E a redução da maioridade penal?

Um leitor do Deus lo Vult! apresenta os seguintes (pertinentes) questionamentos:

1ª) Ser contra reduzir a maioridade penal é uma posição oficial da Igreja? Se sim, baseada em quê?

2ª) Você é a favor de reduzir a maioridade penal?

3ª) Por quê é tão polêmico esse tema pra a Igreja? Tendo em vista que a violência precisa ser combatida, são seria mais do que justo punir baixando a maioridade penal, de forma contundente, quem comete crimes?

Primeiramente, é preciso deixar claro a Igreja não tem “posições oficiais” sobre temas tão essencialmente contingentes como o modo adequado de punir as pessoas de acordo com a idade que elas tenham. A Igreja trabalha com princípios, deixando (ampla) margem à sua variada concretização de acordo com os tempos e lugares, os costumes e os modos de vida de cada sociedade.

Aquilo que mais aproximadamente se pode procurar a este respeito na Igreja são as disposições do Código de Direito Canônico. Dois cânones particularmente interessam aqui; encontram-se no Livro VI – “das sanções na Igreja” – do Código e, dentro dele, no Título III – “da pessoa sujeita às sanções penais”. São os seguintes:

Cân. 1323 — Não está sujeito a nenhuma pena aquele que, ao violar a lei ou o preceito:

1.° não tinha ainda completado dezasseis anos de idade;

* * *

Cân. 1324 — § 1. O autor da violação não se exime à pena, mas esta, imposta por lei ou preceito, deve atenuar-se ou em seu lugar aplicar-se uma penitência, se o delito for praticado:

[…]

4.° por um menor que tenha completado dezasseis anos de idade;

Daqui se vê que, no que se refere à punibilidade do fiel católico em razão de sua faixa etária, vigoram três regimes na Igreja:

  1. os menores de 16 anos não estão sujeitos a nenhuma pena;
  2. os que já completaram 16 anos e ainda não completaram 18 anos estão sujeitos a penas atenuadas ou substituídas por penitências;
  3. os que já completaram 18 anos são punidos normalmente.

Isto – atenção! – não diz respeito à legislação civil dos diversos países do globo: isto é o que a Igreja dispõe para a aplicação das penas canônicas. Os dois ramos do Direito – o canônico e o civil – são relativamente independentes e, portanto, é perfeitamente possível que uma pessoa seja civilmente inimputável e canonicamente punível, ou vice-versa, sem que haja nenhum problema intrínseco com isto.

No que se refere ao direito secular, às penas estabelecidas pelo Estado, o que vale é o que está no Catecismo (III parte, Segunda Seção, Cap. II):

2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.

Desta passagem é possível extrair as seguintes importantíssimas conclusões:

  1. não existe nenhuma referência à idade da maioridade penal;
  2. é dever do Estado reprimir os comportamentos socialmente deletérios;
  3. o primeiro objetivo da pena é “reparar a desordem introduzida pela culpa” (função retributiva);
  4. a emenda do culpado (ressocialização) deve ocorrer “na medida do possível”.

Ou seja: é dever do Estado punir os crimes. A maneira concreta como esta punição se dará é deixada à prudência política dos governantes; nada obsta a que, por exemplo, existam estabelecimentos prisionais diferentes de acordo com a faixa etária do criminoso, ou – no meu entender mais importante ainda – de acordo com a lesividade do delito. Uma sociedade, caso queira, pode estabelecer vinte faixas etárias diferentes com diferentes modos de punição para cada uma delas: havendo certa razoável proporcionalidade entre eles, não existe a isso nenhum óbice de natureza moral. O que a sociedade não pode é deixar os delitos impunes: até aqui a doutrina da Igreja.

A respeito da maioridade penal, as duas posições antagônicas – pelos menos as duas posições sérias antagônicas – podem ser resumidas, parece-me, nas seguintes: por um lado, há quem ache que punir mal é menos ruim do que não punir e, pelo outro lado, há quem julgue que não punir é menos ruim do que punir mal.

