Poliana às avessas

“Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja” (Unitatis Redintegratio, 1), que é “a única grei de Deus” (UR, 2). E todos devem fazer parte desta Igreja se quiserem a salvação, porque “não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar” (Lumen Gentium, 14). Importa que as almas sejam salvas; importa que aquelas pessoas pelas quais Nosso Senhor derramou o Seu Divino Sangue no Calvário façam parte da Igreja por Ele fundada, fora da qual não há nem salvação e nem santidade.

A notícia da semana é sem dúvidas a volta da Comunhão Tradicional Anglicana à Igreja fundada por Nosso Senhor. Os nossos irmãos separados abandonam – finalmente! – o caminho da heresia para adentrar no caminho da salvação: sejam muitíssimo bem vindos. Estamos falando do retorno de entre 30 e 50 bispos e centenas de fiéis à Casa Paterna; estamos falando do fim de um cisma de cinco séculos! Aleluia!

A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu uma nota (em italiano; em tradução não-oficial pelo Fratres in Unum) sobre a situação. Os “padres” anglicanos casados (as aspas são porque protestantes não têm sacramentos verdadeiros, à exceção do Batismo e do Matrimônio) serão ordenados verdadeiros sacerdotes do Deus Altíssimo, ainda que casados; os “bispos” anglicanos casados não serão ordenados bispos católicos, posto que, para o episcopado, não há exceção à disciplina do celibato – serão ordenados padres. E a supracitada nota trouxe à baila a figura jurídica mágica: Ordinariatos Pessoais.

Após a Administração Apostólica Pessoal (de Campos) e a Prelazia Pessoal (do Opus Dei), vem agora o Ordinariato Pessoal. Talvez sirva para a FSSPX, embora eu não saiba precisar a diferença entre as três figuras canônicas. Segundo a nota da CDF, a Constituição Apostólica (sobre o assunto, que deve sair nas próximas semanas) apresentará “um único modelo canônico para a Igreja universal que é adaptável a várias situações locais”. O que permanece para os que retornam? “[E]lementos do distintivo patrimônio espiritual e litúrgico Anglicano”. Provavelmente algumas orações e devoções próprias, quiçá um rito próprio; esperemos o documento assinado pelo Papa. E demos graças a Deus, pelo fim do cisma.

No entanto, o que é verdadeiramente cômico – ou trágico – é encontrar na mídia um enfoque totalmente nonsense. Não estão interessados nos bons frutos do [verdadeiro] Ecumenismo, não estão interessados no fim de um cisma de quinhentos anos, não estão interessados nos esforços feitos por Roma para acomodar os recém-chegados da melhor forma possível, não estão interessados nas mudanças do Código de Direito Canônico, não estão interessados em absolutamente nada, exceto no fato de Roma “aceitar [a] conversão de padres anglicanos casados”. Como se a Igreja fosse “negar a conversão” – seja lá o que isso signifique – de quem deseja estar cum Petro et sub Petro.

E a estupidez chega às raias do surreal quando “muitos analistas” vêm dizer que a volta dos anglicanos “aumenta expectativa de fim do celibato”. Ora, foi precisamente por não suportarem mais a babel modernista protestante que estes anglicanos retornaram à comunhão com a Igreja; voltarem-se para Roma exatamente por Roma ser “anti-progressista” – e alguns pretendem que este mesmo retorno seja a introdução do progressismo na Igreja! É incrível como eles conseguem. Poliana conseguia encontrar coisas boas até mesmo nas piores situações com as quais se deparava. Nos nossos dias, deparamo-nos por [muitas] vezes com uma espécie curiosa de Poliana às avessas: conseguem tirar coisas ruins até mesmo das melhores notícias que nos chegam.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

23 comentários em “Poliana às avessas”

  1. Caro Jorge,

    Sem dúvida a notícia do Papa ter aberto as portas para o ingresso dos anglicanos na Igreja Católica é fantástica e devemos dar graças a Deus por isso. Também devemos nos regozijar com a criação dessa nova estrutura canônica chamada ordinariato, mesmo que ainda não a conheçamos completamente, mas que poderá servir de base para a regularização canônica da própria FSSPX (já católicos).

    Contudo, há ainda que se ter alguma cautela no entusiasmo gerado por essa notícia. Se, por um lado, vemos o exemplo vivo do Pai que recebe o filho pródigo de braços abertos, como o Nosso Papa está nos dando, não podemos esquecer que essa volta não representa o fim do anglicanismo em si e, consequentemente, o fim do cisma do anglicanismo. As notícias nos dão conta que apenas uma parte dos anglicanos (os mais conservadores) vai deixar o anglicanismo.

