O que vimos e ouvimos, e com nossas mãos tocamos

Hoje é dia de Nossa Senhora das Graças, e há algo de particularmente interessante nesta devoção. A Medalha Milagrosa, que todos conhecemos, é fruto de uma aparição ocorrida em um sábado de 1830: na Rue de Bac, no centro de Paris, a uma noviça vicentina chamada Catarina Labouré.

A Medalha foi confeccionada com as específicas características exigidas pela vidente. Aliás, determinadas pela própria Virgem Maria: naquela tarde, Catarina viu Nossa Senhora de vestido branco, raios saindo de Suas mãos, estrelas ao Seu redor e, acima d’Ela, letras douradas formando a jaculatória “Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”. Foram necessários dois anos para que a religiosa conseguisse fazer cunhar o emblema tal qual o vira; inúmeros milagres se seguiram à sua distribuição. A difusão da Médaille Miraculeuse foi verdadeiramente prodigiosa, e as pequenas medalhas são hoje amplamente conhecidas no mundo inteiro.

A imagem esculpida nas medalhas é a própria aparição daquele 27 de novembro de 185 anos atrás; é como se ela se quisesse perpetuar e multiplicar, como se não fosse suficiente que o quadro celestial fosse contemplado apenas uma vez, somente por uma noviça religiosa. Como se fosse necessário prolongar, no espaço e no tempo, os acontecimentos sobrenaturais que tiveram lugar na Paris do séc. XIX. Olhar para a Medalha Milagrosa é, assim, uma maneira de enxergar através dos olhos de Sta. Catarina Labouré: na pequena imagem, nós vemos, exatamente, o que a Virgem Santíssima quis mostrar à santa e ao mundo.

Na capela parisiense há uma cadeira que também está relacionada com as aparições. Sentada nela Sta. Catarina encontrou certa madrugada a Virgem Santíssima; aos pés d’Ela ajoelhou-se a religiosa, falando-Lhe longamente. A cadeira ainda está lá e, de novo, parece nos querer dizer algo: parece querer remeter-nos à aparição não através da biografia crítica ou dos relatos piedosos, mas sim mediante um objeto material, concreto, palpável. A cadeira onde Sta. Catarina um dia conversou com a Mãe de Deus ainda existe e pode ser vista. Aqui, como na imagem gravada na Medalha, associamo-nos à experiência sensorial, física mesmo, da religiosa da Congregação das Filhas da Caridade.

No altar da capela, finalmente, há o corpo preservado da santa, de hábito, mãos postas, terço entre os dedos. E parece, assim, que tudo nessa aparição converge para este cuidado celeste de tudo preservar, a fim de que a história de Nossa Senhora das Graças, além de ouvida, possa também, de uma certa maneira, ser vista. Preservado está o lugar onde a Mãe de Deus apareceu, ornado ainda com os objetos da época, e o podemos visitar. Preservada também a vidente, no corpo incorrupto exposto à visitação dos turistas e peregrinos que passem pela capital da França. E preservada, por fim, encrustada na Medalha Milagrosa, a própria aparição, do exato jeito que Santa Catarina a viu naquele sábado de 1830.

Ora, o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é isto: o Todo-Poderoso tornou-Se homem, o Deus Eterno ingressou na História, o Verbo fez-Se Carne e habitou entre nós. E os Apóstolos, primeiros propagadores desta Boa-Nova, diziam justamente que anunciavam o que tinham visto, ouvido e tocado com suas mãos (cf. 1Jo 1, 1-2) — e esta era a força do seu testemunho. A Santíssima Virgem é Aquela a quem se aplica por graça tudo o que, a respeito do Seu Filho, cabe por natureza; a história d’Ela está intrinsecamente associada à d’Ele. Convinha, assim, admiravelmente, que as coisas passadas na Rue de Bac chegassem até nós desta maneira: também da aparição de Nossa Senhora das Graças nós podemos dizer que a ouvimos contar na história da Igreja, que a vimos na antiga capela, na velha cadeira, no corpo incorrupto de Sta. Catarina, e que a tocamos com nossas mãos nas pequenas Medalhas que há quase dois séculos vêm distribuindo milagres pelo mundo.

