Carnaval IV

E chegamos à segunda-feira de carnaval com o problema posto, mas sem no entanto delinear ainda nenhuma solução. É fato que a alegria, em si, é uma coisa boa, como tivemos a oportunidade de discutir aqui. Também mostramos como é perfeitamente razoável que os dias anteriores à Quaresma sejam tratados com uma alegria e uma animação diferentes das habituais. Estes dois pilares são, digamos assim, os alicerces sobre os quais intentamos construir a nossa defesa do carnaval. No entanto, em desabono a estes dias, resta o fato – incontestável – de que esta festa conta com terríveis elementos de promiscuidade, de pecado, de ofensas a Deus. Por maiores e mais justos que sejam os argumentos favoráveis à diversão pré-quaresmal, um pecado é um pecado (ou, ainda, uma situação de pecado é uma situação de pecado), a favor do(a) qual não cabe nenhuma defesa e nem nenhuma tolerância. Então, o que fazer?

Não imagino que seja possível propôr soluções universalmente válidas para o problema. A tentação mais imediata de dizer “fuja do carnaval” esbarra na anti-naturalidade de se viver a Quaresma antes que a Igreja, de facto, estabeleça o tempo de jejum e penitência com o qual nos preparamos para a Páscoa do Senhor. Por outro lado, a outra tentação – de dizer “brinque carnaval!” – não parece ser aceitável por conta dos riscos à alma que este conselho via de regra comporta. Entre a cruz e a espada, assim, o que se pode fazer?

Alguém comentou aqui sobre os blocos líricos na volta do Recife Antigo (e me permito cantarolar as marchinhas pelas quais já confessei, anteriormente, o meu gosto: é lindo ver / o dia amanhecer / com violões e pastorinhas mil. / Dizendo, e bem, / que o Recife tem / o Carnaval melhor do meu Brasil!). E, com isso, eu volto a dizer algo que já delineei antes: eu sou um privilegiado por morar em Recife. Aqui, existem as marchinhas antigas que não guardam semelhança alguma com a promiscuidade que, hoje em dia, parece ser apanágio do Império de Momo. Aqui, nós temos frevo.

Comentava por esses dias com alguém sobre isso. Dizia que uma das coisas mais fantásticas no carnaval da minha cidade era o fato de não termos sucessos musicais temporários e descartáveis. “Qual o hit do carnaval 2011 em Olinda?” É fácil responder. É “Vassourinhas”, como foi no ano passado, no anterior e desde a primeira vez que eu subi as ladeiras da cidade antiga. Em um certo sentido, nós podemos dizer que temos um carnaval tradicional. Os frevos que escutamos hoje são os mesmos que os nossos pais escutaram. Minha mãe sabe cantar todas as músicas de carnaval que ainda hoje se escutam durante os dias de folia. E certamente ela não sabe cantar o “Rebolation” ou a música da Mulher Maravilha.

E, em uma situação dessas, é relativamente fácil encontrar uma solução para o carnaval. É relativamente fácil seguir o Bloco da Saudade pelas ruas do Recife Antigo sem que isso caracterize uma situação de pecado muito maior do que, sei lá, assistir a um musical antigo em um dos teatros da cidade. Se existe algo que pode salvar o carnaval, é este – chamemo-lo assim – “retorno às raízes”. Sei que (repito-me) não dá para generalizar isso para todas as festas de carnaval do Brasil afora; mas, aceitando o risco de incorrer em algum provincialismo pueril, este modelo de festas de rua parece-me absolutamente aceitável. Parece-me, aliás, o mais aceitável deles.

E a melhor maneira de brincar o carnaval é, portanto, em Recife? Sim e não. Sim, porque “Recife tem / o carnaval melhor do meu Brasil”, como cantamos durante esses dias. Não, porque o carnaval de Olinda e Recife infelizmente tem, como em toda parte, a sua quota de promiscuidade e de paganismo. Acho perfeitamente aceitável seguir um bloco de frevo antigo pelas ruas antigas da cidade. Em contrapartida, há lugares aqui em Recife e em Olinda nos quais eu, em consciência, não ouso estar.