Acho que ninguém discorda disto: o nosso sistema carcerário pune muito mal. Já o disse alhures, aliás: estou convencido de que, no futuro, os nossos descendentes olharão para nós com horror e, implacáveis, censurar-nos-ão a indiferença com a qual parecemos levar as nossas vidas enquanto, nas nossas prisões, seres humanos – nossos semelhantes – vivem pior do que animais.

Reconhecê-lo não é esquerdismo. O insuspeito Nelson Rodrigues, em uma de suas crônicas d’A Cabra Vadia (“A fotografia do ódio”, pp. 62-65), traz-nos os seguintes interessantíssimos parágrafos:

Imaginem um chefe de família, de origem italiana. Mas a origem pouco importa. Era uma criatura doce, cálida, generosa. Um dia foi preso porque não tinha, na hora, a sua identidade. Sua mulher, seus oito filhos, estão em casa, esperando para o jantar. Mas ele não vem porque foi atirado no fundo de um xadrez. Passou lá, entre marginais, 24 horas, e gritando. Digo eu que o verdadeiro grito parece falso. E o motorista gritava como se estivesse imitando, apenas imitando a dor da carne ferida.

Eis o que aconteceu: — fora estuprado por seis ou sete marginais. Saiu do xadrez, foi para casa. Empurrou a mulher, entrou no quarto e trancou-se. Lá, meteu uma bala na cabeça. Morreu de ódio, morreu odiando, como a fotografia de Manchete. E, como a leitora, não sabia a quem odiar. Os marginais eram, decerto, os menos culpados. Episódios assim são uma rotina que jamais variou. Isso pode acontecer com o filho, o pai, o irmão de qualquer um; pode acontecer com qualquer um. A vítima pode uivar três dias e três noites. Ninguém se mexe na delegacia.

Ora, isso foi escrito em 1968…! O que diria o cronista se visse, em todo o esplendor do terceiro milênio, o Carandiru, Pedrinhas ou o nosso Aníbal Bruno?

A grande questão de fundo, sobre a qual ninguém fala, é a seguinte: o sistema carcerário é ruim para o “adolescente” de 17 anos como o é para o “jovem” de 19. Quem é contra a redução da maioridade não quer que apenas o “de menor” seja poupado dos horrores dos presídios: quer, igualmente, que o seja o “de maior”. Apenas não existe viabilidade para a bandeira e, portanto, por uma mera questão de contenção de danos, ele aceita a incoerência acidental da própria posição.

Tal é legítimo? Lógico que é. O problema é que se está diante de duas posições injustificáveis. O Estado não pode deixar de punir. Mas tampouco pode pôr em grave risco a integridade física e mental de seus cidadãos. Alguém pode justificar a sua posição favorável à redução da maioridade afirmando que se devem tolerar os males do sistema carcerário em vistas a evitar a impunidade generalizada, que é um mal maior. Por outro lado, alguém pode defender a não redução da maioridade alegando que se deve tolerar a relativa impunidade a fim de mitigar os danos injustos do sistema penitenciário patrício, que – este sim! – é o mal maior aqui. Como determinar, de uma vez por todas e absolutamente, a qual dos dois litigantes assiste razão?

O que precisa ficar claro é que a questão não tem absolutamente nada a ver com a idade a partir da qual os brasileiros conseguem entender o caráter ilícito de seus atos e se determinar de acordo com este entendimento. É lógico que – salvo exceções extraordinárias e que devem ser provadas a posteriori, jamais presumidas – pessoas de quinze, dezesseis ou dezessete anos sabem perfeitamente o que estão fazendo. A questão é o que fazer com quem comete crimes, dentro das circunstâncias históricas concretas em que estamos inseridos. E, aqui – excetuando-se, é claro, posições tresloucadas como “não se pode punir, apenas reeducar” ou congêneres -, há espaço para bastante diversidade legítima de opinião.

