“O sacerdote, com quatro palavras, faz mais todos os dias, que se criara mil mundos” – pe. António Vieira

O perdoar pecados consiste formalmente em Deus ceder do jus e direito que sua justiça tem para os castigar, que é acto superior da sua misericórdia, parcendo maxime, et miserando: e como neste acto vence a misericórdia divina a justiça divina, também Deus se vence a si mesmo, que é «a maior vitória, a maior façanha do seu poder»: Omnipotentiam tuam maxime manifestas. Porém a do Filho de Deus em se consagrar ainda é maior, porque mais é poder-se fazer a si mesmo, que poder-se vencer; e isto é o que pode, e o que fez o Filho de Deus, sumo e eterno sacerdote, quando se consagrou no sacramento, porque realmente se tornou a fazer e reproduzir a si mesmo. Mas não parou aqui sua omnipotência e liberalidade, senão que este mesmo poder de o reproduzirem e fazerem a ele, comunicou aos sacerdotes, quando lhes disse: Hoc facite in meam commemorationem: «Isto mesmo que eu fiz, fazei vós». Expressamente S. Germano, venerado e alegado neste mesmo ponto pelos Padres gregos: Ipse dixit: hoc est corpus meum, hic est sanguis meus; ipse et apostolis jussit, et per illos universæ ecclesiæ hoc facere: hoc enim (ait) facite in meam commemorationem. Non sane id facere jussisset, nisi vim, hoc est, potestatem inducturus fuisset, ut id facere liceret. Ó poder quase incompreensível, e que só se pode admirar com o nome de estupendíssimo! Nos seis dias da criação, criou Deus com seis palavras todo este Mundo, e o sacerdote com quatro palavras faz mais todos os dias, que se criara mil mundos.

Declaremos bem este poder mal entendido, para que todos o entendam e pasmem. O lume da Igreja, St. Agostinho, exclama assim: O veneranda sacerdotum dignitas! in quorum manibus Dei Filius velut in utero virginis incarnatur!: «Ó dignidade veneranda dos sacerdotes, em cujas mãos o Filho de Deus, como no ventre sacratíssimo da Virgem Maria, torna outra vez a encarnar!» Em que consistiu a encarnação do Verbo Eterno? Consistiu na produção do corpo e alma de Cristo e na produção da união hipostática, com que a sagrada humanidade se uniu à subsistência do Verbo. E tudo isto faz o sacerdote com as palavras da consagração, produzindo outra vez, ou reproduzindo todo o mesmo Cristo. Na mesma conformidade falam S. João Crisóstomo, S. Gregório Papa, S. Pedro Damião, e o antiqüíssimo Teodoro Ancirano, famoso no Concílio Efesino. Mas porque cuidam alguns que semelhantes questões são mais debatidas e examinadas pelos teólogos modernos, quero também alegar as palavras de dois bem conhecidos na nossa idade. O P. Teófilo Rainaudo, tão perseguidor de opiniões, ou devoções pouco Sólidas, como se vê nos seus eruditíssimos livros contra Anomala pietatis, diz o que se segue: Sacerdos Christum sub accidentibus ponit, esse sacramentale illi conferendo per veram Christi productionem substantialem. E mais a baixo: Christus non producitur absque unione ad verbum, quia non est purus homo, sed suppositum ejus est Persona Filii: itaque in sacrificio Deus in manibus sacerdotum incarnatur. E noutro lugar: Quim etiam sacerdotis potestas extenditur ad efficiendam unionem hypostaticam, et transubstantionem panis, et vini. Não romanceio as palavras, porque são expressamente tudo o que tenho dito. E o P. Eusébio Neriemberg, varão de tanto espírito, erudição e letras, cujos livros todos trazem nas mãos, fazendo a mesma comparação, que eu já toquei, entre a criação do Mundo e consagração do corpo de Cristo, discorre e infere desta maneira: Mundum, et ea quæ in mundo sunt, produxit potentia Patris: sacerdotis vero potentia producit Filium Dei in sacramentum, et sacrificium, quo admirabilior potestas est sacerdotis transubstantiatione Filium Dei, quam creatione res perituras Dei Patris producentis. Quer dizer: «A potência do Eterno Padre produziu o Mundo, e  tudo o que há no mundo; a potência do sacerdote produz o Filho de Deus em sacramento e sacrifício; donde se segue que o poder do sacerdote, na transubstanciação do Filho de Deus, é muito mais admirável que a potência do Eterno Padre na criação de todas as cousas do Mundo, que hão-de acabar com ele.»

