“Amor, casamento, divórcio” – Gustavo Corção

Mas o divorcista — seja dito em sua homenagem — não percebe essa contradição; e não a percebe justamente porque renunciou, de antemão, usar aquilo com que se evidenciam as contradições. Para ele, como já disse, o casamento é casual, essencialmente irrefletido, e não pode deixar de ser assim uma espécie de loteria onde pesa mais a sorte do que a razão. Dizem por exemplo que o amor é cego, e que é impossível, em meses de noivado, conhecer perfeitamente a pessoa com quem se delibera fundar uma família.

Concedo que é impossível, em meses, conhecer perfeitamente o outro. Vou até mais longe. Se é preciso conhecer perfeitamente o outro em todos os seus recantos psicológicos, a vida inteira não basta, e deveríamos adiar todos os casamentos par o dia do juízo final. Ou então, para atender às flamas do mais impaciente amor, deveríamos estipular que os noivos esperassem a provecta idade dos senadores.

O que é evidente, nesse pessimista irracionalismo, é que a incapacidade de conhecer o outro, se destrói o casamento indissolúvel, destrói também o divórcio. Porque o divórcio se baseia justamente nessa idéia insensata de que, num certo ponto da vida conjugal, a gente esgota completamente o conhecimento do outro, a ponto de lhe recusar a mínima possibilidade de recuperação.

Gustavo Corção,
“Amor, casamento, divórcio”

Os Nobel da Pontifícia Academia das Ciências

Circulou recentemente no Facebook uma imagem sobre a Pontifícia Academia das Ciências. O texto dizia que ela possui “8 prêmios Nobel de Medicina, 7 de Química, 9 de Física e 1 de Economia”, totalizando “24 prêmios Nobel”. E alfinetava: “a USP não tem nenhum, a UNICAMP não tem nenhum, o Brasil não tem nenhum”.

Vem ao encontro daquilo que o Ives Gandra escreveu outro dia sobre o ateísmo; é tão imponente a verdadeira relação harmoniosa entre Fé e Razão que chegam a ser ridículos os protestos dos anti-clericais sobre o tema. Cale-se a ignorância arrogante diante da competência internacionalmente reconhecida! Perto da envergadura intelectual dos membros desta Academia, qual a relevância científica daqueles cuja “produção acadêmica” resume-se a repetir – de mil modos diversos – meia dúzia de calúnias anti-clericais gratuitas que só eles próprios levam a sério?

E ainda: diferente do que foi dito, a Pontifícia Academia das Ciências não tem 24 prêmios Nobel. Eu entrei na página da Academia onde estão listados os membros falecidos e contei: são quarenta e oito [p.s.: 24 são os Nobel vivos: então a Academia conta, no total, com 72 prêmios Nobel]. Entre os laureados já falecidos encontram-se nomes como Rutherford, Bohr, Heisenberg, Schrödinger, Sir Alexander Fleming e Max Planck. Entre os vivos, Joseph Murray e David Baltimore. A academia conta atualmente ainda com cientistas notáveis como o brasileiro Miguel Nicolelis e o inglês Stephen Hawking; e, entre os falecidos, encontrei também o filho de um ilustre brasileiro: Carlos Chagas Filho [que eu confundi anteriormente com o pai – my mistake]. Estas são as credenciais que a Igreja – “inimiga da ciência” – é capaz de apresentar em Seu favor! O que têm os anti-clericais a apresentar a não ser o testemunho da própria ignorância?

“Abortar, eu?! Jamais!”

– Quando eu estava no ventre da minha mãe, ela sofreu um acidente que a deixou à beira da morte. O médico lhe disse: “Terás que abortar!”; e ela respondeu: “Abortar, eu?! Jamais!”. Ou seja, defendeu a vida, a minha vida. E graças a ela estou aqui.

– Chaves

Visitem: www.denmechance.org

Os absurdos números do aborto no Brasil – e a completa falta de noção da Ministra das Mulheres!

Importantíssimo este artigo da Dra. Lenise Garcia sobre a palhaçada descarada que os abortistas da ONU fizeram com os números referentes ao aborto no Brasil (a notícia originalmente divulgada é esta aqui). Leiam-no na íntegra! Destaco:

Podem argumentar que o aborto é clandestino, havendo portanto uma sub-notificação. Mas onde estão enterradas essas mulheres? Foram sepultadas sem um atestado de óbito?!? Não, em relação às mortes maternas o número de óbitos está bem registrado. Aliás, se o aborto está entre as cinco principais causas, supondo números equivalentes, teríamos um milhão de mulheres em idade fértil morrendo anualmente no Brasil. O país estaria em extinção.