A criança no banco da frente da Missa

Havia uma criança no banco da frente, e a pequena não parava quieta um instante sequer! Era Missa; e a frutuosa participação no Sacrifício de Cristo exige algumas disposições interiores de ordinário avessas à distração inevitavelmente provocada por uma criança irrequieta. Em poucas palavras, a gente precisa se concentrar pra rezar direito, e é difícil concentrar-se com uma criança chamando a sua atenção o tempo todo…

Lembrei-me de que “o problema” das crianças na Missa já fora abordado de um sem-número de maneiras. Há quem defenda que elas sejam simplesmente deixadas em casa. Há quem pugne pelo oferecimento de uma estrutura paroquial – uma salinha separada, a “acolhida das crianças” – para “tomar conta” dos pequenos enquanto os seus pais assistem à Missa. Há quem diga que os pais devem se impôr mesmo e fazer as crianças ficarem quietas, retirando-as do recinto sagrado se necessário for. Domingo, havia uma criança no banco da frente, e eu me peguei a pensar no assunto. E, curiosamente, a solução a que cheguei foi esta: é preciso deixar as crianças serem crianças. E deixar os pais serem pais.

A menina – era já um pouco grandinha, não sei, três anos… – olhava para tudo ao redor, com aquela curiosidade própria de quem tem um mundo inteiro a desbravar. Subia no banco. Descia do banco. Abraçava o pai. Segurava a mãe. Tinha uma voz estridente, de cujo volume as convenções sociais ainda não tivera tempo de aprender. Pegava o papel. Derrubava o papel. Ia de um lado para outro, para o braço de um e de outro. Olhava, sorria. Desinteressava-se. Falava. Ensaiava um choro. Um momento houve até em que, em pé no banco, começou a pisar forte e ritmadamente – com o insofismável fito de fazer barulho. (Neste instante, aliás, o pai a pegou no braço. E ela não fez escândalo. Em momento algum ela fez escândalo.)

Pela descrição, parece até que a igreja estava a ponto de vir abaixo; dir-se-ia um verdadeiro pandemônio instaurado no templo santo de Deus. Houve até um momento em que eu próprio olhei para a criança e me perguntei se não haveria algum fenômeno preternatural a explicar aquele incansável empenho infantil em roubar do Altar a atenção dos fiéis. Mas, na verdade, a impressão agora é ilusória, como o fora no decorrer da Missa. A criança não atrapalhava a celebração mais do que outras coisas com as quais a Igreja sempre conviveu – e é bom que conviva.

Li, há anos, em não me lembro agora qual historiador, uma descrição de uma provável Missa celebrada em um típico vilarejo medieval. Não havia os bancos que hoje nos acostumamos a encontrar, a fim de organizar os fiéis que se reúnem para a assistência do Santo Sacrifício; o espaço aberto da nave ocupava-se de maneira natural, orgânica, à medida que os católicos fossem chegando e na proporção do seu fervor religioso na ocasião. O povo também não se pejava de adentrar o templo do modo como se encontrasse; às vezes carregando um saco de frutas a vender na feira, ou dois patos adquiridos no caminho e que iriam servir de alimento à família. O ápice da Missa era – como ainda é – a Consagração; assim, no instante em que o sacerdote elevava a Hóstia Consagrada por cima de sua cabeça, todos se acotovelavam para, acima dos ombros uns dos outros, vislumbrar – por um instante fugaz que fosse – o Santíssimo Sacramento. E, imaginando as penas voando, o grasnar dos patos, a melancia espatifando-se no chão e um monte de gente se empurrando para ver melhor (que os outros) o altar… aquela criança no banco da frente da Missa de domingo passado parecia-me transmitir uma quietude elísia.

