Drummond, os mortos, o corvo, o Reveillon

E passou 2010, e chegou 2011. Findou-se, aliás, a primeira década do século XXI. Do terceiro milênio! Muita coisa poderia (e deveria) ser escrita sobre isso, mas não o vou fazer agora. Estou – ainda – longe de casa, e com um (terrivelmente egoísta!) desejo incontrolável de pensar em mim próprio. De ver o que foi feito no ano que passou, e o que pode ser feito no ano que se inicia agora.

Eu nunca gostei (acho que já disse isso algures) das listinhas de ano-novo. Mas pretendo fazer algumas coisas bem concretas este ano. Porque, na verdade, olhando para trás, fico com uma incômoda sensação de ter desperdiçado muito tempo. Bastante coisa foi feita! Mas quantas mais não seriam, caso eu me empenhasse mais? E não quero esperar que esta cantilena vire um epitáfio.

Aqui, em Paris, quando fomos ao cemitério na terça ou quarta-feira, havia alguns corvos por lá. São bonitos estes animais agourentos. E, em um certo momento, um deles grasnou (ou seja lá qual for o tipo de som que os corvos fazem): cras, cras. E eu, imediatamente, lembrei-me da história de Santo Expedito e respondi-lhe sozinho: hodie. Sozinho no cemitério – meu irmão olhava não-sei-o-quê mais à frente -, os mortos e um corvo a me darem lição de moral. A me dizerem com eloqüência como o tempo passa rápido; dentro em breve, são apenas os ossos no cemitério. Cras, cras, cras… é preciso dizer não. É preciso dizer hodie. É preciso fazer já.

É de Drummond aquele trecho sobre o ano: “Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Ai entra o milagre da Renovação e tudo começa outra vez… com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente”. Sim, com todos os clichês do mundo, o Ano-Novo tem esta espécie de (digamos assim) poder: a capacidade de fazer acreditar que, doravante, vai ser diferente. Pode ser diferente. Precisa ser diferente.

Porque, se dermos ouvidos aos corvos – cras, cras, cras -, restar-nos-á somente a inscrição fúnebre do que poderia ter sido. E ninguém quer isso. O “milagre” da Renovação – tradicionalmente expresso nas listinhas de coisas a fazer no ano novo – é esta capacidade de acreditar que as coisas podem mudar. É uma auto-crítica, com propostas concretas de pontos a serem melhorados; é, na verdade, no plano natural, aquilo que o arrependimento (e posterior Confissão) faz no plano sobrenatural. E por que não aproveitar o momento, para consertar tudo aquilo que, na vida inteira, precisa ser consertado?

Ano novo, vida nova – é um clichê. Mas não deixa de ter lá a sua verdade. Como um clichê também é o texto de Drummond e, nem por isso, menos verdadeiro. Mudar é preciso – dizem-nos os corvos, os mortos, os poetas, o Reveillon. Que 2011 seja melhor do que 2010, é o que eu desejo a mim e a todos. Feliz ano novo!

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

20 comentários em “Drummond, os mortos, o corvo, o Reveillon”

  1. FELIZ ANO NOVO!

    DEUS NOS ABENÇOE PELAS MÃOS DE MARIA SANTÍSSIMA!

  2. Santo Expedito

    Mártir, ‘Santo das causas urgentes’
    – festa: 19 de abril –

    Santo Expedito era militar. Tocado pela graça de Deus, resolveu mudar de vida. Foi então que lhe apareceu o espírito do mal, em forma de corvo, e lhe segredou: “Cras…! Cras…! Cras…!”, palavra latina que quer dizer: amanhã, isto é, deixe para amanhã, não tenha pressa, adie sua conversão.
    Mas Santo Expedito, pisoteando o corvo, esmagou-o, gritando: HODIE!, que quer dizer: HOJE! Nada de protelações, já!
    Este santo mártir é especialmente invocado nos casos e negócios que demandam pronta solução, aos quais uma demora poderia comprometer. É o Santo da décima-primeira hora, aquele cuja invocação nunca é tardia, mas que também incita a fazer depressa o bem, a não deixar para o dia seguinte a nossa conversão e a cumprir sem demora aquilo que se lhe promete.

    http://rosariopermanente.leiame.net/devocoes/santoexpedito.html

  3. Sobre o tempo, ele nem sempre passa rápido. Ele pode também passar muito lento, lento demais!

    Aproveito o tema para fazer esta citação de Albert Einstein:

    “A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente.”
    Albert Einstein

  4. O tempo é relativo e não pode ser medido exactamente do mesmo modo e por toda a parte. Abert Einstein

  5. Jorge, qual é o nome do poema de Drummond que você cita?!

    Veja este poema de Drummond que encontrei!

