A atéia parede vazia

Os símbolos religiosos (nas repartições públicas inclusive) refletem a cultura de uma sociedade. E, queiram ou não queiram os ateus, não existe uma sociedade atéia natural. Nem nunca existiu, nem nunca é possível que exista, porque o elemento religioso é parte integrante da cultura humana.

O ateísmo é profundamente anti-natural, uma vez que o conhecimento de Deus pertence à natureza humana. Nas palavras de Santo Agostinho, “criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós”. Nas palavras de São Paulo, “as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). E, nas palavras do Primeiro Concílio do Vaticano, a Igreja “crê e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas” (Vaticano I, Seção III, Cap. II).

É preciso um profundo ato de “fé” irracional para negar a existência de Deus e, deste modo, professar positivamente o ateísmo. Por isso, embora haja (e sempre tenha havido) ateus individuais, nunca foi possível haver uma civilização atéia. Aliás, “ateísmo” e “civilização” são termos contraditórios entre si, uma vez que uma civilização se constrói com base no reto conhecimento, e não na ignorância; sendo o ateísmo ignorância do Deus Verdadeiro, não pode subsistir enquanto elemento civilizatório. Vivemos (ainda) em tempos (relativamente) civilizados apesar do ateísmo, e jamais por causa dele.

Estranhamente, o ateísmo costuma padecer da mesma sanha proselitista cuja alegada presença, nas religiões, ele gosta de atacar. Por ser irracional, no entanto, o discurso ateu pretende impôr-se por meio da força e da agressão, e jamais pela razoabilidade dos argumentos. Exemplos não faltam. Basta olhar, p. ex., para o sr. Richard Dawkins: neste exemplo belíssimo de argumentação racional (seguido pelos estúpidos aplausos da plebe ignara), ou nesta (mais recente) fanfarronice estúpida do ano passado da qual até mesmo os ateus mais razoáveis devem se envergonhar. Como o ateísmo jamais terá poder de penetração real em todas as camadas da sociedade (ou sequer em uma parte considerável delas), resta-lhe a sanha doentia de fazer o maior estrago possível por meio da imposição, a toda a sociedade, das suas crenças absurdas.

Talvez um dos mais claros exemplos desta intolerância atéia seja a luta encarniçada, travada a ferro e a fogo, contra os símbolos religiosos nas repartições públicas daquilo que o ateu gosta de chamar de “estado laico”. Esquece-se, contudo, ou finge esquecer, que a laicidade se caracteriza precisamente pelo respeito a todos os credos, e não pela eliminação deles. Esquece-se, ou quer esquecer, que o ateísmo também pode, em certo sentido, ser encarado como uma religião – às avessas, mas ainda uma espécie de religião -, a qual não pode receber nenhum favorecimento estatal. Esquece-se, ou reza para esquecer (e para que as outras pessoas não percebam), que a parede vazia é também ela um símbolo de um credo: no caso de um anti-credo, do espaço que não pode ser ocupado por Deus, da crença que confina a religião à esfera privada, da intolerância que nega a Deus o direito à cidadania.

Ao contrário do que pretendem fazer acreditar os inimigos da religião, não há menos ideologia nas paredes vazias do que nos crucifixos pendurados. Em se tratando de algo tão inerente ao ser humano como o fenômeno religioso, não há neutralidade possível. A escolha necessariamente precisa ser entre a cultura tradicional de um povo e a irracional imposição dos descrentes. Ou o símbolo religioso, ou a parede atéia – e terceira opção não existe.

Deus nos tribunais europeus

Sexta-feira passada (18 de março, véspera do dia de São José) saiu o resultado do caso Lautsi. Por 15 votos contra 2, o Tribunal Europeu aprovou os crucifixos nas escolas públicas italianas. A Sala de Imprensa da Santa Sé saudou a decisão: “A nova sentença do Tribunal Europeu é bem-vinda também porque contribui efetivamente para restabelecer a confiança no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por parte de muitos europeus, convictos e cientes do papel determinante dos valores cristãos em sua própria história, mas também na construção da unidade europeia e na sua cultura de direito e liberdade”.

