A «ajuda dos Sacramentos» é para o quê?

Em novembro do ano passado eu comentei aqui sobre as dubia enviadas por alguns cardeais ao Papa Francisco a respeito de algumas interpretações da exortação Amoris Laetitia. Já então eu disse achar ter sido a divulgação bastante oportuna, uma vez que poderia ensejar um «debate franco, aberto e desapaixonado a respeito dessas questões». Estava e ainda estou convencido de que disso não pode advir senão o bem de toda a Igreja, uma vez que o Cristianismo é a religião do Logos de Deus — cuja doutrina é, portanto, racional e racionalizável, adequada ao homem. A polêmica é uma coisa boa porque fortalece as posições, sedimenta os entendimentos e dissipa as dúvidas; a própria Igreja é intrinsecamente polemista, e o único caso em que agora me recordo de ter a Igreja intervindo para silenciar uma polêmica foi na discussão entre jesuítas e dominicanos a respeito da predestinação — e isso só porque, à época, tal debate havia perdido as fundamentais características de «franco, aberto e desapaixonado».

Pouco tempo depois do lançamento da Amoris Laetitia, ainda em maio, discutindo sobre o assunto no espaço de comentários do blog, eu escrevi aqui o seguinte:

i. não é somente a loucura ou a ignorância material que são capazes de mitigar a responsabilidade pessoal dos atos humanos, mas qualquer circunstância capaz de tornar «o juízo prático obscurecido e a vontade enfraquecida» (DEL GRECO);

ii. a AL não trata de abrir sacramentos a adúlteros ou concubinários, mas sim de discernir as situações em que, «[p]or causa dos condicionalismos ou dos factores atenuantes» (AL 305) — e jamais sem eles –, haja a possibilidade de alguém se encontrar em uma situação de pecado objetiva sem culpa grave correspondente;

iii. não há nenhuma orientação específica da AL para estes casos; no entanto, o que quer que se vá fazer, deve ser feito sempre «evitando toda a ocasião de escândalo» (AL 299) e sem «nunca se pensar que se pretende diminuir as exigências do Evangelho» (AL 301).

De lá para cá muita água rolou por debaixo da ponte. Por exemplo, além da publicação das (agora famosas) dubia, eu tive a sorte de conhecer e ler o livro do pe. Iraburu (Comentarios sobre la Amoris Laetitia), o que me deu a oportunidade de burilar alguns pensamentos e precisar alguns conceitos. Entre outras coisas, agora me parece claro — mais claro do que então — que o primeiro dever da Igreja, diante de uma eventual circunstância atenuante (como por exemplo a ignorância axiológica, ou o condicionalismo social), é e não pode nunca deixar de ser o de libertar o pecador (ainda que só materialmente pecador) de sua limitação. Em outras palavras, não é possível institucionalizar uma pastoral da condescendência, que distribui sacramentos mantendo no entanto prostrados na lama os filhos de Deus chamados à perfeição.

Porque não pode haver a menor possibilidade de dúvida de que um divorciado recasado, ainda na hipótese de que o seu matrimônio seja sacramentalmente nulo, está prostrado na lama. Ainda que ele talvez possa, ontologicamente falando, não ser adúltero (no caso em que o seu primeiro matrimônio seja de fato nulo), torna-se ao menos fornicador na medida em que não é possível aos cristãos batizados casarem-se (= produzirem o vínculo sacramental fora do qual é defeso todo consórcio sexual) fora das condições que a Igreja estabelece para o Sacramento. Uma eventual inimputabilidade subjetiva não elide a natureza objetiva do ato praticado: este, em quaisquer hipóteses, é intrinsecamente desordenado e clama por sua reordenação.

A Amoris Laetitia, em sua famigerada nota 351, fala que há «casos» de pessoas vivendo em uma situação objetiva de pecado em que «poderia haver também a ajuda dos sacramentos». Tem-se gastado muito latim para perguntar quais seriam exatamente estes casos. No entanto, penso que se tem esquecido uma outra pergunta, muito mais fundamental, que exsurge imediatamente da leitura da nota de rodapé: é possível haver «a ajuda dos sacramentos» para quê?

Só pode ser para que a pessoa possa «crescer na vida de graça e de caridade» (AL 305), que é o período ao final do qual está posta a nota que fala da ajuda dos sacramentos. E crescer na graça santificante exige necessariamente, no limite, a superação daqueles «condicionalismos» ou «factores atenuantes» que podem tornar em certa medida inimputável alguém que viva em uma situação de pecado objetiva. Em outras palavras, a «ajuda dos sacramentos» em última instância é e não pode jamais deixar de ser para que a pessoa abandone a situação objetiva de pecado. Achar diferente disso é amesquinhar a graça de Deus.

O silogismo é bastante simples. Todos são chamados à perfeição; uma «união irregular» — concubinária ou adulterina — é evidentemente imperfeita; logo, ninguém é chamado a uma reunião irregular. Não é portanto possível estabelecer uma analogia entre a «união irregular» e o Sagrado Matrimônio: este necessariamente tende a se perpetuar e fortalecer aperfeiçoando-se cada vez mais, enquanto aquela, por sua própria natureza, exige a própria destruição. Outra leitura não é possível do parágrafo 303: mesmo nos casos em que alguém acredite em consciência estar realizando a vontade de Deus no pecado, ainda assim «deve permanecer sempre aberto para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa». E é para essa realização do ideal de forma mais completa que a Igreja deve sempre ajudar o fiel; sempre que não o faz está traindo a própria missão.