E, também, não dá simplesmente para chamar todo mundo pra Recife (se bem que alguns amigos queridos eu bem gostaria de encontrar por aqui, nem que fosse somente durante as festas carnavalescas!). Como eu disse anteriormente, não pretendo aqui propôr soluções aplicáveis a todo mundo e a todos os lugares – eu nem teria conhecimento de causa para fazer isso. Por tudo o que falamos antes, a alegria carnavalesca é recomendável ao cristão; mas esta alegria precisa (óbvio) ser lícita, ser saudável. Por conta das tristes proporções que o Carnaval tomou, não sei (infelizmente) se isso é sempre possível. Talvez em alguns lugares, por conta simplesmente de falta de opções razoáveis, a fuga seja a única opção que reste a quem mantém firme o santo propósito de não ofender a Deus. Mas, quem puder cantar uma marchinha de carnaval antiga – pensando em mim! -, que o faça. Quem puder reunir alguns bons amigos para conversar, rir e cantar, que o faça. Quem puder divertir-se na santa alegria dos filhos de Deus, que o faça. Que cada um possa despedir-se do tempo comum da maneira que melhor puder. Depois de amanhã já é Quarta-Feira de Cinzas; estas são as últimas horas das quais dispomos para rir e brincar antes da Quaresma. Que brinquemos! É uma pena que esta alegria – repito, tão saudável! – seja obscurecida pela loucura do Carnaval. Não a deixemos morrer. Que tenhamos todos uma santa Quaresma. E, também – por contraditório que isso possa parecer! -, um santo carnaval.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

9 comentários em “Carnaval IV”

  1. Para quem não sabe o que é um bloco lírico, aqui vai um video do Bloco das Flores.
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    Participar dele é uma experiência única. Enquanto o bloco passa, integrantes borrifam perfume, a orquestra toca e o povo canta frevos centenários:
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    http://www.youtube.com/watch?v=iftysWoedcs&feature=related
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    O Bloco da Poesia cantando a letra que o Jurge nos apresentou (aos 45s de video): “é lindo ver / o dia amanhecer / com violões e pastorinhas mil. / Dizendo, e bem, / que o Recife tem / o Carnaval melhor do meu Brasil!”
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    http://www.youtube.com/watch?v=x0nkusppCiU
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    O Menestreis de Paulista:
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    http://www.youtube.com/watch?v=1YnzTwhxu64
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  2. Está estória de “santo carnaval” está parecendo coisa de católico “da carismática”. Que preuízo esta sequência de delírios não pode trazer a quem as lê.

    Nessa não fico som seu Jorge não. Fico com Santo Afonso:

    SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO E O CARNAVAL

    “Por este amigo, a quem o Espírito Santo nos exorta a sermos fiéis no tempo da sua pobreza, podemos entender que é Jesus Cristo, que especialmente nestes dias de carnaval é deixado sozinho pelos homens ingratos e como que reduzido à extrema penúria. Se um só pecado, como dizem as Escrituras, já desonra a Deus, o injuria e o despreza, imagina quanto o divino Redentor deve ficar aflito neste tempo em que são cometidos milhares de pecados de toda a espécie, por toda a condição de pessoas, e quiçá por pessoas que lhe estão consagradas. Jesus Cristo não é mais suscetível de dor; mas, se ainda pudesse sofrer, havia de morrer nestes dias desgraçados e havia de morrer tantas vezes quantas são as ofensas que lhe são feitas.