Por que não ataco o Papa Francisco? Ora, porque não sou papista!

As reações ao último texto daqui do blog ensejam uma reflexão oportuna. Sintetizando diversos comentários no mesmo sentido, um leitor acusou-me de escrever escondendo informações “importantes” e “embaraçosas” a respeito da atual situação da Igreja. Como exemplo paradigmático do tipo de informações que estão (no entender dele, injustificadamente) ausentes das minhas análises, ele afirmou o seguinte:

Você, por exemplo, nada comenta sobre a montanha de evidências que mostram o Papa Francisco favorável à comunhão dos recasados

Ora, isso não é de todo exato. Eu nada comento a respeito deste assunto e de outros correlatos, exceto quando é para dizer que aquilo de que acusam o Papa não é exatamente assim como estão dizendo — nestes casos, aliás, eu já comentei aqui muitíssimas vezes: à guisa de exemplo, eu poderia citar o que escrevi quando disseram que o Papa era a favor do desarmamento, que ele condenara taxativamente a pena de morte, que dissera que o inferno não existia e/ou eterno não era ou até mesmo — pasmem! — quando se levantou uma polêmica terrível, instaurada, claro, por S. S. o Papa Francisco, para se saber se os cãezinhos e gatinhos iam ou não para o Paraíso. Não é portanto exatamente verdade que eu nada comento sobre aquilo que é desabonador a Sua Santidade. O que é verdade — e que provavelmente é o que o autor do comentário quis dizer — é que eu não confiro ares de seriedade e importância a este tipo de informação. Não lhe concedo cidadania aqui no blog.

E isto, sim, eu assumo: não, não faço eco, não mesmo, aos boatos desabonadores a respeito do Vigário de Cristo, e nem acho que outras pessoas deveriam fazê-lo, porque isto — como disse ontem no comentário e desenvolvo melhor agora — é irrelevante para o Catolicismo, irreverente para com o Santo Padre e daninho às almas.

Em primeiro lugar é irrelevante porque o que o Papa pensa ou deixa de pensar privadamente, ou mesmo aquilo que ele insinua em conversas informais, não faz parte do Magistério da Igreja, não é de adesão obrigatória aos fiéis católicos e, portanto, não integra a “regra próxima da Fé” que deve ser seguida por todo fiel. O que o Papa diz (ou mesmo pensa) privadamente não interessa à Fé. Não faz o menor sentido, e para ninguém!, pretender que o Catolicismo seja uma religião que se constrói e apreende na coloquialidade com o Papa — ou, melhor dizendo, com o filtro que os meios de comunicação apresentam do Papa –, como se já não existissem montanhas de conhecimentos a respeito do Catolicismo, como se tudo isso não fosse desde sempre obrigatório a todo católico (inclusive ao Papa!) ou como se o Cristianismo de vinte séculos estivesse a todo momento periclitante, sempre dependendo da próxima entrevista pontifícia para ser confirmado ou ruir por terra.

A Doutrina Católica existe há dois mil anos! Ela não é uma terra virgem a ser desbravada — e só então conhecida –, palmo a palmo, pelas incursões midiáticas de Papa algum. O que o Papa Francisco supostamente disse — para ficar no exemplo mais recente — a respeito da Eucaristia para os luteranos não é elemento chave para a compreensão das regras católicas a respeito da communicatio in sacris. É deprimente até mesmo que isso esteja sendo discutido.

Ainda que o Papa fosse realmente favorável à comunhão dos recasados — concesso non dato –, corroborando a “montanha de evidências” que o meu leitor garante existir, ainda assim, isso em absolutamente nada alteraria as questões doutrinárias que estão na raiz da proibição da comunhão eucarística aos divorciados em segundas núpcias. A Doutrina Católica não está à mercê das entrevistas pontifícias, e hiperdimensionar estas manifestações informais do Romano Pontífice tem o único efeito de catalisar uma confusão que não deveria sequer existir (como se, caso o Papa “autorizasse” os divorciados recasados a comungarem, o adultério deixasse de ser pecado ou o estado de graça deixasse de ser pré-requisito para o acesso à Santíssima Eucaristia).

