A música litúrgica e a mediocridade

Hoje foi a comemoração dos 100 anos da elevação da Diocese de Olinda a Arquidiocese de Olinda e Recife. Missa no Marco Zero com todo o clero, muitos bispos de toda a província eclesiástica, alguns outros bispos da Regional Nordeste II e o Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri, que presidiu a celebração.

A celebração foi longa: eram por volta das 17:00 quando lá cheguei (pouco antes da procissão de entrada), e eram 20:30 quando recebi a bênção solene. Merece menção o coral polifônico: um exemplo de como é possível manter a sacralidade da música litúrgica mesmo com o emprego do vernáculo. Antes da celebração, eu estava no retiro do Crisma e, comentando sobre a situação da Igreja nos dias de hoje, falava que uma das notas características dos erros e heresias atuais é a mediocridade. Encontramos coisas erradas em abundância, mas pouco ou nenhum requinte de heterodoxia. Temos muitas heresias, mas elas estão universalmente disseminadas e são impessoais: não temos nenhum grande heresiarca.

A edição da Martins Fontes das “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, de C. S. Lewis, traz ao final o “Fitafuso propõe um brinde”; é um pequeno conto com o diabo autor das cartas anteriormente publicadas. “O cenário é o Inferno; a ocasião, um jantar anual oferecido aos jovens Demônios pela Faculdade de Treinamento de Tentadores. O Diretor, Dr. Catarruspe, acaba de brindar à saúde dose seus convidados. Fitafuso, convidado de honra, ergue-se para responder”. E ele já falava desta mediocridade:

Os “grandes” pecadores, aqueles nos quais as paixões vívidas e geniais foram levadas além do limite, e nos quais sua imensa concentração de vontade foi devotada a assuntos que o Inimigo odeia – enfim, nem todos eles desaparecerão, mas ficarão mais raros. Teremos cada vez mais presas, mas consistirão cada vez mais de puro lixo – lixo que tempos atrás jogaríamos para Cérbero e para os cães do Inferno, pois não seria apropriado para o consumo diabólico.

Lewis, C.S., “Cartas de um diabo a seu aprendiz”, pp. 183-184. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2005

Cheguei a este assunto por causa de um contra-exemplo. Uma das mais clássicas aplicações deste – chamemo-lo assim – “princípio da mediocridade” são as músicas que tocam nas nossas paróquias. Na esmagadora maioria das vezes, são sofríveis, horrorosas, totalmente inadequadas para o culto; mas não têm impiedade deliberada, não têm um grau significativo de malícia, não têm nada. São “só” medíocres.

E, hoje, na presença do senhor núncio, foi com imensa alegria que eu vi a exceção à regra. O coral estava bem preparado e as músicas estavam dignas: hoje, na comemoração dos cem anos da Arquidiocese, a música litúrgica fugiu à mediocridade. Por que não é possível ser sempre assim? Por que não é possível dar, ordinariamente, o melhor a Deus? Por que é necessário esperar uma visita do Núncio Apostólico para que se cantem, nas celebrações litúrgicas, músicas dignas do Deus Altíssimo que Se entrega diariamente por nós?

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

6 comentários em “A música litúrgica e a mediocridade”

  1. Por que não é sempre assim? Bem, eu, como servo da Igreja na música (toco violão e guitarra), posso dizer o seguinte:

    1) Não são incentivados a criação de corais (seja de adultos, seja de crianças);

    2) Os corais que existem, salvo exceções, não tem praticamente nenhum apoio material, tendo que conseguir equipamento, espaço para ensaiar e coisas do gênero na marra (isso sem falar que os maestros católicos não conseguem se dedicar mais aos corais católicos porque não conseguem sobreviver da música católica);

    3) Os leigos que, de alguma forma, se constituem em grupo para organizar os cantos, mesmo que com muita boa vontade e até certa desenvoltura, não conseguem evoluir sozinhos, sem orientação profissional de canto;

    4) Nos casos de outros tipos de equipes de música (no caso), só existem pessoas de boa vontade, mas sem nenhum preparo litúrgico e técnico-musical. São raros os casos de músicos que se preocupam em estudar música e liturgia (é visível – e audível – quando um grupo sabe fazer bem feito: as pessoas conseguem cantar e rezar com a música tocada);

    5) Os equipamentos de som das igrejas são péssimos. Sempre mal regulados (seja por quem os instalou, seja pelos outros músicos que não sabem regular), e dificilmente conservados (já toquei no igreja que eu tinha que pedir a um colega meu para levar o cabo de energia, pois sempre roubavam o do amplifcador que eu tocava!);

    6) Os músicos ou tocam baixo demais (como se estivessem como medo e vergonha do seu serviço) ou alto demais (querendo dar show);

    7) No caso do padrão voz-guitarra-baixo-bateria, em vez de se buscar técnica para fazer uma música agradável (e que é possível), tem gente que acha que tá no Rock in Rio. Na guitarra, por exemplo, em vez de buscar se valer mais da guitarra limpa, às vezes mesclada com reverb, chorus e/ou delay, o sujeito quer testar sua melhor (e mais barulhenta) distorção, com harmônicos e alavancadas de deixar o Steve Vai com inveja (e todo o resto da assembléia P… da vida);

    8) Cobra-se muito a presença de músicos servindo na missa, mas se investe muito pouco em formação litúrgica e técnica-musical.