É verdade que o ministro da Saúde depois veio dar uma de sonso e se dizer “surpreso” com os números. O que é incrível (mais que isso, é escandaloso) é que dona Eleonora – em cuja fuça os números foram jogados pela ONU – não saiba (ou não queira) identificar um dado absurdamente mentiroso nem mesmo quando ele lhe é esfregado na cara! Cáspita, segundo os dados do próprio Governo (concretamente, o DATASUS) morrem menos de 100 mulheres (não são “cem mil”, são CEM MULHERES) por ano no Brasil devido ao aborto! Como é que eu sei disso, qualquer pessoa com acesso à internet sabe disso e a Ministra das Mulheres da Dilma não sabe? Como é que uma “perita” da ONU apresenta um número duas mil vezes maior e a Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (!!!) não percebe que ele é completamente absurdo? Que noção sobre as mulheres brasileiras esta senhora tem para estar ocupando o cargo que ocupa?!

O que causa surpresa aqui, no entanto, é justamente a alegada “surpresa” do ministro da Saúde. Afinal de contas, todo mundo sabe que abortista é gente mau-caráter que falsifica descaradamente os números sobre o aborto, a fim de melhor atender aos seus interesses escusos. Isto é público e notório, inclusive já confessado por ex-abortistas (p.ex., o dr. Bernard Nathanson):

É uma tática importante. Dizíamos, em 1968, que na América se praticavam um milhão de abortos clandestinos, quando sabíamos que estes não ultrapassavam de cem mil, mas esse número não nos servia e multiplicamos por dez para chamar a atenção. Também repetíamos constantemente que as mortes maternas por aborto clandestino se aproximavam de dez mil, quando sabíamos que eram apenas duzentas, mas esse número era muito pequeno para a propaganda. Esta tática do engano e da grande mentira se se repete constantemente acaba sendo aceita como verdade.

E isto é óbvio. É claro que a má-fé de quem é a favor do aborto deve via de regra ser pressuposta, cabendo-lhe sempre o ônus de provar (muito bem provado) os dados que gosta de tirar da cartola. Afinal, quem não respeita a vida acaso vai ter algum compromisso com a verdade? Para quem está defendendo o assassinato de bebês, o que é uma mentirinha (ou mentirona) contada em favor da causa?

“A saúde vai muito além de um simples bem estar corporal” – Bento XVI

Para os cristãos, de modo particular, o lema bíblico é uma lembrança de que a saúde vai muito além de um simples bem estar corporal. No episódio da cura de um paralítico (cf. Mt 9, 2-8), Jesus, antes de fazer com que esse voltasse a andar, perdoa-lhe os pecados, ensinando que a cura perfeita é o perdão dos pecados, e a saúde por excelência é a da alma, pois «que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?» (Mt 16, 26). Com efeito, as palavras saúde e salvação têm origem no mesmo termo latino salus e não por outra razão, nos Evangelhos, vemos a ação do Salvador da humanidade associada a diversas curas: «Jesus andava por toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo o tipo de doença e enfermidades do povo» (Mt 4, 23).

Bento XVI
Mensagem por ocasião da Campanha da Fraternidade 2012

Esta cuaresma…

[Eu já havia visto o vídeo do menino e da árvore em outro contexto; mas achei este pequeno “vídeo promocional da Quaresma” bastante simpático. Não se trata de menosprezar (é óbvio) o valor das penitências, mas sim de colocá-las em perspectiva: não é penitenciar-se por penitenciar-se, mas sim fazê-lo por amor a Deus, para mais Lhe agradar e mais aproximar-se d’Ele. As penitências não são “um fim em si mesmas”, e todas as práticas religiosas existem para nos levar a Deus. Convém lembrar isto logo no início destes 40 dias, a fim de que possamos vivê-los frutuosamente. Uma santa Quaresma a todos!]

Sobre o Carnaval IV: Derpina-vai-com-as-outras

[Trata-se de uma obra de ficção, recém-inventada e mais recreativa do que qualquer outra coisa. Creio já ter falado o suficiente nos artigos passados sobre os aspectos morais envolvidos na festa que hoje se finda. Uma última distração carnavalesca: amanhã é quarta-feira de Cinzas. Amanhã já iniciamos a Quaresma. Que venha! Que Deus nos ajude nestes dias de roxo que já se avizinham. Que ela nos faça melhores.]

– Eu nunca mais brinco carnaval na vida!

Derpina repetiu a frase em voz alta, praticamente aos gritos; tanto que a sua colega, que dormia na cama ao lado, acordou sobressaltada com tão estranha histeria matinal. Ainda era terça-feira.

– O que é isto, Derpina? Que zoada é esta de manhã cedo?