Agora, é mesmo o Papa pessoalmente favorável a isso ou aquilo? E se for? Façamos um pequeno exercício de imaginação. Se fôssemos imaginar um mundo em que não houvesse a facilidade das telecomunicações com as quais nos já acostumamos hoje em dia — e fazê-lo não é nem tão difícil, basta retrocedermos umas duas décadas –, se imaginássemos, dizia, um tal mundo, o que se poderia esperar de uma situação que fosse rigorosamente igual à presente (do Papa no encontro com os luteranos) em todo o resto? A esposa luterana desabafaria com o carismático líder católico, este lhe dirigiria algumas palavras anódinas de conforto e pronto. A coisa não ficaria sendo revivida e reproduzida, em texto, áudio e vídeo, nos quatro cantos do mundo, e nem ganharia a dimensão que adquire nos dias de hoje, com os teólogos de plantão esquadrinhando minuciosamente o discurso improvisado do Papa — e, pior ainda!, perscrutando-lhe implícitas intenções. Não se cogitaria de extrair contradições entre a resposta coloquial de Sua Santidade e a doutrina católica rígida e criteriosamente sistematizada nos manuais de teologia. Ora, a raiz do problema, aqui, decorre do fato (absolutamente contingente) de cada palavra do Papa ser gravada, reproduzida e analisada por um número indeterminado de pessoas e uma quantidade indefinida de vezes. Se a mesma balança pudesse ser aplicada aos Papas do passado… quem ousará dizer que Bergoglio seria o primeiro Papa a fazer-lhe o prato pender para o lado da ambiguidade?

“Papista” não é quem acha que se deva poupar o Papa do escrutínio católico. Papista, ao contrário, é quem imagina que todo e qualquer suspiro que o Papa solte, em toda e qualquer situação possível e imaginável, deva necessariamente conter a mais límpida, perfeita e impecável transmissão de toda a Doutrina Católica, sem a menor possibilidade de erro algum. E se, por acaso, o Papa falhar nesta exigência, então — diz o papista — qualquer um está autorizado a expôr a contradição, questionar a catolicidade do Papa e vaticinar um futuro terrível para a Igreja que se encontra tão mal representada.

E aqui chegamos ao segundo ponto, a irreverência. A regra da caridade para os católicos, da última vez que chequei, mandava creditar, aos outros, todo o bem de que se ouvisse minimamente falar, e não lhes atribuir senão o mal que fosse visto com os próprios olhos. Isso, que é devido a toda e qualquer pessoa, é elevado à sétima potência quando estamos falando dos membros da Igreja Docente e à “70 x 7″ª quando estamos diante do Vigário de Cristo!

“Quando se ama o Papa” — dizia São Pio X — “não se objeta que ele não falou muito claramente, como se ele estivesse obrigado a repetir diretamente no ouvido de cada um sua vontade e de exprimi-la não somente de viva voz, mas cada vez por cartas e outros documentos públicos”. E, principalmente, quando se ama o Papa (e, lembremo-nos, todo mundo está obrigado a amar o Papa!) não se faz dele o pior juízo possível, dirigindo-lhe — pelas costas e em público — os mais desabonadores epítetos existentes no mundo cristão.

Só no post imediatamente anterior a este o blog foi brindado com excelentes pérolas da espiritualidade cristã, como a referência ao “maldito Concílio Vaticano II (…) e os seus porcos documentos” ou ao “Sinédrio bergogliano”. Nos demais textos aqui publicados a respeito do Papa Francisco — por exemplo, nos que citei mais acima — são bastante recorrentes as invectivas ao Vigário de Cristo, referindo-se ao seu “desatino” ou às “asneira[s]” que ele fala, por exemplo. “Antipapa” e “herege” também aparecem aqui com relativa frequência, e eu muitas vezes apago — mas basta uma passagem rápida pelas páginas de comentários de outros blogs onde este comportamento, ao contrário daqui, é incentivado, para que se veja a institucionalização do desrespeito ao Soberano Pontífice e a violação sistemática do IV Mandamento erigida a exigência de bom catolicismo, fora da qual parece não ser possível encontrar a salvação.

