João Paulo II e o cilício, Bento XVI e El País

Só comentando: todo mundo já deve ter ouvido falar do novo livro sobre João Paulo II, escrito pelo postulador da causa de beatificação, o monsenhor Slawomir Oder. Eu não li o livro, mas a julgar pelas notícias que saíram a única coisa que parece interessar nele é a informação de que o Papa usava cilício e penitência.

Aliás, a notícia não fala em cilício e penitência; diz somente que o Vigário de Cristo “se flagelava regularmente”. O cilício, fui eu que coloquei, uma vez que acho perfeitamente razoável supôr que o Pontífice o utilizava. E ponho o cilício na história porque o piedoso instrumento de ascese já foi, nos últimos anos, devidamente demonizado pelos inimigos da Cruz de Cristo. E, a Opus Dei, junto com ele.

Alguém comentou em um email ou no twitter que João Paulo II, comunicativo como sempre foi, jamais poderia ser chamado pela mídia de retrógrado ou medieval pela utilização do cilício ou da penitência. Seguindo esta lógica, o resultado deveria ser a absolvição das penitências corporais, uma vez que mesmo João Paulo II as utilizava. Ledo engano. Uma senhora chamada Barbara Gancia, ilustre desconhecida de mim até hoje, já resolveu jogar lama na imagem do falecido pontífice. Entre outras diatribes e vitupérios que não ouso reproduzir, esta senhora sentenciou que João Paulo II seria “um sujeito de mentalidade medieval!”.

A revelação de que o Servo de Deus João Paulo II fazia penitências corporais deveria servir para resgatar estas santas práticas de ascese – até o presente momento restritas ao gueto dos fanáticos ultra-reacionários e de extrema-direita da Opus Dei. No entanto, já estão tentando fazer precisamente o contrário: na cabeça de alguns anti-clericais, se o Papa usava cilício e penitência, isso não significa que o cilício e a penitência são coisas boas, mas sim que o Papa é um desequilibrado, um sadomasoquista. Contra gente preconceituosa como a sra. Gancia não há nada que se possa fazer. Ela já botou na cabeça que as penitências corporais são coisas do Capeta no qual ela não acredita, e ai de quem aparecer para as defender. Com esse tipo de gente, não vale nem a pena perder muito tempo.

Enquanto isso, e por incrível que pareça, na contramão de tudo o que se poderia esperar, tive a grata surpresa de encontrar no El País uma matéria com o singelo título de en defensa de Benedicto XVI! E fico pensando cá com os meus botões: se a Barbara Gancia se escandaliza e rasga as vestes ao saber que João Paulo II se flagelava, qual será a opinião dela sobre o Papa Bento XVI gloriosamente reinante? E chego à conclusão de que não quero nem saber. Tenho a ligeira sensação de que seria alguma coisa bem parecida com o que se critica na reportagem espanhola acima citada. Os anti-clericais são tão previsíveis. Às vezes eu acho incrível como eles conseguem manter platéia.

Abaixo-assinado dos bispos contra o PNDH-3

[Recebi por email de duas fontes distintas. Não tem (ainda) nem no Google, mas o sacerdote meu amigo que mo enviou garantiu a autenticidade.

Reitero a minha positiva surpresa com a tomada de posição pública (finalmente, graças a Deus!) dos bispos católicos desta Terra de Santa Cruz. Já estava mais do que na hora. Deus seja louvado. São 67 os sucessores dos Apóstolos que subscreveram o texto abaixo. Que a Virgem Santíssima os possa recompensar.

No entanto, eu tenho uma dúvida: segundo a Wikipedia (que cita o “Diretório da liturgia e da organização da Igreja no Brasil” da CNBB), há 272 circunscrições eclesiásticas no Brasil. Contando os bispos auxiliares e eméritos ainda vivos, deve haver uns 400 bispos no “maior” país católico do mundo. Onde está o resto das assinaturas?

Sugiro que enviemos este abaixo-assinado aos nossos bispos diocesanos, para que eles tenham também a oportunidade de se manifestar publicamente e engrossar as fileiras dos que não traíram o seu dever.]