O quadro, dirão, é “pouco piedoso”. Ora, mas é claro que é pouco piedoso; é um quadro que retrata todas as mazelas e defeitos dos seres humanos de carne e osso para cuja salvação existe a Igreja! Mas não se trata sempre de pouco zelo; às vezes, há circunstâncias pessoais bem razoáveis a justificar certos comportamentos dos fiéis. E para as encontrar não é preciso retroceder a nenhum obscuro vilarejo medieval; basta pensar, por exemplo, nas missas celebradas em campanha. Ou alguém acha que em Iwo Jima não havia soldados fazendo a guarda, olhares apreensivos para todos os lados, tiroteios e ribombos de canhões ao fundo, essas coisas que costumam acontecer nas guerras?

Tampouco é preciso ir à guerra; vá-se a uma festa popular de maior monta. Aqui, em Recife, fui recentemente (como o disse) à de Nossa Senhora no Carmo. E havia crianças comendo, e gente mexendo no celular, e empurra-empurra na nave central (da qual, em talvez involuntária homenagem ao vilarejo medieval que referi acima, haviam retirado os bancos), e guardas-chuvas e capas pingando (sim, chovia lá fora), e pessoas chegando e saindo o tempo inteiro. Perto disso, repita-se mais uma vez, a criança no banco da frente da Missa de domingo passado transparecia a placidez de um mosteiro cartuxo.

O ponto, em suma, é o seguinte: não nos deve surpreender que a assistência à Missa revista-se dos elementos naturais da vida social. Mais até: quanto mais fortes forem esses elementos, mais isso significa que a religião está entranhada no dia-a-dia das pessoas, mais as pessoas a vêem com familiaridade. Atenção, que não se está aqui falando nada de Liturgia! A Liturgia é para ser sempre impecável, é evidente, como convém ser o culto prestado ao Deus Todo-Poderoso. Mas a forma como as pessoas assistem a este culto pode, sim, adquirir os rasgos de espontaneidade não-institucional que sejam socialmente aceitáveis e razoavelmente justificáveis. E é até bonito que assim se faça; chega a ser um testemunho da vitalidade do Evangelho, ao qual se curvam as necessidades sociais. Falo, por exemplo, de pessoas entrando e saindo da igreja durante a Missa, aproveitando o intervalo do horário de trabalho para assistir, se não a celebração inteira, ao menos o pedaço que conseguem. Falo de militares de serviço assistindo à missa de farda camuflada, quepe às costas. Falo de doentes tossindo. E, claro, falo de mães embalando seus filhos, ou retirando-se para lhes trocar as fraldas, e falo de crianças correndo e gritando.

Dir-me-ão que essas coisas são muito diferentes, e que nada tem a ver uma guerra com um feirante, ou com um pedreiro sujo de cimento, ou com uma criança mal-comportada. Eu digo que todas essas coisas têm muito mais em comum entre si do que parece à primeira vista: são, todas elas, exemplos de seres humanos tentando conciliar os seus deveres de estado com a prática religiosa. Assim como o soldado deve combater, e isso talvez lhe exija prestar atenção nos arredores do acampamento mesmo durante a celebração da Missa, assim o trabalhador deve prover o sustento da sua família – e isso talvez lhe exija levar à igreja os seus instrumentos de trabalho. Isto é um sinal de que a sociedade anda sadia e está ordenada; é um indício de que, apesar de tudo, as coisas estão indo bem.

Mas um soldado não é a sua patente e, um feirante ou pedreiro, não é o seu comércio ou sua construção civil. Uma mãe, contudo, é indissociável da sua maternidade. O soldado tem o seu dia de folga, onde ele não exerce o serviço de militar; um pai, contudo, não dispõe de um instante sequer onde esteja dispensado de seus serviços paternos. Nem aos domingos. Nem na igreja.