Tal hábito — verdadeira segunda natureza em muitos — é daninho à salvação das almas, por diversas razões, das quais as três seguintes parecem-me de não pequena relevância. Primeiro porque o distintivo do cristão deve ser a caridade fraterna, e não a maledicência — e não há nada mais contrário à caridade cristã do que um bando de marmanjos na internet, qual comadres, xingando o Papa uns para os outros sem que disso advenha nada a não ser um estado de desconfiança cada vez maior para com o Romano Pontífice. E a submissão ao Romano Pontífice é absolutamente necessária à salvação de toda criatura humana, como reza a Unam Sanctam, e nada mais difícil do que submeter-se efetivamente ao Romano Pontífice quando parte substancial do seu apostolado é consumida nos xingamentos a ele, incitando contra ele o ódio e o desprezo.

Segundo porque isso afasta as pessoas da verdadeira Igreja, na medida em que, deparando-se com a histeria histriônica dos sedizentes últimos cavaleiros católicos do mundo lutando contra a abominação instaurada na Igreja Santa de Deus, e percebendo o quanto isso é ridículo, pessoas normais e sadias terminam por ser empurradas para o “lado oposto” do combate — e o lado oposto não é o Deus lo Vult!, blog de bem pequena relevância e alcance, mas sim o modernismo relativista mais abjeto. É, portanto, no mínimo, um erro de estratégia.

Terceiro e não menos importante, porque esta atitude retroalimenta, fortalece e legitima os relatos anticatólicos dos quais se nutre o progressismo eclesial, o qual, para se impôr, precisa valer-se de um “espírito” do Concílio (ou do “sínodo”), de uma “vontade” dos líderes da Igreja que se encontra para além dos textos e documentos oficiais. Este relato adquire tanto mais relevância e verossimilhança quanto mais pessoas sérias e alfabetizadas levantam as suas armas contra o conteúdo do relato ao invés de se baterem contra o relato em si mesmo — acusando-o de falso e mentiroso, de cretino e desonesto, de não corresponder à verdade e de ser uma tentativa sórdida e canalha de ganhar a guerra do discurso uma vez perdida a guerra da doutrina, como seria de se esperar. Ora, se aceitamos em público que existe realmente um espírito do Vaticano II anticatólico (ao invés de dizer que isso é uma invenção dos inimigos de Cristo para fazer valer a sua própria vontade contra a Igreja), ou qualquer outro conceito do tipo, nós já entramos no combate concedendo ao inimigo um amplíssimo terreno ao qual ele, absolutamente, não faz jus.

A Igreja de Cristo, fora da qual não há salvação e nem santidade, é aquela formada por uma tríplice comunhão: de Fé, de Sacramentos e de Governo. Isto é matéria do Catecismo das crianças. E a comunhão “de Governo” se manifesta na submissão às mesmas autoridades legítimas, em particular ao Santo Padre, o Papa. Ora, é verdadeiramente esquizofrênico imaginar que a submissão ao Papa seja compatível com a incitação à desconfiança para com o próprio Papa. E pretender que esta sujeição não seja necessariamente visível e concreta — a um Papa visível e de carne e osso, portanto — é requentar concepções eclesiológicas já condenadas desde o Concílio de Trento. A grande discussão do mundo católico contemporâneo — a discussão verdadeiramente importante — não pode ser esta besteira de caçar interpretações heterodoxas nos discursos [de improviso] do Papa e nem a inconsequência de perscrutar as intenções do Romano Pontífice por detrás do [que os meios de imprensa apresentam do] seu dia-a-dia. Se a alta intelectualidade católica encontra-se reduzida a isso… então estamos muito pior do que nos demos conta, e surge aos nossos olhos, com horror, aquela perturbadora pergunta de Cristo a respeito de se o Filho do Homem, quando retornar, encontrará acaso ainda Fé sobre a terra.