Fico sem dúvidas feliz com a notícia, porque os direitos de Deus foram reconhecidos por um tribunal – e mais ainda por um tribunal europeu, da triste Europa que vem, a cada dia, esquecendo-se de suas raízes cristãs e caindo, como disse o Papa João Paulo II certa vez, em uma “apostasia silenciosa”. Mas fico também triste e apreensivo, porque chegou-se ao terrível ponto de Deus ser colocado no banco dos réus, e da instância inferior – a justiça humana – ser chamada para julgar a instância superior, o Deus Altíssimo.

O problema é de princípios. Os direitos de Deus não são passíveis de serem conferidos (ou, pior ainda, negados) por tribunais humanos, é lógico. Os direitos de Deus são para serem reconhecidos e exercidos. A partir do próprio momento em que alguém cogita a possibilidade de montar um tribunal humano para decidir se um crucifixo pode ou não ser exibido… a loucura já está plenamente instaurada, e a doença é já gravíssima. Claro que ficamos felizes com o veredito do tribunal europeu. Mas nos entristecemos por ter sido necessário que as coisas chegassem a este ponto.

Porque os direitos de Deus não podem depender dos caprichos dos tribunais humanos, mutáveis e inconstantes. Hoje, a justiça dos homens confere às escolas italianas o direito de ostentar crucifixos. Mas quem garante que amanhã isso continuará assim? Quem garante que, amanhã, não será um dos muitos inimigos de Deus a julgar a causa do Onipotente? E será que podemos simplesmente aceitar, sem mais, a mera possibilidade da iniqüidade assumir vestes de justiça?

Saudamos o bom senso do tribunal europeu, sem dúvidas! Mas negamos o princípio blasfemo de que Deus possa ser julgado pelos homens. Rejeitamos abertamente a pretensão absurda de que o menor tenha poderes sobre o Maior. E, enquanto o mundo enlouquece, nós fazemos questão de dizer, bem claro e bem alto, que Deus é Deus, fonte de toda autoridade, Juiz Supremo que a todos julga e que não é julgado por ninguém. Mesmo que, na insensatez moderna, pretendam levá-Lo a juízo. Nos Céus, o Altíssimo ri-Se deles.

Líder pro-aborto: “Não vamos recuperar o terreno perdido”

[Tradução (bem) livre do original publicado em “Notifam” no final do mês passado. Às vésperas do dia da vida (também aqui), é muito interessante conhecermos esta auto-crítica feita pelo movimento pró-aborto.]

WASHINGTON, Distrito de Colômbia – 28 de fevereiro de 2011 (Notifam). Frances Kissling, ex-presidente das “Católicas pelo Direito de Decidir” (Catholics for Choice) e uma importante figura dentro da comunidade pró-aborto, aconselhou ao movimento pró-aborto que não continue ignorando a humanidade do bebê concebido, antes que a onda popular pró-vida leve por água abaixo [tire por la borda] todas as leis pró-aborto.

Uma coluna de opinião escrita para o jornal “Correio de Washington” (The Washington Post) dos Estados Unidos da América [escrita por Kissling] tinha por título “Direito ao aborto sob ataque – enquanto os ativistas a favor da opção pelo aborto encontram-se aprisionados [atrapados] em outra dimensão do tempo”. Na citada coluna, Kissling disse que os argumentos pró-aborto sobre a “privacidade” da mulher estão perigosamente obsoletos.

“Nós dizemos que o aborto é uma decisão que se toma em privado, e que o Estado não tem poder sobre o corpo de uma mulher. É possível que estes argumentos tenham sido eficazes durante a década de 1970, mas hoje em dia não nos servem [mais]. A idéia de nos mantermos focados nele faz com que nos arrisquemos a perder todos os sucessos [logros] que alcançamos”, ela assinalou. “A marca ‘pró-aborto’ desgastou-se consideravelmente”.

