Liberdade Religiosa (Sandro Pontes)

O sr.  Sandro Pelegrineti de Pontes convidou-me para debater sobre o Concílio Vaticano II. Aceitei a oferta e criei esta página no Deus lo vult! para este propósito.

Gostaria apenas de fazer alguns ligeiros comentários que julgo pertinentes:

1) a página – e o debate – é para tratar exclusivamente sobre o Concílio;

2) pelo menos a princípio, gostaria de pedir que o único a postar aqui fosse o próprio sr. Sandro;

3) referências são úteis e bem vindas, mas não devem ocupar o maior espaço da argumentação desenvolvida pelos debatedores;

4) cada comentário deve se esforçar para tratar sobre o menor número de pontos possível [de preferência um único – p.ex., não convém tratar sobre o “subsistit in”, a colegialidade, a Dei Verbum e a Liberdade Religiosa num único comentário], abordado com a maior concisão possível; é fundamental que o debate não “se perca” sobre um monte de assuntos díspares – antes de avançar para um ponto seguinte, deseja-se que se encerre o anterior, mesmo que os debatedores não cheguem a um consenso;

5) que a Virgem Maria, Janua Coeli, interceda pelo sr. Sandro e por mim.

Peço ao sr. Sandro que teça comentários sobre os pontos supracitados; se concordar com todos, pode iniciar o debate.

em Cristo,

Jorge Ferraz

37 comentários em “Liberdade Religiosa (Sandro Pontes)”

  1. Prezado Jorge, salve Maria.
    Obrigado pro aceitar o convite. Somente digo que, pela importância do debate, não responderei as suas colocações “correndo”, de “qualquer jeito”. Talvez eu leve horas, ou dias para lhe responder sobre algo. Talvez este debate seja fundamental para que outros católicos se decidam entre apoiar as heresias conciliares ou combatê-las. Por isso, todo cuidado é pouco e tudo o que se diga deve ser bem pesado e argumentado.
    Começo o debate colocando a você a seguinte questão: o Vaticano II diz que os homens possuem um direito “natural” a liberdade religiosa, e que esta consiste no “direito de não ser impedido de agir” de acordo com a própria consciência, desde que nos justos limites. E que tal liberdade se baseia na dignidade humana.
    Os defensores do Concílio dizem que o Vaticano II, para ser bem compreendido, deve ser interpretado a luz da Tradição. Pergunto: onde, antes do Vaticano II, a Tradição da Igreja Católica ensinou que o homem possui tal liberdade fundamentada na dignidade humana ?

    Um abraço,

    Sandro de Pontes

  2. Prezado Jorge, salve Maria.

    Apenas um acréscimo importante: a pergunta que lhe fiz é baseada no fato do Vaticano II ter ensinado que a liberdade religiosa fundamentada na dignidade humana se aplica ATÉ MESMO nos casos de pessoas que defendem erros e heresias. Ou seja, até mesmo ímpios, hereges e até ateus tem direito de “não serem impedidos de agir”.
    Realço ser óbvio que um católico que detêm a verdade revelada por Cristo e transmitida pela Igreja possui direito a liberdade religiosa em qualquer lugar do mundo (desde que este católico obedeça a Igreja).
    Dito isso, agora sim, espero por vossa resposta.

    Outro abraço cordial.

    Sandro de Pontes

  3. Caríssimo Sandro,
    Pax Christi!

    Obrigado pela aceitação do convite. Deixe-me tentar, então, responder à sua primeira pergunta, que é sobre a liberdade religiosa. O texto em questão é a Dignitatis Humanae.

    Antes da resposta, duas considerações prévias:

    1 – por “liberdade”, este documento está falando em liberdade civil; e
    2 – os princípios nele colocados referem-se ao Estado e não à Igreja.

    Agora, a sua pergunta é a seguinte:

    [O]nde, antes do Vaticano II, a Tradição da Igreja Católica ensinou que o homem possui tal liberdade fundamentada na dignidade humana ?

    Resposta:

    1- na definição de Fé como “livre adesão do intelecto”;
    2- na prática histórica da Igreja;
    3- na não-condenação da tese oposta;
    4- na Libertas de Leão XIII.

    A seguir, com mais detalhes:

    1 – na Fé livre.
    Note que ninguém pode ser obrigado pelo Estado a ser católico, pela própria definição de Fé, que é proposta e não imposta. Se ninguém pode ser obrigado a ser católico, segue-se que as pessoas têm o direito [civil] de não serem católicas e, portanto, em matéria religiosa, ninguém pode ser “forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma” (DH 2).

    2 – na prática histórica da Igreja
    Por exemplo, na Idade Média, onde os judeus e os muçulmanos – nem mesmo os dos estados católicos – foram forçados a se converter. Frisem-se os largos debates entre cristãos e muçulmanos ou judeus; ou aquele episódio da vida de Tomás de Torquemada, quando foi proposto à Inquisição que impusesse aos muçulmanos espanhóis a conversão ou o exílio, e o frade dominicano foi contra, afirmando que a Inquisição deveria se dirigir somente aos católicos.

    3 – na não-condenação da tese oposta
    O Magistério da Igreja é, de certo modo, “negativo” (ele condena os erros) e, portanto, aquilo que os católicos estão proibidos de professar é o que foi expressamente condenado pela Igreja. Ora, a liberdade religiosa baseada na dignidade humana nunca foi condenada e, portanto, não é herético o texto conciliar.

