Quem são os fanáticos?

Amigo 1: A Inquisição matou milhares de cientistas durante a Idade Média, época que ficou conhecida justamente como “Idade das Trevas” devido à perseguição que a Igreja fez à Ciência.

Eu: Tu podes me dizer o nome de um cientista que foi queimado pela Inquisição?

Amigo 1: Tem… tem… tem… qual o nome dele? Poxa… tu sabes, Jorge. Aquele que disse que a terra era redonda.

Amigo 2: Copérnico.

Amigo 1: Isso. Copérnico.

Eu: Copérnico era monge católico e morreu de velho. Próximo. [Eu poderia ter dito, mas não disse para não desviar (ainda) mais o foco da discussão, que Copérnico não disse que a terra era redonda, e sim que ela girava em torno do sol]

Amigo 2: Ele foi queimado sim.

Eu: Foi não.

Amigo 1: Foi sim, Jorge.

Eu: Não foi.

Amigo 1: Aqui tem dois contra um. Foi queimado sim.

O diálogo acima ocorreu exatamente deste jeito, se não com essas exatas palavras, com esta seqüência e este encadeamento de argumentos. E, por maioria simples de votantes (dois contra um) em uma mesa de shopping tomando chopp, Copérnico foi queimado pela Inquisição – e ai de quem ousasse dizer o contrário. Acho até que eu próprio escapei, por pouco, de ser queimado – afinal, estava chovendo.

Óbvio que protestei contra esta loucura metodológica e este ultraje histórico. E o Google depois os convenceu de que Copérnico não fora queimado pelo Santo Ofício (espero que por relevância das referências, e não por um democrático número de resultados). Mas o que me incomodava então não era isso – afinal de contas, uma bobagem pontual é relativamente simples de ser refutada. O que me incomodava e me incomoda são os pressupostos tácitos e universalmente aceitos, o “contexto histórico” genérico e difuso – mas que marca terreno no imaginário popular com a força de um dogma inexpugnável.

Pergunte-se a uma pessoa qualquer no meio da rua, católica ou não, se é verdadeira ou falsa a afirmação “a Inquisição perseguiu e matou milhares de cientistas durante a Idade Média”. Nove entre dez pessoas, no mínimo – que digo eu? Noventa e nove entre cem, provavelmente -, vão responder que é verdadeira. Depois, pergunte-se o nome de alguns desses cientistas que a Inquisição matou. Não vai sair absolutamente nada (e, caso saia, vai ser, na ordem, Galileu, Copérnico e Giordano Bruno – diga-se de passagem, dos três, só este último foi queimado).

Copérnico era monge, Galileu era amigo do Papa, e ambos morreram de velhice. Mas, vá lá, aceitem-se para fins de argumentação estes que são os únicos oferecidos pelos anti-clericais. A pergunta que se impera é: cadê os milhares? Ou as centenas? As dezenas? Se, perscrutando mil anos de alegada perseguição científica, os inimigos da Igreja só são capazes de puxar da manga três exemplos (e três exemplos bem questionáveis, é bom não esquecer) de cientistas perseguidos pela Inquisição, não seria algo perfeitamente sensato e razoável questionar a verossimilhança dos pressupostos adotados?

Se a Igreja perseguiu e matou milhares de cientistas na Idade Média, como é possível que ninguém possa nos dar exemplos de alguns destes mártires da Razão contra o obscurantismo religioso? É óbvio que, se houve uma “perseguição” com as proporções que a mentalidade média acredita ter havido, deve haver algum registro disso. A resposta-padrão a este questionamento é: “mas a História é escrita pelos vencedores”. Extremamente cômodo, e extremamente nonsense. Eis a “lógica”: se não há registros dos cientistas que arderam nas fogueiras da Inquisição, é precisamente pelo fato de que eles foram queimados e a Igreja malvada encobriu tudo: ou seja, prova-se que a Igreja perseguiu uma multidão de cientistas do fato mesmo de ninguém saber absolutamente nada sobre esta multidão de cientistas perseguidos! E ninguém parece ver nada de errado com isso – é impressionante. A força do absurdo que é inculcado pacientemente ao longo dos anos, desde a infância, acaba com todo o senso crítico. As pessoas apenas repetem bovinamente: “mas a Igreja perseguiu e matou milhares de cientistas durante a Idade Média”.