A mentalidade pró-aborto, advertiu Kissling, está-se vendo, mais e mais, como uma mentalidade cruel e indiferente quando comparada com a cultura pró-vida. “Já não podemos fingir que o feto é invisível”, ela disse. “Temos que pôr um fim à ficção de que o aborto às 26 semanas de gestão não se diferencia do aborto às seis semanas de gestação. O feto é mais visível naquele momento, mais do que antes. O movimento pró-aborto precisa aceitar sua existência e seu valor”.

“É possível que o mesmo não tenha um direito à vida, e que seu valor não seja igual ao de uma mulher grávida. Sem embargo, o ato de terminar com a vida do feto não é um evento de pouco significado moral”.

Kissling disse que a opinião popular tende a reconhecer a obrigação de proteger a vida do bebê concebido, [ainda] mais quando [ele] cresceu o suficiente para poder sobreviver fora do ventre materno – sendo [este] um fato que os defensores [proponentes] do aborto ignoram por sua conta e risco. “O aborto não é somente um assunto médico. E, nesta alegação, está presente uma crueza não intencionada”, ela disse.

Ela disse [também] que uma parte importante da nova estratégia é não ser demasiado ambicioso. “Desafortunadamente, não vamos recuperar o terreno perdido”. Portanto, os defensores pró-aborto devem, “de modo claro e firme, rechaçar os abortos passada a viabilidade [rechazar los abortos pasada la viabilidad][!! o termo parece se referir à “viabilidade legal” de se praticar um aborto nos EUA (NT)], exceto em casos extremos”. Segundo Kissling, estes devem incluir os abortos eugênicos de crianças incapacitadas, ou quando a gravidez “ameaça seriamente” a saúde da mulher, de modo a agravar sua “condição médica ou psiquiátrica”.

Kissling exortou seus colegas a que deixem um pouco de lado [relajen su agarre] o conceito de aborto por demanda.

“Alguns de meus colegas no movimento a favor do direito ao aborto resistem a que haja sequer uma pequena mudança nos abortos durante os três primeiros meses, temendo que um compromisso [aqui] seja sinal de debilidade”, ela assinalou. “Se o movimento pró-aborto não muda, o controle da política pública sobre o aborto permanecerá nas mãos daqueles que o querem penalizar”.

Kissling também fez um chamando para que se regulamentem os abortos tardios, a fim de assegurar que haja razões adequadas para obtê-los. Também advogou a favor de umas normas de observância mais estritas para as clínicas de aborto. “Devemos também trabalhar para que as clínicas de aborto cumpram com as normas necessárias. Não é questão de proibir o acesso às mesmas, mas sim de assegurar que estejam presentes as devidas medidas de proteção”.

No mês passado, a indústria do aborto foi objeto de uma atenção indesejada, quando foi preso o aborteiro Kermit Gosnell na cidade de Philadelphia, nos Estados Unidos, junto com alguns dos seus empregados sem licença. A eles foram imputadas acusações pelo assassinato de uma cliente e de várias crianças recém-nascidas. Foi informado que Gosnell provocava o nascimento dos bebês concebidos, passada sua viabilidade [(NT) de novo, aparentemente, isto significa “passada a possibilidade do aborto (dito) legal”, pelo fato da gravidez já estar avançada], e então lhes cortava as medulas espinhais.

Quando a polícia entrou no edifício, deparou-se com uma cena de sujeira por todos os lados, de pisos ensangüentados, de mulheres parcialmente conscientes e gemendo, colocadas sobre móveis sujos, e de restos desmembrados de crianças concebidas, abarrotados no congelador que ficava no piso de baixo e em outros cantos da clínica.