    O que foi condenado diversas vezes foi a liberdade religiosa baseada na [inexistente] igualdade das religiões. À guisa de exemplo, transcrevo um trecho da revista “Pergunte & Responderemos”:

    O autêntico significado do pensamento de Pio IX foi formulado pelo Bispo de Orleães, Mons. Dupanloup, num escrito que, aos 26/01/1865, comentava a Encíclica Quanta Cura e o Syllabus:

    “O Papa condena o indiferentismo religioso, esse absurdo que de todos os lados e em todas as tonalidades nos é incutido hoje em dia, a saber: o Evangelho ou o Alcorão, Buda ou Jesus Cristo, o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, tudo é igual… Condenar a indiferença em matéria de religião não é condenar a liberdade política dos cultos”.

    Ora, Pio IX, aos 04/02/1865, respondeu elogiosamente a Mons. Dupanloup, dizendo:

    “Reprovastes tais erros no sentido em que Nós mesmos os reprovamos… Estais em condições de transmitir aos vossos fiéis o nosso autêntico pensamento pelo fato mesmo de terdes refutado energicamente as interpretações errôneas do mesmo” (o texto de Pio IX encontra-se na sua íntegra latina no estudo de R. Aubert: Mgr Dupanloup et le Syllabus, em Revue d’Histoire Ecclésiastique, Louvain 51, 1956, p. 913).

    [Pergunte & Responderemos, n. 516, junho de 2005, pp. 257-258]

    Donde se vê, portanto, que a “liberdade religiosa” condenada por (p.ex.) Pio IX não tem nada a ver com aquilo que é ensinado no Concílio Vaticano II.

    4 – no ensinamento de Leão XIII

    O Santo Padre Leão XIII, na Encíclica LIBERTAS PRAESTANTISSIMUM, ensina quanto segue:

    [A] Igreja (…) não se opõe à tolerância do que os poderes públicos crêem poder usar a respeito de certas coisas contrárias à verdade e à justiça, em face dum mal maior a evitar, ou dum maior bem a obter ou conservar. (…) Mais ainda: reconhecendo-se impotente para impedir todos os males particulares, a autoridade dos homens deve permitir e deixar impunes muitas coisas que não obstante atraem com justo motivo a vindica da Providencia divina (S. Agost. De lib. arb., lib. I, c. 6, n. 14).

    […]

    [S]e, em vista duma condição particular do Estado, a Igreja condescende com certas liberdades modernas, não é porque as prefira em si mesmas,mas porque julga conveniente permiti-las (…) Em todo o caso fica sempre de pé uma verdade, e é que essa liberdade concedida indiferentemente a todos e para tudo, não é desejável por si mesma, como muitas vezes o termo repetido, pois repugna a razão que o falso e o verdadeiro tenham os mesmos direitos.
    [LP, 41-42, grifos meus]

    Ou seja: a tolerância do Estado não só é aprovada pela Igreja, como deve ser assim. Este é o gérmen da Doutrina sobre a Liberdade Religiosa do Vaticano II que não diz outra coisa: o Estado deve deixar livres de coação, em matéria religiosa, os seus cidadãos.

    Funda-se esta liberdade “na dignidade da pessoa humana”, portanto, porque a obrigação moral de cada um de abraçar a Fé Verdadeira exige a ausência de coação por parte do Estado, posto que a Fé é resposta livre do ser humano a Deus; e esta ausência de coação, por sua vez, está fundamentada na exigência de se buscar a Fé, porque este é o bem a ser protegido de intervenções indevidas do Estado.

    Note-se que, evidentemente, esta liberdade pode ser mal utilizada [como no caso de um protestante ou de um pagão], mas ela permanece existindo [de maneira análoga ao livre-arbítrio humano: ele existe ainda quando o homem o utiliza indevidamente, para pecar] e é somente a existência dela que possibilita a conversão à Fé Verdadeira, de modo que por isso ela deve ser tutelada.

    O assunto é complexo e eu peço perdão por ter-me estendido tanto, mas julguei necessário para uma melhor compreensão da problemática. Encerro por aqui, desejando ao senhor que a Virgem Santíssima o abençoe em abundância.

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  4. “(…) Numa sociedade de homens, portanto, a liberdade digna deste nome NÃO CONSISTE EM FAZER TUDO O QUE NOS APRAZ: isso seria uma confusão extrema no Estado, uma perturbação que conduziria à opressão. A liberdade consiste em que, com o auxílio das leis civis, possamos mais facilmente viver segundo as prescrições da lei eterna” (Libertas – Papa Leão XIII).