Urgentes orientações do Sínodo da Família sobre os casais de segunda união

Nas últimas semanas a mídia católica — mesmo a mídia católica que se reputava mais fidedigna e confiável — irrompeu em um surto de loucura a respeito do que o Sínodo dos Bispos (que se encerrou no final do mês passado) teria falado a respeito da comunhão dos divorciados recasados. Perplexos, deparamo-nos com manchetes e reportagens o mais disparatadas possível, vindas de órgãos de imprensa que, até então, sempre ou quase sempre tinham primado pelo equilíbrio e pela sensatez.

A Rádio Vaticano diz que a “comunhão aos divorciados recasados” é “uma questão aberta”. No estilo “em cima do muro” que lembra o pior da politicagem tupiniquim, o Cardeal de São Paulo afirma que “há muita divergência” sobre isso, que “questões complexas não podem ser respondidas simplesmente com um sim ou não”, que “o Sínodo, que não é ainda a palavra do Papa, não decidiu nada sobre isso”, que o Papa pode dizer uma coisa ou outra. Ou seja, a questão estaria “aberta” porque o Sínodo não determinou nada.

Aleteia, em manchete ainda pior, vai mais fundo e diz que o “Sínodo dos bispos abre portas para integrar divorciados recasados”. Perdida lá no corpo da matéria está a afirmação — esta, sim, relevante — de que “[o] texto [do Sínodo] não especifica se [os divorciados recasados] poderão realizar a comunhão”.

Por fim, Zenit coloca como chamada principal da matéria que “o acesso à eucaristia [dos “casais em segunda união”] deverá ocorrer na própria paróquia onde reside o casal” (!). No exercício do wishful thinking mais grosseiro, o autor do texto justifica a manchete dizendo que “o documento normativo do Sínodo, a ser elaborado pelo papa Francisco, numa exortação apostólica, eventualmente poderá estimular a verificação de caso a caso, para se aferir a responsabilidade subjetiva”. Ou seja: um eventual documento que o Papa Francisco porventura publique, em data incerta e não sabida, poderá estimular a avaliação caso a caso dos divorciados recasados — o que pode potencialmente levar os casais em segunda união a terem acesso à Eucaristia na própria paróquia onde residem! Tantas condicionantes, possibilidades, eventualidades, incertezas, indeterminações… ora, acaso isso é notícia? Em que mundo?

O mais perturbador disso tudo: nenhuma notícia diz que o Sínodo autorizou a comunhão aos divorciados recasados (primeiro porque o Sínodo, órgão consultivo, não pode “autorizar” nada e, segundo, porque, de fato, os documentos do Sínodo não mencionam em nenhum momento a possibilidade de admitir à comunhão eucarística os divorciados recasados) e, portanto, a rigor, todas as reportagens são formalmente verdadeiras. Mas o modo como elas foram escritas conduz o leitor incauto a imaginar que foram, sim, “abertas portas”, que estas portas são para o “acesso à eucaristia” dos divorciados recasados, que esta questão, outrora fechada, agora foi “aberta” pelo Sínodo e se está somente esperando a formalização pontifícia — que virá a qualquer momento! — para que os casais em segunda união possam, enfim, receber Nosso Senhor na Eucaristia. E, para quem não vai ler o Relatio Synodi (que, parece, só há em italiano…) nem esperar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal, a impressão que fica é esta induzida pela mídia católica mesmo.

Esforcemo-nos um pouco para nos elevar acima da mediocridade que contaminou até mesmo a boa mídia católica. O que importa saber sobre o tema é, em resumo, o seguinte: o sínodo tem marcos teóricos muito sólidos, explicitados no próprio Relatio (nn. 42 – 46), entre os quais se destaca — como não poderia deixar de ser — a Familiaris Consortio de S. João Paulo II. Uma (re)leitura desse documento é de enorme importância para se compreender a Igreja hoje. Em particular o seu n. 84. Tudo, tudo ali se explica.

Senão vejamos: há um clamor popular e midiático enorme para que a Igreja se debruce sobre a questão dos divorciados recasados? Sim, trata-se de mal que se vai alastrando mesmo pelos ambientes católicos, e portanto “o problema deve ser enfrentado com urgência inadiável”.