Notícias recentes nos dão conta de que os bispos alemães autorizaram fiéis divorciados a receberem os sacramentos; a notícia solta, assim, na mídia secular, não nos permite submeter as normas germânicas ao crivo que expúnhamos nas linhas acima. Parece, no entanto, que infelizmente a «pastoral» alemã é outra daquelas que conduz as almas ao Inferno, institucionalizando a condescendência e confirmando na imundície do pecado filhos de Deus chamados à santidade: também recentemente o prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o Card. Müller, deu uma entrevista deplorando exatamente «que muchos obispos estén interpretando “Amoris laetitia” según su propio modo de entender la enseñanza del Papa». Não parece despropositado imaginar que o cardeal alemão esteja justamente respondendo aos seus conterrâneos.

Não faltou quem enxergasse, na entrevista do cardeal Müller, uma resposta tácita às dubia de setembro passado. Resposta oportuna: sim, existem atos intrinsecamente desordenados que não se podem jamais justificar à força de consciências mal-formadas ou circunstâncias atenuantes. Sim, os ensinamentos da Familiaris Consortio permanecem válidos e devem ser observados. Não, as interpretações confusas que existem no orbe católico não são provocadas pela Amoris Laetitia, senão pelos intérpretes confusos dela. Todas essas coisas precisam ser ditas com honestidade e clareza: porque é a céu aberto e a plenos pulmões que cumpre dissipar os equívocos urdidos a portas fechadas e disseminados por sussurros erráticos.

Publicado por

Jorge Ferraz (admin)

Católico Apostólico Romano, por graça de Deus e clemência da Virgem Santíssima; pecador miserável, a despeito dos muitos favores recebidos do Alto; filho de Deus e da Santa Madre Igreja, com desejo sincero de consumir a vida para a maior glória de Deus.

27 comentários em “A «ajuda dos Sacramentos» é para o quê?”

  1. Jorge,

    Meu primeiro instinto é de aceitar tacitamente o ensino do Santo Padre, acolher com generosidade aquilo que é ensinado. Por isso diante das confusões reinantes tentei dar atenção a ambos os lados do debate, para melhor formar minha compreensão do documento em questão. E ainda assim acho difícil dizer que a confusão já não esteja contida na própria letra do documento.

    O próprio Santo Padre reconhece que de seu ensinamento resultará confusão

    “Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objectiva, «não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada».”

    A questão da Comunhão para “recasados” apenas exemplifica a ideia mais geral do documento, como deixam claros os questionamentos da dúbia. Se as premissas estabelecidas forem verdadeiras, de fato haveria casos em que tais práticas pastorais seriam possíveis. O problema reside então nessas premissas.

    O principal creio que seja as considerações desse ponto em particular da Exortação:

    “Uma pessoa, mesmo conhecendo bem a norma, pode ter grande dificuldade em compreender «os valores inerentes à norma» ou pode encontrar-se em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa.”

    Ou seja, alguém numa condição objetiva de pecado mortal, ainda que decorrente de ato intrinsecamente mal, como a Tradição da Igreja reconhece ser o adultério, poderia estar em estado de graça por uma condição subjetiva. Haveria, portanto, matéria grave, consciência do mal (“conhecendo bem a norma”) e plena liberdade (pois para que se peque contra a castidade “em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente” seria um caso de estupro, ou a canonização do “respeito humano”).

    Acho interessante o aprofundamento da noção do discernimento e da consciência errônea; o então Cardeal Ratzinger expressou algo relevante nesse sentido:

    “A esse nível, o nível do julgamento (conscientia em sentido estrito), podemos dizer que mesmo a consciência errônea obriga… Mas o fato de que uma determinada pessoa chegou a certa convicção no momento de agir, não implica na canonização da subjetividade. Nunca é errado seguir às convicções a que se tenha chegado – de fato deve-se segui-las. Mas pode-se certamente ser errado ter chegado a tais convicções em primeiro lugar, ao sufocar as manifestações da anamnesis (consciência) do ser. A culpa então reside num lugar diferente, muito mais profundo… na negligência do meu ser, o que me fez surdo às inspirações internas da verdade.”

    Mas as possibilidades aventadas pelas premissas estabelecidas na Amoris Laetitia parecem-me longes de ser conciliáveis com a Tradição da Igreja. Alguém conhece a norma, mas não consegue “compreender os valores inerentes à norma”, porque formou mal sua consciência; como então agir pastoralmente para o bem do indivíduo em questão não implicará fazê-lo respeitar essas normas? Como “condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa”, não implicariam em pecar por respeito humano? Enfim, não consigo seguir a lógica das premissas sem me afastar da São Doutrina.

    Não me junto àqueles críticos que na prática desejam destituir o Papa, mas para o bem da Igreja acho necessário reconhecer os problemas existentes na exortação em si. Se não o Papa reinante, outro deverá voltar ao caso no futuro para o bem da Igreja e a salvação das almas.