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Cobertura relacionada de Notifam:

Líder pro-vida: Tratar a los niños no nacidos como no-personas es clave para la agenda de Paternidad Planificada

Periodista holandesa amenazada con tortura y muerte después de la carta que escribió condenando el aborto

Abortero brutalmente asesinó cientos de recién nacidos vivos: empleada de la clínica

“Montones” de víctimas de la abortista “Casa del Horror” hablan de abortos forzados, de lesiones para toda la vida

Outros links:

Un análisis sobre la organización Católicas por el Derecho a Decidir – Vida Humana Internacional

No rechazaremos el aborto hasta que no lo veamos cara a cara – Sacerdotes por la Vida (advertencia: en esta página cibernética se puede acceder a unas fotos de abortos realizados durante los nueve meses de embarazo)

Versão do original em inglês:

http://www.lifesitenews.com/news/top-pro-abort-were-not-going-to-regain-the-ground-we-have-lost

Dois investigadores à caça de falsos milagres nos arquivos vaticanos: fracasso absoluto

[Ofereço tradução livre de interessante artigo divulgado originalmente no Religión y Libertad. Vale a leitura.]

Dois investigadores à caça de falsos milagres nos arquivos vaticanos: fracasso absoluto

É o sonho de todo ateu ou cético: demonstrar que o que ontem a medicina não podia explicar, hoje já pode. Contudo, não.

[Religión en Libertad] A cada ano, a Sagrada Congregação para as Causas dos Santos oferece um curso (Studium) de dois meses no Vaticano para formar postuladores de causas de beatificação e canonização, [aberto inclusive] a todas as pessoas que tomam parte neste tipo de processos.

Este ano [o curso] ocorreu entre janeiro e março, e concluiu-se na sexta-feira passada [11 de março de 2011], com uma assistência de oitenta alunos de doze países: leigos, sacerdotes, religiosas e advogados civis e canônicos receberam formação naquilo que, nas palavras do secretário da Congregação e professor do curso, é «um processo judicial que deve seguir um procedimento estrito, porque uma pessoa que é beatificada – e ainda mais se é canonizada – converte-se em um “bem público” para a Igreja». As formalidades jurídicas que aprendem os participantes do curso «não são simples formalidades, mas garantem ao máximo [aportan las máximas garantías] a seriedade do processo».

E uma parte fundamental [do processo] são os milagres, requisito para todas as causas (à exceção das dos mártires), e que em sua esmagadora [abrumadora] maioria consistem em curas inexplicáveis.

Neste sentido Patrizio Polisca, presidente da comissão médica da Congregação e médico pessoal do Papa, revelou um fato de grande importância. Após explicar que os cientistas que participam dos processos não julgam sobre milagres, «porque um milagre é um juízo teológico», mas que se limitam a afirmar, se procede, que um fato «não tem explicação natural», o doutor Polisca contou que dois investigadores recentemente estiveram estudando a fundo os arquivos da Congregação.

Tratava-se de desenterrar [desempolvar] casos antigos que os médicos de seus tempos haviam considerados inexplicáveis, e que haviam servido para beatificar ou canonizar alguma pessoa, para averiguar se, no estado atual da medicina, estes casos teriam encontrado [alguma] explicação. A conclusão foi clara: «não se encontrou nenhum caso que, em outros tempos, foi considerado inexplicável e que tenha, hoje, uma explicação médica».

Uma prova a posteriori do rigor com o qual a Igreja trata estes casos. De fato, sublinhou monsenhor Bartolucci, para a cura de casos de câncer a Congregação exige um mínimo de dez anos sem recaídas para começar a estudar seu suposto caráter milagroso, prazo que se estende ainda mais para o caso de tumores cerebrais.

De fato, as normas seguidas [nestes casos] não mudaram desde que foram estabelecidas por Bento XIV em 1734: a enfermidade tem que ser grave, não deve estar catalogada entre aquelas que se curam espontaneamente, a cura não pode ser atribuída a tratamento algum e deve ser completa e duradoura.

