçons, os deicidas, os ateus e os socialistas. Eles já governavam metade da Europa no século XVIII e passaram a governar a outra metade no século seguinte.

    Mulçumanos, budistas e pagãos em geral não são “eles”, mas assistem gostosamente à derrocada do Cristianismo.

  8. Caro Pedro:

    Deve haver algum engano no link.

    O artigo que você linkou, muito bom por sinal, fala sobre as semelhanças entre a argumentação da FSSPX e a dos reformadores protestantes.

    O autor também diz que a Igreja, se não fosse o CVII, estaria dividida (ainda mais?), o que é um exercício de história alternativa que podemos discutir*.

    Contudo, o artigo que você linkou nada fala sobre “era de ouro”.

    É uma pena.

    Eu gostaria muito de ler uma análise comparativa sobre, por exemplo, o número de vocações sacerdotais e a frequência aos sacramentos antes e depois do CVII.

    Você sabe qual era o número de padres no mundo antes e depois do CVII?

    Você sabe qual era a frequência à missa na Europa ou EUA ou Brasil antes e depois do CVII?

    Se você souber, coloque esses números aqui para que nós possamos discutir como era antes e como é depois do CVII.

    *Jorge Ferraz, uma sugestão. Escreva um artigo com o tema: O que teria acontecido se João XXIII não tivesse convocado um novo concílio ecumênico?

  9. “Você poderia também explicar-me o que o Papa quis dizer com “é necessária também uma redistribuição mundial dos recursos energéticos”?

    Isso significa o que exatamente? Significa que devemos deixar os gringos explorar livremente o petróleo brasileiro? Significa que devemos rever o acordo de Itaipu porque ele é injusto com os hermanos paraguayos?”

    Se isso não é forçar a barra, é o que? Deboche do Papa?

  10. “Deboche do Papa?”

    Vôte! Voces, católicos, tem a coragem de dizer isto, assim, sem cerimônia?

    Eu, tudo bem, sou um herege, vou pro inferno, não ligo. Mas, os senhores?

  11. Caro Canônico:

    Não, não é deboche. É uma pergunta honesta.

    Gostaria simplesmente de saber o que as expressões usadas pelo Papa significam e quais suas implicações sobre a realidade que encontramos no dia-a-dia.

    Você, pelos vistos, também não sabe as repostas mas sequer parou para pensar no que realmente está escrito na encíclica.

    O assunto Itaipu e Paraguai, por exemplo, está nos jornais quase diariamente. É importante que nós católicos brasileiros tenhamos uma posição política em consonância com os ensinamentos da Caritas in Veritate.

    Portanto, se o Papa pede uma melhor distribuição dos recursos energéticos, significa que nós devemos apoiar os paraguaios na sua luta pela energia de Itaipu. Ou não?

    Eu, por exemplo, votei contra o desarmamento. Mas, depois de ler que o Papa apoia um desarmamento “oportuno e integral”, talvez mude minha posição no próximo plesbicito que houver sobre o tema.

    Eu, por exemplo, sempre fui contra a reforma agrária. Mas, depois de ler que o Papa apoia uma “equitativa reforma agrária”, talvez mude minha posição e vote na Heloísa Helena.

  12. Ainda estou acompanhando o debate, embora agora com muito menos tempo.

    *Jorge Ferraz, uma sugestão. Escreva um artigo com o tema: O que teria acontecido se João XXIII não tivesse convocado um novo concílio ecumênico?

    Interessante mas, se me permitem um comentário, acho que não passaria de um exercício de imaginação pouco frutífero. Algo como procurar o elo perdido… =)

  13. JB,

    Eu só posso interpretar tuas perguntas como ironias retóricas cujo objetivo, aliás, me escapa. Quando o Papa fala que não vai propôr “soluções técnicas”, ele só está repetindo as autonomias da Fé e da ciência em seus respectivos campos, e justamente avisando que a carta encíclica não é para ser lida do ponto de vista dos problemas concretos que está na base dos teus questionamentos.

    “Reforma agrária” não é uma solução técnica, é um princípio da Doutrina Social da Igreja – aliás, só é possível dizer que a Caritas in Veritate apresenta “soluções técnicas” no mesmo sentido em que toda a DSI as apresenta… – que, diga-se de passagem, é bastante genérico. “Reforma Agrária” obviamente não é sinônimo de “MST”.