  2. Gustavo,

    O texto é tão problemático quanto qualquer texto eclesial das últimas décadas. Aliás é tão polissêmico como a própria linguagem humana tornou-se polissêmica de Wittgenstein pra cá. Não adianta ficar dando murro em ponta de faca e exigindo linguagem escolástica de todos os documentos eclesiásticos, porque os próprios eclesiásticos não falam mais escolástica. É evidente que seria melhor se as coisas fossem diferentes — mas elas não são e a gente precisa lidar com isso. O fato é que estamos no meio de um, digamos, paradigma comunicativo diferente. É sempre possível deplorar isso, mas eu acho que é preciso também mais fazer um esforço para melhorar a compreensão do que sair à caça dos culpados.

    O que o Santo Padre reconhece, no próprio texto que você cita, é que a Amoris Laetitia «expressa claramente a sua [da Igreja] doutrina objectiva». É portanto preciso partir do ponto de vista de que o Papa quer expôr — e quer fazê-lo claramente — a doutrina objetiva da Igreja Católica. Se ele conseguiu ou não é outra história; mas não é honesto adotar, como modus operandi interpretativo, a exegese das lacunas e a hermenêutica das entrelinhas. É isso o que se faz com os textos do Vaticano II há décadas, e é a exata mesma coisa que se está fazendo com a presente exortação apostólica. A diferença é só de grau e não de qualidade.

    Engraçado você ter citado a parte que fala da dificuldade em compreender os valores inerentes à norma católica. Da primeira vez que pus os olhos no texto eu pensei o seguinte: “opa, Sua Santidade está aqui estabelecendo uma nova hipótese de ignorância invencível: agora a nível axiológico e não meramente conceitual”. Não é verdade que a pessoa que esteja em ignorância axiológica (= não compreender os valores inerentes à norma) tenha consciência do mal, aliás é precisamente o contrário: ela, no rigor do termo, não tem consciência de que aquilo é mal. Ela, no rigor do termo, é ignorante. O trecho citado, aliás, faz clara referência aos dois elementos tradicionais que mitigam a responsabilidade moral: o conhecimento (= não compreende o valor da norma) e a vontade (= não pode agir diferente).

    Claro que a coação da vontade tem graus, como também a ignorância não necessariamente escusa. Nem tudo é respeito humano como nem tudo é negligência intelectual — e, aliás, em qualquer dos dois casos o sacerdote tem o dever de duvidar da boa fé do fiel, negando-lhe portanto o acesso aos sacramentos.

    para que se peque contra a castidade “em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente” seria um caso de estupro

    Só se você ampliar o conceito de estupro para incluir nele, por exemplo, a chantagem emocional. É evidente que não necessariamente ambos os cônjuges têm as mesmas disposições para viver como irmãos. Aliás, você já parou para pensar que aquela história de «o homem e a mulher, [quando] por motivos sérios – quais, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar, [devem] «assum[ir] a obrigação de viver em plena continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges»» (FC 84) é uma permanente ocasião de pecado? Se isso já é difícil quando conta com a boa vontade mútua do marido e da mulher, o que dizer da situação em que, por exemplo, o marido exige o débito conjugal sob a ameaça de sair de casa?

    Claro que a mulher tem a obrigação moral de manter a sua vontade firme e não ceder. Mas você não consegue enxergar a possibilidade de que, em uma situação tal, caso ela ceda, tê-lo-á feito ao menos com algum vício de vontade? E que isso é completamente diferente da hipótese, por exemplo, do casal jovem de vida moral laxa (onde, aqui sim!, haveria respeito humano)?

    E tem mais. Não acho que a questão se resolva somente na consciência mal-formada; penso que ela envolve, também e até principalmente, o aspecto cultural. Quando Pio IX foi definir a ignorância da religião verdadeira ele não a circunscreveu ao índio no meio do mato. Ao contrário:

    «Ora, quem será tão arrogante que seja capaz de assinalar os limites desta ignorância, conforme a razão e a variedade de povos, regiões, caracteres e de tantas outras e tão numerosas circunstâncias?» (Singulari Quadam — Denzinger 1647)

    A conclusão, aqui, é somente uma: a pessoa pode ter ouvido falar na Igreja Católica, pode já ter tido contato com a Bíblia, pode até mesmo ter uma paróquia ao lado da sua casa e, mesmo assim, estar em ignorância invencível. O índio pode estar em ignorância invencível como o muçulmano também pode estar — ainda que persiga cristãos.

    O paralelo com a pessoa que “conhece bem a norma” sem que consiga “compreender o seu valor intrínseco” é para mim notável: o conhecimento material não se confunde com o conhecimento formal — e existem «numerosas circunstâncias» que podem fazer com que a culpa de um indivíduo seja maior ou menor.

    Agora em uma coisa eu concordo totalmente — e foi como disse neste texto daqui: é claro e evidente que a Igreja tem a obrigação de tirar o sujeito da ignorância, de lhe munir a vontade com o necessário para resistir aos pecados. Então é óbvio que os sacramentos não podem ser ministrados em situações excepcionais senão como um meio para fazer cessar a própria situação excepcional — e se o pastor julgar que, por exemplo, dar a absolvição sacramental vai confirmar o penitente na sua situação objetiva de pecado, então ele não a pode conceder. A «ajuda dos sacramentos» só pode vir para que quem os recebe «possa também crescer na vida de graça e de caridade» (AL 305); e ser mantido para sempre em uma situação periclitante, onde o pecado só não lhe matou ainda a alma por um defeito de consentimento ou de compreensão, não é um crescimento na vida de graça e de caridade e não pode portanto receber a chancela da Igreja de Deus que é santa e santificante. Quem o faz contraria a própria Amoris Laetitia.