Uma família com crianças é uma campanha militar permanente. E se deixamos sem maiores olhares de censura os soldados (ou os policiais, ou os médicos, ou os bombeiros) assistirem às nossas missas, mesmo que estejam fardados, mesmo que o rádio que levam à cintura possa eventualmente tocar, mesmo que precisem sair às pressas da celebração; se os deixamos e, ainda, sentimo-nos gratos porque eles protegem as pessoas, salvam vidas, cuidam de nós, e é bom tê-los por perto; se, até mesmo!, olhamos com admiração para essas pessoas que, no meio do serviço, fazem malabarismos para conciliar os seus deveres com algum tempo de oração e de agradecimento a Deus; por qual razão censuraríamos as famílias que vão à missa fardadas com bolsas e fraldas, e carrinhos de bebê, e mamadeiras?, e por qual motivo não agradeceríamos àqueles que, mesmo durante a Missa, não descuidam do cuidado dos seus filhos, que outra coisa não é que o cuidado com o nosso futuro?, e por quê, em suma, não olharíamos com admiração e reconhecimento para estas pessoas que, sem descuidar de seus deveres – mesmo a serviço! -, desdobram-se para dedicar um pouco de tempo à vida de oração e aos seus deveres públicos para com Deus?

A menina no banco da frente da igreja era uma criança. E isso significava três coisas: primeiro, que ainda há crianças no mundo, graças a Deus; segundo, que os seus pais não as deixavam de lado para estar na Igreja; e, terceiro, que eles tampouco deixavam a Igreja para cuidar de suas crianças. Foi o que eu percebi no domingo passado; e, perto disso, qualquer distração que a sua presença pudesse provocar era de pouca monta. Que Deus nos conceda igrejas repletas de crianças! Conviver com elas, afinal de contas, é um excelente sinal de que as coisas – graças a Deus! – ainda andam bem no mundo.

Também a Virgem Maria foi e é de Jesus

Chove em Recife, mas isso não impede as pessoas de irem à rua. É festa da padroeira, é a solenidade de Nossa Senhora do Carmo; a bonita basílica, no centro da cidade, hoje recebe uma miríade de devotos. A chuva não os afasta e o feriado não os mantém em casa: o centro apinhado de gente, homens e mulheres, jovens, adultos e crianças, todos unidos no mesmo intento de prestar homenagem à Virgem do Carmelo.

Gosto das festas populares e, vendo-as, tenho a reconfortante sensação de que, a despeito de tudo, apesar de toda a tragédia das últimas décadas, o Catolicismo venceu. Não houve ruptura; perfez-se a tradição e, no dia 16 de julho, as velhas senhoras vão à praça do Carmo junto com suas filhas – já mulheres feitas -, e estas com suas filhas adolescentes, e outras, mais jovens ainda, com crianças de colo, reproduzindo e renovando um costume já ancestral. Todas as gerações ainda se fazem presentes na velha Basílica, e há um quê de vitória nisso: a Fé Católica continua existindo mesmo quando todos se empenham por destruí-la.

Infelizmente não pude assistir a toda a Missa celebrada por S. E. R. Dom Antonio Tourinho Neto, bispo auxiliar da Arquidiocese; peguei-lhe, contudo, a chegada, e a procissão de entrada, e praticamente toda a ante-missa – até a homilia inclusive. Belas palavras: duas coisas se celebram hoje, a festa de Nossa Senhora do Carmo e os 500 anos de nascimento de Sta. Teresa de Jesus.

Da primeira não é necessário falar muito, vez que a devoção do povo é, já, por si só, testemunho eloqüente quer do amor que Lhe tem o povo de Recife, quer das graças com as quais Ela culmina os seus devotos. Mas foi enternecedora a menção a Sta. Teresa: ela foi grande justamente porque não é “de qualquer um”, mas sim “de Jesus”, e é isso o que importa para todos nós.