    O mesmo vale para o desarmamento, que o Papa chama de “oportuno” na encíclica, o que não é uma solução técnica nem um direcionamento específico. No Brasil, o desarmamento não é oportuno. A tua dúvida sobre a usina de Itaipu não pode ter surgido da leitura da última encíclica de Bento XVI, porque o Compêndio de Doutrina Social da Igreja já diz que “[a]s [fontes de energia] não renováveis, exploradas pelos países altamente industrializados e por aqueles que de recente industrialização, devem ser postas ao serviço de toda a humanidade” (Compêndio, 470).

    Aliás, o mesmo vale para tudo: todos os princípios da DSI repetidos pelo Papa na Caritas in Veritate são princípios. E princípios não são “soluções técnicas”. Cabe aos leigos engajados em política aplicar os princípios da Doutrina Social da Igreja às realidades concretas com as quais eles se deparam.

    Quanto ao artigo sobre o CV II, eu acho interessante, mas certamente não tenho competência para o escrever. Vou dar uma olhada amanhã com mais calma no artigo do Messori.

    Abraços,
    Jorge

  14. Caro João,

    “Você achou a encíclica inteligível e receba, por isso, meus parabéns. ”

    Não só isso, como para mim é incomum a facilidade de Bento XVI se expressar com clareza e precisão sobre os temas mais complexos, desde que lhe deem – como pede na introdução ao “Jesus de Nazaré” – um voto de boa vontade.

    “Bem, você poderia então esclarecer-me o que Papa quis dizer com um “oportuno e integral desarmamento” e como esse desarmamento pode ser harmonizado com o princípio da subsidariedade?”

    Você não considera – ao menos em termos de princípio – oportuno um certo grau de desarmamente entre as nações? Se não, porque? Se sim, como se daria isso sem um juízo sobre as nações envolvidas? Sem essa autoridade valorativa não seria utópico pensar em desarmamento? O Irã ou a Coréia do Norte tomariam a iniciativa de diminuir seu arsenal bélico?

    “Isso significa que a segurança nacional deixaria de estar a cargo de cada país e passaria a ser exercida pela tal Autoridade Política Mundial?”

    Evidentemente que não. A destruição das armas de destruição em massa de forma multilateral não implicaria em abrir mão da segurança nacional com os devidos meios.

    “Você também poderia esclarecer-me o que o Papa quis dizer com “governo da economia mundial” e como isso seria harmonizado com o princípio da subsidariedade?

    Isso significa que as decisões econômicas de cada país seriam submetidas a essa tal Autoridade Política Mundial?”

    Para mim isso está absolutamente claro – e com clarividência – no ponto 24 da encíclica.

    “Você poderia também explicar-me o que o Papa quis dizer com “é necessária também uma redistribuição mundial dos recursos energéticos”?”

    Acho que o Jorge já respondeu.

    “Para finalizar, você poderia explicar-me porque o Papa começou a encíclica dizendo que não iria propor soluções técnicas mas acabou propondo pelo menos uma dúzia delas?”

    Dê-me um exemplo de “solução técnica” que o Papa tenha dado.

  15. Meus caros:

    Evidentemente, se nos permitirmos uma ampla interpretação das palavras do Papa, tudo passa a ser possível e ficamos quietinhos como dantes.

    Por exemplo, para o Jorge Ferraz, “reforma agrária” não é sinônimo de MST assim como “redistribuição da riqueza” não é sinônimo de socialismo. Claro que o Jorge está correto.

    Em teoria.

    Pois é fácil ver que essas expressões, reforma agrária e redistribuição da riqueza, são usadas, na prática, só por esquerdistas (quero ver se os padres do Opus Dei têm coragem de falar em “redistribuição de riqueza” em suas homilias ou recolhimentos).

    “Ah! Mas a DSI já falava em reforma agrária!”

    Mas, justamente por essa manifesta ingenuidade, boa parte da DSI é solenemente ignorada pelas pessoas de bom-senso. Pois qualquer pessoa de bom-senso sabe que, da Argentina ao Zimbabwe, “reforma agrária” é, na prática, sinônimo sim de MST. Se não acredita, pergunte à CNBB…

    Notem que já fui criticado por supostamente tentar adaptar a DSI à minha “ideologia” particular.

