Questão: Dinheiro público para evento católico

Foi perguntado aqui no blog:

[A] deputada da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Myrian Rios, destinou 5 milhões de reais para o evento católico denominado Jornada Mundial da Juventude. Myrian Rios é do movimento carismático da Igreja Católica. Houve aqui um claro privilégio à religião católica.

Segundo sua lógica, para que fosse possível essa alocação orçamentária, a AL do Rio deveria ter oferecido também 5 milhões de reais a todas as outras denominações religiosas no Brasil.

O que dizer?

Simples: em geral, os investimentos públicos são direcionados para projetos que tenham interesse social – o que é precisamente o caso aqui. Na mensagem que acompanha a Proposta Orçamentária 2013 da Cidade do Rio de Janeiro, pode-se ler o seguinte:

Está previsto a implementação de ações que visem e preparem a Cidade para receber o enorme contingente de turistas que nos visitarão por ocasião dos grandes eventos que ocorrerão durante o exercício, notadamente a Jornada Mundial da Juventude e a Copa FIFA das Confederações.

[…]

Será prioridade da SMTR a elaboração dos Planos Operacionais de Transporte Público para a Jornada Mundial da Juventude e para a Copa do Mundo de 2014.

A Companhia de Engenharia de Tráfego do Município do Rio de Janeiro – CET RIO pretende consolidar a operação de tráfego na cidade com reforço nas áreas identificadas como mais críticas, além do atendimento dos megaeventos “Copa das Confederações”, “Jornada Mundial da Juventude” e “Rock in Rio – 2013”.

Ou seja:

Este dinheiro é para financiar a passagem de católicos que virão do mundo todo para o Rio de Janeiro? Não, é para melhorar a infra-estrutura da cidade de modo que ela possa comportar os fiéis que virão por conta própria.

Este dinheiro é pra pagar espórtulas às centenas de sacerdotes que, ao longo desses dias, estarão ministrando os Sacramentos católicos? Não, é para elaborar planos de transporte público que permitam aos leigos e sacerdotes católicos se locomoverem pelo Rio de Janeiro ao longo dos dias do evento.

Este dinheiro será enviado à Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, à Sé Primacial do Brasil ou ao Vaticano? Não, será voltado para melhorias da própria cidade do Rio de Janeiro.

Sob que lógica, portanto, é possível dizer que se está usando dinheiro público para fins privados? Nenhuma. É pura implicância da mídia anti-clerical.

Ainda: dizer que, por isonomia, o Estado deveria conceder valor equivalente às outras denominações religiosas brasileiras é rigorosamente o mesmo que criticar o dinheiro gasto na Copa das Confederações e sustentar que a Prefeitura deveria destinar o mesmíssimo valor a competições de basquete, vôlei de praia, turfe e ping-pong, entre dezenas de outros esportes existentes no Brasil.

Dizer que, por conta da JMJ, o Estado deveria oferecer recursos públicos às outras denominações religiosas brasileiras é equivalente a condenar o Rock in Rio e dizer que, para destinar-lhe dinheiro público, a Prefeitura tinha a obrigação moral de financiar igualmente, entre muitos outros, o “Jazz in Rio”, o “Funk in Rio” e (neste tempo de minorias, por que não?) o “Fado in Rio” e o “Can-Can in Rio”.

Por fim, afirmar que só seria possível à Prefeitura do Rio de Janeiro (e, por extensão, a qualquer órgão da Administração Pública) reservar uma parte do seu orçamento para um projeto católico caso reservasse igualmente a mesma quantia para projetos de (todas as) outras denominações religiosas é inviabilizar completamente qualquer gestão municipal (ou estadual ou federal), porque aí ninguém ia poder destinar dinheiro para asfaltar uma rua sem simultaneamente destinar o mesmo para asfaltar todas as outras ruas da cidade, ninguém poderia reformar uma escola ou equipar um hospital sem ao mesmo tempo oferecer a mesma quantia para reformar todas as outras escolas e todos os outros hospitais do município, et cetera – o que é um patente absurdo.

Na verdade, a destinação de recursos públicos para projetos de fomento à cultura, ao turismo, ao lazer e congêneres segue políticas públicas específicas, com normas próprias emanadas pelas autoridades competentes. Obviamente não é necessário (e nem sequer é possível) que todos os projetos do mundo recebam sempre igual financiamento para garantir a isonomia do processo de concessão de verba pública; basta que todos eles possam se candidatar e concorrer em igualdade de condições. É somente esta última proposição que se refere aos princípios (nos quais não pode haver privilégios injustificados), porque a destinação concreta de um orçamento concreto, por definição, não é mais um princípio e sim um caso concreto. E é bastante óbvio que os casos concretos não precisam conter em si todas as aplicações possíveis dos princípios (o que aliás é uma impossibilidade lógica): basta que não os contradigam. Como este caso da JMJ não os contradiz.