Os que se preocupam com as regras básicas para debater já concluíram que ausência de evidência não é evidência de ausência. Não perceberam ainda eles, no entanto, esta metamorfose argumentativa que faz com que, para atacar a Igreja Católica, a ausência de evidência degenere na prova cabal e demonstração incontestável da existência. “É lógico que não se conhecem os cientistas, exatamente porque eles foram perseguidos e mortos!”. E não adianta redargüir “tá, mas como é que se sabe, então, que eles foram perseguidos e mortos?”, porque a resposta é invariavelmente a mesma: “todo mundo sabe disso”. E depois somos nós os dogmáticos e os fanáticos? Por que ninguém se preocupa com esta calúnia institucionalizada que é a atribuição virtualmente onipresente de um rótulo odioso à Igreja Católica? Por que a afirmação “a Igreja perseguiu cientistas” deve ser aceita como um dogma incontestável?

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

25 comentários em “Quem são os fanáticos?”

  1. E lembremos de Antoine Lavoisier, que morreu decapitado durante a Revolução Francesa, por ser católico, sob o argumento de “que a revolução não precisava de químicos”.

  2. Existe uma mentalidade anti eclesial no meio intelectual e jornalístico.

    Difundem muitos erros, auxiliados pelos ateus, protestantes, espíritas, comunistas, judeus, etc.

    A Igreja precisa melhorar a formação dos leigos católicos.

    Os meios de comunicação de massa católicos (TV), que se prestariam a isso, não fazem nada (exceto ,talvez, o prof. Felipe Aquino).

    Não esqueçamos que tem muitas pessoas ligadas à TL, que
    também ajudam a deturpar a verdade.

    Além do que, temos a internet(católica) que pode ser um auxílio,mas precisa ser mais divulgada nas paróquias.

  3. Excelente questionamento, Jorge. Aproveito o ensejo para solicitar: teria alguma indicação de livro sobre esse assunto?
    Quanto mais formados estivermos, mais facil responderemos a essas afirmações erroneas e que acabam sendo o único escudo em que se amparam aqueles que não querem assumir totalmente o que a Igreja ensina. Acabo de lembrar-me de um exemplo: Certa vez falava sobre a Humanae Vitae e Metodos naturais para um casal e dizia que a Igreja era contrária aos metodos contraceptivos. Falava que a cata escrita pelo papa trazia as orientações corretas as quais deveriam ser seguidas por todos os católicos..e o assunto foi parar na Inquisição e na inexistencia da infabilidade papal. Ao argumento de que? De que se o papa autorizou a morte atraves da inquisição, ele nao poderia ser considerado infalivel. Há alguns erros nessa afirmação, a começar que a infabilidade só trata de questões ligadas a fé e moral mas infelizmente tal afirmação está inserida neste senso comum citado no seu texto.
    O mito precisa ser desfeito.

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    1543: Morre Copérnico, o filósofo do firmamento

    Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Copérnico, um dos cem grandes nomes da humanidadeEm 24 de maio de 1543 morre o astrônomo Nicolau Copérnico. No mesmo ano, foi publicado o primeiro dos seis volumes de sua obra “Das Revoluções dos Corpos Celestes”, contendo as bases científicas da astronomia moderna.

    Até 1543, a teoria do geocentrismo, segundo a qual a Terra era o centro do universo, permaneceu incontestada. Essa visão de mundo baseava-se na obra Almagesto (A Maior Composição Matemática), escrita no século 2 a.C. pelo grego Ptolomeu e que foi aceita como uma verdade por mais de um milênio.

    Ptolomeu previu com precisão razoável a posição dos planetas visíveis a olho nu, mas errou ao considerar que a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno giravam ao redor de uma Terra estacionária. Seu modelo de cosmo correspondia à teoria de Aristóteles, de que o movimento dos corpos era circular e uniforme – uma explicação plenamente compatível com os ensinamentos da Bíblia.