    Mas não foi precisamente isso que o Lampedusa e o Jorge Ferraz fizeram nas mensagens acima? Vejam que o “oportuno e integral desarmamento” pregado pelo Papa deixa de ser integral para o Lampedusa e deixa de ser oportuno para o Jorge Ferraz.

    E é precisamente esse o ponto! É precisamente essa a fraqueza da encíclica.

    Na tentativa de abordar todos os assuntos sob o sol, de agricultura a turismo, a encíclica acaba falando genericamente sobre assuntos que só podem ser avaliados especificamente.

  16. Voltemos à Autoridade Política Mundial. De acordo com a encíclica (CV, 67), ela deverá:

    a) Gozar de poder efetivo
    b) Governar a economia mundial
    c) Sanar as economias em crise
    d) Realizar um integral desarmamento
    e) Garantir a segurança alimentar e a paz
    f) Salvaguardar o ambiente
    g) Regular os fluxos migratórios
    h) Respeitar o princípio da subsidariedade

    Como se vê, a missão da Autoridade Política Mundial é bastante simples. Só faltou erradicar o pecado do mundo.

    Vejam que todos os itens acima já são desempenhados mais ou menos bem pelos Estados existentes. Propor uma instância superior para realizar uma atividade que pode muito bem ser feita por uma instância inferior viola o princípio da subsidariedade. Essa é uma grande contradição da encíclica.

    Notem que o Lampedusa não vê problema algum com um “governo da economia mundial” centralizado. Tudo bem. Tem gosto para tudo. Já o Jorge Ferraz, eu suponho, provavelmente colocaria tantas restrições a essa centralização econômica mundial que ficaríamos todos onde estamos hoje.

    Evidentemente, esta discussão não tem valor algum pois tal Autoridade Política Mundial é claramente utópica e não vai a lugar nenhum. É obviamente impossível chegar a um acordo mundial quanto àqueles itens acima.

  17. Caro Lampedusa:

    O trecho abaixo, entre outros, propõe várias soluções que são exclusivamente técnicas.

    Esse parágrafo, entre outros, parece mais ter sido redigido por agronômos da FAO, cuja sede coincidentemente é em Roma, que pelo Papa.

    Além disso, o viés esquerdista é óbvio.

    “O problema da insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas rurais, sistemas de irrigação, transportes, organização dos mercados, formação e difusão de técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor possível os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção a longo prazo. Tudo isto há-de ser realizado, envolvendo as comunidades locais nas opções e nas decisões relativas ao uso da terra cultivável.”

  18. “Eu só posso interpretar tuas perguntas como ironias retóricas cujo objetivo, aliás, me escapa.”

    Sim, mas eu sou devoto de São Carlos I de Hapsburgo (o milagre que levou à sua canonização foi feito no Brasil, sabia?) e você me provocou com aquela fantasia do Sacro-Império na Caritas in Veritate.

    :-)

  19. “O problema da insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de investimentos em infra-estruturas rurais, sistemas de irrigação, transportes, organização dos mercados, formação e difusão de técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor possível os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção a longo prazo. Tudo isto há-de ser realizado, envolvendo as comunidades locais nas opções e nas decisões relativas ao uso da terra cultivável.”

    Promover tudo isso é obra de comunistas, não é? Dos filhos de Satanás… Ainda bem que foi um papa o escritor, não eu, herege comunista e ateu.

    Depois, não querem que os taxe de nazistas…

  20. Se alguém possui alguma dúvida da sinceridade do João, eis aí.

    Houve um tempo em que os católicos seguiam os critérios do Magistério. As coisas já não são mais assim, para muitos.

    Se isto, que mostro abaixo, não for má fé, é o que?

    “Pois é fácil ver que essas expressões, reforma agrária e redistribuição da riqueza, são usadas, na prática, só por esquerdistas (quero ver se os padres do Opus Dei têm coragem de falar em “redistribuição de riqueza” em suas homilias ou recolhimentos).”