Padre Antonio Vieira,
Sermão de São Pedro

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Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

4 comentários em ““O sacerdote, com quatro palavras, faz mais todos os dias, que se criara mil mundos” – pe. António Vieira”

  1. Esse texto do Padre Antônio Vieira é maravilhoso!

    Agora, em Agosto, quando no dia 4, celebraremos a memória de São João Maria Vianney, voltaremos a pensar no sacerdócio, nos padres. Que esse discurso do Pe. Antônio Vieira possa sevir à nossa reflexão sobre a dignidade sacerdotal.

    Precisamos muito de sacerdotes santos.

    Não foi sobretudo por isso que o Santo Padre institui o Ano Sacerdotal que se encerrou na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, 11 de junho passado?!

    E, aqui no Brasil, o clero ficou mais preocupado com questões “sociais” (questões ideológicas de cunho marxista – ou com questões da Teologia da Libertação) do que com a salvação eterna do fiéis, com a celebração dos sacramentos, com a catequese, etc. É claro que há excessões, mas não estou falando delas.

    P.S.: Jorge, por favor, se puder, traduza as citações latinas do Padre Antonio Vieira.

  2. Oração pelos sacerdotes e vocações sacerdotais

    Trechos da oração de Teresa Durnerin

    É tempo, Senhor, de revelar vosso Coração ao mundo e que esta fornalha de amor difunda os ardores de que está consumida. Apressai-vos! Considerai as lágrimas de vossos servos que em vós esperam e que confiam em vossa ternura para obter perdão e misericórdia!… Se vossos inimigos são numerosos, olhai vossos amigos e contai-os, vo-lo suplico!…
    Mais poderosa, porém, que todas as vozes, ouvi a voz queixosa de Jesus-Hóstia que por toda parte clama misericórdia para vossos filhos!… Ó Pai santo! com as vagas de amor que jorrarão da sagrada chaga do Coração de vosso divino Jesus, lavai a terra para nela fazer germinar sacerdotes que, como João, vosso discípulo bem-amado, recolham do cálice do altar, vosso sangue sagrado, que vos dêem às almas com aquela plenitude de amor que o amigo de vosso Coração recebeu como penhor de vossa ternura ao pé da cruz.
    Que vossos sacerdotes sejam os guardas fiéis de vossa Igreja, como João que acolheu Maria em sua casa; que instruídos por essa Mãe tão terna e tão aflita no Calvário, tenham para com vossos filhos os desvelos e as delicadezas de uma mãe, que ensinem às almas a entrar em vossa intimidade por Maria, que sendo a “porta do céu” é, por excelência, a tesoureira de vosso divino Coração.
    Ó Maria, transpassada, junto à cruz, pela espada que atravessou o Coração de vosso divino Filho, sede nossa guia para nos fazer penetrar nos mistérios do sacrifício! Ensinai-nos a contentar a Jesus, e a correr em seu seguimento, ao brado que nos fez ouvir do alto de sua cruz, quando disse com voz dilacerante: “Tenho sede!”
    …Oh! dai-nos padres, padres de fogo! Verdadeiros filhos de Maria que dêem Jesus às almas com a mesma ternura e o mesmo desvelo com que carregastes em vossos braços a criancinha de Belém!
    …Mãe das dores, e Mãe de amor! por compaixão de vosso Filho tão amado! abri em nossos corações abismos de ternura a fim de consolar a Jesus, e dai-lhe uma geração de sacerdotes formados em vossa escola, nas delicadezas de vosso Coração virginal.

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