Os avanços da Medicina nestes três séculos não permitiram desmentir nenhum dos juízos emitidos desde 1734.

Proteste contra a profanação de uma capela na Espanha!

Na Espanha, a capela da Universidade de la Complutense foi profanada. Segundo a notícia do Shalom, “70 jovens foram a uma capela da Universidade Complutense de Madrid proferindo insultos contra a Igreja Católica, o Papa e o clero, enquanto algumas garotas que faziam parte da profanação se despiram da cintura para acima ao redor do altar ante os aplausos do resto”.

Foto: Religión en libertad

O Hazteoír também noticiou. Os atos de vandalismo e profanação foram “cometidos por uma associação de estudantes da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense, em Madrid, no último dia 10”. Aqui podem ser vistas algumas fotos – o ato não foi realizado às escondidas mas, ao contrário, foi alardeado e divulgado pelos próprios manifestantes.

Clique aqui para protestar contra esta blasfêmia, exigindo ao reitor da Universidade 1) a identificação dos estudantes que participaram do vandalismo; 2) o auxílio à polícia na obtenção do material que comprove o crime; 3) o fechamento desta citada associação de estudantes; e 4) a expulsão do líder (máximo responsable) da manifestação.

Sobre mocinhos e bandidos

Esta história eu faço questão de contar, só de raiva. Descobri-a hoje à tarde, no Twitter. Aconteceu em Cuiabá, sexta ou sábado que passou.

Uma família estava voltando para casa quando foi surpreendida por uma dupla de assaltantes armados. Fizeram a família de refém, e começaram a vasculhar a casa em busca de objetos valiosos. Trancaram a família no quarto, onde – por obra da Divina Providência – estava guardada a arma de um dos filhos, que era campeão regional de tiro. Ele a carregou e, quanto um dos ladrões entrou no quarto e apontou um revólver para a mãe do rapaz, este atirou nele e o matou. Atirou também no segundo meliante, que infelizmente conseguiu fugir mas logo depois foi capturado pela polícia.

Aí o Diário de Cuiabá pega e noticia este fato da seguinte maneira:

E assim, graças à fantástica magia das manchetes de jornais, a legítima defesa vira assassinato, um assaltante ao qual se ofereceu resistência transforma-se em adolescente assassinato e a vítima do assalto, que teve a coragem de reagir para proteger a sua família, é transformado em atirador assassino.

O absurdo era muito grande para passar incólume. A matéria foi removida do site. Ainda se encontra no cache do Google. Não sei se o responsável por ter colocado esta matéria criminosa no ar foi devidamente expulso do jornal, como seria justo. Sei que, até onde pude notar, o jornal não colocou nenhuma errata, nenhum pedido de desculpas, nenhuma nota indicando o seu erro, nada – simplesmente deu sumiço na matéria como se ela nunca tivesse existido. Também não sei se os responsáveis pela absurda prisão em flagrante do garoto que salvou a vida da sua família serão punidos como devem ser.

Sei, no entanto, que o garoto é um herói – a despeito das atitudes kafkianas das autoridades policiais e da imprensa. E sei que, graças a Deus, não sou o único a considerar os fatos desta maneira – basta olhar a página de comentários do Diário de Cuiabá onde a notícia originalmente estava. A despeito das tentativas “do alto” de inverter a realidade e transformar as coisas no seu contrário, o povo (ainda) tem o juízo no lugar. Graças a Deus.

Aviso

Pequenos problemas técnicos com acesso à internet. Atualizando as coisas esporadicamente – os comentários, ao menos, estão sendo lidos liberados a uma taxa razoável. Espera-se que daqui para amanhã as coisas estejam já resolvidas.

