O massacre de Charlie Hebdo: combatemos por algo maior do que nós

Muito já se falou a respeito do horrível atentado que a redação da Charlie Hebdo sofreu ontem em Paris. No meio de uma infinidade de comentários (para dizer o mínimo) superficiais que inundaram os nossos meios de comunicação, gostaria de fazer um apanhado daquilo que considero mais relevante sobre o assunto.

A primeira coisa que acho importante desmistificar é essa necessidade doentia – socialmente exigida e, em alguns casos, até mesmo auto-imposta – de se “tomar partido”, de preferência o mais rápida e veementemente possível. Ora, não nos é necessário, absolutamente, escolher um lado entre os dois que se chocaram, ontem, na capital francesa! Sem dúvidas a comoção é enorme e, por conta disso, é razoável que o raciocínio se nos embote um pouco; contudo, é preciso resistir, e caminhar com bastante cuidado.

Porque, no afã de condenar a chacina estúpida, corre-se o risco de chancelar o deboche religioso que era a marca registrada da revista francesa. Não, nós não defendemos uma liberdade de expressão absoluta e intocável – que inclua o direito de agredir, ofender, escarnecer. Por outro lado, ao repudiar o escárnio da Charlie Hebdo, arriscamo-nos a justificar o assassinato cometido pelos terroristas. Não, nós não defendemos um direito de exterminar os que nos desagradam – segundo o qual os ofendidos possam sentenciar à morte e executar por conta própria os seus ofensores.

Aquilo que a revista se notabilizou por fazer não é humor nem liberdade de expressão, e sim agressão gratuita. Aquilo que os criminosos fizeram ontem em Paris não foi justiça nem defesa legítima, e sim violência absurda. Não é preciso achar lindo o que faziam os cartunistas assassinados para condenar com ardor o seu assassinato. Não é preciso considerar heróis os terroristas para rechaçar com vigor as charges cretinas que a revista satírica veiculava. Não aceitamos a blasfêmia. Mas tampouco aceitemos que a blasfêmia seja punida por particulares – muito menos com a morte.

Evidentemente, também não aceitamos as retaliações ligeiras, com mesquitas anonimamente atacadas à noite por exemplo. A tragédia não pode servir de trampolim para discursos superficiais que, procurando ad hoc responsáveis sobre os quais lançar a culpa do massacre, terminem por cristalizar lugares-comuns como “religião é violenta mesmo”. É evidente que os responsáveis por este crime brutal precisam ser responsabilizados. Infelizmente, parece não ser tão evidente assim que a culpa não pode ser coletivizada para “os muçulmanos” como um todo e nem muito menos para “os religiosos” em geral. Tal expediente irreligioso cretino, de instrumentalização de uma tragédia para alavancar a própria concepção ideológica, precisa – também ele – ser repudiado com a máxima diligência.

Uma outra coisa que precisa ser pontuada é esta: a França não foi palco de um episódio de intolerância religiosa, e sim de um choque de culturas. E, neste sentido, o melhor texto que li sobre o assunto foi escrito no final da década passada. Chama-se «O Islã e o Ocidente», é da lavra de Roger Scruton, é longo e vale cada parágrafo.

Em tempos de multiculturalismo, é preciso ter suficientes pés no chão para reconhecer a existência, em diferentes culturas, de determinados valores completamente incompatíveis entre si. Uma cultura como a ocidental que julgue poder escarnecer das crenças religiosas dos outros não pode conviver com uma outra cultura – como a islâmica – que considere um mandato divino, imposto a todo e qualquer fiel, punir com a morte os que blasfemem contra o Islã. É bastante evidente que ambas tendem à aniquilação mútua; e que, se nenhuma das duas abrir mão de [ao menos parte dos] seus valores, episódios como o de ontem vão se tornar recorrentes.

E a proposta do Scruton é a de que defendamos, abertamente, o patrimônio cultural ocidental frente aos que o ameaçam. Sim, eu sei que isso é mal visto nos dias de hoje, sei que recebe o rótulo depreciativo de “etnocentrismo”, sei que fomos ensinados, de maneira repetida e consistente, desde crianças, a odiarmos aquilo que somos e a desprezarmos as nossas raízes. No entanto, essa atitude é suicida. Nas sociedades, como na natureza, não existe o vácuo. Se os homens não estiverem dispostos a moldar a sociedade de acordo com os seus valores próprios, então ela será moldada pelos valores dos que primeiro tiverem a ideia de os apresentar em praça pública. Se os súditos não forem ensinados a honrar os deuses dos seus antepassados, então eles serão levados a honrar os deuses dos estrangeiros. É assim que o mundo funciona. Já não é mais possível continuar se recusando obstinadamente a o reconhecer.