    INTRODUÇÃO

    Caríssimo Jorge Ferraz, que a paz de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo esteja em seu precioso coração. Salve Maria, mãe de Deus e nossa!
    Escrevo a você como quem escreve a um irmão. Antes, eu não poderia deixar de agradecer a Cristo por permitir que alguém tão pequeno como eu, verdadeiramente pecador e miserável, possa defender a doutrina de sempre da Igreja Católica contra os erros absurdos ensinados pelo Vaticano II. Logo este papel que foi desempenhado de forma tão magnífica por grandes santos e doutores da Igreja, os quais se comparado com eles nado sou. Mas Deus quer também se servir dos pequenos, daqueles menos agraciados, para fazer a sua verdade chegar aos quatro cantos do mundo.
    Como este debate talvez sirva de base para que outras pessoas tomem o caminho de defender ou de rejeitar o concílio, então não me furtarei em me aprofundar nas questões divergentes e explicá-las da melhor maneira possível, ainda que isso resulte em um texto um pouco mais longo. Dito isso, comecemos os comentários sobre as suas afirmações.

    CAPÍTULO UM – O FUNDAMENTO DA LIBERDADE RELIGIOSA PROPOSTO PELO VATICANO II

    Prezado Jorge, você disse:

    “(…) Note que ninguém pode ser obrigado pelo Estado a ser católico, pela própria definição de Fé, que é proposta e não imposta”.

    Correto. Ninguém pode ser obrigado a ser católico, e é exatamente isto que ensina a Igreja Católica. Depois de acertar nesta afirmação, você escreveu:

    “(…) Se ninguém pode ser obrigado a ser católico, segue-se que as pessoas têm o direito [civil] de não serem católicas e, portanto, em matéria religiosa, ninguém pode ser “forçado a agir contra a própria consciência, NEM IMPEDIDO DE PROCEDER SEGUNDO A MESA” (DH 2) (…) O Magistério da Igreja é, de certo modo, “negativo” (ele condena os erros) e, portanto, aquilo que os católicos estão proibidos de professar É O QUE FOI EXPRESSAMENTE CONDENADO PELA IGREJA”

    Até aqui você. Primeiro, não concordo com você quando diz que os católicos estão proibidos de professar somente aquilo que foi expressamente condenado pela Igreja. Ora, existem erros monstruosos que são ensinados de todas as formas e a cada dia mais e mais heresias surgem. Por exemplo, antes da teologia da libertação ser condenada por João Paulo II, muitos católicos se recusavam a dar a sua adesão a ela, e a denunciavam, mesmo sem ela ter sido condenada expressamente. Se você percebe o erro, é dever denunciá-lo a Igreja, que depois deve condená-lo. Isso não implica que antes desta condenação se possa realmente professar aquilo que ainda não foi condenado, somente por este fato.
    Com relação ao ensinamento conciliar, se em um primeiro momento o Vaticano II ensina corretamente que ninguém pode ser obrigado pelo Estado a ser católico, na seqüência do texto ele vai então ensinar que ninguém pode ser “impedido de agir” segundo a própria consciência. Para o concílio, a pessoa portadora de uma consciência errônea, um herege contumaz, um ímpio, um ateu, um agnóstico e qualquer outro tipo de pessoa que defenda os mais monstruosos erros contra a fé católica possuem, naturalmente, o direito de “não serem impedidas de agir”, desde que não extrapolem os tais “justos limites”. E você, Jorge, explica este suposto “direito” da seguinte forma:

    “(…) Ora, a liberdade religiosa BASEADA NA DIGNIDADE HUMANA NUNCA FOI CONDENADA e, portanto, não é herético o texto conciliar. O que foi condenado diversas vezes foi a liberdade religiosa BASEADA na [inexistente] IGUALDADE DAS RELIGIÕES”.

    Primeiro, é verdade que os papas do tempo do liberalismo nascente e crescente condenaram de forma veemente e reiterada a liberdade religiosa baseada na consciência da pessoa, como se esta fosse o norteador máximo do ser humano. Como era esta a principal heresia defendida entre os maçons e demais liberais, foi exatamente contra ela que a maioria das condenações feitas pelos papas foram lançadas. Não faltam documentos papais neste sentido. O Vaticano II vai então rejeitar esta noção de liberdade religiosa, dizendo no número dois da Dignitatis Humanae que “não é pois na disposição subjetiva da pessoa, MAS NA SUA MESMA NATUREZA que se funda o direito à liberdade religiosa”. Portanto, para maçons e demais liberais, o homem tem o direito natural de não ser impedido de agir, direito este baseado na sua consciência, na sua disposição subjetiva. Já o Vaticano II vai reconhecer este mesmo direito, mas baseado não na própria consciência do ser humano, mas em sua “dignidade”, em sua respeitabilidade. Assim, de forma sorrateira, de forma malévola, os padres conciliares alteraram as premissas para que o resultado final fosse exatamente o mesmo daquele pretendido pelos liberais. Eles apenas mudaram o fundamento que justifica tal liberdade religiosa, mas a prática dela, que consiste nas pessoas não serem impedidas de agir na sociedade, mesmo as que erram, continuou a mesma que foi anteriormente condenada pelos papas, como por exemplo Leão XIII que nos ensinou de muitas maneiras e com muitas palavras que sob o nome sedutor de liberdade de culto proclama-se a apostasia legal da sociedade. E você ainda disse:

    “(…) Ora, a liberdade religiosa BASEADA NA DIGNIDADE HUMANA NUNCA FOI CONDENADA e, portanto, não é herético o texto conciliar”.