    Os gregos foram também os primeiros a afirmar que a Terra é esférica, que ela realiza um movimento de rotação em torno do Sol e que a Lua apenas reflete a luz solar. Eles organizaram vários catálogos de estrelas e afirmaram o heliocentrismo 15 séculos antes de Copérnico. Aristarco de Samos (310-230 a.C.) desenvolveu o primeiro modelo heliocêntrico do Universo, retomado mais tarde pelo astrônomo polonês.

    Trabalho incansável para comprovar sua tese

    Nascido em Torum, na Polônia, em 1473, Nicolau Copérnico ingressou na Universidade de Cracóvia em 1491 para cursar Medicina, mas estudou também Filosofia, Matemática e Astronomia. Foi para a Itália em 1497 para aprender grego clássico e Direito Canônico em Bolonha. Voltou à Polônia em 1501 e ordenou-se padre, ocupando por um breve período o cargo de cônego da Catedral de Frauenburg. Retornou logo à Itália, onde freqüentou as universidades de Pádua e Ferrara.

    Depois de aprofundar suas observações astronômicas em Bolonha, voltou em 1506 a Frauenburg, onde construiu um pequeno observatório e começou a estudar o movimento dos corpos celestes. Em 1514, presenteou os amigos mais próximos com o primeiro esboço de seu modelo cosmológico, escrito já em 1507.

    Inicialmente, suas idéias não tiveram nenhuma repercussão. Ele buscou incansavelmente, até a morte, uma prova irrefutável para a sua tese. Demorou quase quatro décadas para divulgá-la por temer a reação da Igreja Católica.

    “Sol é o centro do universo”

    Exatamente em 1543 foi publicado o primeiro dos seis volumes de sua obra Das Revoluções dos Corpos Celestes, que estabeleceu as bases científicas da astronomia moderna. “Todos os planetas – inclusive a Terra – giram em torno do sol, que é o centro do universo”, concluiu. Para Copérnico, a revolução diária do firmamento devia-se ao giro da Terra sobre seu próprio eixo, enquanto o movimento anual resultava do fato de a Terra e os planetas circularem ao redor do Sol.

    Como Aristóteles, ele também partia do princípio de que as órbitas planetárias eram esféricas. Seus críticos, porém, não aceitavam a refutação da interpretação bíblica do universo e falta de uma explicação para a rotação terrestre. A Igreja Católica incluiu Das Revoluções dos Corpos Celestes no Índex – a lista dos livros proibidos por heresia. O temor de Copérnico diante da censura eclesiástica não tinha sido infundado: o dogmatismo da igreja era tão forte, que questionar a perfeição divina era uma temeridade.

    Quem defendesse as idéias de Copérnico pecava por imprudência. A Igreja Católica e o geocentrismo dominavam o pensamento na Idade Média. As grandes descobertas, porém, começavam a mudar essa visão de mundo. A viagem de circunavegação do globo, capitaneada por Fernão de Magalhães entre 1519 e 1522, comprovara a teoria da esfericidade da Terra, já aceita por muitos matemáticos e astrônomos.

    Comprovação definitiva 150 anos depois

    Galileo Galilei (1564-1642) foi o primeiro a comprovar o sistema heliocêntrico de Copérnico. Mas, em 1633, sob ameaça de excomunhão e morte pela Santa Inquisição, teve de negar formalmente as suas descobertas. Quase 150 anos após a morte de Copérnico, Isaac Newton (1642-1727) desenvolveu uma base física para a gravitação dos planetas ao redor do sol. Foi a comprovação definitiva do heliocentrismo.

    Apesar de ser irrefutável, a idéia de Copérnico só seria aceita pelo Vaticano em 1835. O Papa Gregório 16 admitiu o erro dos seus antecessores. Quase 300 anos após sua publicação, a obra Das Revoluções dos Corpos Celestes foi retirada da lista dos livros censurados pela Santa Sé.

    A essa altura, Copérnico não só havia revolucionado a astronomia, como também a idéia que o homem da sua época fazia de si mesmo: um ser feito à imagem e semelhança de Deus e, portanto, centro do universo.