    Naturalmente eu sei que isso não está esmiuçado desse jeito na exortação apostólica, com todos esses detalhes e essas ponderações; no entanto não precisa. Tudo isso está na Tradição da Igreja, à qual todos os documentos eclesiásticos se devem referir e somente à luz do qual devem ser interpretados. Lembro-me de que, uma vez, alguém me acusou de interpretar os pronunciamentos do Papa de modo que eles “sempre estivessem certos”; ora, pra mim isso é óbvio. Em se tratando do Catolicismo, a única clave hermenêutica possível do Magistério — mesmo do não infalível — é aquela que entende as expressões e as idéias no seu sentido católico. Fazê-lo em público é, segundo julgo, o meio mais eficiente de mitigar os efeitos nefastos causados pelos semeadores de confusão dos quais os nossos tempos são tão pródigos.

    Abraços,
    Jorge

  3. Jorge,

    Vendo as coisas como são é difícil não aceitar que a “ignorância invencível” vai muito além do que muitos entendem, e nisso estou de pleno acordo, mas a consideração dessas implicações mitigadoras em um contexto disciplinar e particularmente relacionado a casos que envolvem atos intrinsecamente maus, são no mínimo imprudentes.

    Concedo que a condição no exemplo que você dá de uma mulher que sofre chantagem emocional é bem diferente de alguém que aja sem restrições de consciência. Bem como estou de acordo com o Santo Padre quando certa vez utilizou o exemplo de um casal que num caso de adultério a forma de integração da parte traída à Igreja se dá de forma diversa daquele que de fato é o adúltero.

    Mas há um perigo na aplicação desses princípios no contexto disciplinar da moral conjugal particularmente.

    Num artigo tratando da Amoris Laetitia na revista Sedes Sapientiae o autor usou um outro exemplo para tratar da possibilidade de haver uma liberdade revestida de pressões outras em um caso de um ato intrinsecamente mau. Ele relata o caso de dois amigos, melhores amigos, que estão envolvidos com a máfia; a um deles é dada a ordem de assassinar seu amigo, caso contrário sua família poderia sofrer represálias; com isso ele prosseguiu e matou seu amigo, ainda que não querendo. Quem haverá de dizer que mesmo diante das circunstâncias ele não agiu errado?

    Acho que um caso a aventar é também o retratado no novo filme de Scorcese.

    SPOILER kkkk

    Diante da perseguição e martírio dos cristãos um sacerdote chega a dizer, que o próprio Cristo cometeria apostasia se isso resultasse em salvar aqueles pobres perseguidos. E traz sua fé apenas no foro íntimo.

    —————

    Acredito que essa seja a consequência de aplicar esses critérios em casos disciplinares envolvendo atos intrinsecamente maus: a defesa moderna de que a Fé é um questão meramente de foro interno, de que não há lugar para a fé na sociedade, acaba por triunfar.

    Mas enfim, precisamos agir para ajuntar, não espalhar. De resto, rezemos pelo Santo Padre.

    Abraços,
    Gustavo.

  4. Jorge,

    Por algum motivo, não consigo acessar a combox de sua postagem anterior. Com sua licença, vou responder aqui.

    >Qual o motivo da confusão?

    Você parece acreditar que seja possível haver uma espécie de “adultério involuntário”. Ora, isso não faz sentido. Se não é voluntário, não é adultério. Quem casa sacramentalmente, recebe graças suficientes para manter-se fiel às promessas feitas. Se foi infiel, é porque deliberadamente recusou as graças recebidas. Quem quer os fim quer os meios. Se alguém vive more uxorio com uma terceira pessoa para não se sentir só, pelo bem dos filhos ou por algum outro motivo, por mais nobre que seja, essa pessoa deliberou ser assim. Ela escolheu um bem (o bem estar dos filhos) em troca de outro (a fidelidade às promessas). Para que houvesse um “adultério involuntário”, a vontade teria que ser de tal modo contrariada que não chamaríamos isso de adultério. Seria estupro ou outra coisa.

    >Em uma outra situação corriqueira…

    Numa situação corriqueira, o confessor exige do penitente o firme compromisso de emendar-se. Para que haja um mínimo de certeza moral, esse compromisso tem que ser baseado num dado objetivo: “Vou tentar não mais fazer” ou “Vou evitar” ou etc. Salvo erro, não é isso que você e a AL propõem. No cenário proposto, o confessor absolve o penitente com, na melhor das hipóteses, a esperança subjetiva de que este ao longo do tempo, com a ajuda da Eucaristia, talvez, quem sabe, venha um dia a viver em continência com sua nova companheira (o que, no caso dos homens, deve necessariamente acontecer entre os 70 e 80 anos de idade…). Sanciona-se a continuidade de um ato intrinsecamente mau, que independe de haver ou não culpa subjetiva, em troca de uma esperança subjetivamente fundada. Salvo erro, a execução de um ato intrinsecamente perverso é contrária à natureza humana e é ofensiva a Deus mesmo não havendo culpa subjetiva.