    Prezado Jorge, preciso lhe dizer algo de forma muito séria, para que a verdade católica triunfe diante das heresias e para que, unidos por ela, possamos juntos lutar contra aqueles que querem destruir a Igreja: a liberdade religiosa baseada na dignidade humana foi sim condenada pela Igreja, e de forma inequívoca, como irei lhe mostrar abaixo. Este tipo de liberdade não foi tantas vezes condenada pelos papas porque os inimigos de Deus defendiam principalmente a tese da liberdade fundamentada na consciência. Mas mesmo assim o Espírito Santo, sabendo que um dia maus católicos se passando pela Igreja ensinariam tal coisa providenciou para que também isto fosse condenado. Vejamos o que o gigante Papa Leão XIII ensinou no número 38 da Encíclica Immortale Dei:

    “(…) Assim, também, a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar; MAS É ANTES A FONTE E A ORIGEM DE MUITOS MALES – A liberdade, esse elemento de perfeição para o homem, DEVE APLICAR-SE AO QUE É VERDADEIRO E O QUE É BOM. Ora, a essência do bem e da verdade não pode mudar ao sabor do homem, mas persiste sempre a mesma, e, não menos do que a natureza das coisas, é imutável. Se a inteligência adere às opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atinge A SUA PERFEIÇÃO, ambas DECAEM da sua DIGNIDADE NATIVA e se corrompem. NÃO É, POIS, PERMITIDO DAR A LUME E EXPOR AOS OLHOS DOS HOMENS O QUE É CONTRÁRIO A VIRTUDE E A VERDADE, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a PROTEÇÃO DAS LEIS. Não há senão um caminho para chegar ao céu, para o qual todos nós tendemos: é uma boa vida. O Estado AFASTA-SE, pois, das regras E PRESCRIÇÕES DA NATUREZA SE FAVORECE A LICENÇA DAS OPINIÕES E DAS AÇÕES CULPOSAS ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude”.

    Pois bem, prezado Jorge, vamos agora ao que interessa: Leão XIII aqui diz que quando a inteligência e a vontade do homem (imagem de Deus) se desviam para o mal, este homem não atinge a sua perfeição. O que acontece, então? Leão XIII o explica: tal pessoa decai de sua dignidade nativa, e não pode mais de fundar sobre ela para agir no Estado, e nem para “não ser impedido de agir”. Mas no que consiste tal dignidade?

    CAPÍTULO DOIS – A DIGNIDADE NATIVA DO SER HUMANO QUE ERRA É BASE PARA QUE ELE TENHA O DIREITO DE NÃO SER IMPEDIDO DE AGIR NO ESTADO CATÓLICO?

    Prezado Jorge, tirando conclusões daquilo que está implícito neste número 38 da Immortale Dei e comparando com aquilo que a Igreja ensina podemos distinguir, grosso modo, três tipos de “dignidades”:

    01) Dignidade Nativa;
    02) Dignidade Nativa Decaída e Corrompida;
    03) Dignidade de Filho de Deus;

    Vejamos cada uma delas.

    A) DIGNIDADE NATIVA

    Lendo este número 38 da Immortale Dei concluímos que para Leão XIII existe uma dignidade nativa da qual é possível decair. Por exemplo, um bebê de um mês de vida que ainda não foi batizado. Mesmo ainda não sendo filho da Deus, tal bebê ainda pode vir a sê-lo, graças ao sangue de Cristo derramado por ele na cruz, redenção esta que se aceita pelo batismo. Ora, mesmo naturalmente não possuindo a semelhança de Deus (graça santificante concedida no batismo) este ser humano possui naturalmente a imagem (que consiste na inteligência e na vontade própria). Esta inteligência e vontade, se bem usadas, podem levar o homem para o céu. E é exatamente por isso que para Deus os homens são iguais. A Igreja Católica ensina que esta igualdade não consiste simplesmente em possuirmos corpo, membros, cabelos, olhos….não! Esta igualdade decorre da possibilidade que o homem possui de regenerar-se, graças à morte de Cristo na cruz. É o que Leão XIII explicou de forma magistral na encíclica Quod Apostolici Muneris:

    “(…) Por lo contrario, según las enseñanzas evangélicas, LA IGUALDAD DE LOS HOMBRES CONSISTE EM QUE TODOS, por haberles cabido en suerte la misma naturaleza, SON LLAMADOS A LA MISMA ALTÍSIMA DIGNIDAD DE HIJOS DE DIOS, y al mismo tiempo en que, decretado para todos un mismo fin, cada uno ha de ser juzgado según la misma ley para conseguir, conforme a sus méritos, o el castigo o la recompensa. PERO LA DESIGUALDAD DEL DIRECHO y del poder SE DERIVAN DEL MISMO AUTOR DE LA NATUREZA, del cual toma su nombre toda paternidad en el cielo y en la tierra”.

    http://ar.geocities.com/magisterio_iglesia/leon_13/quod_apostolici.html

    É esta possibilidade de se tornar filho de Deus pelo batismo que dá ao homem uma forma de dignidade nativa da qual falou o Papa Leão XIII na Immortalde Dei.

    B) DIGNIDADE NATIVA DECAÍDA E CORROMPIDA

    Leão XIII fala também da DECADÊNCIA e da CORRUPÇÃO da dignidade nativa, que ocorre após a inteligência e a vontade aderirem ao mal. Portanto, aqui temos então uma segunda forma de dignidade: a dignidade nativa decaída e corrompida! Acho que nem preciso dizer que os ímpios, os hereges, os ateus, os católicos que se encontram em pecado mortal e todos aqueles que conscientemente contrariam tudo aquilo que a Igreja ensina se encontram neste estado.