Pronunciamento acerca do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos

Nós abaixo-assinados, impelidos por nosso dever pastoral como Bispos católicos, provenientes de várias regiões do País, reunidos em um encontro de atualização pastoral – prosseguindo a tradição profética da Igreja Católica no Brasil que, nos momentos mais significativos da história de nosso País, sempre se manifestou em favor da democracia, dos legítimos direitos humanos e do bem comum da sociedade, em continuidade com a Declaração da CNBB do dia 15 de Janeiro de 2010 e com a Nota da Comissão Episcopal de Pastoral para a Vida e a Família e em consonância com os pareceres emitidos por diversos segmentos da sociedade brasileira feridos pelo III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), assinado pelo Preside nte da República no dia 21 de dezembro de 2009 – nos vemos no dever de manifestar publicamente nossa rejeição a determinados pontos deste Programa.

Diz a referida Declaração: “A CNBB reafirma sua posição muitas vezes manifestada em defesa da vida e da família e contrária à discriminalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito de adoção de crianças por casais homo-afetivos. Rejeita, também, a criação de mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União, pois considera que tal medida intolerante, pretende ignorar nossas raízes históricas”.

Não podemos aceitar que o legítimo direito humano, já reconhecido na Declaração de 1948, de liberdade religiosa em todos os níveis, inclusive o público, possa ser cerceado pela imposição ideológica que pretende reduzir a manifestação religiosa a um âmbito exclusivamente privado. Os símbolos religiosos expressam a alma do povo brasileiro e são manifestação das raízes históricas cristãs que ninguém tem o direito de cancelar.

Há propostas que banalizam a vida, descaracterizam a instituição familiar do matrimônio, cerceiam a liberdade de expressão na imprensa, reduzem as garantias jurídicas da propriedade privada, limitam o exercício do poder judiciário, como ainda correm o perigo de reacender conflitos sociais já pacificados com a lei da anistia. Estas propostas constituem, portanto, ameaça à própria paz social.

Fazemos nossas as palavras do Cardeal Dom Geraldo Majela Agnelo, Primaz do Brasil, referidas à proposta de discriminalização do aborto, mas extensivas aos demais aspectos negativos do programa. O PNHD 3 “pretende fazer passar como direito universal a vontade de uma minoria, já que a maioria da população brasileira manifestou explicitamente sua vontade contrária. Fazer aprovar por decreto o que já foi rechaçado repetidas vezes por órgãos legítimos traz à tona métodos autoritários, dos quais com muito sacrifício nos libertamos ao restabelecer a democracia no Brasil na década de 80”.

“Firmes na esperança, pacientes na tribulação, constantes na oração” (Rm 12, 12), confiamos a Deus, Senhor supremo da Vida e da História, os rumos de nossa Pátria brasileira.

Rio de Janeiro, 28 de Janeiro de 2010.

+ Alano Maria Pena, Arcebispo de Niteroi, RJ

+ Francisco de Assis Dantas de Lucena, Bispo de Guarabira

+ Fernando Arêas Rifan, Bispo da Administração Apostólica S. João Maria Vianney, Campos, RJ

+ Benedito Gonçalves Santos, Bispo de Presidente Prudente, SP

+ Joaquim Carreira, Bispo Auxiliar de São Paulo, SP

+ Juarez Silva, Bispo de Oeiras, PI

+ Manoel Pestana Filho, Bispo emérito de Anápolis, GO

+ José Moreira da Silva, Bispo de Januária, MG

+ Tarcísio Nascentes dos Santos, Bispo de Divinópolis, MG

+ Guiliano Frigenni, Bispo de Parintins, AM

+ Paulo Francisco Machado, Bispo de Uberlândia

+ Gilberto Pastana de Oliveira, Bispo de Imperatriz, MA

+ Philipe Dickmans, Bispo de Miracema, TO

+ Edney Gouvêa Mattoso, Bispo eleito de Nova Friburgo, RJ

+ Carlos Alberto dos Santos, Bispo de Teixeira de Freitas – Caravelas, BA

+ Walter Michael Ebejer, Bispo emérito de União da Vitória, PR

+ José Antônio Peruzzo, Bispo de Palmas – Francisco Beltrão, PR

+ Franco Cuter, Bispo de Grajaú, MA

+ Karl Josef Romer, Secretário emérito do Pontifício Conselho para a Família

+ Roberto Lopes, Abade do Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro, RJ

+ Orani João Tempesta OCist., Arcebispo do Rio de Janeiro, RJ

+ Eugenio de Araujo Card. Sales, Arcebispo emérito do Rio de Janeiro, RJ

+ João Carlos Petrini, Bispo Auxiliar de São Salvador da Bahia

+ Luciano Bergamin, Bispo de Nova Iguaçu, RJ

+ Antônio Augusto Dias Duarte, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, RJ