    O segundo ponto é que a motivação pessoal destes está baseada mais nos escândalos pessoais do que no repúdio à parte doutrinal do anglicanismo. Estariam eles igualmente convencidos da excelência doutrinal do catolicismo em relação ao anglicanismo e plenamente de acordo com os principais dogmas da Igreja Católica (seja a Presença Real de Cristo na Eucaristia, a necessidade da Confissão sacramental, etc.)? Ainda não sabemos disso. Esperamos que pouco a pouco eles recebam a formação doutrinal e adiram de coração ao depósito da Fé Católica.

    Enquanto essas questões não ficarem muita claras, creio que o melhor a fazer e aguardar mais esclarecimentos sobre essa nova forma canônica e rezarmos para que o gesto de bondade parternal do Santo Padre renda frutos de verdadeira conversão à Fé Católica.

    São Tomas Moore, rogai por nós!

  2. Jorge, o Ordinariato Pessoal assumirá as mesmas características do Ordinariato Militar. Creio ser o exemplo mais adequado para explicá-lo.

  3. Caros,

    Sim, é verdade e é importante frisar: não são todos os anglicanos que estão retornando para a Igreja de Nosso Senhor, e sim os que fazem parte da Comunhão Anglicana Tradicional.

    Quanto às questões de Fé, imagino ser natural que os problemas doutrinários tenham precedência sobre os canônicos – i.e., aqueles (pelo menos os que se referem diretamente ao Dogma) precisam necessariamente ser sanados antes que estes o sejam. Uma “regularização canônica” de hereges que permanecessem com crenças heréticas seria inócua e sem sentido. Não vejo motivos para desconfiar de que seja tal o que tenha acontecido.

    Abraços,
    Jorge

  4. Li que os Anglicanos Tradicionais assinaram o catecismo da Igreja Católica quando solicitaram a união. então aceitam toda doutrina católica. Pelo menos este grupo. Agora a imprensa distorce tudo. Hoje no Jornal escrito Diário do nordeste tem uma manchete assim: “Anglicanos rejeitam proposta do papa”. Quando se ler o texto se ver que é apenas um grupo conservador que propõe um união dos conservadores em voltar a Roma. Eles (Imprensa) gostam de distorcer as coisas.

  5. Jorge Ferraz:

    Poliana conseguia encontrar coisas boas até mesmo nas piores situações com as quais se deparava. Nos nossos dias, deparamo-nos por [muitas] vezes com uma espécie curiosa de Poliana às avessas: conseguem tirar coisas ruins até mesmo das melhores notícias que nos chegam.

    Jorge, por favor, desculpe-me a minha ignorância. Quem é Poliana?

  6. Jorge,

    A Administração Apostólica está “presa” à diocese de Santos. Ela é pessoal E territorial. O ordinariato tem um ordinário (um bispo) e não tem circunscrição territorial. Haverá vários ordinariatos, com vários bispos, como acontece com os ordinariatos militares. Os militares de Campinas são súditos de D. Osni, como os de Brasília, e por aí vai. A prelazia pessoal, como o Opus Dei, é uma só em todo o mundo e é presidida por um prelado (não necessariamente um bispo), e seus membros devem obediência ao prelado e ao bispo local.

    Se houver ordinariatos pessoais para a SSPX, decerto Campos será um deles (assim espero), de forma que eu possa ser um súdito de D. Fernando.

  7. e agora, Jorge?
    nem mesmo teólogos católicos concordam com a concessão feita pelo Vaticano aos Anglicanos:

    http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1358378-5602,00-TEOLOGO+CRITICA+DURAMENTE+AO+PAPA+E+VATICANO+CONTESTA+REALIDADE+DE+ARGUMENT.html

  8. e agora, Jorge?
    nem entre os católicos há consenso sobre a “reconversão” dos anglicanos. um teólogo católico criticou o Vaticano.

  9. Ao Roberto Quintas, vulgo profeta do profano,
    E daí? Que um teólogo “dissidente” critique o Papa por qualquer coisa que ele faça já é de se esperar.
    Desse Hans Kung, então, só se espera o pior, como de Kasper, Martini, Balduíno, Boff e cia.
    O que chamaria a atenção é se qualquer desses bandidos elogiasse o Papa.
    Sempre haverão traidores na Igreja e na sociedade.
    Esses caras odeiam mais a Igreja do que você, Roberto Quintas. Pode acreditar!
    Carlos.

  10. Hajo engraçado que se o Papa não acolhesse estes anglicanos seria criticado da mesma forma, não adianta, para essas pessoas independentemente o que a Igreja ou o Papa faça, sempre será mau feito e visto com maus olhos, eita pessoal que odeia a Igreja e ao Papa.