É Quaresma! Aliás, hoje é a primeira sexta-feira deste tempo santo. Arrependamo-nos das nossas faltas e façamos penitência pelos nossos crimes. Que o bem que fizermos e o mal que suportarmos nos aproveite para remissão dos pecados, aumento da Graça e penhor da vida eterna.

Carnaval IV

E chegamos à segunda-feira de carnaval com o problema posto, mas sem no entanto delinear ainda nenhuma solução. É fato que a alegria, em si, é uma coisa boa, como tivemos a oportunidade de discutir aqui. Também mostramos como é perfeitamente razoável que os dias anteriores à Quaresma sejam tratados com uma alegria e uma animação diferentes das habituais. Estes dois pilares são, digamos assim, os alicerces sobre os quais intentamos construir a nossa defesa do carnaval. No entanto, em desabono a estes dias, resta o fato – incontestável – de que esta festa conta com terríveis elementos de promiscuidade, de pecado, de ofensas a Deus. Por maiores e mais justos que sejam os argumentos favoráveis à diversão pré-quaresmal, um pecado é um pecado (ou, ainda, uma situação de pecado é uma situação de pecado), a favor do(a) qual não cabe nenhuma defesa e nem nenhuma tolerância. Então, o que fazer?

Não imagino que seja possível propôr soluções universalmente válidas para o problema. A tentação mais imediata de dizer “fuja do carnaval” esbarra na anti-naturalidade de se viver a Quaresma antes que a Igreja, de facto, estabeleça o tempo de jejum e penitência com o qual nos preparamos para a Páscoa do Senhor. Por outro lado, a outra tentação – de dizer “brinque carnaval!” – não parece ser aceitável por conta dos riscos à alma que este conselho via de regra comporta. Entre a cruz e a espada, assim, o que se pode fazer?

Alguém comentou aqui sobre os blocos líricos na volta do Recife Antigo (e me permito cantarolar as marchinhas pelas quais já confessei, anteriormente, o meu gosto: é lindo ver / o dia amanhecer / com violões e pastorinhas mil. / Dizendo, e bem, / que o Recife tem / o Carnaval melhor do meu Brasil!). E, com isso, eu volto a dizer algo que já delineei antes: eu sou um privilegiado por morar em Recife. Aqui, existem as marchinhas antigas que não guardam semelhança alguma com a promiscuidade que, hoje em dia, parece ser apanágio do Império de Momo. Aqui, nós temos frevo.

Comentava por esses dias com alguém sobre isso. Dizia que uma das coisas mais fantásticas no carnaval da minha cidade era o fato de não termos sucessos musicais temporários e descartáveis. “Qual o hit do carnaval 2011 em Olinda?” É fácil responder. É “Vassourinhas”, como foi no ano passado, no anterior e desde a primeira vez que eu subi as ladeiras da cidade antiga. Em um certo sentido, nós podemos dizer que temos um carnaval tradicional. Os frevos que escutamos hoje são os mesmos que os nossos pais escutaram. Minha mãe sabe cantar todas as músicas de carnaval que ainda hoje se escutam durante os dias de folia. E certamente ela não sabe cantar o “Rebolation” ou a música da Mulher Maravilha.

E, em uma situação dessas, é relativamente fácil encontrar uma solução para o carnaval. É relativamente fácil seguir o Bloco da Saudade pelas ruas do Recife Antigo sem que isso caracterize uma situação de pecado muito maior do que, sei lá, assistir a um musical antigo em um dos teatros da cidade. Se existe algo que pode salvar o carnaval, é este – chamemo-lo assim – “retorno às raízes”. Sei que (repito-me) não dá para generalizar isso para todas as festas de carnaval do Brasil afora; mas, aceitando o risco de incorrer em algum provincialismo pueril, este modelo de festas de rua parece-me absolutamente aceitável. Parece-me, aliás, o mais aceitável deles.