    C) DIGNIDADE DE FILHO DE DEUS

    Finalmente, o terceiro tipo de dignidade, a dignidade de filhos de Deus. Faço uma pergunta: o que acontece quando a inteligência e a vontade da pessoa não se desviam da verdade? Respondo: elas se dirigem para a perfeição e caso se mantenham nela tem a sua dignidade nativa elevada de forma sobrenatural, a ponto de se tornar filho de Deus. Esta é a dignidade para a qual fomos chamados e foi por causa dela que Cristo morreu por cada um de nós na cruz. É o que Leão XIII explicou na Encíclica Divinun Illud Múnus, onde aborda a missão do Espírito Santo:

    “(…) 12 – De fato, é a natureza humana necessariamente serva de Deus: “A criatura é serva e nós somos servos de Deus pela natureza” (S. Cirilo de Alexandria, Thesaurus, I.V.c.5.); e mais, POR CAUSA DA MANCHA COMUM, NOSSA NATUREZA INTEIRA DECAIU A TÃO GRANDE ABISMO DE VÍCIO E INFÂMIA QUE NOS TORNAMOS INIMIGOS DE DEUS: “Éramos pela natureza filhos da ira” (Ef 2,3). Nenhum poder, por maior que fosse, nos poderia libertar de tamanha ruína e da perdição eterna. Mas Deus, criador da natureza do homem, efetuou-o na sua imensa misericórdia por meio de seu Filho unigênito: POR SUA GRAÇA FOI O HOMEM REABILITADO NA SUA ANTIGA DIGNIDADE E NOBREZA, adornado de mais ricos dons. Ninguém pode descrever qual seja esta obra da graça divina nas almas dos homens; pelo que as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja chamam a estes últimos, com boa razão: renascidos, criaturas novas, participantes da natureza divina, FILHOS DE DEUS, divinizados, e outros títulos análogos”.

    Aqui temos então a perfeição que o homem atinge ao ser elevado a vida sobrenatural pelo batismo e ao manter a vida da graça em sua alma, ou seja, somente os batizados em estado de graça são elevados a esta dignidade perfeita, e somente esses são filhos de Deus. Eles atingem a perfeição em sua dignidade final (da forma que Deus esperava no momento em que deu Seu filho para morrer na cruz). E é exatamente sobre esta dignidade perfeita que o homem pode basear o direito de agir e de não ser impedido de agir no Estado em matéria religiosa (que é exatamente aquilo que Leão XIII ensinou na Libertas, como lhe mostrarei abaixo).
    Portanto, resumindo, temos três tipos de dignidade: a perfeita, para o qual fomos chamados e que somente possui os batizados em estado de graça, ou seja, os verdadeiros filhos de Deus. A segunda, nativa, própria da natureza humana e que é inerente a ele. E a terceira, a dignidade decaída e corrompida, que surge a partir da adesão ao erro por parte do ser humano. A Immortale Dei nos ensina então que esta dignidade nativa decaída e corrompida não é base para nenhum direito natural a liberdade religiosa:

    “(…) Não é, pois, permitido dar a lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário à virtude e à verdade, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a proteção das leis. Não há senão um caminho para chegar ao céu, para o qual todos nós tendemos: é uma boa vida. O Estado afasta-se, pois, das regras e prescrições da natureza se favorece a licença das opiniões e das ações culposas ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude”.

    Leão XIII diz que não se pode permitir uma liberdade que exponha coisas contrárias a virtude e a verdade no Estado católico. Mas ele vai além: diz que o Estado não pode favorecer opiniões e AÇÕES CULPOSAS. Ou seja, o homem cuja dignidade nativa está corrompida não tem, em hipótese nenhuma, o direito de “não ser impedido de agir”, e por princípio o Estado não pode favorecer tal ação nefasta (pode favorecê-lo ocasionalmente no âmbito civil pela tolerância, mas não por princípio). E o Vaticano II ensinou:

    “(…) Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na organização jurídica da sociedade deve ser de tal forma reconhecido, que chegue a converter-se em direito civil”.

    Eu destaco a expressão “não é permitido” usada por Leão XII, e também “ações culposas”. Ou seja, não existe tal liberdade de não ser impedido de agir, pois que não é impedido e agir pode agir mal, realizando ações culposas, que o Estado tem o dever de coibir por princípio. Portanto, esta aqui, morta e enterrada, a liberdade religiosa FUNDAMENTADA JÁ DIGNIDADE HUMANA DECAÍDA E CORROMPIDA PELO ERRO, como quis o Vaticano II, que ainda ensinou no número dois da Dignitatis Humanae:

    “(…) Por isso, o direito a essa imunidade continua a existir, ainda para aqueles que NÃO SATISFAZEM A OBRIGAÇÃO de procurar a verdade e de a ela aderir. Seu exercício não pode ser impedido, contanto que se preserve a justa ordem pública”.