    É por isso que os santos, a fim de desagravarem o Senhor de tantos ultrajes, aplicavam-se no tempo de carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à penitência, à oração, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com o seu Bem-Amado. No tempo do carnaval, Santa Maria Madalena de Pazzi passava as noites inteiras diante do Santíssimo Sacramento, oferecendo a Deus o sangue de Jesus Cristo pelos pobres pecadores. O Bem-aventurado Henrique Suso guardava um jejum rigoroso a fim de expiar as intemperanças cometidas. São Carlos Borromeu castigava o seu corpo com disciplinas e penitências extraordinárias. São Filipe Néri convocava o povo para visitar com ele os santuários e realizar exercícios de devoção. O mesmo praticava São Francisco de Sales, que, não contente com a vida mais recolhida que então levava, pregava ainda na igreja diante de um auditório numerosíssimo. Tendo conhecimento que algumas pessoas por ele dirigidas, que se relaxavam um pouco nos dias de carnaval, repreendia-as com brandura e exortava-as à comunhão frequente.

    Numa palavra, todos os santos, porque amaram a Jesus Cristo, esforçaram-se por santificar o mais possível o tempo de carnaval. Meu irmão, se amas também este Redentor amabilíssimo, imita os santos. Se não podes fazer mais, procura ao menos ficar, mais do que em outros tempos, na presença de Jesus Sacramentado ou bem recolhido em tua casa, aos pés de Jesus crucificado, para chorar as muitas ofensas que lhe são feitas.

    O meio para adquirires um tesouro imenso de méritos e obteres do céu as graças mais assinaladas, é seres fiel a Jesus Cristo em sua pobreza e fazer-lhe companhia neste tempo em que é mais abandonado pelo mundo. Como Jesus agradece e retribui as orações e os obséquios que nestes dias de carnaval lhe são oferecidos pelas suas almas prediletas!” (LIGÓRIO, Afonso Maria de, Meditações).

    http://advhaereses.blogspot.com/2009/02/sao-mentirosos-os-que-dizem-que-o_17.html

  3. Eu creio que o mais adequado (e aí é algo que se pode fazer em qualquer cidade) seria fazer “a sua própria festa”. Reunir bons amigos, boa comida, boa bebida e boa música, numa ambiente saudável, onde seja possível se despedir do tempo comum de maneira sadia e divertida.

  4. Oi, Jorge!

    Também sou de Recife, embora esteja morando em Brasília, e penso da mesma forma que voce. Acho que é um sentimento meio regionalista, pois aqui em Brasília quase nenhum católico que conheço tolera o carnaval. Eu gosto das músicas (frevo, caboclinho, coco, embolada) e das danças de Pernambuco. Aqui até tem um bloco chamado Galinho de Brasília, formado por pernambucanos que vivem aqui e que toca o frevo e etc, mas é mais no estilo do Galo da Madrugada, aquela multidão de gente… Tentei mostrar o que era o carnaval para meu filho de 2 anos, mas foi difícil… Para a multidão do Galinho, eu não tive coragem de levá-lo. Levei para um palco onde por sorte estava tocando uma orquestra de frevo de Ceilândia, mas os instrumentos estavam desafinados e tinha outro palco perto tocando um música de axé, e ainda de vez em quando, os passistas dançavam passos inovadores de ‘frevo’ de forma meio sensual! Já pensou?! Ou seja, era uma corruptela do frevo! :P Ontem o levei a um bailinho de clube para crianças. E fiquei decepcionada: não tocou nenhuma música de Carnaval, só funk!!! Além disso, tinham vuvuzelas (saldo da copa) e track de massa (saldão de São João)… O que isso tem a ver com Carnaval? Ficamos só o tempo de meu filho acabar o saco de pipoca… :D Acho que próximo ano, terei que ir para Recife para mostrar um carnaval de verdade para meus filhos…

  5. Os prazeres existem e mesmo os prazeres mais naturais já estão sendo mapeados por “cientistas”, breve teremos todas as substâncias químicas dos prazeres bem definidas quantificadas e disponíveis.

    Sendo apenas reação química ou não, todos os prazeres tem utilidade em nossa vida, todos são bem vindo e todos podem ser corrompidos para transformar-se em vício.