    Receita de Ano Novo

    Para você ganhar belíssimo Ano Novo
    cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
    Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
    (mal vivido ou talvez sem sentido)
    para você ganhar um ano
    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
    novo
    até no coração das coisas menos percebidas
    (a começar pelo seu interior)
    novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
    mas com ele se come, se passeia,
    se ama, se compreende, se trabalha,
    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
    não precisa expedir nem receber mensagens
    (planta recebe mensagens?
    passa telegramas?).
    Não precisa fazer lista de boas intenções
    para arquivá-las na gaveta.
    Não precisa chorar de arrependido
    pelas besteiras consumadas
    nem parvamente acreditar
    que por decreto da esperança
    a partir de janeiro as coisas mudem
    e seja tudo claridade, recompensa,
    justiça entre os homens e as nações,
    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
    direitos respeitados, começando
    pelo direito augusto de viver.
    Para ganhar um ano-novo
    que mereça este nome,
    você, meu caro, tem de merecê-lo,
    tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
    mas tente, experimente, consciente.
    É dentro de você que o Ano Novo
    cochila e espera desde sempre.

  6. Sobre o poema de Drummond que cite, fora a parte em que Drummond diz que não devemos nos arrepender dos nossos erros, do que não concordo, o poema é muito bom!

  7. Alex

    Creio que o Jorge equivocou-se. Cortar o Tempo é atribuído a Carlos Drummond, mas não é dele. É mais uma lenda urbana, das quais a internet está cheinha, cheinha”

    http://edilsonqueiroz.blogspot.com/2010/01/cacando-mitos-cortar-o-tempo-nao-e-de.html

    CORTAR O TEMPO

    “Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
    Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
    Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
    Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
    com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente…

    Para você, Desejo o sonho realizado.
    O amor esperado. A esperança renovada.
    Para você, Desejo todas as cores desta vida.
    Todas as alegrias que puder sorrir.
    Todas as músicas que puder emocionar.

    Para você neste novo ano,
    desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
    que sua família esteja mais unida,
    que sua vida seja mais bem vivida.

    Gostaria de lhe desejar tantas coisas…
    Mas nada seria suficiente…
    Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
    Desejos grandes…
    e que eles possam te mover a cada minuto,
    no rumo da sua FELICIDADE!!!”

  8. Ricardo, obrigado pela informação!

    Realmente, se compararmos um poema autêntico de Drummond, como o que citei (Receita de Ano Novo) e esse apócrifo, o estilo, o pensamento é bastante diferente!

    Um cordial abraço, Alex.

  9. Um feliz e abençoado 2011 pra você, Jorge. Que o ano-novo lhe reforce as forças para a sua bela cruzada.

  10. Prezado Valdir A.C., permita-me discordar do senhor.

    Não é errado dizer que os corvos grasnam. Na verdade, pode-se dizer tanto que os corvos grasnam, como crocitam. Ambas as formas estão corretas.

    Assim como posso dizer que os bem-te-vis cantam, estridulam ou assobiam.

    Há palavras diversas que se aplicam a uma mesma espécie de pássaro (veja os exemplos já citados).

  11. Ainda sobre as aves, por exemplo, a águia:

    -crocita
    – grasna
    – grita ou
    – pia

    Mais uma vez, diferentes palavras se aplicam à voz de uma mesma ou única espécie de ave.

  12. A galinha, por exemplo,

    -cacareja
    -carcareja
    -cacareca
    -carcaraca ou
    -gagueia.

    Pode parecer, neste caso, que estou brincando, mas não estou não. É exatamente isso que está escrito no dicionário em que estou pesquisando.

  13. O sabiá, por exemplo:

    -canta
    -gorjeia
    -modula ou
    -trina

    P.S.: Não quero parecer pedante, apenas achei essa questão lingüística do nome que se da à voz dos pássaros interessante. Me desculpe se de alguma forma pareci mal educado.

  14. O morcego, por exemplo,

    – farfala ou
    – trissa.

    Ops! Morcego não é ave! É mamífero!… :P

Os comentários estão fechados.