Derpina estava transtornada. Acabara de acordar quando foi assaltada por uma crise daquilo que costuma ser designado por “ressaca moral”: este mal terrível que costuma afligir as pessoas que ainda não aprenderam a díficil arte de dar um nó na própria consciência a fim de que ela não mais lhes perturbe, independente das barbaridades que cometam. Na verdade, a maior parte das amigas de Derpina já tinha conseguido praticar com sucesso esta lobotomia moral. Derpina se esforçava por imitar-lhes, mas era sempre em vão.

As imagens do dia anterior surgiam confusas na mente de Derpina: muita Jurubeba, muitos sorrisos, muitos flertes, muitos beijos. A gota d’água fora um garoto que se aproximou dela já tentando beijar-lhe. Ela não queria, mas não tinha condições físicas ou envergadura moral diante de suas amigas para resistir decentemente: tanto que o mancebo enfim lhe arrebatou o beijo, sob os aplausos frenéticos dos amigos dele e dela. E foi embora sem nem olhar para trás.

E isto, pra Derpina, não era de forma alguma aceitável. Não se tratava mais de diversão consentida entre adultos (a maneira como as amigas de Derpina costumavam se referir às relações descompromissadas entre pessoas irresponsáveis): isto era se permitir ser tratada como uma coisa, como um animal. Aliás, pior que um animal, porque os cachorros a gente ao menos afaga quando eles chegam junto. Nunca ela se sentira tão ofendida. E às vezes – Derpina pensava – a gente precisa chegar ao fundo do poço para notar que precisa de um pouco de ar e de luz do sol.

– Ele nem olhou para mim! – Derpina gritava, sob o olhar atônito de sua colega de quarto que não fazia a menor idéia do que estava acontecendo. E, num súbito lampejo de raiva e de dor, Derpina pegou a sua fantasia branca-e-preta (de “palhacinha”, como ela chamava), armou-se de uma tesoura e se preparou para fazê-la em pedaços. A amiga, percebendo o que estava para acontecer (ainda que não atinasse para as razões efetivas da atitude intempestiva), gritou:

– Derpina, está louca?! Ainda é terça-feira, e esta roupa custou cento e vinte reais!

Se foi pela referência ao calendário ou ao cartão de crédito, não deu para saber; o fato é que Derpina vacilou por uma fração de segundos, tempo suficiente para que sua amiga saltasse sobre ela e, desarmando-a, salvasse a pobre fantasia que estava prestes a pagar o pato sem ter nada a ver com o mau comportamento da menina que a vestira nos dias anteriores. Derpina agora chorava.

– Isto é uma porcaria de festa, vocês são umas porcarias de amigas, onde já se viu isso… – e chorava. A sua amiga lhe afagava complacente, sem no entanto prestar a mínima atenção nos queixumes. Não entendia dessas coisas de ressaca moral. Para ela, Derpina estava era “muito doida”, ou tivera um pesadelo do qual não acordara direito. Às vezes isso acontecia com ela.

* * *

– Colombina! Colombina!

Derpina passou direto.

– Ah, Colombina, não faça isso! Eu te procurei tanto, o Carnaval inteiro!

Derpina virou-se. Viu outro “palhacinho” muito parecido com ela, preto-e-branco e com uma lágrima pintada no rosto. Achou-o simpático.

– Desculpe, eu não lhe conheço. Você deve estar me confundindo. O meu nome é Derpina, e não esta outra coisa aí da qual me chamaste.

– Colombina. Isto que você está usando é uma fantasia de Colombina.

– Ahhhh o nome dessa palhacinha é Colombina?

– Ela não é uma “palhacinha”. É Colombina e é… é uma personagem típica do Carnaval, que tem uma conhecida história de romance com outros dois personagens. Os palhaços são outra fantasia e têm outra história.

-Ahh… sei.

– Mas veja, eu sou um Pierrot, e o Pierrot é o namorado da Colombina: eu estava te procurando o Carnaval inteiro! Acho que nós devíamos ficar juntos. Nós formamos um belo casal! Podemos passear juntos, brincar com as outras pessoas, dançar um pouco… o que você acha?

Derpina olhou pra ele. Não estava com muito clima de ficar com mais ninguém, mas… bom, pelo menos ele conversara com ela! Coisa bem diferente dos outros “relacionamentos” que ela tivera nos últimos dias. O palhacinho de rosto pintado fora muito mais humano do que os outros caras com o rosto descoberto. O rapaz da fantasia preta-e-branca tratara-a muito melhor do que os outros moços sem fantasia.

– Sabe? Você me agradou muito mais do que os outros caras que encontrei por aí. – Derpina deu-lhe o braço. Nem percebeu que suas amigas perderam-se mais à frente, tentando arranjar o décimo-sexto cara para a menina mais tímida do grupo que não tinha conseguido ficar com quase ninguém.

– É que só um Pierrot consegue entender Colombina.

