Bento XVI e a camisinha I: a “mudança de opinião” da Igreja

Muito já foi dito acerca das declarações do Papa Bento XVI sobre os preservativos. Em particular, recomendo a leitura

1. do trecho do livro causador da polêmica;

2. deste texto do Voto Católico que me parece dar uma boa visão panorâmica sobre o assunto; e

3. destes comentários (parte 1 e parte 2) do rev. Pe. Demétrio sobre o assunto.

Infelizmente, a repercussão desta matéria foi incomparavelmente pior do que tudo o que se podia esperar. Vejo-me obrigado a levantar armas contra duas frentes opostas: por um lado, contra os mundanos que celebram este “avanço” da Igreja e, por outra, contra os católicos dito tradicionalistas que foram céleres em acusar o Papa de ter errado na emissão de uma opinião particular não-infalível.

Começo com os primeiros: é absurda a quantidade de má fé empregada! Ora, qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento sobre a Igreja Católica sabe que as entrevistas papais publicadas por terceiros não fazem parte do corpo doutrinário católicos – ou seja, um livro de Peter Seewald não pode, sob nenhuma ótica, ser considerado um documento da Igreja. Portanto, ainda que o Papa estivesse apoiando campanhas de distribuição de preservativos (coisa que ele não está), seria descabido falar em “mudança de posição da Igreja”. A Igreja, como a história já deu incontáveis mostras e como os Seus inimigos não cansam de lamentar, simplesmente não muda. Esta é a segurança que nós, como católicos, possuímos.

Quanto ao que disse exatamente o Papa, ponho aqui uma tradução de um trecho bastante expressivo deste artigo do Catholic World Report:

Se alguém vai assaltar um banco e está decidido a usar uma pistola, melhor seria utilizar uma que não tivesse balas. Isto reduziria as chances de haver feridas mortais. Porém não é tarefa da Igreja ensinar aos potenciais ladrões de bancos como roubar bancos de maneira mais segura, e com certeza não é tarefa da Igreja apoiar programas que lhes proporcionem pistolas sem balas. Não obstante, a intenção de um ladrão de roubar um banco de maneira mais segura para os empregados e os clientes pode indicar um elemento de responsabilidade moral, que poderá ser um passo para uma eventual compreensão da imoralidade do ato de roubar um banco.

O mesmo se pode dizer da utilização do preservativo. O Papa não está falando sobre a sua mera utilização: está apenas enfatizando um aspecto subjetivo de quem o utiliza, que é em si positivo, e que pode servir para a sua eventual mudança de consciência e posterior conversão. Se um garoto de programa usa preservativos para proteger a si e ao seu parceiro de um eventual contágio com o vírus da AIDS, é esta preocupação com a integridade própria e a alheia que o Papa está chamando de positiva. Usar a camisinha é uma forma errada de salvaguardar a própria integridade; mas a intenção de se proteger, a consciência de que existem riscos associados ao uso desenfreado do sexo, é o que existe de positivo (embora, repita-se, os meios empregados estejam equivocados) no exemplo dado pelo Papa. Não significa “prostitutas, usem camisinha!”, mas simplesmente uma constatação: um garoto de programa que mantém a consciência dos limites do sexo, ainda que erre na maneira de “se proteger”, está melhor do que um entusiasta defensor do Barebacking.

A segunda parte deste texto – sobre os católicos dito tradicionalistas – vai ficar para depois.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

45 comentários em “Bento XVI e a camisinha I: a “mudança de opinião” da Igreja”

  1. Caríssimo Gus, concordo com você num ponto:

    FOI UMA DECLARAÇÃO ESPETACULAR E RESPONSÁVEL!!!

    VIVA O PAPA BENTO XVI!!!