    > O cardeal Müller não concorda que seja este o sentido da exortação:

    Não nego que talvez a Amoris Laetitia permita uma interpretação ortodoxa e rezo para que esta prevaleça. Mas a leitura que o cardeal faz da Amoris Laetitia está infelizmente longe de ser óbvia. Tanto que tal interpretação é francamente minoritária e nem você (!!!) concorda com ela. Já a interpretação liberal dos bispos alemães foi publicada logo no dia seguinte no Osservatore Romano… E na Alemanha já até se fala que o “acompanhamento” e “discernimento” dos divorciados-recasados nem sequer precisa ser feito com um sacerdote:

    http://www.onepeterfive.com/chaos-german-church-wake-new-pastoral-guidelines/

  5. SERIA UM EMPURRÃOZINHO A MAIS PARA O INFERNO…
    … Em outras palavras, não é possível institucionalizar uma pastoral da condescendência, que distribui sacramentos mantendo no entanto prostrados na lama os filhos de Deus chamados à perfeição…
    Só se for para piorar o estado da alma de quem está no pecado e ajuntar ainda mais complicações ao caso, tornando-o até um relativista.
    … No entanto, penso que se tem esquecido uma outra pergunta, muito mais fundamental, que exsurge imediatamente da leitura da nota de rodapé: é possível haver «a ajuda dos sacramentos» para quê?
    Nesse caso, essa “ajuda”, comprometeria em mais o coração do incauto, não sendo muito difícil endurecer-lhe a mais o coração no 6º Mandamento e nos pecados em geral – encurtando-lhe as vias para o inferno!
    … Em outras palavras, a «ajuda dos sacramentos» em última instância é e não pode jamais deixar de ser para que a pessoa abandone a situação objetiva de pecado. Achar diferente disso é amesquinhar a graça de Deus.
    A partir dessa proposta da AL nesse caso, a justiça do Senhor Deus não deixaria de se nivelar com a misericordia; profanar-se-ia a S Eucaristia, ajuntar-se-iam graves pecados a mais ao infrator que estaria sendo desviado da verdade e cairia fatalmente no modelo protestante do “já estou salvo, a misericordia garante”…
    Já imaginou chegarmos ao abaixo por má condução de certos nossos pastores?
    “A cabeça são os anciãos e pessoas de respeito, a cauda são os profetas que divulgam mentiras.
    Os que conduzem o povo são enganadores e os conduzidos por eles estão sem rumo. Is 9 15-16.
    À realidade, a situação é outra: Jesus nunca, jamais fez milagres de graça para extasiar as multidões ou por exibicionismo, porém, sempre procedeu pedindo conversão – embora no presente omitem o segundo de modo geral – sendo o converter-se, mudar de vida em paridade para conceder a misericordia apenas aos penitentes, contritos, arrependidos.
    Igualmente, Jesus nunca ofereceu um cristianismo fácil, atendente a situações particulares, acessível aos que O dividem com o mundo; muito ao contrario; a situação real seria a abaixo, que a vida do cristão é atribulada e exige renuncias constantes!
    … “se é com dificuldade que o justo é salvo, que será do ímpio, o pecador?” 1 Pd 4,18.
    Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça humana. Rm 1,18.

  6. […] tão polissêmico como a própria linguagem humana tornou-se polissêmica de Wittgenstein pra cá.

    A que você atribui essa mudança, se é que ela existiu? Ouvi dizer que Wittgenstein, na realidade, buscava o caminho contrário, o de um cuidado com os significados. Ele teria defendido, juntamente com Russell, o emprego de linguagens artificiais na filosofia.

  7. Gustavo,

    Sem dúvida alguma «um perigo na aplicação desses princípios no contexto disciplinar da moral conjugal particularmente», e é justamente por isso que se precisa combater com toda a veemência as interpretações laissez-faire das normas canônicas sobre acesso aos Sacramentos.

    «(…) cometeria apostasia se isso resultasse em salvar aqueles pobres perseguidos».

    Cristo decerto não o faria porque é perfeitíssimo. Mas os homens não são perfeitíssimos o tempo inteiro, e o contrário da perfeição heróica não necessariamente é um pecado mortal. Pode ser um pecado venial.

    Não tenho dificuldades em “venializar” os pecados dos que, sob a ameaça de serem entregues às feras, queimaram alguns grãos de incenso ao Imperador. Note que isso não tem nada a ver com “justificar” a idolatria pública.

    Abraços,
    Jorge

  8. JB,

    Você parece acreditar que seja possível haver uma espécie de “adultério involuntário” (…) que não chamaríamos isso de adultério. Ora, isso não faz sentido.

    Veja, a discussão terminológica é de somenos importância aqui. O pecado mortal é uma realidade que compreende matéria grave, pleno conhecimento e deliberado consentimento; faltando um desses dois últimos não cabe cogitar de pecado mortal.

    Uma pessoa, portanto, que não conheça formalmente a norma (“ignorância axiológica”, como eu venho me referindo), ou que não possa agir de maneira distinta (“consciência perplexa”) não comete pecado mortal. Eu já me referi a isso como “adultério material e não formal”, creio. A gente pode precisar os termos, mas o mais importante aqui é apreender a realidade a que eles se referem.

    O fato é que se o sujeito tem condições de compreender o valor inerente à norma católica ou pode agir de maneira diferente, então a sua culpabilidade não está atenuada, e ele está formalmente em pecado mortal, e portanto não pode comungar. Você diz que não acontece, na realidade, o exemplo do “invencivelmente ignorante axiológico”; eu sou mais comedido em sentenciar inexistências fáticas mas, ainda assim, se tal não acontecer, então a nota 351 da AL não tem aplicabilidade.