    As almas dos fiéis católicos possuem, elas sim, e em primerio lugar, o direito de irem para o céu, e a propaganda das heresias faria com que estas almas corressem riscos de se perderem. Mais do que o direito de irem para o céu, os católicos também possuem, aqui na terra, em qualquer lugar, o direito de não serem impedidos de agir de acordo com a sua consciência. É exatamente isto que Leão XIII ensinou na Libertas quando tratou da verdadeira liberdade destinada aos católicos e a mais ninguém:

    “(…) 37. Mas pode-se tomar no sentido de que o homem, no Estado tem o direito de seguir, segundo a consciência do seu dever, a vontade de Deus, e de cumprir os seus preceitos, sem que ninguém possa impedi-lo. Esta liberdade verdadeira, ESTA LIBERDADE DIGNA DOS FILHOS DE DEUS, que protege tão gloriosamente a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, está acima de toda a opressão e de toda a violência, e foi sempre o objeto dos votos da Igreja e do seu particular afeto”.

    Prezado Jorge, quem são os filhos de Deus? Portanto, a verdadeira liberdade religiosa é somente aquela digna destes filhos de Deus, já que quem não é filho de Deus não tem direito a tal liberdade. É esta liberdade verdadeira que possibilita ao homem seguir, segundo a consciência do seu dever, a vontade de Deus, e de cumprir os seus preceitos, sem que ninguém possa impedi-lo. Como aplicar esta passagem as pessoas detentoras de uma dignidade nativa corrompida, como quer o Vaticano II?
    Na página 115 do livro “Do liberalismo a apostasia” escrito por Dom Lefebvre ele explica magistralmente que uma coisa é o terreno do ser, outra coisa é o terreno do agir. Se puder, leia (ou releia):

    http://www.permanencia.org.br/Livrodigital/livros_on_line.htm

    Nesta obra grandiosa, o fundador da FSSPX diz que o sofisma do concílio é fundamentar uma coisa que pertence ao terreno do agir como se esta pertencesse ao ser. O homem, quando em seu livre arbítrio toma suas decisões, atinge a sua dignidade terminal (perfeita ou corrompida). É exatamente esta dignidade terminal que deve ser a base para que fulano tenha ou não direito de ser ou de não ser impedido de agir, e não pura e simplesmente a dignidade nativa, como quer o Vaticano II. A partir do momento em que o homem mal abandona o campo do “ser” e passa para o campo do “agir” ele deve ser sim impedido e é obrigação moral do Estado Católico fazê-lo. O homem que possui a tal dignidade humana corrompida não tem direito nenhum de não ser impedido de agir enquanto permanecer nesta situação, nem nos justos limites, porque onde falta o direito não há que se falar em limites. Não existe um justo limite para essa ação culposa, a não ser que for fundamentada na TOLERÂNCIA (e nunca na dignidade humana decaída) que o Estado deve conceder ocasionalmente. Você escreveu:

    “(…) Note-se que, evidentemente, esta liberdade pode ser mal utilizada [como no caso de um protestante ou de um pagão], mas ela permanece existindo [de maneira análoga ao livre-arbítrio humano: ele existe ainda quando o homem o utiliza indevidamente, para pecar] e é somente a existência dela que possibilita a conversão à Fé Verdadeira, de modo que por isso ela deve ser tutelada”.

    Prezado, o primeiro motivo de se coibir a ação dos maus no Estado não é convertê-los a Igreja Católica, MAS EVITAR QUE OS CATÓLICOS SE PERCAM AO SEGUIR AS HERESIAS ENSINADAS PELOS NÃO CATÓLICOS. Veja mais um erro ensinado pela Dignitatis Humanae:

    “(…) 4. (…) Por conseguinte, DESDE QUE NÃO VIOLEM AS JUSTAS EXIGÊNCIAS DA ORDEM PÚBLICA, deve-se em justiça a tais comunidades a imunidade que lhes permita regerem-se segundo as suas próprias normas, prestarem culto público ao Ser supremo, (sic) ajudarem os seus membros no exercício da vida religiosa e sustentarem-nos com o ensino e promoverem, enfim, instituições em que os membros cooperem na orientação da própria vida segundo os seus princípios religiosos. (…). Os grupos religiosos têm ainda o direito de não serem impedidos de ensinar e testemunhar publicamente, por palavra e por escrito A SUA FÉ. (…) Tal modo de agir deve ser considerado como um abuso do próprio direito e lesão do direito alheio. (…) Finalmente, na natureza social do homem e na própria índole da religião se funda o direito que os homens têm de, levados pelas suas convicções religiosas, se reunirem livremente ou estabelecerem associações educativas, culturais, caritativas e sociais”.