    Jens Teschke (gh

  5. Como estudante de História, recordo-me de vários autores que mencionam o termo utilizado de “Idade das Trevas”… ele foi cunhado durante a época do dito “Iluminismo” como meio de atacar a Igreja Católica (visto, afinal, que eles queriam roubar as terras que ela recebeu através do tempo por doações legalmente feitas, então precisavam retráta-la como um inimigo a ser abatido).

    Hodiernamente, qualquer pessoa que estuda História Medieval sabe que o termo “Idade das Trevas” não se refere à algum suposto declínio do desenvolvimento (já que a técnica e a ciência se desenvolveram sim durante a Idade Média), mas sim ao fato de que durante a Idade Média Alta, que veio após o caos causado pela derrocada do Império Romano, existam poucos documentos históricos comparados com o de outras épocas (a maioria de tais documentos apenas existindo hoje porque foram conservados pela Igreja). Isso criaria um período sem tantas informações, o que seria essas “trevas”, ou “brumas” se preferirem.

    Como futuro professor de História Medieval, eu bem me lembro de uma série de vídeos chamado “Igreja: Fundamento da Civilização”, ou algo desse tipo… o apresentador fala em determinado momento: “Professor de História Medieval deve ser a profissão mais frustrante que existe no mundo. Você fala e fala e fala que a Idade Média ‘não foi tão ruim assim’, e é só você caminhar na rua ou ligar a TV para ter o seu coração estraçalhado pela quantidade imensa de bobagens que se fala da Idade Média”. E, realmente, já sinto isso na carne entre os meus próprios colegas, que preferem esquecer o que aprenderam em História Medieval (ou mesmo outras Histórias, ocmo História do Brasil Colonial) apenas para repetir adágios e frases estúpidas de ataques anti-clericais (como, por exemplo, dizer que a Igreja dizia que negros não tinham alma, quando a Igreja Católica sempre tentou a catequização destes mesmos povos, e temos exemplos históricos de padres negros durante todo o tempo de criação da Igreja).

  6. Vivemos a era do idiotas e se vc sair às ruas e afirmar que o superpop Beethoven (?) vem fazer um mega show em Copacabana no Rio e perguntar se o indivíduo concorda com o custo do show para cidade e etc… 8 em 10 dirão que sim ou que não! Ainda se perguntado se iria ao show, novamente uma maioria esmagadora diria que sim, se pudesse ou tivesse grana!
    Essa perquisa ocorreu numa rádio a anos atráz com esses resultados aterradores!
    Povos ignorantes (por essência ou por força) tornam-se gado a ser conduzido!

    Em Jesus e Maria!

  7. …complementado:

    – Povos ignorantes (por essência ou por força) tornam-se gado a ser conduzido! –

    Por isso a Igreja preservou a Cultura, a História, a Arte e as Ciências que são luz para os povos!

    Em Jesus e Maria!

  8. Priscila,

    Existe em português, se tu ainda conseguires encontrar (sugiro sebos), o livro “A Inquisição em seu mundo” do João Bernardino Gonzaga.

    Existe em italiano o La Vera Storia dell’Inquisizione, que dois amigo havia, se proposto a traduzir mais SUMIRAM (tá lendo, Erickson? Tá lendo, Gustavo?). A propósito, alguém topa dividir uma tradução ou conhece alguma em português? Eu tenho uma cópia do italiano em .pdf nojento (fotografado), mas legível.

    Há dois medievalistas franceses, a Regine Pernoud e o Jacques le Goff, cujas obras existem em português – basta procurar, às vezes tem até no Submarino Livros.

    Existem os já citados livros recentes do prof. Felipe Aquino (que, ao que me parece, são coletâneas de diversos outros livros estrangeiros).

    Existem muitas matérias nas diversas edições da “Pergunte e Responderemos”, que por algum motivo não está mais disponível online no site do Veritatis. Mas valeria a pena procurar.

    Existe o “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental?”, do Thomas Woods, em português (lançado há uns dois anos pela Quadrante). Existem, em inglês, outros livros do mesmo cara.