Tudo isso quer dizer, em suma, que nós estamos em guerra. Não é possível fingir que tudo está na mais perfeita paz e concórdia, porque não está. No entanto, há três coisas sobre esta «guerra» que é preciso deixar claro.

Primeiro, e antes de qualquer outra coisa, que se trata de uma guerra cultural a ser travada no campo das ideias. Isso é bastante evidente, e é preciso rejeitar com veemência todas as tentativas que surjam de estabelecer analogias, ainda que remotas, entre os atos de violência dos terroristas islâmicos e o dito «fundamentalismo» cristão – que geralmente outra coisa não é que «ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja», a propósito. Sim, queremos fazer prevalecer as nossas ideias. Isso não permite concluir, de nenhuma maneira, que queiramos exterminar fisicamente os que pensam diferente de nós.

Segundo, e no mesmo sentido, que discordância não é necessariamente sinônimo de agressão. E, em contrapartida, viver em sociedade não exige necessariamente que as pessoas guardem as suas convicções para si próprias. É lógico que a sociedade precisa caminhar em relativa ordem, mesmo com a presença de múltiplos sistemas de valores em seu interior: isso é óbvio. No entanto, é também evidente, e empiricamente verificável, que a maior parte das pessoas não joga bombas naqueles de quem discorda mesmo visceralmente. Inibir o debate público dos valores não é o mesmo que resguardar a convivência tolerante entre os diferentes, mas justamente o contrário: é deixar o espaço livre para os valores que não respeitem essa regra de auto-contenção. O islamismo é aqui somente o exemplo mais radical: traços dessa “publicização axiológica”, contudo, podem ser encontrados em menor grau também nos laicismos ocidentais.

Terceiro, e por fim, que a vitória nesta guerra é já humanamente impossível. Os valores ocidentais já estão moribundos por conta da longa guerra travada contra a Igreja ao longo dos últimos séculos, e a cultura judaico-cristã parece não encontrar mais uma massa crítica disposta a defendê-la. Os ocidentais envelhecem e morrem impondo-se um controle de natalidade anti-natural que os está conduzindo à extinção, enquanto os muçulmanos povoam o mundo a partir do ventre de suas mulheres. O futuro é sombrio. No entanto, nós mesmo assim precisamos lutar, porque não combatemos pela vitória e sim pela justiça da batalha. Não devemos nos preocupar com as adversidades que existem e nem devemos nos perturbar com os ventos que sopram contra nós: defendemos os nossos ideais por acreditarmos que eles estão corretos, e não porque eles tenham uma chance razoável de se tornarem hegemônicos dentro do horizonte de nossas vidas. Eles muito provavelmente não têm, mas mesmo assim cumpre defendê-los com valentia. Combatemos por algo maior do que nós, e esse é o diferencial que temos em nosso favor. Não é por nós, e sim ad majorem Dei gloriam.

Deus nos vê; combatemos por Ele e por Sua santa Religião, combatemos pela Igreja por Ele fundada, combatemos pelas glórias da Santíssima Virgem. Deus vê, e Ele é Senhor da história, e isso nos deve bastar. As guerras culturais não se vencem pelo poder das armas, e sim pela força das idéias. Talvez, se rezarmos bastante e trabalharmos com afinco, Deus torne o nosso apostolado fecundo. Talvez, se nos esforçarmos e n’Ele confiarmos, Ele conceda graças para que os homens O vejam e, abandonando as fábulas do mundo moderno, n’Ele creiam. Talvez Ele intervenha, e mude a nossa sorte.

Mas talvez não. Talvez só vejamos a Igreja em Seu esplendor na outra vida – quem sabe? Talvez tenhamos mesmo que atravessar tempos tenebrosos à nossa frente: não importa. A cada um cabe fazer a sua parte, e a nossa é defender, com todas as nossas forças, a Fé dos que nos precederam, a Fé que recebemos dos Apóstolos. Ainda que talvez não vejamos o resultado dos nossos esforços, nada que se faz por amor de Deus é em vão. Isso nos deve ser suficiente. No calor do campo de batalha, isso nos deve bastar.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

16 comentários em “O massacre de Charlie Hebdo: combatemos por algo maior do que nós”

  1. Jorge!

    Perfeito meu amigo, perfeito!

    Em Cristo!