    Jorge, tenha uma coisa em sua mente: é impossível aos hereges, ímpios, ateus e outros não católicos não agredirem com sua ação e propaganda a Igreja, mesmo que ajam nos tais “justos limites”. Impossível porque somente aquilo que este tipo de gente acredita já ofende a Cristo e a Igreja, independente deles promulgarem estas idéias ou não. E se promulgam então….xiiiiiiiiii! Isso o que o Vaticano II propõe é para mim um enigma: a possibilidade destas pessoas agirem livremente em um Estado católico sem que ao mesmo tempo violem as justas exigências da ordem pública. Isto é totalmente irreal. Ao aplicarmos esta doutrina conciliar torna-se impossível não se ofender a fé católica, ainda que os não católicos ajam nos “justos limites”. Primeiro, o Concílio ensina que eles podem, por princípio e em qualquer situação, construir edifícios religiosos e testemunhar PUBLICAMENTE, por palavra e por escrito, a sua FÉ. Mas as “convicções” errôneas que estes não católicos possuem são sempre, sem exceção, um amontoado de erros contra a Igreja Católica. Desde o cismático que nega o primado de Pedro até o seguidor de Alan Kardec passando pelos filhotes de Lutero todos possuem em suas doutrinas, uns mais outros menos, os mais monstruosos erros existentes para a perdição das almas. Pergunto: como essas pessoas podem testemunhar publicamente, por palavra e por escrito, a sua “fé” (que fé?), ainda que nos “justos limites”, de uma forma que não agridam, com sua ação e propaganda, a Igreja? É possível isso, prezado Jorge? É possível alguém escrever publicamente que o “calvário de Cristo não se renova na missa” e que “Maria não é mãe de Deus” nos justos limites e de uma forma que não ofenda os católicos?
    A “fé” destes não católicos consiste exatamente em negar os dogmas da Igreja de Cristo. Mas espere aí: o concílio fala em “fé” dos não católicos? Fé? Mas então os não católicos têm fé para o Vaticano II? Pelo amor de Deus, Jorge! No número 863 do catecismo de São Pio X está escrito claramente:

    “(…) 863) Com que pecado se perde a Fé? A Fé PERDE-SE negando ou duvidando voluntariamente, ainda que seja de um só artigo que nos é proposto para crer”.

    É por isso, prezado Jorge, que na Encíclica TAMETSI FUTURA Leão XIII ensinou que:

    “(…) Recusar os dogmas é equivalente a rejeitar completamente toda a religião cristã”.

    Ou seja, os não católicos não tem fé. Como então o Vaticano II diz que eles podem professar publicamente algo que eles não possuem?

    CONCLUSÃO

    Finalizando, é claro que os católicos devem ter caridade exagerada pelos não católicos, estendendo-lhes as mãos para que saiam de seus erros, respeitando as suas pessoas, suas residências, sem atacá-los. Mas jamais dar a estes maus o direito de não ser em impedidos de agir, o direito a liberdade de culto. Isso é uma impiedade combatida por todos os papas do liberalismo, e é exatamente esta liberdade de culto condenada pela Igreja que foi aprovada pelo Vaticano II. Independente da fundamentação que se dê a ela, seja na consciência, seja há dignidade humana.
    Termino, prezado Jorge, com um ensinamento que resume tudo o que falamos aqui, independente de Leão XIII estar tratando do liberalismo maçônico ou do liberalismo mitigado conciliar:

    “(…) 29. Pois o direito é uma faculdade moral, e, como dissemos e como se não pode deixar de repetir, seria absurdo crer que esta faculdade cabe naturalmente, e sem distinção nem discernimento à verdade e à mentira, AO BEM E AO MAL. A verdade e o bem HÁ O DIREITO DE PROPAGÁ-LOS no Estado com liberdade prudente, a fim de que possam aproveitar o maior número; mas as DOUTRINAS MENTIROSAS, que são para o espírito a peste mais fatal, assim como os vícios que corrompem o coração e os costumes, é justo que a autoridade pública EMPREGUE TODA A SUA SOLICITUDE PARA AS REPRIMIR, a fim de IMPEDIR QUE O MAL SE ALASTRE para ruína da sociedade” (Libertas).

    Infelizmente, ao defender a Dignitatis Humanae, você diz combater o liberalismo e suas conseqüências, mas aceita os princípios deste no Estado Católico. Teria ainda muito mais a dizer e a mostrar sobre outros erros em sua carta (como você citar Pio IX a favor da Liberdade religiosa do Vaticano II). Mas pra início de conversa, isto que escrevi está bom. Outro dia lhe direi mais. Quero deixar claro que eu realmente acredito que você está bem intencionado, apesar de somente Deus conhecer as intenções. Mas este voto de confiança você tem de mim: suas palavras são de uma inocência tão grande que eu creio que você está bem intencionado. Faço votos para que Deus esteja de acordo com isso que estou dizendo.

    Rezando pela sua conversão, despeço-me fraternalmente,

    Sandro de Pontes

  5. Prezado, salve Maria.
    Esta mensagem que lhe envio agora não faz parte do debate. Pergunto: Por que resolveu moderar o meu comentário? Ao clicar no “enviar comentário”, imediatamente deveria aparecer postado o meu trabalho.
    Tem muita gente me escrevendo dizendo estar esperando ansioso a nossa conversa. Por favor, coloque aquilo que escrevi.

    Sandro de Pontes

  6. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Peço-lhe perdão. Os comentários do senhor, evidentemente, não estão moderados. Acontece que existe uma ferramenta no WORDPRESS – que não sei ser possível desativar ou configurar – chamada “Akismet”, e que é um identificador de SPAM.

    Alguns comentários – imagino que, quando grandes, ou quando contêm muitos LINKs – são “capturados” e ficam esperando aprovação. Como hoje pela manhã eu precisei ausentar-me para ir à Justiça Eleitoral cumprir umas obrigações maçantes, somente agora estou acessando a internet e vendo todas as coisas que aconteceram de ontem para cá.