+ Wilson Tadeu Jönck, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro

+ Pedro Brito Guimarães, Bispo de São Raimundo Nonato, PI

+ Fernando Guimarães, Bispo de Garanhuns, PE

+ Salvador Paruzzo, Bispo de Ourinhos, SP

+ José Moureira de Mello, Bispo de Itapeva, SP

+ José Francisco Rezende Dias, Bispo de Duque de Caxias, RJ

+ Laurindo Guizzardi, Bispo de Foz do Iguaçu, PR

+ Gornônio Alves da Encarnação Neto, Bispo de Itapetininga, SP

+ Carmo João Rhoden, Bispo de Taubaté, SP

+ Ceslau Stanula, Bispo de Itabuna, BA

+ João Bosco de Sousa, Bispo de União da Vitória, PR]

+ Osvino José Both, Arcebispo Militar do Brasil, BSB

+ Capistrano Francisco Heim, Bispo Prelado de Itaituba, PA

+ Aldo di Cillo Pagotto, Arcebispo da Paraíba, PB

+ Gil Antonio Moreira, Arcebispo de Juiz de Fora, MG

+ Moacir Silva, Bispo de São José dos Campos, SP

+ Diamantino Prata de Carvalho, Bispo de Campanha, MG

+ Caetano Ferrari, Bispo de Bauru, SP

+ Aléssio Saccardo, Bispo de Ponta de Pedras, PA

+ Heitor de Araújo Sales, Arcebispo emérito de Natal, RN

+ Matias Patrício de Macêdo, Arcebispo de Natal, RN

+ Geraldo Dantas de Andrade, Bispo auxiliar de São Luis do Maranhão, MA

+ Bonifácio Piccinini, Arcebispo emérito de Cuiabá, MT

+ Tarcísio Scamarussa, Bispo Auxiliar de São Paulo, SP

+ Celso José Pinto da Silva, Arcebispo emérito de Teresina, PI

+ José Palmeira Lessa, Arcebispo de Aracaju, SE

+ Antônio Carlos Altieri, Bispo de Caraguatatuba, SP

+ Aloisio Hilário de Pinho, Bispo emérito de Jataí, GO

+ Guilherme Porto, Bispo de Sete Lagoas, MG

+ Adalberto Paulo da Silva, Bispo Auxiliar emérito de Fortaleza, CE

+ Bruno Pedron, Bispo de Ji-Paraná, RO

+ Fernando Mason, Bispo de Piracicaba, SP

+ João Mamede Filho, Bispo Auxiliar de São Paulo, SP

+ José Maria Pires, Arcebispo emérito de Paraíba, PB

+ Alfredo Schaffler, Bispo de Parnaíba, PI

+ João Messi, Bispo de Barra do Piraí – Volta Redonda, RJ

+  Friederich Heimler, Bispo de Cruz Alta, RS

+ Osvaldo Giuntini, Bispo de Marília, SP

+ Assis Lopes, Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ

+ Edson de Castro Homem, Bispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ

+Alessandro Ruffinoni, Bispo auxiliar de Porto Alegre, RS

+ Leonardo Menezes da Silva, Bispo auxiliar de Salvador, BA

Questões de Bioética em debate – Niterói

Divulgando, com muita alegria: a dra. Lenise Garcia, professora da UnB e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem aborto estará em Niterói no próximo dia 06 de fevereiro, no evento “Questões de Bioética em debate”.

O cartaz de divulgação pode ser visto abaixo. A entrada é franca. Não deixem de ir.

Clique para ampliar

Hélio, o aborto e a alma

Aproveitando o ensejo surgido em uma troca de emails com uns amigos, gostaria de comentar o artigo do Hélio Schwartsman de hoje sobre o aborto. Para fins de praticidade vou comentar por partes, abstendo-me de citar os trechos sobre os quais não tenho comentários a tecer; quem quiser ler o artigo na íntegra, vá no link supracitado.

Comecemos com um pequeno experimento mental. Suponhamos por um breve instante que as leis e instituições funcionassem direitinho no Brasil e que todas as mulheres que induzem ou tentam induzir em si mesmas um aborto (…) fossem identificadas, processadas e presas

[…]

Minha pergunta é muito simples: Você acha que a aplicação universal do que preconiza a lei do aborto tornaria o Brasil um país melhor ou pior do que é hoje?