* * *

– Sabe, amiga? Eu tenho que lhe agradecer. – Derpina disse à sua amiga de noite, quando estavam se preparando para dormir. – Eu ia fazer uma grande besteira se tivesse rasgado a fantasia de Colombina.

– Fantasia de quê? Ah, essa palhacinha aí? Ah, que bom. E aí, aproveitou bastante o último dia?

– Sim, aproveitei. Descobri que eu estava fazendo tudo errado e a culpa era de vocês. Na verdade, a culpa era minha que queria ser igual a vocês; mas, enfim, o interessante foi ter visto como as coisas acontecem diferente daquilo que a gente espera. Eu pretendia ficar em casa hoje e acabei saindo com vocês; você queria que eu “aproveitasse” o Carnaval como nos outros dias e eu acabei me perdendo e passando o dia inteiro conversando com um rapaz legal. Eu achei que não ia acontecer nada diferente hoje, mas aconteceu e foi fantástico. Eu descobri que eu não preciso ser como vocês para me divertir também!

– Ahhm… É, Derpina, Carnaval é isso mesmo, todo dia acontecem coisas interessantes! Ano que vem tem mais!

– É… boa noite!

* * *

É Carnaval de novo. Derpina abre o guarda-roupa e pega a sua fantasia de Colombina. Dá os últimos retoques na maquiagem. A campanhia toca e ela se prepara para sair. Na porta, um rapaz está com uma fantasia muito parecida com a dela. Os dois se abraçam e saem juntos. Derpina quase não encontra as amigas que saíam com ela nos carnavais passados! Com Pierrot, no entanto, ela nunca mais deixou de sair.

Sobre o Carnaval III: o cilício e a fantasia

A despeito de tudo o que já falamos sobre o Carnaval, permanece o fato incontestável de que a festa concreta é uma ocasião de pecado para inúmeras pessoas; para além de quaisquer floreios de retórica que possam ser usados para compôr a elegia do período, o dado factual é que, no nosso Brasil do século XXI, Deus Nosso Senhor é ofendido durante estes quatro dias de um modo particularmente intenso. Isto posto, não seria melhor dedicar o Carnaval para rezar em desagravo? Não é uma exigência da caridade o sacrifício da alegria – ainda que a lícita! – para reparar (um mínimo que seja!) as ofensas feitas ao Todo-Poderoso durante este período?

Nem falamos sobre o dever de não pecar no Carnaval, pois este é óbvio. Como já dito e repetido, ninguém tem autorização para pecar ou para colocar-se desnecessariamente em ocasião de pecado, nem no Carnaval e nem em nenhuma época do ano. Mas nos referimos, aqui, àquela alegria lícita à qual todo mundo pode se permitir, àquela justa recreação que, em si, não tem nada de pecado. Não seria uma coisa boa abster-se desta alegria – lícita, repitamos, porque dos prazeres ilícitos todo mundo está obrigado a fugir – em desagravo pelos pecados cometidos no Carnaval?

Uma coisa boa sem dúvidas é. Não há quem o negue: é claro que é uma coisa boa passar o Carnaval, p.ex., em um retiro de oração ou em constantes visitas a Nosso Senhor no Sacrário. É claro que é uma coisa muito boa até mesmo ficar em casa, recolhido e em silêncio, quando se poderia estar confraternizando com amigos – e oferecer isto pela conversão dos pecadores. O que nós negamos é que isto seja uma coisa obrigatória para todo aquele que pretende ser cristão verdadeiro.

Entre as “frases dos santos” que as pessoas gostam de citar para demonizar o Carnaval está uma passagem de uma santa cujo nome eu não me recordo agora. A santa, diz-se, passava o Carnaval inteiro em oração diante de Nosso Senhor Sacramentado para implorar o perdão de Deus pelos pecados cometidos durante estes dias. Sim, a passagem é muito forte e é muito bonita. Sim, é verdadeiramente admirável que a mulher tenha se colocado de joelhos diante do Sacrário para rezar ao Altíssimo em desagravo. Eu sem dúvidas concordo que tal atitude é extremamente meritória e muito agrada a Nosso Senhor.

A questão, contudo, é que as pessoas são diferentes e cada uma tem um (chamemo-lo assim) “carisma específico”. É sem dúvidas uma coisa muito boa, muito santa e muito agradável a Deus, por exemplo, dar todos os seus bens aos pobres e fazer-se frade mendicante, levando uma vida de penúria e de entrega completa ao anúncio do Evangelho. É uma coisa belíssima! Quem, no entanto, ousará dizer que todo mundo está obrigado a vender todos os seus bens e levar uma vida de mendicância para poder salvar a própria alma?! Quem ousará dizer que isto é uma exigência do Evangelho da qual ninguém se pode furtar?

