O valor espiritual desses oito anos

Era uma terça-feira de 2005; penso já ter dito por aqui que me recordo profundamente daquele 19 de abril. A fumaça branca na chaminé da Capela Sistina – então a primeira fumata bianca da minha vida! – anunciava ao mundo que o sucessor do Papa João Paulo II fora escolhido. Estava na copa da faculdade, diante de uma TV ligada, através da qual eu soube que Joseph Ratzinger assumia o sólio pontifício com o nome de Benedito Dezesseis. “Não, não, Bento XVI”, alguém rapidamente me corrigiu. Daquele dia em diante, pelos próximos quase oito anos, o velho alemão foi o meu pai e o meu general, o meu líder e o meu professor, o meu mestre e o meu amigo. Foi o meu Papa!

habemuspapam-ratzinger

Há não muitos dias, no aniversário natalício do Santo Padre, eu disse aqui que Bento XVI foi o Papa da minha juventude. Já confessei aqui no blog que eu já era praticamente homem feito quando retornei à prática da religião dos meus pais; o Papa Ratzinger foi, portanto, o Sumo Pontífice cujo pontificado eu acompanhei integralmente. Talvez eu pudesse ser mais ousado e dizer que, na verdade, ele que foi o Pontífice que me acompanhou durante os anos da minha vida que merecem ser chamados de “católicos”; o fato é que, de qualquer maneira, é impossível olhar para o hoje Bispo Emérito de Roma sem um sentimento de profunda gratidão. É impossível não lembrar o dia de hoje: faz oito anos!

Ninguém diria em 2005 que o Papa recém-eleito havia de renunciar alguns anos depois. Por certo sabíamos que o luminoso pontificado de Bento XVI havia de terminar um dia, mas ninguém imaginava que ele entraria para a História dessa maneira. Eu já manifestei aqui no Deus lo Vult! a minha profunda gratidão por tudo o que o Santo Padre Bento XVI fez pela Igreja ao longo desses anos; mas não consigo me livrar da impressão de que, não importa o que eu diga, nunca será o bastante. Se a dimensão histórica daquela Grã Renúncia do dia de Nossa Senhora de Lourdes é incontestável, penso que seria grande injustiça de nossa parte não reconhecer o quanto foi também histórico o Habemus Papam de 2005.

Sobre esses anos muito poderia ser dito, mas por hoje quero me restringir à questão litúrgica. Um amigo sacerdote empregou certa vez a expressão “ressuscitar altares” para se referir ao ato de celebrar a Santa Missa naqueles tantos altares – de tantas igrejas! – que, após a Reforma Litúrgica, foram rebaixados a meros nichos de santos ou suportes de velas ou vasos de flores. Bento XVI – mormente após o Summorum Pontificum de 2007, mas em todo o seu pontificado – deu novo vigor à consciência litúrgica na Igreja e resgatou a capital importância do Sacrifício Eucarístico do Corpo e do Sangue de Deus: ao longo dos últimos anos, quantos altares não foram ressuscitados! Quem será louco o bastante para negar o valor sobrenatural dessas tantas Missas que voltaram a ser celebradas em altares abandonados – em altares originalmente erigidos para oferecer sacrifícios à Trindade Santa, desgraçadamente desviados de sua finalidade durante os negros anos do pós-Concílio?

Recordo-me de um em particular: um antigo e simples altar frontal (não era o altar-mor) da capela do Seminário de Olinda, edifício do século XVI, onde certa vez o Santo Sacrifício da Missa foi celebrado depois de décadas e eu estava presente, junto com mais um ou dois amigos. Éramos uma quantidade ínfima de pessoas, mas conosco estava a totalidade da Igreja, Triunfante, Padecente e Militante. Sobre aquela pedra Cristo foi imolado, nas intenções – entre outras – do Santo Padre Bento XVI, e sinceramente não sei se tal teria sido possível se então fosse outro e não ele o Vigário de Cristo gloriosamente reinante. Penso que somente na Eternidade nós teremos a dimensão precisa das graças que jorraram desses altares e foram derramadas sobre o mundo graças ao zelo litúrgico que Bento XVI impingiu à Igreja de Cristo.