    Salvo erro, não é isso que você e a AL propõem.

    Eu já disse aqui, seis meses atrás, que o que eu proponho é não investigar a culpabilidade dos materialmente adúlteros e negar-lhes os sacramentos mesmo, que na pior das hipóteses isso lhes vai ser uma injustiça que, pacientemente sofrida, há de lhes valer méritos.

    Como a A.L. tem um trecho que fala que «em alguns casos é possível haver a ajuda dos sacramentos», considero um dever hermenêutico ater-me ao texto e considerar que este documento pontifício está dizendo haver ao menos alguns casos em que «uma pessoa, no meio duma situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus» e possa receber «a ajuda dos sacramentos». Toda a discussão se cinge à determinação, teórica, de quais excepcionalíssimos casos poderiam, afinal de contas, ser esses.

    Não vejo como possa ser possível ler esse texto dizendo que em nenhum caso é possível conferir a ajuda dos Sacramentos a «uma pessoa, [que] no meio duma situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus». Se você diz que o Card. Müller lê desse jeito eu não tenho como provar o contrário, mas me parece muitíssimo improvável que tal leitura sequer possa ser feita, se as palavras significam ainda alguma coisa. Concordo que existe uma interpretação ortodoxa para a AL ou para qualquer outro documento do Magistério. Mas qualquer interpretação de texto precisa ater-se aos limites do texto interpretado.

    Mas a leitura que o cardeal faz da Amoris Laetitia está infelizmente longe de ser óbvia

    Claro, é evidente. Se tal leitura fosse óbvia eu não precisaria estar aqui gastando o meu latim.

    Abraços,
    Jorge

  9. Alexandre Magno,

    A que você atribui essa mudança, se é que ela existiu? Ouvi dizer que Wittgenstein, na realidade, buscava o caminho contrário, o de um cuidado com os significados. Ele teria defendido, juntamente com Russell, o emprego de linguagens artificiais na filosofia.

    Eu atribuo à massificação das comunicações, tanto que o fenômeno não se verifica (ou ao menos se verifica em menor intensidade) dentro de comunidades fechadas — no contexto de um grupo fechado de especialistas sobre qualquer coisa, as pessoas no geral conseguem se entender sem muito ruído.

    Não sei se Wittgenstein queria tornar a comunicação mais precisa, mas o fato é que os tais jogos de linguagem existem e fazem diferença no processo comunicativo — e isso precisa ser levado em consideração, sob pena de se passar a vida inteira dando murro em ponta de faca.

    Na verdade, na verdade, as palavras ambíguas sempre existiram. O que aconteceu de poucas décadas para cá, penso, foi que se “institucionalizou” o fenômeno como uma coisa natural mesmo e se deixou de envidar esforços para se falar uma língua comum — os quais só se mantiveram dentro de ramos específicos de saber formal, onde são necessários.

  10. Há o artifício grosseiro e cretino, de quem não ama a verdade: “Você é muito rigoroso com os termos e isso é um problema psicológico. Perceba que você é diferente dos outros. Isso não é normal”.

  11. Jorge,

    “Se você diz que o Card. Müller lê desse jeito eu não tenho como provar o contrário, mas me parece muitíssimo improvável que tal leitura sequer possa ser feita, se as palavras significam ainda alguma coisa.”

    Tanto quanto a informação disponível nos permite avaliar, o Cardeal Muller continua afirmando que, para que um divorciado e recasado possa comungar, é necessário cumprir o requerimento de viver irmãmente com sua companheira, com o que efetivamente remove a condição objetiva de pecado.

    “Não tenho dificuldades em “venializar” os pecados dos que, sob a ameaça de serem entregues às feras, queimaram alguns grãos de incenso ao Imperador. Note que isso não tem nada a ver com “justificar” a idolatria pública.”

    E você lhe daria absolvição e comunhão mesmo que ele continue indefinidamente adorando publicamente outros deuses…

    Você está focado apenas na culpa subjetiva e esse não é de modo algum o ponto principal.

    Você já citou a idolatria, mas qualquer outro pecado pode também ser “venializado” ou até eximido. Mas se isso implicar em absolvição e comunhão para o penitente, sem compromisso de por cobro à má ação, o conceito de intrinsece malum fica irremediavelmente comprometido, obsoleto e irrelevante.

  12. JB,

    a culpa subjetiva (…) não é de modo algum o ponto principal.

    Bom, fico feliz que não seja para você. Na primeira discussão aqui sobre o tema houve quem não admitisse, de maneira alguma, a mitigação da culpa subjetiva para quem vive em uma situação objetiva de pecado.

    se isso implicar em absolvição e comunhão para o penitente, sem compromisso de por cobro à má ação, o conceito de intrinsece malum fica irremediavelmente comprometido, obsoleto e irrelevante

    Não fica porque essa implicação é excepcional e inclui uma série de requisitos — entre os quais a evitação do escândalo, como preconiza a Amoris Laetitia. O estado de espírito do ignorante em contato com a Verdade não é nunca uma situação estável, mas sim defeituosa e periclitante por sua própria natureza. E há um dever de ensinar os ignorantes. O conceito só fica comprometido se você começar a dizer que «o que importa é o amor», como já fazem os modernistas há décadas.