    Enfim, existe hoje em dia tanta coisa (e, com a internet, elas são tão acessíveis) que o preconceito ao qual eu me referia no post me parece algo totalmente surreal.

    Abraços,
    Jorge

  9. Caríssimo Marcos,

    Que excelente notícia! Muito obrigado.

    Aproveito para recomendar a todos o referido livro.

    Abraços,
    Jorge

  10. “Amigo 1: Aqui tem dois contra um. Foi queimado sim.”

    Frutos da democracia xDD

  11. Que Deus abençoe a todos aqui.

    Existem imprecisões históricas no texto que que o Cândido colou. Vou me ater à que achei mais grave. Galileu não provou absolutamente nada sobre os movimentos da Terra (embora, por acaso, ele estivesse certo, em alguns pontos). Mesmo sua teoria sobre as marés estava errada! O que ele conseguiu, através de suas observações, foram argumentos favoráveis à teoria heliocêntrica. Tais argumentos tinham como idéia principal o fato de que um planeta (no caso Júpiter) poderia sim orbitar o Sol sem perder suas luas. Ora, se Júpiter não as perdia, a Terra também não as perderia, *caso* orbitasse o sol. Note que Galileu não usou a palavra “caso”, como na frase acima, mas afirmou categoricamente que a Terra orbita o Sol. Tal fato tornou sua argumentação um tanto afastada do método científico, método esse que tem Galileu como um de seus mais importantes desenvolvedores. Note-se também que as luas de Júpiter foram descobertas com a utilização de um equipamento que ninguém sabia como funcionava: o telescópio. E mesmo que se soubesse, outras teorias poderiam se adaptar ao fato observado…
    Não foi a Igreja que foi contra a ciência, mas o próprio Galileu foi contra o método científico ao confiar tanto naquele instrumento. Uma das argumentações dos cientistas da época, contrários à utilização do telescópio, era a de que as imagens poderiam ser ilusão de ótica. Uma objeção bastante plausível à época, pois como disse antes, não se sabia como o instrumento funcionava (somente um ano depois Kepler publicaria um tratado teórico – Dioptrice – onde deduziu seus princípios de funcionamento analisando geometricamente a refração da luz por lentes, mas mesmo assim a formulação correta da lei da refração, com um modelo explicativo satisfatório, ainda não havia sido realizada. Não se sabia porque a luz era refratada por lentes, o que só foi esclarecido mais ou menos setenta anos mais tarde, por Cristiaan Huygens).

    Sobre as “provas” sobre a rotação da Terra, tenho a informar que o primeiro experimento científico que deu alguma indicação nesse sentido foi o pêndulo de Foucault, realizado em 1851.

    Não estou aqui minimizando a importância de Galileu, só quero que entendam que, nesse caso, Galileu foi menos científico do que a Igreja. Aliás, naquela época, a opinião da Igreja sobre esse assunto era o de que a ciência deveria limitar-se à ciência, e não deveria interferir nas questões teológicas, conforme a separação entre teologia e ciência natural anteriormente proposta por Santo Alberto Magno e Santo Tomás. Dessa maneira, segundo carta do cardeal Divini a Galileu, datada de 1615: “Podemos escrever livremente enquanto nos mantivermos fora da sacristia”(se não me engano, essa carta pode ser encontrada no livro “O homem e o universo”, de Koestler, A.).
    Tal recomendação seria repetidamente e insistentemente desrespeitada, levando ao conflito entre Galileu e a Igreja.

    Um abraço a todos,

    Jones.

  12. Caro Jones,
    Excelente sua explicação. E bastante didática. Obrigado. Galileu, segundo consta, era arrogante e autoritário, querendo impôr como verdade científica indiscutível aquilo que era, ainda, só uma hipótese. Daí começou seu conflito com a Igreja. Li um resumo de um livro sobre Galileu (acho que foi no site da Permanência) em que se dizia que ele até foi autorizado a ensinar sua teoria, mas desde que a ensinasse como teoria. No entanto, ele insistia em ensiná-la como lei.
    Um abraço.
    Carlos.