Vem-me à memória a passagem dos Atos dos Apóstolos, quando São Lucas fala sobre os primeiros discípulos que não tinham posses, sendo todas as coisas comuns entre eles. E a passagem, imediatamente subseqüente, de Ananias que mentiu a respeito do preço da venda de um campo: veio entregar aos Apóstolos menos do que efetivamente tinha obtido na venda. São Pedro fulminou: acaso tu não poderias ter mantido o teu campo para ti? Acaso estavas obrigado a vendê-lo?

A mesma passagem, mutatis mutandis, meio que ressoa nos meus ouvidos sempre que eu vejo alguém falar sobre a santa que passava os seus dias de Carnaval rezando em desagravo pelos pecados cometidos nesta época. Provavelmente ela era uma religiosa contemplativa; no entanto, as pessoas que gostam de citar a vida dela para condenar o Carnaval não fazem (e nem defendem que se faça) nem 10% daquilo que uma monja reclusa faz (ou fazia na época dela)! Por qual misterioso motivo a única parte da hagiografia de Santa Santa Teresa dos Andes (ou qualquer outra) que é apresentada como um imperativo categórico cristão consiste, precisamente, na adoração em desagravo durante os dias de Carnaval?

Houve quem dissesse que os cristãos têm, sim, o dever de colocarem em comum os seus bens, abolindo o direito à propriedade privada: trata-se exatamente da Teologia da Libertação. Aquilo que era mérito passa a ser uma inaceitável imposição que, aliás, de tão diabólica anula até mesmo o mérito que havia na pobreza voluntária. Vejo algo de muito parecido no discurso que eleva a penitência praticada no Carnaval ao patamar de exigência da vida cristã. Aquilo que era belo – belíssimo! – transforma-se em uma reles exigência à qual todos estão obrigados: aquilo que era um gesto extraordinário de amor a Deus transforma-se em uma obrigação corriqueira. A imposição da virtude não pode ser jamais virtuosa. Só há mérito em Ananias depositar o valor da venda do seu campo aos pés dos Apóstolos se considerarmos que ele pode perfeitamente dispôr do campo como melhor lhe aprouver – inclusive o mantendo. Só é admirável que os santos tenham passado os seus carnavais em penitência se for lícito aos cristãos brincarem-no de modo sadio.

Podem dizer que é melhor rezar, que a penitência em desagravo agrada mais a Deus, que o sacrifício durante os dias do Carnaval pode dar muitos frutos – tudo isto é verdadeiro. Concordo até mesmo facilmente que é mais meritório passar o Carnaval de joelhos dobrados diante da Santíssima Eucaristia do que atravessá-lo entre passos lentos de frevo atrás dos blocos líricos. Mas, digam o que disserem os igualitaristas dos nossos dias, nem todo mundo é chamado ao mesmo grau de santidade e nem todo mérito é igualmente e por princípio acessível a todo mundo. Quem puder passar o Carnaval rezando em desagravo, faça-o: faz muitíssimo bem! Mas que ninguém se obrigue (ou seja obrigado) a isso. E quem estiver de cilício durante estes dias, lembre-se de oferecê-lo um pouco também pelos outros que estamos de fantasia: não por conta do rosto pintado ou da camisa colorida, mas por nossos outros inumeráveis pecados. Pois, por debaixo da fantasia ou do cilício, a verdade é que pecadores todos somos e todos precisamos de orações.

Sobre o Carnaval II: o pecado e a penitência

Como dissemos anteriormente, estes textos se destinam àqueles que já têm consciência da absoluta necessidade de se empenhar no cultivo da própria vida espiritual. Eles não se propõem, de nenhuma maneira, a oferecerem uma válvula de escape às radicais exigências do Evangelho ou postularem uma diabólica condescendência às más inclinações humanas – nem que seja “só um pouquinho” durante estes três ou quatro dias. Não há exceções à imperiosa necessidade de oferecer quotidianamente ao Deus Altíssimo o sacrifício de uma vida moral reta. Os que ainda não aprenderam isso, repetimos, precisam voltar ao bê-a-bá do Catolicismo antes de lerem estas páginas.

O que defendemos aqui é a possibilidade de encarar este tempo carnavalesco sob uma ótica sobrenatural, com muito fruto para a vida cristã. Mais ainda: defendemos que sem compreender a alegria carnavalesca é muitíssimo difícil compreender bem (e, por conseguinte, viver bem) a própria Quaresma. Creio já ter dito em algum lugar que não foi a Igreja quem “inventou” o Carnaval; não obstante, ao menos em nosso mundo ocidental foi a Igreja quem lhe impôs os limites e lhe determinou o sentido. O Carnaval só tem sentido à luz da Quarta-Feira de Cinzas: é somente em referência à Quaresma que está às portas que se desenrola todo o drama desses dias de festa que, infelizmente, são tão mal-aproveitados nos nossos tempos. Se é verdade que o Carnaval tem raízes pagãs, não é menos verdade que nos dias de hoje Momo pede humildemente licença à Esposa de Cristo para saber em que dias ele pode reinar.