Importa fazer com que a Igreja esteja mais preocupada em acolher do que em condenar? Sem dúvidas, porque a Igreja, “instituída para conduzir à salvação todos os homens e sobretudo os baptizados, não pode abandonar aqueles que – unidos já pelo vínculo matrimonial sacramental – procuraram passar a novas núpcias”.

Então, o que fazer? Estariam porventura estes excomungados? Absolutamente não; é um dever de toda a Igreja, dos pastores como dos fiéis, “ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida”. É fundamental que eles sejam “exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus”.

Conceder-se-lhes-á, então, participar da Ceia Eucarística? Aí não. “Não podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e actuada na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio”.

Mas não existe nenhuma exceção? Sim, existe, uma exceção que precisa ser avaliada caso a caso: a daquelas pessoas que, não podendo, por justa causa, abandonar o cônjuge ilegítimo (digamos, por conta dos filhos pequenos que possuam), decidem, conquanto mantendo a habitação em comum, abster-se dos atos sexuais adulterinos. Assim, “[a] reconciliação pelo sacramento da penitência – que abriria o caminho ao sacramento eucarístico – pode ser concedida só àqueles que, arrependidos de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo, estão sinceramente dispostos a uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimónio. Isto tem como consequência, concretamente, que quando o homem e a mulher, por motivos sérios – quais, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar, «assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges»”.

Pronto. Com isso, se responde perfeitamente às notícias acima referidas, sem margens para dúvidas ou más interpretações:

  • A questão da comunhão eucarística aos divorciados recasados está aberta? Não, não está aberta, porque São João Paulo II, em texto sobre o assunto ao qual o Sínodo contemporâneo faz expressa referência, já reafirmou a praxis eclesiástica, “fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união” — e não há necessidade de se ficar, a todo ano, a toda reunião, repetindo explicitamente as mesmas coisas (sob pena de elas “deixarem de valer”). Isso não faz sentido algum.
  • Mas então os divorciados recasados devem ser acolhidos na vida da Igreja? Sem dúvidas, como São João Paulo II já disse explicitamente, é dever de todos os católicos tudo fazer para que os divorciados recasados “não se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto baptizados, participar na sua vida”.
  • E o que é que deve ser analisado caso a caso? Ora, deve-se analisar individualmente aquelas situações em que as pessoas, não podendo por razões graves abandonar o falso cônjuge, comprometem-se a tentar levar “uma forma de vida não mais em contradição com a indissolubilidade do matrimónio” — i.e., com a abstinência dos atos próprios dos casais.

Tudo isso é porventura novidade? Não, tudo isso consta em um texto do início da década de 80! Qual a razão do alvoroço, qual o motivo do alarde, como se S.S. o Papa Francisco estivesse fazendo alguma coisa inaudita em vinte séculos de Cristianismo? Todas essas coisas — de não estarem excomungados os divorciados recasados, da importância de os integrar à vida da Igreja, da inadmissibilidade de se conceder a Comunhão Eucarística aos que vivem maritalmente com alguém que não é o seu cônjuge legítimo e da necessidade de se avaliar, individualmente, os casos daquelas pessoas que quiserem abandonar as práticas conjugais mantendo, contudo, a habitação comum — já fazem parte das disposições normativas da Igreja Católica há mais tempo do que eu próprio tenho de vida! Se não são obedecidas, e se portanto precisam ser reforçadas, é uma outra história; mas não se diga que a Igreja não tem respostas ao problema do divórcio e nem que Ela está procurando, agora, do nada, soluções para estas questões.

A Igreja é Mãe, e não é de hoje que Ela é Mãe. Os filhos da Igreja são rebeldes, e não é de hoje que esta rebeldia grassa entre aqueles pelos quais Cristo verteu o Seu Sangue na Cruz. Mas a Igreja, Esposa Fiel de Cristo, não vai trair jamais a confiança do Seu Divino Esposo, e isto significa duas coisas: que Ela não vai abandonar os homens por cuja salvação Cristo morreu, por um lado; mas que, pelo outro lado, tampouco vai abandonar a Doutrina por meio da qual somente aqueles homens se podem salvar. Eventuais tentativas de obscurecer qualquer dessas verdades desfigura o rosto da Igreja de Nosso Senhor, e devem portanto ser combatidas.