  13. Falando sobre Galileu, o professor Thomas E. Wood (quem tiver interesse basta procurar no youtube Igreja Católica: construtora da civilização) falou em um de seus programas que Galileu, além de não ensinar sua teoria como teoria, teria sugerido que a Igreja reinterpretasse versículos bíblicos. Lembrando que essa época era a da Reforma, imagina a confusão que ele arranjou…

  14. O Jones foi perfeito!

    A afirmação de que Galileu provou o heliocentrismo é um dos mitos mais recorrentes por quem aborda o assunto (quase sempre, segundo uma ótica anticlerical das mais enviesadas).

    A respeito de outras imprecisões históricas no texto colado pelo Cândido, logo de saída deparei-me com a alegação de que a teoria geocêntrica permaneceu incontestada até 1543.

    Não é verdade. Até um autor não católico (acho que sequer religioso) – Yoav Ben-Dor – admite que o modelo de Copérnico foi tão-somente a culminação de um debate que já se fazia entre os escolásticos, sem repressão ou ameaças de perseguição por parte da Igreja.

    Aliás, por que haveria preocupação da Igreja quando as tentativas de confrontar o modelo ptolemaico desabavam em pura nulidade matemática e ainda tinham contra si a observaçao empírica cotidiana que mostra os astros movimentando-se em torno da Terra?

    Criou-se, na mentalidade anticlerical, uma história de araque além de profusamente mentirosa. Omite-me muita coisa para “dar certo” o relato falso que pinta a Igreja com cores tenebrosas de intransigência e aversão às descobertas científicas.

    Ora, basta dizer, por exemplo, que o cônego Copérnico foi incentivado por ninguém menos que dois arcebispos influentes para publicar sua teoria: um, o Cardeal Schomberg, então arcebispo de Capua, e D. Tiedemann Giese, arcebispo de Culm.

    Não bastando isso, o De Revolutionibus foi autorizado pelo Papa Paulo III, a quem a obra foi dedicada. Como ressalta a Enciclopédia Católica nem este pontífice nem os nove que lhe sucederam interpuseram qualquer objeção ao conteúdo do livro nem se incomodaram com quem fizesse sua defesa, ao contrário do que canta a musa anticlerical.

    Ironicamente, a franca oposição ao heliocentrismo copernicano ocorreu a partir de Lutero (que insinuou que o cônego polonês era um doido pretensioso) e se instalou nos países já com predominância protestante.

    Mas eu nunca vi um só desses “baluartes” em história da ciência mencionar essa oposição, o que implicaria em desistir de uma de suas lendas negras preferidas.

    Mais: o livro de Copérnico somente foi posto no Index, inicialmente, em 1616, em caráter de revisão, sendo liberado em 1620 (causado pela insistência de Galileu em afirmá-lo como certeza inquestionável) e recolocado após o desfecho do processo do Santo Ofício contra o cientista, em 1633.

    O que pouco se atenta hoje, e também contraria o texto em comento, é que o modelo copernicano não corresponde à correta descrição do movimento planetário. Sinceramente, alegar que o livro estabeleceu as bases da astronomia moderna é muito, sem deixar de reconhecer o timbre revolucionário da idéia por trás da obra: a possibilidade de um sistema heliocêntrico matematicamente explicável.

    Para concluir, um comentário sobre a alegação de que Fernão de Magalhães comprovou a esfericidade da Terra.

    Não passa de um mito ou, melhor, uma deslavada mentira. Tudo principia na insinuação de que a Igreja impunha desde a Idade Média o conhecimento de uma Terra não redonda, assim permanecendo até a circunavegação ser concluída. A desonestidade é tamanha que alguns autores, num verdadeiro exercício de patifaria intelectual, afirmam que Magalhães ainda teria zombado da Igreja. Ô caramba! Sequer o navegador português concluiu a viagem, morrendo antes do seu objetivo: atingir as ilhas Molucas pelo caminho ocidental…

    Além do mais, é completamente falso que o ocidente medieval não aceitava a esfericidade da Terra. Em verdade, não apenas os tais “muitos matemáticos e astrônomos”, mas ninguém punha em dúvida que o planeta fosse redondo. A idéia de um mundo plano, achatado, como fosse, era coisa de uma antiguidade grega extremamente remota e só persistia, então, entre alguns povos do Oriente.