Importa que sejamos de Jesus, pois Jesus quer ser nosso…! Impossível não lembrar da história de Sta. Teresa no claustro e o seu encontro com Nosso Senhor Menino (que a Ir. Kelly Patrícia musicou). Ser de Cristo é fazê-Lo nosso, e a beleza desta verdade por vezes nos escapa. Somos servos do Rei da Glória, dizia D. Antonio, aqui na terra; nas Moradas Celestes, por sua vez, no convívio dos eleitos, seremos servidos por Aquele a quem servimos.

Porque a verdade é que o Senhor não Se deixa vencer em generosidade; e se Lhe devotamos tudo o que temos e tudo o que somos, poderá Ele não nos recompensar com mais, muito mais do que a Ele demos…? E desta verdade a Virgem Santíssima é testemunha fidedigna: por um “sim!”, por um “faça-se!”, foi feita Rainha dos Céus e da terra. Hoje A celebramos Senhora do Carmelo, uma de Suas muitas glórias, um de Seus muitos títulos. E, como Sta. Teresa – os santos, mesmo os maiores dentre eles, não são senão sombras pálidas da Santíssima Virgem -, também a Virgem Maria foi e é de Jesus. Como ninguém. E, por isso, como de ninguém, Nosso Senhor é d’Ela.

Salve a Virgem do Carmo! Que Ela nos conduza a Nosso Senhor, sempre. Que sejamos d’Ela, a fim de que Ela nos faça d’Ele. A fim de que Ele seja nosso. Nesta vida e na futura.

«No está bien eso»

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Imagem sensacional.

O olhar de desprezo de Sua Santidade (em outro ângulo aqui) diante da paspalhice do boliviano cocaleiro é a mais eloquente declaração anticomunista que o Papa Francisco poderia dar. E, ao contrário do que acontece com entrevistas, diante de cara feia não dá pra tergiversar, pra distorcer, pra suscitar conflito interpretativo nem nada do tipo.

O semblante sisudo é inequívoco, universalmente compreensível, insofismável. O sorriso aguado posterior, protocolar, não elide a força do símbolo desta cara de desgosto. Aqui está a imagem que vale mais do que mil palavras. Aqui está o tratamento de asco e repulsa que o comunismo merece. Às claras, sem ruído, sem margem para má interpretação.

Outras duas boas razões pelas quais é importante compartilhar este acontecimento:

1. Porque, como muitos argutamente perceberam, sob uma determinada ótica a escultura é até apropriada: de fato, há mais de século a foice e o martelo vêm pregando Cristo na Cruz.

2. Porque ele permite que sejam divulgadas matérias como esta ou esta: «Al Papa no le gustó el regaló, le miró de forma severa y se dirigió a Morales diciendo: “No está bien eso”».

Soluções concretas para as famílias não-tradicionais

Recebi por WhatsApp de um amigo uma manchete jornalística, em tom eufórico, segundo a qual o Papa Francisco conclamava a uma solução concreta para as famílias não-tradicionais. A frase verdadeira, proferida na homilia em Guayaquil, é a seguinte:

Pouco antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia, a Igreja vai celebrar o Sínodo Ordinário dedicado às famílias para amadurecer um verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos dias. Convido vocês a intensificar a oração por essa intenção: para que, mesmo aquilo que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus – fazendo-o passar pela sua “hora” – possa milagrosamente transformá-lo. Hoje a família precisa desse milagre.

Desta vez, contudo, eu nem precisei recorrer ao texto original. Disse-lhe, sem pestanejar: ora, é claro que a dita “família não-tradicional” precisa de uma solução, e uma solução urgente, porque é um escândalo que seres humanos – muitos dos quais católicos! – vivam os mais horrendos pecados como se não fossem nada!

Não existe “família não-tradicional” e nem “família tradicional”. Existe família, ponto. Família é o pai, a mãe e os filhos. Isso não é a família “tradicional”, isso é a família verdadeira e perfeita, a arquetípica, a família por antonomásia em referência à qual todos os outros agrupamentos sociais se definem. Por vezes, decerto, as coisas não acontecem de maneira tão perfeita; por vezes, sem dúvidas, faltam alguns desses elementos. Às vezes os filhos não vêm, às vezes a morte vem colher precocemente um dos cônjuges; dir-se-á, nestes casos, que não existe família?