Melhor, obviamente, porque um país que pune os crimes de seus cidadãos é sem dúvidas melhor do que um país onde reina a impunidade. Ademais, esta questão pragmática não tem nenhuma relevância no debate, simplesmente porque a “aplicação universal” de virtualmente qualquer artigo do Código Penal iria esbarrar nos exatos mesmos problemas apontados pelo articulista da Folha. E nem por isso nós advogamos pela extinção do Código Penal.

Trabalhos da década de 90 estimavam em até 1,4 milhão o número anual de interrupções forçadas da gravidez.

Estimativas chutadas, para dizer o mínimo. Sobre o número de abortos que ocorrem no Brasil, vale a pena ler este post do Murat – que, aliás, hoje completa exatamente um ano.

Independente disso, sob qualquer ótica minimamente racional, um grande número de crimes é motivo para se aumentar a fiscalização e a punição, e jamais para se lhe abrandar. Se os abortistas fizessem uma aplicação honesta dos seus princípios, quanto mais assaltos houvesse em uma cidade, maior deveria ser o clamor para a descriminalização do roubo. No entanto, eles não fazem isso. Só aplicam os seus “raciocínios” à questão do aborto.

É no mínimo complicado afirmar que a vida começa com a concepção.

Não, não é. O que é complicadíssimo – como o próprio articulista vai admitir no final – é negar que a vida comece na concepção. Mas já vamos chegar lá.

Uma semente não é uma árvore e não recebe do Ibama o mesmo nível de proteção que uma respeitável tora de mogno.

Não, mas o Ibama pune como crime contra a fauna a destruição de ovos – ainda que seja um único – de tartarugas marinhas. E aí, como ficamos? A vida das tartarugas começa “antes” da dos seres humanos? Trata-se de alguma peculiar característica evolutiva com a qual a espécie humana não foi agraciada?

O que a concepção produz é um ser humano em potência, para utilizar a distinção aristotélica, autor tão caro à igreja

Que grosseira petição de princípio. A concepção produz um ser humano em ato, e um homem adulto em potência. Como um recém-nascido é também um adulto em potência, e não “um ser humano em potência”.

Só o que torna coerente a posição do Vaticano, é um dogma de fé: o homem é composto de corpo e alma. E a igreja inclina-se a afirmar que esta é instilada no novo ser no momento da concepção.

Não, negativo. Não é somente por causa disso que a Igreja condena o aborto. Bastaria ler a Declaração sobre o aborto provocado da Congregação para a Doutrina da Fé, onde se diz, citando inclusive autores do início do Cristianismo: “Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: « É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser »”. Aliás, vale a pena citar a nota de rodapé que fala explicitamente sobre a questão da infusão da alma:

Esta Declaração deixa expressamente de parte o problema do momento de infusão da alma espiritual. Sobre este ponto não há tradição unânime e os autores acham-se ainda divididos. Para alguns, ela dá-se a partir do primeiro momento da concepção; para outros, ela não poderia preceder ao menos a nidificação. Não compete à ciência dirimir a favor de uns ou de outros, porque a existência de uma alma imortal não entra no seu domínio. Trata-se de uma discussão filosófica, da qual a nossa posição moral permanece independente, por dois motivos: 1° no caso de se supor uma animação tardia, estamos já perante uma vida humana, em qualquer hipótese, (biológicamente verificável); vida humana que prepara e requer esta alma, com a qual se completa a natureza recebida dos pais; 2° por outro lado, basta que esta presença da alma seja provável (e o contrário nunca se conseguirá demonstrá-lo) para que o tirar-lhe a vida equivalha a aceitar o risco de matar um homem, não apenas em expectativa, mas já provido da sua alma.

Agora, sabem de quando é este documento? De 1974. Tem, portanto, mais de trinta anos. O que justifica que, em pleno século XXI, um sujeito tenha a pachorra de publicar um texto na internet acusando a Igreja de defender uma coisa que Ela não defende? Isso poderia ser encontrado em qualquer pesquisa do Google! Custa se informar sobre um determinado assunto antes de escrever sobre ele?

Uma das mais importantes autoridades da igreja, santo Tomás de Aquino, afirmou, acompanhando Aristóteles, que a alma de garotos só chegava ao embrião no 40º dia. Já a de garotas (vocês sabem como são as meninas!) só no 48º dia.