    Inclusive Fernando de Magalhães utilizou um globo para mostrar ao rei espanhol Carlos V a possibilidade de estabelecer uma rota até as Molucas em mares não portugueses. Que tal?

  15. Vale lembrar que Jacques Le Goff é um dos maiores medievalistas de hoje, agnóstico (portanto difícil de ser acusado de viés) e, apesar de importante membro da Escola dos Annales, razoavelmente confiável =)

    Paz e bem.

  16. Se ninguém consegue lembrar de um cientista quimado nas fogueiras da Inquisição não significa que ela não tenha cometido e praticado assassinatos. Pelo menos temos que mencionar Joada D’Arc que posteriormente viria a ser canonizada pela Igreja reconhecendo o tremendo erro cometido quando da sua condenão à morte na fogueira. Na história do Brasil temos o relato de que entre os anos 1620 e 1640 houve uma perseguição pela inquisição aos judeus que se estabeleciam no Brasill colônia. Um dos mártires da Inquisição no Brasil acabaria sendo um certo Isaac de Castro (Tartas) judeu nascido em Tartas na França, educado na Holanda e enviado ainda jovem ao Brasil onde posteriormente seria preso e enviado para ser condenado e quaimado pela Inquisição em Portugal.
    Não vamos tapar o sol coma peneira: A inquisição existiu e foi muito cruel com algumas pessoas (ninguém sabe ao certo quantas) que podem ser até milhares.
    Deixemos de cer cegos. A Igeja é feita de homens e portanto sujeita a erros, aliás a própria Igreja se define com santa e pecadora ao mesmo tempo.
    A idade das trevas na história da Igreja tem a ver também com alguns papas que levaram um vida mais pecadora do que as protitutas pois estas muitas vezes vendem o corpo como única opção de ganhar o pão de cada dia enquanto tivemos papas vivendo em concubinato, portanto, em pecado mesmo sabendo o catecismo de cor…
    Quando defendemos nossa Igreja é preciso admitir que ela cometeu erros graves ao longo da história e como exemplo temos os diversos pedidos de perdão feitos pelo papa João Paulo II.

  17. Evaldo,
    apenas algumas observações:
    O caso de Joana D’Arc foi comprado desde o início, e como diz Jules Michelet na introdução de no volume do livro “Os Grandes Julgamentos” que trata do caso de Joana:
    “Se a donzela não tivesse sido julgada e queimada como feiticeira, se as suas histórias não fossem atribuídas ao demônio, ficariam como milagres na opinião do povo, como obras de Deus: então, Deus estaria contra os ingleses, eles haviam sido bem e lealmente batidos; então a sua causa seria a do diabo.”
    Vale lembrar que esse julgamento nunca foi aceito pela Santa Sé.
    Sobre a inquisição em geral, ela sempre teve a participação do poder temporal. O problema como nos lembra João Bernadino, é que com o passar dos anos a participação dos príncipes foi aumentando e eles passaram a usar a inquisição para fins políticos. Uma tortura ministrada pela Igreja não permitiria que abalasse a integridade física do indivíduo nem que derramasse uma gota de sangue, por outro lado a inquisição espanhola foi a pior de todas. Era natural ter algumas rixas entre a Santa Sé e a Espanha por causa disso.
    Se você deixar de lado a mentalidade romântica e materialista do nosso mundo para analisar uma época em que a alma do indivíduo tinha mais valor do que a própria vida, veria o quanto é contraditório dizer que a idade média é a idade das trevas.

  18. Não acho a inquisição problemática por ter queimado cientistas, pois como o próprio texto diz, não temos muitas evidências disso. O problema foi queimar pessoas comuns (e diga-se de passagem, todas inocentes) acusadas de bruxaria.
    Ou vai me dizer que uma bruxa de verdade seria descoberta e queimada por aqueles asnézios?
    Ninguém pode provar que sua religião está certa e cada morte atribuída a ela é uma morte injusta e cruel.

  19.  Leandro. De onde você tirou tanta besteira???

    Leia “A Inquisição no seu Mundo”

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