  2. Gostaria de recomendar a leitura deste artigo da ACI Digital

    Peter Seewald à ACI Prensa: Bento XVI é um mestre espiritual para a humanidade

    Destaco este trecho:

    “É um homem que pensa, diz o que pensa e ademais faz o que diz; não diz as coisas externamente, mas é um homem autêntico, fiel à sua personalidade”, acrescenta Seewald.

    http://www.acidigital.com/noticia.php?id=20678

  3. “Eu li o que o Papa falou na entrevista e não achei nada demais. Sempre achei que a Igreja pensava dessa forma. Olhe que não houve liberação de absolutamente nada. O fato de o Papa ter citado um prostituto ou prostituta, que seja, já está implícito que ele está falando de alguém que não segue as orientações da Igreja. Se seguisse, não seria prostituto, não faria sexo fora do casamento e não usaria preservativo. ” comentário sensato. alias esta é a unica saída para um católico encurralado quando disserem que o papa liberou a camisinha tal como foi estampado numa manchete do Jornal Diário do Nordeste de Fortaleza ontem abaixo.
    “Igreja amplia aceitação ao uso da camisinha” Diário do Nordeste Ceará 24.11.10. Por aí dar pra ver otamenho do estrago.

  4. Não radicalizo nada. Para todos os grandes santos e doutores nossa culpa sempre é máxima culpa (e retiraram esta expressão do “confiteor”). Não há dirimentes. Toda culpa contra Deus é estúpida e seria impagável, se Deus mesmo não a cancelasse por Seu mérito. Por nós, merecemos todos o inferno. Nunca poderíamos pagar nada do que fizemos contra Deus. Por isso a indulgência. É que esta consciência que devemos converter e confessar o quanto antes, sem atrasos. Isto é o que diria São Pio X. Nisso se fixavam os santos. Vocês não conhecem os santos, não sabem sobre o que baseavam suas vidas espirituais. A coisa é grave e é muito séria. Uma moral que insiste em ver o homem como vítima (senão de seu próprio pecado) não pode começar bem.
    Agora, o caso (até menos relevante) à parte, devo dizer que o resto da entrevista me chocou mais ainda! Vi no papa o contrário de São Pio X e perdi a esperança do atual papa vir a ser o papa de Fátima. Moderno em nome da “alegria”, dizendo que há parte justa e santa na modernidade, alegando que há cansaço cultural acerca das mulheres não poderem ser sacerdotes, entre outras coisas deploráveis para um papa dizer… Vocês nem sabem que vários doutores nos exigem de criticar opiniões erradas até dos papas, como fez São Paulo acerca da posição de São Pedro sobre os gentios. E até o Código Canônico exige isso dos fiéis. Entre Bento XVI e São Pio X, fiquem com Bento, que eu fico com São Pio X, porque este, sim, já brigava com toda seriedade e toda gravidade necessárias para a salvação de nossa geração, das gerações futuras a ele. E vejam o vídeo do Prof. Nougué, no qual ele demonstra sua desconfiança de que Bento XVI seja hegeliano e esteja considerando hermenêutica da continuidade a síntese hegeliana entre ruptura e continuidade, porque o papa parece insistir em dar um passo à frente e, logo em seguida, dois atrás em matéria de acolher para aplicar a Sagrada Tradição. CUIDADO, PORQUE, “O CÉU É ARREBATADO APENAS PELOS VIOLENTOS”!

  5. O Papa foi brilhante. Não falou absolutamente nada contrário ao magistério da Igreja (afinal, um prostituto usar ou não camisinha não vai aumentar nem diminuir o pecado da prostituição, da fornicação, do adultério).

    E é claro que para lutar contra o pecado do adultério, prostituição e fornicação a Igreja não fica distribuindo camisinhas para as pessoas.

    E é claro que tudo que o Papa fala é retirado do contexto.

    E é claro que mais uma vez foi retirado do contexto, porém…

    Para ele ser aplaudido por algo que nunca disse, mas que foi inventado, do tipo “Papa amplia aceitação do uso da camisinha” e que é politicamente correto.

    Agora, os retardados do mundo vão dizer: “poxa, como a Igreja é progressista, o Papa está de parabéns, vejam como ele é realmente um pastor de verdade”.

    E a Igreja vai continuar ensinando o que sempre ensinou.
    Castidade e fidelidade matrimonial.