Encerrou-se a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a família. Mas, ao contrário do que a mídia insinua, não é necessário esperar para ver “o que o Papa vai fazer” com tudo isso. O documento normativo do Sínodo da Família, elaborado pelo Papa, já saiu em português: foi publicado aos 22 de novembro de 1981, e não há razões honestas para esperar nada diferente disso. Todas estas disposições aliás já podem — e devem — ser postas imediatamente em prática. Façamo-las conhecidas e efetivas. Não há tempo a perder.

Campanha para o lançamento do livro “Jesus Cristo: Rei do Universo”

O Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma dos temas mais pungentes — na minha opinião — do momento histórico que nós vivemos. E isto por uma dupla razão: por um lado, porque o fato de Cristo ser Rei do Universo inteiro é um dado da Doutrina que somente a muito esforço é possível obscurecer. Por outro, porque, paradoxalmente, a necessidade de que Cristo reine também no mundo social é um assunto sobre o qual muito pouco se fala atualmente, mesmo dentro de ambientes católicos.

“Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”, disse Nosso Senhor antes de subir aos céus (Mt 28, 18). Contorcionismos interpretativos à parte, o fato é que “toda autoridade” — omnis potestas — não pode significar outra coisa que todo poder, i.e., toda função de governo, comando, cujo exercício é necessário à manutenção da ordem no mundo criado; e isto em qualquer esfera. Porque o pronome “todo”, quer signifique “qualquer um”, quer signifique “por inteiro”, contém inafastável de si a idéia de totalidade, completude, plenitude; é dizer, não há autoridade terrena que não tenha sido dada a Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. E, se Ele detém toda autoridade, é um ultraje e um acinte que o governo do mundo seja exercido de modo indiferente — contrário até! — aos preceitos do Evangelho. Pior: é uma impiedade que tal se trate com generalizada indiferença, mesmo entre os católicos!

Omnis potestas é todo poder, e aqui não se faz a menor distinção entre a esfera secular e a religiosa. Comentando a referida passagem, São Jerônimo nos ensina que “Aquele que antes reinava apenas no Céu, agora deve, pela fé dos que n’Ele crêem, reinar também na terra” (Catena Aurea). Outro não é o ensinamento do Magistério Pontifício: “É Ele [Cristo] só quem dá prosperidade e felicidade verdadeiras, tanto para os indivíduos quanto para as nações: porque a felicidade da nação não procede de fonte distinta que a felicidade dos cidadãos, uma vez que a nação outra coisa não é que o conjunto concorde de cidadãos. Não se neguem, pois, os governantes das nações a dar, por si mesmos e pelo povo, demonstrações públicas de veneração e obediência ao império de Cristo, se querem conservar incólume sua autoridade e fazer a felicidade e fortuna da sua pátria.” (Pio XI, Quanta Cura, 16) Outras provas e argumentações poderiam ser aduzidas, mas bastem estas para atiçar a curiosidade e dispôr os ânimos para a campanha que aqui se vem anunciar.

É por tudo isto que considero importantíssima esta obra do Dr. Rafael Vitola Brodbeck, delegado de polícia e famoso apologeta católico: “Jesus Cristo: Rei do Universo”. O livro está sendo colocado no mercado editorial via crowdfunding: i.e., o financiamento colaborativo é condição para o seu lançamento. Não se trata da aquisição de um exemplar de um livro já lançado e disponível nas editoras, mas da colaboração para que tal livro, que está escrito mas não publicado, venha a ser lançado. Colaboração esta que não é gratuita: atingido o necessário para o lançamento do livro, os colaboradores receberão, privilegiadamente, um ou mais exemplares do livro, a depender da forma que escolham de colaborar.