E se é verdade que todos os deuses dos pagãos são demônios, é também verdade “que não existem realmente ídolos no mundo e que não há outro Deus, senão um só” (ICor 8, 4). Se é verdade que os primeiros carnavais foram as saturnálias pagãs, disto não decorre – absolutamente! – que somos obrigados a deixar estes dias entregues ao paganismo desenfreado. Foi por uma razão que a Igreja “confinou” o Carnaval aos poucos dias anteriores à Quaresma: foi como se Ela quisesse dizer que os prazeres pagãos deveriam dar lugar à genuína alegria cristã. Escutamos com freqüência que o Carnaval é um tempo de pecados: ora, e como ele poderá um dia ser diferente se nós não exortarmos as pessoas a brincarem-no sem pecar? O Carnaval não vai acabar. Se a Igreja quisesse acabar com o Carnaval, Ela historicamente o teria feito. O que devemos fazer é arrastar o Carnaval para os pés de Cristo. O que não podemos é permitir que os derrotados deuses pagãos recuperem este importante território que faz fronteira com o Tempo Santo da Quaresma.

Corro o risco de ser repetitivo, mas não posso deixar de enfatizar: o Carnaval não é um tempo de “pecados liberados” que serão perdoados na Quarta-Feira de Cinzas! Nada mais estranho a este – chamemo-lo assim – espírito cristão do Carnaval. Não se trata, repitamos, de fazer vista grossa a – por vezes graves! – falhas morais para, depois, preocuparmo-nos em nos emendar e em seguir os caminhos de Cristo. Não é aproveitar para cometer no Carnaval os pecados pelos quais faremos penitência na Quaresma. Esta é exatamente a falsa dicotomia que rejeitamos: a de que só existem por um lado o pecado e, pelo outro, a penitência; e isto de tal modo que tudo o que não é um passa a ser, necessariamente, o outro. Contra esta visão maniqueísta nós queremos apresentar uma “terceira via”: o Carnaval visto não como uma Quaresma antecipada e nem muito menos como o último pecado cometido antes da conversão, mas sim como uma expressão genuína da verdadeira alegria cristã. Só assim é possível descobrir o “espírito cristão do Carnaval”, só assim é possível entender o porquê da Igreja ter – de certo modo – “preservado” esta festa pagã.

Porque, afinal de contas, a Igreja preservou sim o Carnaval. Sejamos honestos: Cristo venceu maravilhosamente os deuses pagãos, e esta vitória foi tão absoluta que os únicos “resquícios de paganismo” que restaram foram os que aprouve à Igreja que restassem. Acabaram-se os sacrifícios humanos, acabou-se a prostituição religiosa, acabou-se a divinização do Imperador, acabaram-se as feras do Circus Maximus. O que havia de ser destruído foi destruído: o que sobreviveu – sejamos claros – foi o que a Igreja deixou que sobrevivesse.

E todos os “costumes pagãos” que foram preservados foram também ressignificados: dizer que o Carnaval “sobreviveu” a 2000 anos de Cristianismo mantendo-se não obstante perfeitamente pagão e anti-cristão chega às raias da blasfêmia. Equivale a afirmar a incompetência da Igreja em expurgar do mundo esta influência nefasta do Seu grande inimigo: o paganismo, cuja derrota fragorosa é historicamente incontestável.

Se sobreviveu o Carnaval, certamente ele não sobreviveu aos moldes pagãos do prazer sensível erigido como fim último da festividade. Se sobreviveu o Carnaval é porque ele foi apresentado ao mundo à luz do Evangelho de Cristo: é porque o seu sentido apenas se deve encontrar enquanto celebração da alegria cristã nos dias que antecedem o grande deserto quaresmal – os 40 dias que precedem a Semana Santa. Se sobreviveu o Carnaval é porque ele possui – ou deve possuir – um espírito cristão: e este espírito cristão do Carnaval insere-se no Ano Litúrgico da Igreja como sendo a despedida – ordenada e regrada, por certo – dos prazeres lícitos antes da Grande Quaresma por meio da qual nos prepararemos para a Paixão do Senhor.