Por fim, somente como parêntese, eu particularmente considero que em certas áreas não é papel do Estado atuar, como por exemplo (o que aparentemente não é o caso aqui, mas poderia ser) em projetos de “cultura”. Ao contrário, penso que cultura é iniciativa “de baixo pra cima” que, simplesmente, não pode ser produzida à força de investimentos. Melhor seria se o Estado nos aliviasse um pouco a carga tributária e nos deixasse mais folgados para exercitarmos nossa produção cultural por conta própria. No entanto, havendo (como há) políticas públicas para incentivar a cultura, aí não pode haver nenhum tipo de discriminação entre os projetos que podem receber estas verbas: em particular, pouco importa se a iniciativa é católica, protestante, budista, ateísta, seicho-no-ie, umbandista ou o que seja. E, até onde eu saiba, é assim que as coisas funcionam  por aqui: ao menos na questão dos princípios, não há incoerência que precise ser justificada.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

5 comentários em “Questão: Dinheiro público para evento católico”

  1. Meu caro Jorge,

    Considero o debate encerrado. Você, como era previsível, se apressou em defender o privilégio se apoiando no teorema da migalha. Pegou a “migalheira” mensagem de envio pra proposta orçamentária do Rio para o exercício de 2013 e a usou como se fosse a justificativa para a Indicação Legislativa 180/12, que explicitamente “solicita ao governador Sérgio Cabral o envio de mensagem instituindo programa de incentivos fiscais para a realização de projetos culturais vinculados ao evento”. Incentivos fiscais, esses, que irão custar R$ 5 milhões aos cofres do Estado laico do Rio de Janeiro. Nas palavras do deputado estadual Márcio Pacheco do PSC, “Queremos apresentar uma proposta de lei de incentivo fiscal para que algumas empresas possam aportar recursos não só para patrocinar o evento, mas também para garantir melhorias para o Rio”. Esse deputado compõe a Frente Parlamentar Jornada Mundial da Juventude, junto com Myrian Rios.

    Ou seja, haverá incentivo fiscal (renúncia de receita por parte do Estado) para que empresas possam patrocinar o evento.

    Ainda, há a versão federal do privilégio. O deputado federal Rodrigo Maia propôs também uma emendinha de 5 milhões de reais para “acompanhar juntamente com a sociedade o planejamento do evento e fiscalizar o uso de recursos públicos na sua realização.” Na sua descrição do Wikipedia, a religião de Rodrigo é “Católico Romano”.

    A mensagem que você postou, de proposta orçamentária do Rio, traz iniciativas gerais do Estado para o ano, e não comenta as proposições de parlamentares específicas, como as que eu citei. Não dispõe sobre as justificativas de iniciativas parlamentares, como a 180/12.

    Desculpe, mas não dá pra discutir com gente que sequer enxerga os próprios privilégios.

    Sua moralidade é parcial. Portanto, fim de papo.

    Abraços e boa luta na defesa de seus ideias religiosos.

  2. JBC acho que realmente não dá para discutir. Você não consegue interpretar o texto do Jorge, que se propôs a tratar da questão de maneira geral e não de projetos específicos, que irão ser analisados por parlamentares a posteriori. Achei até difícil colocar este ponto, pois seu texto é tão medíocre e ruim por carecer de clareza e fundamento real. É como as espúrias interpretações bíblicas que vemos serem feitas por seitas religiosas. Acho que você é que deveria aprender a se expressar antes de comentar um blog que no geral está bem escrito.

  3. Eu não vejo problema nenhum em destinar 5 milhões, ou até mais, a TODAS as outras denominações religiosas que promovam um evento do porte da JMJ, trazendo para o Rio de Janeiro milhões de turistas, inclusive estrangeiros, fomentando o turismo, gerando empregos, renda, aquecendo a economia. Mas existe alguma denominação assim??? Desconheço…

    A última versão da Jornada em Madri movimentou 345 milhões de euros. Ou seja, mesmo pensando só no “capitalismo selvagem”, ainda se justifica o investimento. Portanto é só implicância anti-clerical mesmo… Após o evento, veremos a Prefeitura do Rio apresentar os sucessos e benefícios como se fossem frutos de sua autoria. Veremos…

  4. Ah, havia esquecido a cereja do bolo.

    O bom de espelhar argumentos do próprio blogueiro em outras situações é que a gente bota ele mesmo para contradizê-los.

    Veja, caro Eduardo:

    Ainda: dizer que, por isonomia, o Estado deveria conceder valor equivalente às outras denominações religiosas brasileiras é rigorosamente o mesmo que criticar o dinheiro gasto na Copa das Confederações e sustentar que a Prefeitura deveria destinar o mesmíssimo valor a competições de basquete, vôlei de praia, surfe e ping-pong, entre dezenas de outros esportes existentes no Brasil.

    Dizer que, por conta da JMJ, o Estado deveria oferecer recursos públicos às outras denominações religiosas brasileiras é equivalente a condenar o Rock in Rio e dizer que, para destinar-lhe dinheiro público, a Prefeitura tinha a obrigação moral de financiar igualmente, entre muitos outros, o “Jazz in Rio”, o “Funk in Rio” e (neste tempo de minorias, por que não?) o “Fado in Rio” e o “Can-Can in Rio”.