Este blog apóia a campanha de lançamento do “Jesus Cristo: Rei do Universo” e a recomenda aos seus leitores, por algumas razões. Primeiro porque o tema, como expus acima, é importante e pouco trabalhado; segundo porque o autor é pessoa de reconhecida ortodoxia e experiência no apostolado público (quem não o conhece tem, agora, uma excelente oportunidade de o conhecer). Terceiro porque é importante que livros assim sejam colocados à disposição dos católicos de língua lusófona, adentrando definitivamente no mercado editorial — por vezes tão carentes de boas obras. Quarto porque o preço está justo, sendo uma excelente oportunidade para adquirir uma obra que tanto pode ser usada para referência, em casa, quanto para presentear amigos e familiares. Quinto, por fim, e mais importante, para que Deus seja servido, que este é o fim e a razão de todo apostolado. Deus é glorificado quando a Sua doutrina é conhecida e defendida; e outro não é o propósito do livro do Rafael que aqui se recomenda.

Para adquirir a obra basta clicar aqui. Mas atenção: faltam apenas 16 dias para o fim da campanha e, se até lá o valor total não for arrecadado, a obra não poderá ser lançada. Estamos atualmente com 51% da meta. Entrem lá, conheçam, colaborem, compartilhem, recomendem.

Aqui é possível ver um vídeo do autor explicando a obra e a campanha:

Aqui, um trecho da obra, inédito!, para dar um gostinho e incitar a vontade de a ler na íntegra:

A Tradição Apostólica é unânime em proclamar Cristo Rei do Universo, concordando com ela a Sagrada Escritura. Cumpre notar que o Reino é espiritual, não material: ‘O meu Reino não é deste mundo.’ (Jo 18,36) Já existe pela Igreja e tornar-se-á pleno quando Jesus vier em glória. Todavia, Seu Reinado espiritual comunica-se com as realidades temporais, uma vez que nós, Seus súditos, não somos puro espírito, e também porque vivemos no mundo, na matéria, criada igualmente por Deus. O Reino é espiritual, mas domina todas as coisas criadas e deve influenciar as várias obras temporais: a política, o direito, a ciência, a cultura, as artes. Não pode alguém afirmar-se cristão em sua vida privada e atuar publicamente em contradição com a Lei de Deus. Absurdo um médico católico que interrompa uma gravidez, mesmo amparado por uma legislação permissiva, alegando que a fé é meramente espiritual e de foro íntimo. Como igualmente errôneo um político que se diga seguidor de Cristo e que aprove uma lei autorizando o ‘casamento’ homossexual, invocando a autonomia do Estado frente a Igreja para ‘justificar’ sua ação.

Aqui a exposição da campanha no Facebook do autor, com uma lista das pessoas que colaboraram com a obra e a recomendam: “Tenho um recado importante para ti”.

Entrem no site e verifiquem a colaboração que mais lhes parecer adequada; há-as várias, de somente o arquivo digital (em .pdf), passando pelo livro físico, até um combo de diversos livros. Especialmente digna de sugestão, a propósito, é a “Recompensa #6”:

recompensas_jesus_cristo_rei_do_universo-06

R$ 300,00: 4 exemplares em brochura + seu nome impresso nos agradecimentos do livro + 1 exemplar de A Ordem Natural + 1 exemplar de A Guerra dos Cristeros + 1 exemplar de A Fé da Igreja + 1 exemplar de Sentir com a Igreja + 1 exemplar de Para Conhecer e Viver as Verdades da Fé + vídeo-aula com o autor.

É a mais recomendada não apenas porque é a que mais generosamente contribui para o bom êxito da campanha, mas também porque é a que apresenta o melhor custo-benefício (são nove livros, a um preço total médio de R$ 33,00 por exemplar): além de possibilitar presentear os amigos com o livro do Rafael (são quatro deles), ainda vêm no pacote outros volumes preciosos (por exemplo, o “A Guerra dos Cristeros” eu já resenhei aqui no blog), de leitura mais que recomendada. Mas há colaborações para todos os gostos: o livro físico, exemplar único, sai por R$ 48,00 — frete já incluso.

Que o bom Deus abençoe esta iniciativa tão louvável! E você, leitor, que se interessou pelo material aqui postado, não perca tempo e apoie “Jesus Cristo: Rei do Universo” hoje mesmo. O mundo cultural católico agradece.