    9) e tem outras coisas que não são publicáveis, pois aqui estou considerando apenas a boa vontade das pessoas.

    Sabemos que existe uma questão prática: não existem corais suficientes para dar conta de todas as missas de uma paróquia. Por outro lado, é bem mais comum ver missa com música voz e violão ou banda inteira. Nesse sentido, é preciso buscar aletrnativas que, diante da realidade, se possa fazer o melhor possível.

    O que eu faço?

    Nas missas que eu toco, utilizo violão (e assim continuarei mesmo depois de comprar guitarra, não por não se poder adequá-la a missa, mas porque violão se amolda melhor que a guitarra). Estou investindo no meu equipamento, para ter violões de boa qualidade, tanto de corda de aço como corda de nylon, para as diversas aplicações.

    Com o pessoal que eu toco, usamos corriqueiramente Violão, Baixo (ou Baixolão) e Cajon (instrumento percussivo muito utilizado em acústicos). Conseguimos fazer os arranjos de forma não só a respeitar os textos litúrgicos, mas que a música consiga atingir o fim de elevar um canto agradável a Deus. Fica uma música suave, sem barulheiras, e, cá entre nós, é bem mais prático que a estrutura de uma banda completa.

    Efetivamente, seria melhor termos mais corais de canto gregoriano e de canto polifônico. Eu tranquilamente cederia meu lugar (me mantendo no trabalho com música pastoral e em eventos). Mas, já que não se vislumbra possível isso a curto prazo, busco formas, dentro dos recursos que disponho, de fazer uma música com recursos modernos mas sem perder a sobriedade. Isso é possível, mas não basta boa vontade: exge estudo de liturgia e de técnica musical.

    Té mais

    João Marcos

  2. Achei muito interessante o seu post, porque é precisamente ess a leitura que eu faço dos movimentos hiperconservadores e tradicionalistas na Igreja católica – caracterizam-se, precisamnete por uma aflitiva mediocridade.

    Além da grande falta de solidez doutrinária e teológica, uma rigidez aflitiva que resulta, a maior parte das vezes da mais básica ignorância sobre os temas que se debatem (ou se pretendem impôr aos outros como verdades definitivas).

    Saudações

  3. “Cartas de um diabo a seu aprendiz”
    Sabia que o Senhor tem vez que faz bem mais que um simples aprendiz do capeta: semeia discórdia e divisão dentro da Igreja…

  4. Sobre o comentário assinado por João Marcos, concordo com quase tudo o que ele diz, por me parece uma pessoa versada em música e possivelmente em liturgia e consequentemente em música litúrgica.
    Só quero lembrar que a música litúrgica para as celebrações não requer, necessariamente de um coral, pois a sua finalidade não é embelezar ou animar ou alegrar as celebrações, mas a participação efetiva da assembléia celebrante, tendo em vista que a música acompanha o rito que está sendo celebrado.
    O que é necessário é ter pessoas também entendidas em música litúrgica que se disponham a ensaiar os cantos antes das celebrações para que a assembléia cante e cantando, participe mais efetivamente, na inteireza do ser, corpo e espírito, conforme nos ensina a Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia.

  5. Mesmo com todos os abusos que existem na música litúrgica, seja na nossa arquidiocese de Olinda e Recife, quanto em outras igrejas particulares, ainda sim há “Oásis” nesse deserto de desrespeito à Sagrada Liturgia.
    Convido os verdadeiros admiradores da música litúrgica a apreciarem as Santas Missas cantadas pelo Grupo de Canto Nossa Senhora das Dores, da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, no bairro de Apipucos. Lá o reverendo Pároco, o Pe. Moisés Ferreira de Lima, celebra com toda a reverência, prezando pela Sagrada Liturgia tal como manda a Santa Igreja, seja nos ritos da missa propriamente dita, quanto nos cânticos executados pelo grupo, e isso no vernáculo!
    Já andei por toda a nossa arquidiocese, bem como pelo estado e pelo Brasil inteiro e não vi nada que se comparasse. Lá a música litúrgica faz parte da própria liturgia, não é algo acessório ou que é feito apenas para não deixar a Missa “morna” e desanimada. E nas grandes solenidades então, os cânticos são adequadíssimos, como que tirados do Graduale Romanum tal a precisão.
    Fica aí a dica!

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