É importante perceber o Carnaval enquanto despedida dos prazeres lícitos em atenção ao tempo de penitência da Quaresma que se avizinha. Se nós não o fizermos – e se aceitarmos a falsa dicotomia já anteriormente criticada que só enxerga o pecado e a penitência – todo o Ano Litúrgico perde o sentido: ou se confundem o Tempo Comum e a Quaresma (e aí nós já fazemos no Tempo Comum a penitência que faremos na Quaresma, ou então continuamos vivendo na Quaresma da mesma maneira que vivíamos no Tempo Comum) ou transformamos o final do Tempo Comum em um blasfemo e diabólico “tempo de pecados” (e vemos o Carnaval como uma espécie de imoral “despedida de solteiro”, como um salvo-conduto para fazer o mal – mal, aliás, muitas vezes encarado como condição mesma para a penitência quaresmal). Quando, na verdade, é a algo totalmente diverso disso que nos chama a Igreja: nem devemos uniformizar o Ano Litúrgico e nem muito menos “encaixar” nele um tempo propício para o pecado.

Não nos podemos esquecer de que, para além do pecado e da penitência, existe uma infinitude de atitudes lícitas que não pecamos em praticar mas das quais, na Quaresma, somos chamados a nos abster: fugir do pecado é obrigação! Só há mérito na abstinência porque ela se dirige a uma coisa que é em si boa. É exatamente dessas coisas que nós devemos nos despedir no Carnaval. Durante a Quaresma vamos gastar menos tempo em conversas fúteis com nossos amigos? Aproveitemos os dias anteriores à Quarta-Feira de Cinzas para conversar demoradamente assuntos triviais com as pessoas que nos são caras! Durante a Quaresma vamos nos abster de todas as bebidas alcóolicas? Esvaziemos sem escrúpulos uma boa garrafa de vinho durante o Carnaval, junto com pessoas que nos são agradáveis! Dedicaremos à oração o tempo do nosso dia-a-dia que era normalmente reservado à recreação? Cantemos e dancemos durante estes dias, porque em breve não mais poderemos dançar nem cantar! Em suma, que o Carnaval seja uma preparação para a Quaresma: que nele tomemos forte consciência das coisas das quais nos vamos abster muito em breve. A penitência não é jamais mera rejeição ao pecado: ela só faz sentido se for abster-se do que é lícito. E, para fortalecer tal consciência, um Carnaval bem vivido pode ser bastante útil. Um Carnaval bem vivido pode possibilitar uma Quaresma repleta de frutos. Um Carnaval bem vivido pode até mesmo ser fundamental para uma Quaresma frutuosa.

Sobre o Carnaval I: o pecado e a ocasião

[À semelhança do que eu fiz no ano passado (começando aqui), vou escrever novamente uma série de textos sobre o Carnaval.]

No que se refere à Moral Católica, existem algumas coisas tão óbvias que não são sequer discutidas por ninguém que mereça ser levado a sério. Por exemplo – e em se tratando do tema que nos propomos a tratar aqui -, é fora de quaisquer dúvidas que o cristão deve evitar o pecado como deve também evitar a ocasião de pecado. Até mesmo a sabedoria popular já consolidou esta verdade em algumas de suas máximas: todos nós aprendemos, por exemplo, que quem brinca com fogo acaba se queimando. Isto é ponto pacífico; quaisquer subversões a respeito dos Dez Mandamentos, “aggiornamenti” morais ou “novas maneiras” de vida espiritual fogem completamente ao escopo das seguintes páginas. Elas se dirigem àqueles que já sabem que o cultivo das virtudes e a destruição dos vícios são um grave dever para todos os que querem salvar a própria alma. Os que ainda não chegaram a este ponto não percam tempo com os pormenores aqui apresentados.

Dissemos que está pacificada a questão sobre a necessidade imperiosa de se evitar o pecado e suas ocasiões. No entanto, a mesma harmoniosa concórdia que encontramos a respeito destes princípios nem sempre se verifica – mesmo entre bons católicos… – no que se refere às suas aplicações práticas. Hoje começa o Carnaval e, com ele, as (já clássicas) disputas sobre a licitude dessas festas. Este blog vem – mais uma vez – defender que é em princípio possível ser católico e brincar o Carnaval; que a festa não é de modo algum um “pecado em si mesma” e não necessariamente é uma “ocasião de pecado” da qual todas as pessoas têm igualmente o dever de fugir.

A tese de que o Carnaval seja em si um pecado é difícil de ser sustentada, porque para tanto ele precisaria conter entre os seus elementos essenciais coisas que fossem intrinsecamente más. Ora, isto simplesmente não é verdade e é evidente que não é verdade. Sim, as bebedeiras desregradas são más, como maus são os pecados contra a castidade, as blasfêmias, o desrespeito familiar, a nudez e as depravações, as brigas, assaltos e assassinatos, é óbvio, mas nenhuma dessas coisas é elemento constitutivo do Carnaval: elas são acidentais. Seria perfeitamente possível haver um Carnaval sem nada disso, e aliás é extremamente raro que uma única pessoa se depare com todas essas coisas quando sai para pular Carnaval (digamos, seria realmente inusitado que no Domingo de Carnaval o sujeito, seguidamente, batesse no seu pai, pichasse o muro da igreja, tivesse relações sexuais com a esposa do vizinho, se embriagasse, ficasse nu na rua, assaltasse um transeunte e desse um tiro na mulher que gritou “pega ladrão”). Se nenhuma dessas coisas é indispensável à festa, portanto, em princípio a festa poderia ocorrer sem nenhuma delas e, também em princípio, não há nada que impeça o católico de se divertir licitamente durante os dias que antecedem a Quaresma.