É sinceramente frustrante ser obrigado a ler um coisa dessas no dia de Santo Tomás de Aquino (que é comemorado hoje, dia 28 de janeiro).

Em primeiro lugar, a teoria não dizia que as almas femininas eram infusas “no 48º dia”, e sim no 80º (ou no 90º, segundo alguns). Em segundo lugar, essa posição era mais científica (da “embriologia” de então) do que teológica, uma vez que, à época do Estagirita e do Aquinate, acreditava-se que os homens produziam “homúnculos” que se instalavam no útero materno e iam recebendo “almas sucessivas” (primeiro vegetativa, depois sensitiva e, depois, intelectiva – era essa última que era infusa no 40º dia) conforme fossem se desenvolvendo. Em terceiro lugar, há quem defenda que Santo Tomás não adotava a teoria da animação sucessiva. Em quarto lugar, a Igreja não condenou jamais nem uma teoria nem outra. Em quinto lugar, mesmo com as disputas filosóficas sobre o instante da infusão da alma, nem Santo Tomás de Aquino e nem ninguém na Igreja nunca defendeu o aborto (veja-se, p.ex., Dom Estêvão sobre o assunto, ou João Paulo II na Evangelium Vitae, n. 61)! Aliás, vou citar esta passagem da EV (grifos meus):

Ao longo da sua história já bimilenária, esta mesma doutrina [em classificar o aborto como desordem moral particularmente grave] foi constantemente ensinada pelos Padres da Igreja, pelos seus Pastores e Doutores. Mesmo as discussões de carácter científico e filosófico acerca do momento preciso da infusão da alma espiritual não incluíram nunca a mínima hesitação quanto à condenação moral do aborto.

Esta carta encíclica é de 1995. Tem quinze anos. E tem no Google. Custava ler antes de escrever?

Volto ao Schwartsman:

Mas será que a noção de alma para em pé?

Vale salientar que, uma vez que (como foi mostrado) a condenação moral do aborto independe do momento da infusão da alma, todas as objeções do Hélio à teoria da animação simultânea têm somente interesse filosófico. Em absolutamente nada mudam a condenação moral do aborto. No entanto, vamos às objeções dele.

Estima-se que 2/3 a 3/4 dos óvulos fecundados jamais se fixem no útero, resultando em abortos espontâneos.

Irrelevante. Um limbo “super-povoado”, embora me incomode profundamente, não é de per si uma demonstração da animação tardia.

Além da hipótese da superpopulação do Limbo, pode perfeitamente acontecer que (a) as estimativas estejam erradas; (b) estes abortos sejam frutos de um defeito na concepção, resultando assim em matéria não adequadamente disposta para a recepção da alma intelectiva e, portanto, neste caso, é precisamente a ausência da alma que provoca a “morte” do embrião e o subseqüente aborto espontâneo; (c) a teoria da animação simultânea esteja errada. Ou qualquer outra coisa na qual eu não consiga pensar agora.

Isso, como foi dito, pode até ter interesse metafísico, mas é completamente irrelevante no debate sobre o aborto.

Para começar, a própria concepção não é exatamente um instante, mas um intervalo que varia de 24 a 48 horas. Esse é o tempo que transcorre entre a penetração do espermatozóide no óvulo e a fusão genética dos gametas. Será que a alma leva todo esse tempo para ser soprada no novo ser?

Pode-se perfeitamente assumir que a infusão da alma ocorre ao fim do processo, quando a matéria está adequadamente disposta. Aliás, se a gente parar de pensar em “infusão da alma” como um “sopro”, literalmente, e considerar as coisas da maneira que a filosofia católica considera, todas as dificuldades levantadas pelo artigo da Folha deixam de existir.

O homem, como todas as coisas (exceto os anjos), tem matéria e forma. O corpo é a matéria, a alma é a forma. Para existir o homem – como, aliás, para existir qualquer coisa – é preciso que haja a matéria e a forma, porque “matéria não-informada” não existe e, forma sem matéria, só os anjos. Se, portanto, há um ser humano, há forma, há alma. Em outras palavras: se a matéria orgânica está disposta de tal maneira que seja um ser humano (lógico, e este ser humano em questão está vivo), há uma forma a lhe dar consistência ontológica, há uma alma. Assim considerando, todas as objeções perdem o fundamento, como se pode ver a seguir.