Foi em 2005, e seria vil impiedade não nos lembrarmos com alegria e gratidão do dia de hoje. Neste 19 de abril, suplicamos ao Todo-Poderoso que possa recompensar o seu servo por todo o bem que ele realizou em Seu favor, e também para que não deixe inacabada a obra de restauração iniciada naquela terça-feira de abril. Nós, os herdeiros do legado de Bento XVI, não temos o direito de esquecer tudo isso. Triste coisa seria se deixássemos que tudo fosse em vão. Loucura seria se desprezássemos o valor espiritual desses oito anos.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

3 comentários em “O valor espiritual desses oito anos”

  1. Belas palavras. Me identifiquei bastante com o texto pois também costumava chamá-lo de “pai”, “líder”, “meu Papa”, “Papa da minha juventude”…..

    Sim, o “grande Papa do Motu Proprio Summorum Pontificum” que trouxe tanto alívio à minha alma estraçalhada pela irreverência litúrgica.

    Lembro-me da dolorosa manhã de 11 de fevereiro de 2013, em um Plantão Hospitalar de segunda de Carnaval, chegando à sala de repouso, quando em um flash noticiário a jornalista Sandra Annemberg no exercício de sua função tira o chão debaixo dos meus pés: ” O Vaticano acaba de anunciar que o Papa Bento XVI ( neste exato momento meu coração parou ), vai renunciar ao cargo no dia 28 de fevereiro.”

    Breve alívio…. não, o Papa não morreu…. mas em uma fração de segundo o alívio se transforma em aflição….”Renunciar??!!”, “Como??!!”; com o desenrolar da notícia os olhos encharcados foram inevitáveis, procurando ainda não acreditar no que estava vendo e ouvindo!!

    Que manhã!! Uma vez que a dor da notícia de sua renúncia se misturava com a imediata lembrança do júbilo e da alegria da tarde do dia 19 de abril de 2005, iniciando minha caminhada na Fé da Única e Verdadeira Igreja de Cristo, fiz questão de deixar a televisão no último volume (as pessoas em casa me pedindo pra baixar, mas eu não lhes dava ouvidos), esperando a aparição do novo Vigário de Cristo….. e eis que surge na sacada aquele simpático senhor de 78 anos abrindo os braços como que acolhendo a todos, senti imediatamente que surgia ali uma relação de pai e filho aos meus 17 anos.

    A mesma Sandra Annemberg anunciando “Benedito Décimo Sexto” na minha televisão nas alturas e minhas palmas solitárias no meu quarto naqueles 17 anos, anunciava o fim do glorioso reinado de Sua Santidade Bento XVI, sob minhas lágrimas e incredulidade aos 25 anos no meu trabalho. Quantos sentimentos diferente no mesmo dia!!

    Tive a concreta certeza da relação entre pai e filho no ano de 2007, quando mesmo iniciando minha vida na Igreja (estava começando a conhecer), sentia que o descaso e total desprezo com a Liturgia era estranha à Esposa de Cristo, eu me recusava à caricatura e machucado procurava desesperadamente a Sua Beleza. Até que com o Motu Proprio Summorum Pontificum senti quase que fisicamente o abraço de um Pai me dizendo “Estou Aqui”.

    Poucos meses após o Motu Proprio, recém completados 20 anos…. era 25 de novembro de 2007, diante dos meus olhos estava todo o Esplendor da Igreja Católica Apostólica Romana que eu já tanto amava…….. era minha primeira Missa Tridentina!!

    Nunca te esquecerei Bento XVI!!
    Te amo meu querido pai!!
    O Papa da minha juventude!!
    O meu Papa!!

Os comentários estão fechados.