  13. “Não tenho dificuldades em “venializar” os pecados dos que, sob a ameaça de serem entregues às feras, queimaram alguns grãos de incenso ao Imperador. Note que isso não tem nada a ver com “justificar” a idolatria pública.”

    Gostaria de desenvolver esse ponto ainda por um pouco mais.

    Durante as perseguições, muitos cristãos queimaram incenso aos deuses pagãos. Devido à fortíssima coerção, acho perfeitamente razoável assumir que muitos, talvez mesmo a maioria, o fizeram sem culpa própria. Sem culpa, sem condenação.

    Não obstante, acho inacreditável que algum Padre da Igreja concordasse em dar-lhes absolvição e comunhão sem que eles antes assumissem firmemente o compromisso de não voltar a fazê-lo. Pois, quer haja ou não culpa subjetiva, o ato em si de adorar outros deuses é intrinsecamente perverso. Gostaria de saber se o Jorge conhece algum Padre da Igreja que subscrevesse o contrário.

    Mutatis mutandis, o mesmo ocorre com a comunhão dos divorciados e recasados que não querem, ou mesmo não podem, deixar de fazer sexo com quem não estão legitimamente casados. Portanto, por mais razoável que seja a doutrina expressa na Amoris Laetitia, não é essa a doutrina tradicional da Igreja.

    E mesmo se um anjo nos ensinar algo diferente…

  14. > O conceito só fica comprometido…

    Suponho que, durante as sessões de “acompanhamento” e “discernimento”, haverá um momento em que um bom confessor explicará ao divorciado-recasado sem culpa própria a importância de viver em continência com sua nova companheira.

    Se o fulano responder honestamente que concorda e vai tentar, pronto. Pelo menos por enquanto, está resolvido.

    Se o fulano responder que isso é impossível por causa disso e daquilo e, mesmo assim, conseguir que o confessor lhe dê a comunhão, o “disso e daquilo” tornam-se ipso facto a justificativa, dada pelo próprio penitente, para a continuidade de uma ação intrinsecamente perversa. Ora, uma ação intrinsecamente perversa, por sua própria definição, não pode admitir justificativas de espécie alguma. O penitente talvez não entenda isso, mas o confessor certamente entende e portanto ele, o confessor, pecará ao dar-lhe comunhão tendo por base uma justificativa para um ato injustificável.

    Por favor, leia a mensagem do Gustavo, acima, com calma pois ele explica melhor que eu.

    Se um penitente envolvido com a máfia disser a um confessor que não pode deixar de ser assassino profissional pois teme pela segurança de sua família, ele poderá ser absolvido? No máximo, o confessor concordará que não há culpa própria, mas o confessor não pode absolvê-lo pois estará justificando uma ação intrinsecamente perversa com base nas circunstâncias.

    E note que já nem falamos mais no CDC 915, revogado de facto pela Amoris Laetitia.

  15. JB,

    acho inacreditável que algum Padre da Igreja concordasse em dar-lhes absolvição e comunhão sem que eles antes assumissem firmemente o compromisso de não voltar a fazê-lo

    Dependendo da cabeça do padre, bastaria dizer que nunca houve adoração de fato, que até onde me consta é um ato interior.

  16. “Dependendo da cabeça do padre, bastaria dizer que nunca houve adoração de fato, que até onde me consta é um ato interior.”

    Não entendi pílulas.

    Que eu saiba, quando um cristão queimava incenso aos deuses romanos, independente de sua disposição interior, ele era excluído da comunidade cristã. Essa exclusão era mantida enquanto o sujeito, com ou sem culpa própria, não se arrependesse publicamente.

    Estamos falando de figuras históricas que deixaram milhares de páginas escritas e suponho que você tenha lido bem mais do que eu. Pergunto-lhe: houve algum Padre da Igreja (Orígenes, Cipriano, Agostinho etc.) que considerasse lícito adorar as divindades de Roma, mesmo que só exteriormente, e ao mesmo tempo comungar do Salvador?

  17. JB, eu não li. Mas não existe isso de “adorar exteriormente”. Ou se adora no interior ou não se adora. Se comunidades cristãs fizeram tais exclusões, há pelo menos duas explicações: precaução ou ignorância.

  18. Alexandre Magno, eu excluiria a opção ignorância e ficaria com a opção precaução, pois apenas Deus sabe quem O adora de fato. Para nós sobra a aparência. Um padre do século II não poderia dar comunhão a alguém que, apesar de fortemente coagido, tenha “adorado ídolos”. É um pecado público, tendo o coagido adorado interiormente ou não.

  19. >Mas não existe isso de “adorar exteriormente”. Ou se adora no interior ou não se adora.

    Bem, dada a impossibilidade de ler pensamentos, é natural tomar o comportamento exterior como indicador das disposições interiores.

    >há pelo menos duas explicações: precaução ou ignorância.

    Ou fidelidade à palavra divina.

  20. Eu disse “ignorância” porque o padre pode ter assumido erradamente que havia de certo adoração, como alguns protestantes gostam de assumir.

    Dada a impossibilidade de ler pensamentos, para muita coisa resta ao confessor acreditar no que lhe é declarado.