Como já expliquei em outras colunas, gêmeos monozigóticos (idênticos) se formam entre um e 14 dias depois da fertilização, quando o embrião sofre um desenvolvimento anormal dando lugar a dois ou mais indivíduos com o mesmo material genético. A alma, é claro, já estava lá. Cabem, assim, algumas perguntas. Ela também se divide, ou outras almas surgem para animar os demais irmãos?

As almas surgem quando a matéria está disposta, conforme acima explicado. Assim, caso uma divisão celular resulte em dois embriões, a segunda alma surge junto com o segundo embrião, da mesma forma como surgiria se o embrião fosse resultante de fecundação, e não de divisão celular.

Quem fica com a alma “original” é uma pergunta obviamente irrelevante e impossível de ser respondida.

O quimerismo é relativamente raro entre humanos, mas ocorre quando dois ou mais embriões se fundem antes do quarto dia de gestação.

Se o embrião deixa de existir, a alma dele morre. Qual a dificuldade com isso?

O que procurei mostrar com essas considerações é que não é tão certo que a vida comece com a concepção.

Aqui, o Hélio identifica – de maneira totalmente indevida – “a vida começa na concepção” com “a alma é infundida na concepção”. A primeira, é um dado científico incontestável; a segunda, é uma questão filosófica em aberto. O Hélio contestou a segunda; sobre a primeira, não deu um único pio ao longo de todo o longo artigo.

O meu palpite (e é só um palpite, porque eu, ao contrário de alguns religiosos, tenho muito poucas certezas) é que não dá para estabelecer um instante mágico a partir do qual o embrião se torna um ser humano. Ou melhor, até podemos eleger esse momento, mas ele será tão arbitrário quanto qualquer outro.

E, já que a definição é necessariamente arbitrária, não vejo motivos para não a ajustarmos às nossas necessidades.

Que pérola! Antes de mais nada, a embriologia já define perfeitamente que um embrião é um ser humano (se não for um ser humano, ele é o quê? Uma galinha?); o que o Hélio quer dizer, confundindo as duas questões que eu mencionei acima, é que não dá para dizer com certeza quando a alma é infusa.

E a “solução” para ele, ao invés do in dubio pro reo obviamente mais sensato (i.e., considerar ao menos que o embrião pode ser um ser humano, dado que esta possiblidade não foi de modo algum excluída e, portanto, todas as pessoas, para serem honestas, precisam considerá-la e, por conseguinte, proteger o embrião), é… ser arbitrário. Já pensou que maravilha? A gente pode mandar a biologia às favas. A gente pode arbitrar quando é que o ser humano passa a existir. Alguns podem escolher que é na concepção, outros, que é aos 48 dias. Outros podem escolher que é aos dezoito anos. Outros, aos sessenta. E talvez outros possam arbitrar que, para algumas pessoas (digamos, deficientes mentais, ou negros ou judeus), não é nunca. Afinal, não dá para saber com certeza…

Sim, o mundo não é um lugar perfeito. Mas seria muito, muito pior se os abortistas fossem levados a sério em todas as sandices que defendem.

São Francisco de Assis, pelo Papa Bento XVI

É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem ajuda para que a Igreja não caia, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco quando este o visita. Inocêncio III era um papa poderoso, de grande cultura teológica, como também de grande poder político e, no entanto, não é ele quem renova a Igreja, e sim um pequeno e insignificante religioso: é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, no entanto, é importante observar que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas realidades estão juntas: o Sucessor de Pedro, os bispos, a Igreja fundada sobre a sucessão dos apóstolos e o carisma novo que o Espírito Santo cria nesse momento para renovar a Igreja. Na comunhão se dá a verdadeira renovação.

[…]

O Pobrezinho de Assis havia compreendido que todo carisma dado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto, agiu sempre em comunhão plena com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraposição entre carisma profético e carisma de governo e, se houver alguma tensão, estes sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.

[…]

Neste Ano Sacerdotal, quero também recordar a recomendação dirigida por Francisco aos sacerdotes: “Ao celebrar a Missa, ofereçam o verdadeiro sacrifico do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, pessoalmente puros, com disposição sincera, com reverência e com santa e pura intenção” (Francisco de Assis, Escritos). Francisco mostrava sempre um grande respeito pelos sacerdotes e recomendava respeitá-los sempre, inclusive no caso de que pessoalmente fossem pouco dignos. A motivação do seu profundo respeito era o fato de que eles receberam o dom de consagrar a Eucaristia. Queridos irmãos no sacerdócio, não nos esqueçamos jamais deste ensinamento: a santidade da Eucaristia nos pede que sejamos puros, que vivamos de maneira coerente com o Mistério que celebramos.