  21. Caro Argo:

    O viés esquerdista está na palavra-chave “envolver as comunidades locais”. Em princípio, todos somos a favor. Na prática, isso significa MST, Via Campesina, Fundação Palmares etc.

    Simpes assim.

  22. JB, Só um comentário:

    Vejam que todos os itens acima já são desempenhados mais ou menos bem pelos Estados existentes. Propor uma instância superior para realizar uma atividade que pode muito bem ser feita por uma instância inferior viola o princípio da subsidariedade. Essa é uma grande contradição da encíclica.

    Se os regimes internacionais daqueles itens violam o princípio da subsidiariedade, então qualquer tentativa de regular e aplicar esses regimes (logo, todas as OIs) fereria esse princípio. Esses regimes, as OIs e o próprio direito internacional surgiram justamente porque os Estados não realizam bem tais atividades, e foi necessária a coordenação das ações. Você parte do pressuposto que as atividades são “bem feitas” pelos Estados, mas sabemos que não são — do contrário, corridas armamentistas, crises econômicas, insegurança alimentar mundial e problemas com imigração nunca aconteceriam (ou aconteceriam apenas regionalmente).

    Portanto, não vejo contradição aí.

    Abraço.

  23. Em tempo: não sei como perdem tempo com o Argo. Claramente (em particular neste último comentário) ele não sabe interpretar texto nem o que é comunismo.

  24. Caro Canônico:

    Não precisa subir nas tamanquinhas. Não há má fé nenhuma. Respire fundo e, em vez de ataques ad hominem, que tal concentrar-se em produzir bons argumentos?

    Espelhe-se no Jorge Ferraz e no Lampedusa. A argumentação deles é muito boa.

    Além do que, o que eu disse é pura verdade.

    Qualquer pessoa de bom-senso – e os do Opus Dei têm muito – sabe que “redistribuição de riqueza”, nos dias correntes, é um termo praticamente só usado pelos esquerdistas.

    Na prática, na atualidade, ao contrário do que o Jorge Ferraz disse, “Redistribuição de riqueza” e “reforma agrária” não são palavras neutras e têm um claro viés socialista.

  25. JB,

    Esclareçamos então uma coisa: as mesmíssimas críticas que tu fazes à Caritas in Veritate, fazes a toda a Doutrina Social da Igreja. É isso, não?

    Abraços,
    Jorge

  26. João, é simples: isso é o princípio da solidariedade. É Doutrina Social da Igreja. Se os homens, pecadores, não querem fazer isso, criamos as chamadas ‘estruturas de pecado’. Novamente, Doutrina Social da Igreja.

    Você não acha que já passou da hora de nos ‘apropriarmos’ de volta de termos que não são socialistas, mas sim cristãos?

    Afinal, os vermelhinhos dizem que até as comunidades cristãs dos Atos dos Apóstolos eram socialistas porque ‘tinham tudo em comum’…

    O consolador é saber que há, sim, gente empenhada em mudar a situação. Em um ritmo coerente, mas com trabalho sério.

  27. Caro Pedro M.:

    A contradição permanece.

    Se um determinado Estado não consegue desempenhar bem uma dada tarefa (garantir a segurança de seu povo, p.e.), a solução, de acordo com a subsidariedade, é criar condições que permitam que esse Estado passe a desempenha-la melhor, e não criar uma estrutura supra-estado para substituir o Estado.

    De acordo com a subsidariedade, uma instância superior (uma força de paz internacional, p.e.) seria admitida apenas temporáriamente, como um paliativo, enquanto tal Estado não possuir condições mínimas.

    Mas não é isso que está escrito na CV. Pelo que está escrito na CV, a Autoridade Política Mundial substituiria várias das atuais funções dos Estados.

    Sei que a CV também fala em aumentar a importância dos Estados. Por isso, ela é contraditória.

    Veja que a tal Autoridade Política Mundial é muito mais abrangente que a ONU e outras OIs, as quais tendem a regular as relações inter-Estados e apenas atuam intra-Estado quando o país em questão é muito pobre ou frágil.

    Veja ainda que há uma enorme diferença entre relações multilaterais (tipo WTO), onde vários países tentam chegar a acordos de interesse comum, e a tal Autoridade Política Mundial, a qual se sobreporia aos países.

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