  2. DIALOGAR COM OS ALIADOS COMUNISTAS E ISLÃ É IMPOSSÍVEL: 2 IDEOLOGIAS AGRESSIVAS E TOTALITARISTAS, ESSA SOB FORMA DE RELIGIÃO!
    CRIAR SERPENTES EM CASA PARA DEPOIS NOS PICAREM tem sido o mote nos blogs franceses nos comentários que vejo, e parece ter fundamento, já que muitas cidades lá e noutros países europeus já estão sob a “sharia”, tendo todas as características de ser a religião do anticristo.
    Doravante, parece que as restrições a ela na Europa serão serias e muitos poderão serem voltados à força para casa já que onde se instalam querem dominar os outros, pois não se amoldam ao Ocidente e são fanáticos na “fé” que lhes foram impostas desde crianças.
    Parece que dessa vez deram forças a partidos de direita, danando-se!
    Vejam se o Alcorão não os excita ao ódio nas suas aos que não se enquadrem no “Politicamente Correto deles”
    4:89 : “Se eles (os infieis) virarem as costas, capture-os e mate-os onde quer que você os encontre; não os tome para si qualquer um deles, como amigo ou ajudante.”
    05:33 : “Esta é a castigo para aqueles que lutam contra Alá e Seu Mensageiro, [ …]: eles serão mortos violentamente, ou crucificados, ou suas mãos e pés devem ser decepados, alternadamente; ou serão banidos da terra.”
    8:60 : “Preparai para eles toda a força que você puder, em armas e cavalos de guerra, para aterrorizar o inimigo de Alá e seu inimigo.”
    09:05 : “Quando os meses sagrados tiverem terminado, mate os idólatras onde quer que você os encontre, e os capture e os confine, e fique à espreita deles em cada local de emboscada.”
    09:29 : “Combata com toda valentia aqueles que não crêem em Alá.”
    09:30 : “Os cristãos chamam Cristo de filho de Deus. Esse é um ditado da boca deles; eles, pois, imitam o que os incrédulos de antigamente costumavam dizer. Que a maldição de Alá esteja sobre eles.”
    9:123 : “Ó crentes, lute contra os incrédulos que estão perto de vocês; e deixe-os encontrar em você uma dureza; e saiba que Alá está com os tementes.”
    47:4 : “Quando você se encontrar com os incrédulos, golpeie-lhes os seus pescoços.
    Esse é o tal Alcorão, livro da “paz”!

  3. O Charlie é apenas um pasquim que sobrevive de depreciar a fé, mas não merecia sofrer as perdas humanas irreparáveis. Não acredito que pessoas com um mínimo de sobriedade venham a criar uma campanha em prol do pasquim e contra todas as religiões, usando ataques aos muçulmanos como metáforas genéricas. Cartunistas sérios do Brasil qualificaram os cartuns do Charlie como insultuosos e grosseiros.
    Apenas acredito que o ocidente, “os cartunistas” e todo o conceito de cultura criado pelo cristianismo, estão em vias de perder a batalha para o Islã. Isto pode ser revertido com extrema facilidade, mas somente ocorrerá no tempo certo. O Islã é uma ferramenta de correção de rumo usada por Deus.

  4. No Jornal Nacional de ontem, boa parte do tempo foi usada para mostrar como são bons os muçulmanos e quão perigosa é a extrema-direita xenófoba…

    Não tem jeito mais. O Ocidente está além da recuperação.

  5. Os chefões muçulmanos dissimulados como são, estão “condenando” com veemencia os irmãos de fé para salvarem as aparencias, pois em propaganda enganosa são iguais a comunistas e ainda ganham força aqui da mídia comprada pró esquerdistas.
    Já notou como se entendem bem com comunistas? Foram aliados de Hitler e Mussolini outrora; farinhas dos mesmo saco!
    A basear na mídia vendida ocidental, quem aplainou os caminhos para essas pragas entrarem foram as apostasias ao cristianismo – onde o Senhor Deus é rejeitado, o diabo toma conta, esse caso – e Nossa Senhora de La Salette, em 1846 avisou que, a partir de 1864, Lúcifer e grandes quantidades de legiões diabólicas seriam soltos do inferno, entrando a partir desse tempo numa outra fase todo o mundo.
    Quer ver a cara deles sob outras aparências? Ligue-se numa das novelas da Globo, BBBs, A Fazenda etc., ou reparem muitas mulheres na rua – nem cito nas praias – mais mal vestidas de assustarem prostitutas nos bordeis!
    E nossos altos religiosos, mesmo os mais baixos, nem vejo tocar nisso de forma veemente, alertando, a não ser aquela 1/2 dúzia de sempre, pelo menos na net e onde frequento ou conheço ao vivo!
    Poderiam ser o chicote que o Senhor usará para castigar o mundo – merecido e como – além deles e comunistas seriam da maçonaria: todos de casa!