Bento XVI, Audiência Geral, 27 de janeiro de 2010.

Entrevista do pe. Fábio de Melo ao “Valor”

Gostaria de ter mais tempo para comentar a entrevista concedida pelo pe. Fábio de Melo ao jornal “Valor” e reproduzida pelo IHU. Ao lado de declarações profundamente verdadeiras – p.ex., “o bem e a beleza são traços de uma mesma verdade” -, o reverendíssimo sacerdote faz algumas outras que, proferidas por um sacerdote, são de se lamentar.

O texto do Ecclesia Una está realmente muito bom, fazendo as perguntas pertinentes e cotejando as respostas dadas pelo padre Fábio com os documentos do Magistério da Igreja. Vale muito a leitura e eu próprio não teria muito o que acrescentar. Música, literalidade das Escrituras, homossexualismo, Teologia da Libertação, cenário político brasileiro: nada escapou ao crivo do Everth Oliveira. Eu só acrescentaria mais um comentário, feito por um amigo em uma lista de emails: que o pe. Fábio não tenha vindo ao mundo para dividir, é talvez a raiz de todos os seus problemas. Porque Nosso Senhor veio dividir: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa” (Mt 10, 34-36).

Como pode ser possível que o mesmo sacerdote a identificar o Bonum, o Pulchrum e o Verum seja capaz de elogiar o socialismo, é um mistério que me escapa à compreensão. Rezemos pelos sacerdotes! Que a Virgem Santíssima possa interceder ao Seu Divino Filho pela santificação do clero.

Comissão Episcopal para a Vida e a Família contra o PNDH-3!

Eu acredito em milagres. Por isso, considero uma extraordinária graça de Deus a recente mudança de comportamento de alguns setores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Após o panfleto da Regional Sul 1 que comparava Lula a Herodes, fui hoje (positivamente) surpreendido por dois artigos publicados no site da Pastoral Familiar da CNBB.

1. O Brasil é pego de surpresa pelo Programa Nacional de Direitos Humanos do presidente. “O Programa de Direitos Humanos, do presidente da República, trata-se de iniciativas que se manifestam em atitudes antiéticas, arbitrárias, agressivas, antidemocráticas, intolerantes, preconceituosas, um atentado à justiça e uma violação à Constituição Federal” – Pe. Luiz Antonio Bento.

2. Nota da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família sobre O Programa Nacional de Direito. “Repudiamos toda lei ou doutrina que em nome dos Direitos Humanos, defende o aborto, destrói a família, desrespeita o direito natural e impõe o pensamento de uma minoria. O povo brasileiro já se manifestou em sérias pesquisas, contrário ao aborto, ao casamento de pessoas homossexuais, e elegeu a família como maior bem social.  A democracia e a ética foram gravemente lesadas neste lamentável episódio” – Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Londrina/PR.

Bravo! Deus seja louvado! Os contatos da Pastoral Familiar podem ser encontrados aqui. Enquanto isso, não encontrei nenhuma menção, menor que fosse, a nada disso no site nacional da CNBB – nem mesmo na parte do site dedicada à Comissão Episcopal para a Vida e a Família! Por que não divulgar precisamente aquilo que as comissões episcopais estão fazendo de melhor?

Curtas

– Os ateus não gostaram do panfleto da Regional Sul 1 da CNBB contra o PNDH-3. No “Bule Voador”: “Todos conhecemos a incrível capacidade da CNBB e da Igreja Católica para se pronunciar em assuntos que deveria deixar para especialistas. (…) A vítima agora, é inclusive uma pessoa declaradamente cristã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Alguém avise aos “humanistas” que se dizer cristão é bem diferente de sê-lo.

La Iglesia católica, en el punto de mira del lobby homosexual en todo el mundo. E não poderia ser diferente. A aplicação da velha história de “como cozinhar um sapo” (que, em espanhol, ficou “una rana”): “No se trataba ya de pelear, sino de conseguir con mano izquierda y buena presencia que el americano medio llegara a pensar con un bombardeo mediático incesante que «la homosexualidad solo es otra cosa y se encogiera de hombros. De esa manera – aseguraba Kirk [neuropsiquiatra]-, la batalla por tus derechos y tu reconocimiento estaría virtualmente ganada y solo sería cuestión de esperar»”.