  11. Como assim e daí, Carlos? Se eu me recordo dos “argumentos” postados por aqui, afirma-se que não há dissidência na Igreja e eis que o sr mesmo admite que existem dissidentes na Igreja…ooops!

  12. Profeta do Profano,
    Dissidentes na Igreja existem desde o tempo dos apóstolos. Ou você nunca ouviu falar de Judas Iscariotes?
    Carlos.

  13. Pelo que entendo não há dissidentes na Igreja mas há os que são dissidentes contra a Igreja, mesmo os que se hajam integrantes desta mesma Igreja, estou certo Carlos?

  14. Profeta do profano,

    De teólogos católicos, esse sr Kung não tem nada, são traidores isso sim. E de traidor só podemos esperar uma atitude de reprovação quando a Santa Igreja Católica ganha poder.
    Quanto as consequencias apontadas pelo traidor Hans Kung o enfraquecimento da Igreja Anglicana seria ótimo, só não entendi “a desorientação dos fiéis dessa confissão e a indignação do clero e o povo católico”, eu vejo precisamente ao contrário, uma vez que eles aderem a verdadeira Fé não há porque ter desorientação e muito menos o clero e o povo católico ficarem indignados, vai entender o que ele quis dizer, pode ser um sintoma da idade aliado a uma doença chamada progressismo.

  15. “Como assim e daí, Carlos? Se eu me recordo dos “argumentos” postados por aqui, afirma-se que não há dissidência na Igreja e eis que o sr mesmo admite que existem dissidentes na Igreja…ooops!”
    Nossa! Quem disse que não há dissidentes na Igreja? Várias heresias começaram justamente porque houve dissidentes da Igreja, agora se está dentro da Igreja, então não é dissidente e na reportagem diz que o sr. Kung é um dissidente. Se bem que existem muitos que dizem ser católicos, mas defendem cada coisa…

  16. Salve!
    Recebi a principio com alegria o anúncio do retorno de parte (pequena) da Comunhão Anglicana (TAC – é o grupo dissidente e foi o que solicitou da Santa Sé comunhão plena), no entanto percebi que sabia pouco sobre anglicanismo, a não ser como começou, e parti para conhecê-los melhor já que pretendem retornar à Casa do Pai.
    Pois bem! Depois de me entranhar na “bagunça” anglicana (perdão, mas não há outro adjetivo que caiba) agora começo a ter sérias dúvidas sobre este “acolhimento”, senão vejamos:
    – Nos sites da TAC estão disponíveis documentos que atestam (salvo uma melhor análise de quem fala inglês com fluência – que não é meu caso), no mínimo do que pude dirimir, a justificação pela fé e a negação total da autoridade do Papa sobre o reino britânico (embora eles discutam o assunto… mas sem concluir nada). Link: http://acahomeorg0.web701.discountasp.net/documents/tract90_newman.aspx
    – Em entrevista ao jornal australiano The Australian o primaz da TAC, Arcebispo John Hepworth, afirma com todas as letras que serão ordenados sacerdotes casados indefinidamente com a aplicação da Constituição Apostólica (embora o Cardeal Levada tenha esclarecido que na nota á imprensa isto não foi afirmado e que a demora na publicação (da constituição) se deve à situação dos “seminaristas” anglicanos no momento da adesão (ZEnit). Isto é o que vale nessa história). Salvo se o Arcebispo da TAC não foi claro nas suas respostas ou mal interpretado ou ainda a tradução foi ruim.
    Imaginem como sustentar o celibatismo após uma decisão dessas????
    Link: http://subsidioliturgico.blogspot.com/2009/10/primaz-da-tac-traditional-anglican.html
    – Temo que, talvez, o Vaticano tenha se precipitado no anúncio dessa acolhida, pois não vi verdadeira adesão à Santa Doutrina Católica, ao menos não a reconheci nos sites da TAC, aliás me apresentaram sinais ao contrário disso.
    Me preocupa a possibilidade de que queiram continuar a ser anglicanos dentro da Igreja Católica! Quando a conversão é individual é mais clara a convicção quanto à mesma, mas como garantir a sinceridade de uma massa desse porte???
    Rezo para que esteja completamente enganado sobre isso.
    Em Cristo e Maria Santíssima!

  17. Caro Sidnei,
    sim, acho que você está certo.
    Os dissidentes (hereges e cismáticos) já não fazem parte da Igreja. Logo, são dissidentes DA Igreja e não NA Igreja.
    A confusão é porque Hans Kung e outros, oficialmente, não são hereges nem cismáticos, pois nunca foram excomungados.
    Que falta fazem umas boas excomunhões…
    Um abraço.
    Carlos.

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