E a melhor maneira de brincar o carnaval é, portanto, em Recife? Sim e não. Sim, porque “Recife tem / o carnaval melhor do meu Brasil”, como cantamos durante esses dias. Não, porque o carnaval de Olinda e Recife infelizmente tem, como em toda parte, a sua quota de promiscuidade e de paganismo. Acho perfeitamente aceitável seguir um bloco de frevo antigo pelas ruas antigas da cidade. Em contrapartida, há lugares aqui em Recife e em Olinda nos quais eu, em consciência, não ouso estar.

E, também, não dá simplesmente para chamar todo mundo pra Recife (se bem que alguns amigos queridos eu bem gostaria de encontrar por aqui, nem que fosse somente durante as festas carnavalescas!). Como eu disse anteriormente, não pretendo aqui propôr soluções aplicáveis a todo mundo e a todos os lugares – eu nem teria conhecimento de causa para fazer isso. Por tudo o que falamos antes, a alegria carnavalesca é recomendável ao cristão; mas esta alegria precisa (óbvio) ser lícita, ser saudável. Por conta das tristes proporções que o Carnaval tomou, não sei (infelizmente) se isso é sempre possível. Talvez em alguns lugares, por conta simplesmente de falta de opções razoáveis, a fuga seja a única opção que reste a quem mantém firme o santo propósito de não ofender a Deus. Mas, quem puder cantar uma marchinha de carnaval antiga – pensando em mim! -, que o faça. Quem puder reunir alguns bons amigos para conversar, rir e cantar, que o faça. Quem puder divertir-se na santa alegria dos filhos de Deus, que o faça. Que cada um possa despedir-se do tempo comum da maneira que melhor puder. Depois de amanhã já é Quarta-Feira de Cinzas; estas são as últimas horas das quais dispomos para rir e brincar antes da Quaresma. Que brinquemos! É uma pena que esta alegria – repito, tão saudável! – seja obscurecida pela loucura do Carnaval. Não a deixemos morrer. Que tenhamos todos uma santa Quaresma. E, também – por contraditório que isso possa parecer! -, um santo carnaval.

Carnaval III

É claro que existem incontestáveis imoralidades no carnaval como hoje ele é celebrado. Negá-lo, é negar a os fatos tais e quais eles se apresentam – e este é um dos outros mitos do carnaval que precisa ser derrubado. Dizer simpliciter que o carnaval é uma festa neutra é falsear a realidade.

Não estou aqui simplesmente para fazer uma apologia do carnaval, é lógico. O carnaval não tem defesa. As escolas de samba do Rio de Janeiro parecem ter como conditio sine quae non a existência de mulheres (quando muito!) seminuas, e os grandes blocos de Salvador são uma festa onde a promiscuidade encontra cidadania. Não dá para defender este tipo de evento, naturalmente. Não é este o objetivo desta série de artigos.

Eu tive a sorte de nascer sob o império do frevo recife-olindense. É uma dança que não tem lá muitos chamativos sensuais: dança-se sozinho, exige uma boa técnica, as vestimentas e os passos da dança não pretendem possuir apelo sexual. Este é o carnaval que eu conheço, o carnaval da minha infância, das marchinhas antigas das quais tanto gosto! Naturalmente, não posso dizer que as ladeiras de Olinda são o último recôndito de moralidade durante os dias em que Momo impera. Mas (parece-me!) é muito mais fácil brincar carnaval de uma maneira lícita quando se escuta frevo do que quando se escuta samba ou axé.

E as pessoas que desejam simplesmente brincar o carnaval de uma maneira saudável encontram-se, durante os dias de folia, sem opções. Por um lado, existem as vergonhosas festas profanas das quais não se pode simplesmente participar (uma vez que evitar as ocasiões de pecado é um mandamento tão forte quanto o de evitar o pecado em si). Por outro lado, existe (as mais das vezes) uma completa vacuidade de opções legítimas para se divertir durante os dias de carnaval. É evidente que não me refiro aos retiros ou acampamentos: estes, existem em considerável número, mas me refiro àquelas opções que respeitam o direito do cristão de se divertir nos dias que antecedem o roxo quaresmal. São poucas estas possibilidades. Feliz de quem pode dispôr delas.