Melhor se dirá que a família está ainda em projeto, em desenvolvimento, no caso dos filhos que ainda não vieram; ou que ela persiste, ainda, subsistindo, nos seus frutos, nas suas marcas, no caso em que um dos cônjuges já partiu para as moradas celestes. Mas, atenção! Isto, que materialmente pode ser igual a um divorciado ou a um casal que emprega anticoncepcionais para não ter filhos, é no entanto completamente diferente.

Porque uma coisa é a aceitação resignada das vicissitudes da vida, de uma eventualidade alheia às nossas vontades – contrária, até, às nossas vontades! – e que priva a família quer dos seus alicerces originais – no caso da morte -, quer de seu desenvolvimento natural – no caso dos filhos que não vêm. Uma outra coisa, completamente diferente, é, por conta própria, destruir o vínculo indissolúvel que só a morte é capaz de solver, ou ceifar os filhos que Deus quisera mandar ao mundo.

Não há comparação possível. Do fato de os fins da família poderem ser frustrados não segue que nós os possamos deliberada e conscientemente frustrar; assim como do fato de que possamos perder um membro na guerra (e les invalides são merecedores de todo o nosso respeito e consideração!) não segue que possamos, por conta própria, nos mutilar por acharmos que o corpo deficiente “nos cai” melhor que o corpo são – e nem muito menos sancionar socialmente esta loucura.

De volta à (dita) “família não tradicional”. Isso simplesmente não existe; o que existe, e que demanda urgente tratamento – e nisto o Papa está mais uma vez corretíssimo! – são arremedos familiares, frutos de uma loucura generalizada que faz a seres humanos julgarem que a desestabilização voluntária da própria família (quer na sua dissolução, quer no impedimento de seus desenvolvimentos naturais) pode lhes ser algo bom. E é um escândalo que pessoas civilizadas, sem nenhuma coação premente de situações excepcionais (tal seria o exemplo, digamos, de uma mulher espancada diariamente pelo marido), aceitem com naturalidade viver em adultério continuado, traindo as promessas feitas um dia diante de Deus; ou tomando diariamente veneno para impedir que seus órgãos funcionem da maneira que foram feitos para funcionar, rejeitando os filhos que também prometeram um dia receber e educar. Isto choca e escandaliza, é socialmente deletério, individualmente degradante. E tal se vê não entre ímpios e pagãos, mas muitas vezes entre os que se dizem católicos praticantes…! Claro que provoca perplexidade; claro que demanda, sim, enfrentamento corajoso e urgente.

No WhatsApp, eu dizia que o maior sintoma dessa degenerescência era o fato de as pessoas não aceitarem o próprio erro mas, ao contrário, ficarem sempre repetindo para si próprias que estavam certas e errados eram os Papas, os santos, a Igreja, o próprio Cristo! Que os outros que mudassem, pois elas próprias não iriam mudar. Isto é o mais grave pecado que pode haver, porque é o pecado que já não se reconhece como pecado, é – para usar a expressão que Bento XVI consagrou – a própria perda de sentido do pecado.

O Papa sabe que é preciso «soluções concretas» para estes casos. Ora, que soluções? As que o mundo demanda? As que estas pessoas querem? De maneira alguma: a que deseja a Igreja! A solução para estes indivíduos é, nas palavras do próprio Papa!, que Deus «possa milagrosamente transformá-lo[s]». Sim, é um milagre; furar a barreira erguida pela impiedade de quem não é mais capaz de reconhecer o pecado em que vive imerso é um verdadeiro milagre. Mas é um milagre necessário, e pelo qual o Papa nos convida a rezar mais intensamente. Hoje a família precisa dele. Não nos é lícito fingir que não temos nada com isso.