    E numa outra situação olha o que ele disse:

    E nós estamos dizendo que esta é uma reivindicação incoerente, arbitrária e seletiva, porque existem incontáveis outros agrupamentos sociais estreitamente análogos à dupla homossexual (e com certeza muito mais parecidos com ela do que esta última é parecida com o matrimônio tradicionalmente protegido pela legislação civil) que, por razão nenhuma, estão ficando de fora destas reivindicações.
    […]
    A razão para o Estado privilegiar a dupla gay em detrimento dos irmãos que moram juntos, das vizinhas solteironas, da comunidade hippie ou da trupe de circo não existe.

    Aqui no segundo comentário dele, eu estava argumentando que não havia sentido estender os mesmos direitos matrimoniais aos gays a outros agrupamentos sociais, pois os mesmos nem sequer haviam revindicado tais direitos. Mas ele defendeu veementemente que isso era um privilégio arbitrário, como se pode ver.

    Quando repliquei essa ideia dele para um caso similar de privilégio, ele passou a usar exatamente os mesmo argumentos que eu usei para o caso anterior, tais como:

    […] basta que todos eles possam se candidatar e concorrer em igualdade de condições. É somente esta última proposição que se refere aos princípios (nos quais não pode haver privilégios injustificados)[…]

    Assim como eu havia dito que outros conglomerados sociais não revindicaram os mesmos direitos dos homossexuais…

    E concordo com você, o blog é extremamente bem escrito.

    Forte abraço.

  5. Prezado JBC,

    Antes de qualquer coisa, faço notar que o senhor jamais citou a Indicação Legislativa 180/12 antes desse seu último comentário. O que o senhor citou – e sobre o que eu comentei – foi uma lacônica nota de cinco linhas de um blog, assim sem mais nada mesmo, e que falava explicitamente em «[c]inco milhões de reais [que] foram colocados no orçamento do governo do Rio de Janeiro» por conta «de uma emenda da deputada estadual Myriam Rios». Naturalmente, foi com este exemplo específico diante dos olhos que eu escrevi o meu texto, pela completa impossibilidade de conhecer todos os exemplos que você tenha na cabeça (ou – mais provável, acredito – seja capaz de achar no Google) sem que eles sejam expostos à minha apreciação.

    Aliás, registre-se: não sei quem sejam o Márcio Pacheco ou o Rodrigo Maia, não faço a mínima idéia de de onde a informação de que os «incentivos fiscais» propostos pelo primeiro «irão custar R$ 5 milhões aos cofres do Estado laico do Rio de Janeiro» foi tirada (certamente não foi de nenhum dos links que você citou) e não se encontra um mísero tostão destinado à Jornada Mundial da Juventude nem no Orçamento do Estado do Rio de Janeiro e nem no da Cidade do Rio de Janeiro. Portanto, o objeto da questão que me é colocada já é, convenhamos, bem vago e nebuloso.

    Não obstante, como não é sempre que tenho tempo para verificar as incoerências das informações disparatadas que costumam cuspir por aqui, preferi passar no meu texto do específico para o genérico e postular o princípio mais geral de que, se o Estado tem programas de incentivo à cultura, ao turismo ou ao que seja, então a isonomia “laica” se verifica perfeitamente quando não há pré-requisitos religiosos para a concessão ou a recusa de verbas públicas, o que é justamente o que acontece. E, fazendo isso, antecipei a resposta a todas as questões correlatas, de modo que as informações novas que você trouxe agora já se encontram perfeitamente contempladas no texto.

    &&

    Aqui no segundo comentário dele, eu estava argumentando que não havia sentido estender os mesmos direitos matrimoniais aos gays a outros agrupamentos sociais, pois os mesmos nem sequer haviam revindicado tais direitos. Mas ele defendeu veementemente que isso era um privilégio arbitrário, como se pode ver.

    Quando repliquei essa ideia dele para um caso similar de privilégio, ele passou a usar exatamente os mesmo argumentos que eu usei para o caso anterior

    De forma alguma, pois o caso da destinação das verbas públicas é o de distribuições concretas de recursos (por definição finitos) tendo por base direitos já existentes e iguais, enquanto as reivindicações sobre “casamento gay” são construções argumentativas [já demonstradas] incoerentes que versam sobre uma idéia a defender, e não um bolo a repartir.

    Para haver uma mínima analogia entre os dois casos, seria preciso que o Ministério da Cultura destinasse exclusivamente uma fatia do Orçamento da União para eventos católicos, um grupo de espíritas passasse a reivindicar de maneira truculenta a extensão do privilégio também para os eventos espíritas e começassem a nos xingar quando apontássemos que, pela argumentação deles, os umbandistas e muçulmanos também tinham que ser colocados como candidatos.

    Abraços,
    Jorge

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