    Precisamos não confundir prazer do carnaval com felicidade no carnaval, a felicidade não é localizada nem intravenosa.
    Breve termos a venda de frascos de sensações de carnavais: Sadio?? Erótico?? devasso??? nas prateleiras dos mercados.
    …mais

  6. Jorge, eu não tenho solução para o problema, mas eu posso dar meu testemunho pessoal: Brinquei carnaval no Recife Antigo, no sábado antes do carnaval, no sábado de carnaval e na terça-feira, amanheci por lá. O que posso dizer é que estive diante de tentações das mais diversas, mas escapei da maioria delas e não pequei mais do que pecaria se não tivesse ido. Fiquei “na minha”, bebi pouco(no máximo duas caipirinhas, teve dia que nem isso ), não sofri, nem pratiquei violência e consegui fugir da promiscuidade. Eu fiquei sempre pelas imediações da Praça do Arsenal, corri atrás de alguns blocos pequenos, exceto no último dia quando fui ao Marco Zero e pulei no show da Elba e um pedaço do Show do Alceu. Já tive essa mentalidade do “fuja de tudo” generalista, mas hj eu tenho conseguido equilibrar a vida. Claro que esta é uma experiência pessoal, nem todos conseguiriam isso…

  7. Permita-me dizer: Nossos tempos não permitem arriscar estar em lugares tão promíscuos.

    Grande ofensa a Deus é o que se fez aqui, Jorge Ferraz, a quem admiro.

    “É inevitável que aconteçam escândalos. Mas ai daquele que produz escândalos! Seria melhor para ele que lhe amarrassem uma pedra de moinho no pescoço e o jogassem no mar, do que escandalizar um desses pequeninos.”

    A Tenuidade (sendo moderado) entre pecado e carnaval é muito acentuada para que te dignes escrever tantas defesas.

    Fico com Santo Afonso, São Francisco de Sales e tantos outros…

    Em Deus, peço a ti que reveja o que escrevestes. E de melhor modo, reza com os pensamentos de Afonso.

    Nosso adversário, que não é carne nem sangue, vive (morre) a deturpar tudo o que é criado por Deus: Alegria, Música, e até a vida, de que és tão zeloso defensor.

    Almas que desejam estar neste “santo carnaval” para liberar as paixões talvez esperem somente um texto tão bem redigido como este para pecar.

    Paz de Cristo

  8. Caríssimo Estenio,

    Se ainda não ficou claro, eu torno a dizer que concordo totalmente que «[n]ossos tempos não permitem arriscar estar em lugares tão promíscuos». Concordo perfeitamente com isso e nunca disse o contrário.

    A única coisa que eu disse (e que é o ponto deste artigo e de diversos outros com a mesma temática) é que nem sempre os folguedos pré-quaresmais são intrínseca e necessariamente promíscuos. E o que eu disse (e continuo dizendo) é que é lícito ao católico se distrair com festividades que não sejam intrinsecamente promíscuas, e não com as promíscuas, é lógico.

    Eu inclusive disse algures, com todas as letras, que talvez um certo católico concreto não consiga encontrar no lugar onde ele esteja festividades carnavalescas que não sejam promíscuas e que, neste caso, vale o que sempre valeu para todo mundo de evitar as ocasiões de pecado.

    Não falei em “santo carnaval” porque para mim o termo tem o mesmo sentido de “santa cerveja”, “santo estádio de futebol”, “santo baile de formatura” e congêneres. Trata-se aqui de defender a licitude das coisas que em princípio são em si neutras, e – como eu já repeti diversas vezes – não há nada de intrinsecamente desordenado em beber com os amigos ouvindo blocos líricos ou de frevo canção, por exemplo.

    Claro que o Inimigo deturpa tudo aquilo que é criado por Deus, mas isto só nos deveria instigar a lutar pelo resgate das verdadeiras alegria e beleza, e não para entregarmos as criaturas de Deus a Satanás. Penso, ao contrário, que é importante nos dedicar ao resgate da alegria dos dias anteriores à Quaresma.

    O meu discurso não é, de modo algum, um incentivo ao pecado e nem mesmo à exposição a situações de pecado. Quem entende desta maneira não está entendendo nada do que eu digo aqui no Deus lo Vult!.

    Abraços,
    Jorge

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