Saindo do “a priori” para a realidade factual, alguém pode perfeitamente dizer que na prática a teoria é outra: que praticamente não se encontram festas de Carnaval que não estejam repletas de pecados gravíssimos e que, se é raro alguém cometer todos os pecados possíveis em um único dia da festa, é muito mais raro o sujeito passar pelos quatro dias de folia sem cometer nenhum deles. O discurso muda: trata-se não de um pecado em si, mas de uma evidente situação de pecado que deve ser evitada.

Aqui o discurso peca por generalização indevida: há festas e festas e há pessoas e pessoas. Há festas carnavalescas que ocorrem sem mais pecados do que a média das festas celebradas longe de Fevereiro, como também há pessoas que não pecam no Carnaval mais do que no resto do ano. Depende, portanto. Quanto às ocasiões de pecado, eu concedo facilmente que algumas maneiras de se brincar o Carnaval possam ser ocasião de pecado para algumas pessoas (ou ainda algumas maneiras para todas as pessoas, ou todas as maneiras para algumas pessoas). O que nego, visceralmente, é que todas as maneiras de se aproveitar as festas carnavalescas sejam objetivamente ocasião de pecado próxima (ou mesmo remota) para todas as pessoas. Isto faz toda a diferença. É claro que ninguém deve ir a um desfile de mulheres semi-nuas em danças lúbricas; o que é falso é que todas as festas de carnaval sejam exclusivamente compostas de mulheres semi-nuas dançando lascivamente. É evidente que algumas pessoas têm uma propensão maior ao pecado contra a castidade quando estão em uma multidão: o que é falso é que multidões provoquem indistintamente esta tentação em todas as pessoas. Se algo é ou não é ocasião de pecado, isto é assunto que deve ser avaliado criteriosamente por cada qual diante da sua consciência (e do seu diretor espiritual). O que não dá é para passar uma régua e dizer que tudo é a mesma coisa para todo mundo.

Por fim, mais um comentário. Algumas pessoas gostam de trazer escritos dos santos fulminando o Carnaval; ora, acontece que transformar estes escritos em uma condenação em bloco de toda a diversão “profana” é falsificar o pensamento dos santos e a doutrina da Igreja Católica. Afinal de contas, o próprio Santo Afonso de Ligório – o padroeiro dos moralistas! – diz com todas as letras (o negrito é meu):

Algumas ocasiões consideradas em si não são próximas, mas tornam-se tais, contudo, para uma determinada pessoa que, achando-se em semelhantes circunstâncias, já caiu muitas vezes em pecado em razão de suas más inclinações e hábitos. Portanto, o perigo não é igual nem o mesmo para todos.

Conferir valor universal a frases soltas (e as mais das vezes descontextualizadas), repito, não vai senão provocar graves erros de julgamento. Afinal (e para ficar em um só exemplo), nós podemos ler o próprio Santo Afonso dando este conselho aos pais: “pais de famílias, proibi a vossos filhos a leitura de romances”. Se fôssemos aplicar aqui o mesmo rigor intransigente que os inimigos do Carnaval aplicam a outros escritos, concluiríamos que peca gravemente um pai que, no aniversário do seu filho, presenteia-o com um exemplar de “O Homem que foi Quinta-Feira”. Tal conclusão é incontestavelmente disparatada, e isto nos deveria servir – ao menos! – para nos indicar que devemos olhar com um pouco mais de critério para outros escritos (ainda que dos santos) que nos são apresentados de qualquer modo e cujas alegadas conclusões, no fim das contas, parecem-nos um pouco estranhas demais para serem verdadeiras.

O Carnaval pode, sim, ser ocasião de pecado para algumas pessoas. E estas devem sem dúvidas evitá-lo, como qualquer pessoa está obrigada a evitar qualquer outra coisa que, para ela, seja ocasião de queda – como (p.ex.) conversas frívolas ou bebidas alcóolicas. O que não vale é demonizar em bloco as conversas, o álcool ou as comemorações pré-quaresmais. As pessoas são diferentes e devem ser diferentemente tratadas. Ninguém deveria impôr sobre os demais um fardo maior do que eles precisam carregar.