  6. O papa Francisco não deveria falar sobre respeito aos valores religiosos (todas as religiões)?
    Abrir um debate sobre o desrespeito que muitas pessoas tratam “temas sagrados “?

  7. wilsonram wilson Ramiro, parabéns pelo teu comentário inteligente, justo, e acertado, porque, realmente, é isso mesmo. Também nunca disseram que Deus aprovasse as atrocidades de Átila, o Huno que chegou até à Europa e às portas de Roma, o único que atravessou a própria Rússia de lés a lés sem conhecer a derrota, como Napoleão ou o Hitler, e, todavia, foi a ele que chamaram o “flagelo de Deus”. Por alguma razão foi. E anote-se que aquela época não se pode comparar à nossa, que é só comparável às antigas Babilónias e Romas em decadência, tempos em que, à excepção do povo judeu, todo o demais mundo vivia ainda sem lei, naquela longa fase primária, promíscua, e selvagem, antecedente ao cristianismo. Voltando ao mesmo, novos Átilas haverão de aparecer, como é óbvio, e com mais propriedade. Um abraço para ti.

  8. Outro sério perigo são os psicóticos anti-comunistas. As autoridades tem que interná-los em manicômios antes que seja tarde demais, cortando o mal pela raiz.

  9. O fundamentalismo, o integrismo e todos os que pregam à intolerância e ódio em nome da fé,devem ser banidos do convivio da civilizaçaõ.Ser contra à liberdade religiosa,fere a dignidade humana, e isso é inaceitável para o homem de hoje.

  10. Há quem pense que os muçulmanos são os mais radicais, nos tempos atuais, ninguém supera um ateu meia boca, nem mesmo um islamita.
    Um ateu busca matar de todo o planeta, de cada habitante, a esperança da vida eterna, ele não apenas não acredita, ele exige que outras pessoas não acreditem.

    Para que a razão de uma pessoa chegue a ter tamanha certeza da inexistência de Deus, seu coração, antes, deve muito ter desejado que Deus não existisse!

    “Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena”. (Mt 10,28)

  11. Sobre a liberdade de ofender e escarnecer, como se pode definir que alguém foi ofendido ou escarnecido se os pontos de vista são tão diferentes? Essa batalha que deve ocorrer no âmbito civil e com critérios muito claros. Pois muitos do movimento gay também consideram ofensivo que representantes das igrejas apareçam na TV bradando que os homossexuais são pecadores, pode-se evocar a liberdade de expressão nesse caso ou estamos diante de um outro limite para a liberdade de expressão?

  12. Interessante caro spesmap…

    A Igreja sempre pregou a existência de uma vida eterna e sempre pregou que, para os que desejarem, são necessárias regras de comportamento moral, sempre pregou a aversão ao pecado e como podemos definir pecado.

    A Igreja sempre pregou que o alimento é necessário para a manutenção da vida normal e sempre avisou que o uso anormal do alimento seria um pecado, a gula.

    A Igreja sempre pregou que a prudência é uma virtude e que ter alguma reserva dos tempos bons tempos para tempos duvidosos é bom, mas que o apego exagerado aos bens seria um pecado que nos afastaria da desejada vida eterna, assim a avareza é uma corrupção da prudência.

    Assim também, sempre a igreja pregou que o sexo é bom e necessário para a vida e que todo uso do sexo como puro diletantismo faria o homem cair na luxúria. Muitos heterossexuais e homossexuais usam a frase “Sexo é vida” e valoram suas vidas pelo ato praticado e então ao longo do tempo pela desvalorização dos atos que praticam passam a ter vidas sem valor.

    Os gays militantes são pobres coitados cujas vidas valem tão pouco quando os atos “quase” sexuais que praticam, não que eu assim pense mas é assim que eles consideram. Dizem que suas vidas sem “sexo” não teria sentido e ainda assim não compreenderam que nunca fizeram Sexo. Confundem sexo(ato criativo) com masturbação(ato diletante).
    obs muitos casais héteros também caem neste mesmo equivoco, são também dignos de pena.

    A Igreja diz que os efeminados não irão para o céu, não sei porque se ofendem se a igreja diz que eles não irão para onde eles/as nem desejam ir.

    Se eu disser que prendendo um “casal gay” numa caixa, por mais que eu os alimente, jamais dali surgirá uma nova vida, será que esta afirmação é ofensiva ou é apenas constatação, ou devemos ter preconceito contra toda verdade que nos for incomoda???

    Quanto ao Charlie, viu nele caricatura do holocausto? Ou contra o homossexualismo?

  13. Entre ateus ignorantes e Muçulmanos estúpidos….

    #Je suis catholique.

Os comentários estão fechados.