    Não é uma genial declaração?

    O Papa Bento, meus amigos, não é pop, mas também não é besta.

    Viva o Papa Bento! Azar do que pensam ou deixam de pensar os guetos.

  6. Se eu fosse comentar cada linha de comentário (acima) com a qual discordo, eu demoraria dias comentando nesta página. Surgiriam novas discussões e as coisas se prolongariam ainda mais. Não é o meu papel. Não posso me voltar apenas para isso. Também sou falível, aliás. Contudo, reservo algumas intenções para orações.

    Quero, a seguir, fazer pelo menos alguns comentários que julgo fazerem diferença.

    Existem pecados mais graves e pecados menos graves. Além disso, podemos ter “pecado de fornicação”, por exemplo, como uma abstração para considerações objetivas. Na realidade, fornicar sem camisinha é um pecado (correspondente a uma culpa), e fornicar com camisinha é outro pecado (correspondente a outra culpa), e assim por diante.

    Ou seja, mesmo objetivamente falando, existem muitas combinações possíveis, de atos, para o que geralmente se abstrai como pecado de fornicação. Subjetivamente existem muito mais. É uma casuística “sem fim”. Até os extremos ela interessa somente ao pecador e a Deus, e muito mais ao primeiro, porque o segundo de tudo já sabe e a muito perdoa.

    É mais grave fornicar sem camisinha do que fornicar com camisinha, objetivamente considerando. Óbvio. Subjetivamente as coisas podem variar muito, ainda. Imaginemos, por exemplo, um caso em que o fornicador não tenha usado a camisinha por não acreditar que ela tenha alguma eficácia na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis…

    Os juízos objetivos nos interessam principalmente para nossa orientação. Os juízos humanos subjetivos nos interessam mais propriamente depois da prática dos atos considerados, e primeiramente ao sujeito.

    O pecado de fornicação é objetivamente grave e leva ao inferno.

    Como sugestão, quero deixar o último podcast do Pe. Paulo Ricardo: 11 Parresía: Papa e os preservativos. Inclusive nele tem a correção para uma analogia que foi tentada acima, envolvendo assaltantes de bancos. Também tem outra analogia interessante, com motoristas na contra-mão.

  7. O grave aqui, Jorge – e só hoje tive tempo para cá vir lê-lo – é que o Papa diz «num ou noutro caso»; «há casos pontuais, justificados».

    Ou seja:
    -num ou noutro caso, não é só o caso das prostitutas (já vimos que também abrangidas, não só os prostitutos). Pode ser o caso de um adultério – melhor usar que engravidar a moça -, ou no caso de um dos cônjuges mesmo catolicamente casados ser infectado e o outro não. Pode haver N casos específicos que o Papa, ao generalizar, ao fazer excepções de carácter tão geral e não concreto e específico e claro e preciso, acaba por aprovar sim. As excepções são para quem quiser enquadrar-se nelas. QQ um pode achar que o seu caso é excepcional, e o Papa nada diz sobre isso.
    -Casos pontuais não compreendidos, mas justificados. Ou seja, que são perfeitamente aceitáveis. Não se trata aqui de uma compreensão personalista, mas de uma justificação para um mal moral intrínseco.

    Quer vc goste ou não, Bento disse exactamente o contrário do que dizia JPII, nomeadamente num discurso – celebérrimo – de 1998, em que afirma precisamente que não se pode persuadir alguém a fazer algo moralmente ilícito, para daí se inferir um futuro bem. JPII era completamente contrário – e batia o pé nisso – a esta teoria de Bento.

    Sabemos o que vai acontecer a esta excepção na prática, não sabemos? Sabemos o que aconteceu com a comunhão na mão, por exemplo.

    Se a Igreja começa a abrir excepções na moral, começa a trilhar-se o caminho do relativismo.

    Além disso, conceda-se, somente como ad hominem, que o Papa apenas e tão-somente falou de prostituição. Não cabe à Igreja ensinar a prostituta a ‘pecar menos ou mais responsavelmente’. Cabe-lhe sim colocar meios no terreno para ajudá-la a mudar de atitudes e mentalidade e não pecar.