Deus e a terra, do Schwartsman. Só queria apontar que (a) Epicuro é um falso paradoxo, como o próprio articulista comenta; (b) o mal não é uma “aparência”, e sim uma ausência; e (c) é interessantíssimo que o articulista reconheça que o acaso, “a ausência de propósito”, são insuportáveis ao ser humano. Pena que tenha perdido uma ótima chance de se aprofundar nas causas dessa insuportabilidade.

O bebê de Frei Betto. O sujeito atingiu novos patamares de blasfêmia ao imaginar os filhos das núpcias de Santa Teresa de Ávila com Che Guevara (!!!!). Faço coro ao Reinaldo: “É chocante saber que este senhor é considerado um ‘pensador’ em certo círculos do Brasil”.

Dom Williamson diz que os diálogos entre a Santa Sé e a FSSPX são uma conversa de surdos. “Ou a Fraternidade trai a si própria, ou Roma se converte, ou então será um diálogo de surdos”. Infeliz posicionamento! Que a Virgem Santíssima, Sedes Sapientiae, interceda por estas disputationes theologicae.

Cardeal Hummes próximo de ser substituído. Não só ele, como também o cardeal Kasper (iminente) e o cardeal Re (por volta da Páscoa). Que o Espírito Santo ilumine o Papa Bento XVI, e o salve das mãos de seus inimigos!

EUA e aborto – “moralmente incorreto”

Boa notícia que li em ZENIT: maioria dos americanos considera o aborto “moralmente incorreto”. No entanto, foram estes cidadãos americanos que elegeram o presidente mais abortista da história do país. Infeliz paradoxo.

Mas há esperança! E esta notícia nos deixa entrever um pouco dela.

“Os avanços na tecnologia mostram claramente – e cada vez mais claramente – que uma criança não-nascida é totalmente um ser humano. Isso, e o grande número de americanos que conhecem uma das muitas pessoas que foram negativamente afetadas pelo aborto, são certamente duas das razões pelas quais os americanos estão cada vez mais incomodados com o legado de aborto de Roe v. Wade, e com o aborto em geral. A maioria dos americanos entende que o aborto tem consequências e que estas não são boas”.

Que a Virgem Santíssima, Nossa Senhora de Guadalupe, livre os Estados Unidos da maldição do aborto.

Internet: pátio dos gentios, ágora moderna

Na mídia secular: por Deus, tenham um blog!, diz Papa aos padres.

No site do Vaticano, na mensagem para o 44º dia mundial das comunicações sociais:

Contudo, a divulgação dos «multimédia» e o diversificado «espectro de funções» da própria comunicação podem comportar o risco de uma utilização determinada principalmente pela mera exigência de marcar presença e de considerar erroneamente a internet apenas como um espaço a ser ocupado. Ora, aos presbíteros é pedida a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais frequentemente através das muitas «vozes» que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo, animações, blogues, páginas internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive para a evangelização e a catequese.

Através dos meios modernos de comunicação, o sacerdote poderá dar a conhecer a vida da Igreja e ajudar os homens de hoje a descobrirem o rosto de Cristo, conjugando o uso oportuno e competente de tais meios – adquirido já no período de formação – com uma sólida preparação teológica e uma espiritualidade sacerdotal forte, alimentada pelo diálogo contínuo com o Senhor. No impacto com o mundo digital, mais do que a mão do operador dos media, o presbítero deve fazer transparecer o seu coração de consagrado, para dar uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo ininterrupto da «rede».

[…]

Do mesmo modo que o profeta Isaías chegou a imaginar uma casa de oração para todos os povos (cf. Is 56,7), não se poderá porventura prever que a internet possa dar espaço – como o «pátio dos gentios» do Templo de Jerusalém – também àqueles para quem Deus é ainda um desconhecido?

[…]

Que o Senhor vos torne apaixonados anunciadores da Boa Nova na «ágora» moderna criada pelos meios actuais de comunicação.

Duas expressões interessantíssimas, uma das quais eu inclusive vi um amigo usar recentemente: “pátio dos gentios” e “ágora moderna”. Que a Virgem Santíssima abençoe os apostolados virtuais. Que a internet possa dar bons frutos. Que, em todo lugar, Deus seja glorificado.