Se é importante resgatar o carnaval, é fundamental que isso seja feito por meio da substituição das festas profanas que conhecemos por outras festas, mais razoáveis, menos pecaminosas, mais adequadas aos filhos de Deus que só querem aproveitar os últimos dias antes da Quaresma. Hoje em dia, o dilema parece ser entre entregar-se à promiscuidade dos dias de Momo ou sacrificar a alegria carnavalesca. Não parece haver meio termo. E, durante estes dias de folia, é exatamente isso uma das coisas que mais faz falta.

Carnaval II

O calendário litúrgico da Igreja nos convida a rezar, digamos, “de maneira diferente” durante cada tempo. Convivem lado a lado a solenidade das festas da Virgem Santíssima com a frugalidade das missas feriais; a festa do nascimento do Salvador segue-se à expectativa do advento, e a penitência quaresmal prepara o grande júbilo da Páscoa. Reza-se diferente em cada tempo litúrgico diferente; parafraseando as Escrituras Sagradas, há “tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar” (Ecl 3, 4).

Naturalmente, não existe o “tempo litúrgico do carnaval”. Existe o tempo comum antes da Quaresma e, no calendário antigo, havia a Septuagésima, a Sexagésima, a Quinquagésima. Mas existe também o senso dos fiéis. Ainda que não seja verdade que foi a Igreja quem inventou o Carnaval (incentivando o povo a “se despedir” da carne logo antes do extenso período de abstinência quaresmal), o fato é que esta idéia faz total sentido. Há tempo de gemer e há tempo de chorar; e, se vamos passar com lágrimas pela Quaresma, é natural que nos despeçamos com risos do “tempo comum”. Se a Igreja nos convida a um tempo de maiores exigências, é algo profundamente humano aproveitar os últimos brilhos do tempo onde somos menos cobrados.

Poderíamos até ousar dizer “do tempo em que a vida era fácil”, não porque haja neste Vale de Lágrimas algum rincão que possamos chamar de “fácil”, mas por mera comparação entre o verde e o roxo litúrgicos. Se fazemos penitência, teremos de fazer muito mais. Se rezamos, precisamos intensificar as nossas orações. Se são pesadas as nosses cruzes, teremos que subir o Calvário com cruzes ainda mais pesadas. Com a Quaresma em perspectiva, é aceitável chamar o tempo comum de vida fácil. A vida fácil que está se acabando, porque a Quaresma está às portas! Como tratar isso com indiferença? Como não se despedir dela?

E, não por coincidência, estes últimos dias antes das cinzas da Quarta-Feira são exatamente os dias do carnaval. Os últimos dias sem jejum e sem abstinência, os últimos dias antes de iniciarmos os nossos quarenta dias de deserto, de penitência… É razoável condenar esta necessidade humana de se despedir dos tempos de alegria quando se sabe que há sofrimentos adiante? Ontem eu falava da alegria que é, em si, uma coisa boa. Estes tempos do carnaval têm, no entanto, outro aspecto perfeitamento lícito que vem somar-se à própria alegria: a despedida. A Quaresma está adiante; e, se vamos enfrentá-la de cabeça erguida, não haveremos de baixá-la agora, como se nos envergonhássemos da alegria presente. Adiante está o tempo de chorar; agora, estamos no tempo de rir e, portanto, vamos rir.

É fato que as festas carnavalescas que vemos na televisão ou nas nossas ruas têm pouco ou nada a ver com uma despedida razoável dos prazeres lícitos dos quais nos iremos privar durante a Quaresma. Mas a deturpação destes dias não os transforma em dias “intrinsecamente maus”. Sobre a má festa, no entanto, falaremos com mais vagar em outra oportunidade.