    Por outro lado, esqueci de mencionar que provavelmente houveram casos em que indiscutivelmente a pessoa entrara em pecado “vendendo-se”. Naturalmente o padre observaria os sinais da pessoa e por precaução negaria o sacramento.

  21. Não, Alexandre.

    Os cristãos antigos eram incomparavelmente mais rigorosos que nós e ficariam muito admirados com as distinções subjetivistas que fazemos. É só ler os Padres da Igreja.

    O Concílio (regional) de Elvira foi realizado no início do século IV, antes da conversão de Constantino e antes do fim das perseguições. No primeiro(!) cânon desse Concílio já se lê:

    “1. É decidido que qualquer um de idade madura que, após a fé salvadora do batismo, aproxime-se de um templo como idólatra e comete esse grande crime, porque é uma enormidade de alta ordem, não deve receber a comunhão até a morte”.

    Já o cânon 50 proíbe os cristãos de assistir(!!) aos sacrifícios cívicos dos pagãos, com penitência de 10 anos aos infratores.

    Há vários cânons que tratam da comunhão dos adúlteros e divorciados. Adultério seguido de aborto implica em não comunhão mesmo no leito de morte (can. 63). O cânon 47 explicitamente fala da comunhão para os adúlteros reincidentes, a ser dada só no leito de morte e, naturalmente, exige deles a promessa de pararem. Se o sujeito comungar, recuperar a saúde e não cumprir sua promessa, ele nunca mais poderá comungar. O 64 diz que uma adúltera arrependida poderá comungar após 10 anos de penitência. E por aí vai.

    Como não sei latim, traduzi a partir do inglês. Se você lê nesse idioma, vale a pena ler o texto todo, não é longo, para ter uma ideia de como era o cristianismo antigo.

    http://www.awrsipe.com/patrick_wall/selected_documents/309%20Council%20of%20Elvira.pdf

  22. JB, você está partindo do pressuposto de que esse rigor não pode ser justamente o que chamei ignorância.

    Tal rigor não dá lugar à misericórdia e assume o homem como um anjo. Você já pensou sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo? É o pecado mais grave. No entanto, um homem só pode cometê-lo na impenitência final.

    Ou você acha que o Homem nada tem aprendido para melhor discernir as coisas?!

  23. Alexandre,

    Como foram os Padres da Igreja que estabeleceram as bases da nossa Fé, é imensamente arriscado nos afastar deles.

    Não me parece razoável acreditar que a questão da adoração como ato interior, ou a questão de um ato mau realizado sem culpa própria, teria passado despercebida de tantos santos e doutores. Aliás, se você ler os cânones de Elvira, verá que eles distinguem, para alguns pecados, se o ato foi intencional ou não e atribuem penitências diferentes para cada caso.

    Veja que a Patrística, a época dos Padres da Igreja, cobre um período de mais de seiscentos anos. Todas essas questões sobre divórcio, adultério, comunhão etc. já foram discutidas e debatidas. As conclusões a que chegaram os Padres da Igreja são o que chamamos de Tradição. E a Igreja está assentada sobre o tripé Tradição, Magistério e Escritura. Se você tira uma das pernas desse tripé, ele cai.

    Você já leu As Confissões de Santo Agostinho?

    Santo Agostinho é o maior dos Padres da Igreja. Ele pensou, enfrentou e debateu todas essas questões sobre intelecto, vontade, culpa própria, intrinsece malum, comunhão, estado de graça etc. (não nas Confissões que é um livro-oração e não um tratado de moral). Tenho certeza que ele pensou em todas as possibilidades e, tanto quanto sei, ele não aprovaria a comunhão para os divorciados que vivem, e continuarão vivendo, more uxorio com quem não estão legitimamente casados.

    É no mínimo temerário achar que nós hoje somos capazes de discernir melhor os problemas da alma humana que o Doutor da Graça e seus colegas dos primeiros séculos.

  24. É uma questão de entendimento. Está no cânon 5. É o equivalente ao homicídio culposo: Não havia intenção de matar mas a imprudência ou a omissão ou a raiva destemperada causaram a morte de alguém.

  25. D. António Carlos Rossi publicou nota pastoral sobre a Amoris Laetitia.

    http://www.diocesefw.com.br/noticia/74

    Em sua nota, o bispo brasileiro refuta as interpretações liberais e segue a leitura feita pelo Cardeal Muller: Amoris Laetitia não pode jamais contradizer Familiaris Consoritio. Logo, comunhão para recasados só se viverem como irmãos.

    É ler e refletir.

    “Assim, a nova união marital constitui uma grave irregularidade, um verdadeiro pecado. Como consequência, para que um católico nessas circunstancias possa ser sacramentalmente absolvido, a condição indispensável é o propósito de não cometer mais este pecado, que neste caso, pressupõe o abandono da vida em comum ou então, seja pelo vínculo afetivo, seja pela idade avançada, seja pela presença de filhos que não podem ser deixados de lado, seja por qualquer outra razão, o continuarem a viver juntos, mas como irmãos. Só nestas condições é que alguém poderá receber a Sagrada Comunhão.

    Este é o ensinamento tradicional da Igreja, expresso de forma cabal na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, que vale a pena recordar (…).”

  26. Blá, blá, blá.

    Não, é impossível. Por exemplo, não se pode dizer que haja circunstâncias em que um adultério não constitui um pecado mortal
    Cardeal Muller dá interpretação final da Amoris Lætitia

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