    Este tema doeu-me particularmente e abstenho-me de explicar aqui porquê. É andar a brincar com o trabalho dos outros – muito me admiro de certos protestantes ainda não se terem manifestado acerca desta catástrofe.

    Claro que eu já sabia que ia encontrar aqui alguma defesa do Papa; rs. Mas isto é indefensável – o Papa abriu uma brecha, um precedente único na moral católica. E de extrema gravidade: quer pela ambiguidade do que foi dito (e sobretudo do que ficou por dizer e devia ter sido esclarecido), quer pelas nefastas consequências práticas que isto terá à escala mundial. E contra isso, não há teorias que nos valham. Não houve revolução, mas houve mudança de postura relativamente a todo o magistério anterior.

    Pobre João Paulo II. Deve andar às voltas no caixão!

    Um abraço, fique com Deus

  8. Teresa, o Papa não aprova (não aconselha) coisa alguma nessa estória de fornicador usar camisinha. Em muitas interpretações – e nesta sua muito claramente – a palavra “justificado” está ganhando uma elasticidade inconveniente.

    Eu duvido que o Papa esteja dizendo que o uso da camisinha por um fornicador é justo!

    Essa tal “teoria de Bento” que você expõe aí, em seu comentário, é criação sua. O Papa não está navegando nesses mares.

    Você já leu o trecho da entrevista quantas vezes?
    Leia novamente, pois ainda não o entendeu.

    O Papa não está ensinando a pecar menos. Ele está expondo uma constatação que um pudor impuro ou ignorante é incapaz de apalpar. Assim, Ratzinger mostra que o Papa é homem pensante, que pensa a respeito de realidades concretas, e não um dogmático fideísta cego para a Razão. Pois ele tem falado de Razão e … e alguns devem já ter se perguntado: “será que esse homem sabe mesmo do que está falando?” Agora, intencionalmente ou não, ele mostra que sim, que o Papa – o “chefe” dos católicos – não é um fideísta, mas um ser humano muito inteligente e com razão articulada.

    Os católicos que tem dificuldade com interpretação de texto, se não confiam no Papa e não se calam, atrapalham a Igreja na sua Missão, muito mais do que qualquer outro (agnóstico, ateu ou apóstata militantes). É prato cheio!

    Adultério é pecado mortal! Mas vamos lá: qual é o pecado mortal de adultério mais grave, aquele com maior risco de gerar uma segunda “família” (sem uso da camisinha) ou aquele com menor risco de gerar uma segunda “família” (com uso da camisinha)?
    Por amor de Deus, é claro que nenhum dos dois deve ser praticado!
    Mas, objetivamente, qual é o mais grave, hein?!

  9. Qual a diferença de fornicar com ou sem camisinha? É “menos fornicação” sem camisinha?

    A fornicação é um roubo, antes de tudo, pois se faz uso de um corpo que não lhe pertence, mas que pertence somente a Deus: é templo do Espírito Santo. Traz sua gravidade intrínseca.

    Um casal que pode manter relações sexuais licitamente, por estar em matrimônio, lhe é vedada a anticoncepção artificial porque foge ao fim da cópula conjugal. Se faz uso de meios artificiais em cópulas, não peca por “adultério” ou “fornicação” ou “prostituição”, mas tão somente por anticoncepção.

    Quem segue as leis da Igreja não fica na dúvida: vou fornicar com ou sem camisinha? Isso não lhe passa pela cabeça. Simplesmente, abstem-se do pecado.

    Agora, não vejo quantas combinações podem existir entre lama + lama = lama.

    Se o risco físico pode até diminuir (não zerar) com o uso da camisinha, do risco moral não se pode deduzir o mesmo, o pecado já se instalou.

  10. Obs: meios não artificiais como “coitos interrompidos” também se constitui em pecado: do onanismo. Como todos sabem.

    Só para complementar e não confundir. Obviamente, não é o centro da discussão.

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