    Os comentários do senhor estão já liberados. Peço desculpas mais uma vez pelo transtorno.

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  7. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Peço perdão pela demora em dar ao senhor uma resposta, mas é porque não a queria elaborar “de qualquer maneira”. Rogando à Virgem Mãe de Deus, Sedes Sapientiae, que seja em nosso favor, vou dar logo início à minha resposta sobre esta questão, coisa que tentarei fazer da maneira mais sucinta possível.

    O senhor comete uma série de erros e equívocos, de modo que, para combatê-los, vou precisar expôr um resumo da Doutrina da Igreja sobre uma série de temas relacionados com a discussão. Vou precisar tratar:

    – sobre a natureza humana e o direito natural;
    – sobre As Duas Espadas;
    – sobre o escopo da Dignitatis Humanae;
    – sobre acusações pontuais.

    Prossigamos.

    Primum – sobre a natureza humana e o direito natural

    Embora eu não conheça o esquema do senhor sobre “as três dignidades” na forma como ele foi apresentado, a Doutrina que ele contém é ortodoxa e poderia, sem muita dificuldade, ser embasada no ensinamento da Igreja, de modo que o aceito em linhas gerais sem muitos questionamentos. No entanto, as conclusões que o senhor tira são muitíssimo estranhas.

    Antes de mais nada, se, por um lado, é válido e útil “separar” na inteligência as diversas “espécies” de dignidade que o homem possui, por outro lado é preciso ter em mente que, na realidade, no homem concreto, elas não se separam do mesmo jeito que o senhor apresenta.

    Começando, pois, pela “dignidade nativa” – que é a “dignidade natural” – eu atento para o fato que ela é um ente da razão, pois nunca existe “em estado puro” num homem concreto, por razões bastantes óbvias: não existe um “homem nativo”, ou o homem é decaído ou ele é justificado, e tertium non datur!

    A natureza humana é comum a todos os homens e, se é verdade que um homem concreto pode ter direitos “a mais” ou “a menos” dependendo do seu estado, é igualmente verdade que há um “núcleo” de direitos que é comum a todos os homens, pois decorrem da natureza humana “nativa” da qual todos os homens – justos ou pecadores – participam.

    Assim ensina Santo Tomás, quando diz que o pecado não diminui a natureza naquilo que lhe constitui, apenas na inclinação à virtude e na Justiça Original (cf. Summa, Prima Secundae, q.85, a.1).

    Sinceramente, Total Depravation é doutrina protestante condenada pela Igreja. Sustentar, portanto, que a dignidade natural do homem é passível de “queda” a ponto de não ter mais o homem NENHUMA dignidade é contrário ao que ensina a Igreja.

    O senhor disse:

    Lendo este número 38 da Immortale Dei concluímos que para Leão XIII existe uma dignidade nativa da qual é possível decair.

    Mas a Immortale Dei, n. 38, diz o seguinte:

    “Se a inteligência adere as opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atinge a sua perfeição, ambas decaem da sua dignidade nativa e se corrompem” (ID, 38).

    Perceba, portanto, que o sujeito dos verbos “decaem” e “se corrompem” é “a inteligência e a vontade”, não “o homem” como o senhor citou. Com isso, Leão XIII quer dizer que “a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar” (ID, 38), e somente isso: não que o homem “perca direitos naturais” quando se torna pecador. Os direitos naturais, afinal, são fundamentados na dignidade natural do homem e esta, como ensina o Aquinate, não é diminuída pelo pecado.

    Trocando em miúdos: no homem concreto, pecador ou justo, sempre está presente a dignidade natural, e é precisamente nela que se baseia o direito natural. Se assim não fosse, o direito natural não existiria para os não-católicos, o que é evidentemente falso.

    A Liberdade Religiosa nos termos da Dignitatis Humanae – voltarei a isto mais à frente – baseia-se precisamente na inteligência e na vontade humana, que podem ser utilizadas para o mal mas não podem ser destruídas no homem. Portanto, a liberdade religiosa pode ser limitada na medida em que seja mal utilizada, mas não pode ser destruída por completo.

    Secundum – sobre as Duas Espadas

    A teoria medieval das Duas Espadas pode ser, grossíssimo modo, resumida no seguinte: aprouve a Deus estabelecer dois poderes para o governo dos homens: o poder civil referente à realidade temporal e o poder eclesiástico referente à realidade espiritual. Leão XIII sintetiza isso bem ainda na Immortale Dei:

    “Deus dividiu, pois, o governo do gênero humano entre dois poderes: o poder eclesiástico e o poder civil; àquele preposto às coisas divinas, este às coisas humanas. Cada uma delas no seu gênero é soberana; cada uma está encerrada em limites perfeitamente determinados, e traçados em conformidade com a sua natureza e com o seu fim especial. Há, pois, como que uma esfera circunscrita em que cada uma exerce a sua ação “iure próprio”. (…) Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das alas e ao culto de Deus, seja por sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja. Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (ID, 19. 20).

    Como, todavia, o espiritual sobrepuja o temporal, de maneira análoga a como a graça sobrepuja a natureza, há uma subordinação entre os dois poderes, devendo o poder temporal estar a serviço do poder espiritual, a fim de possibilitar à Igreja atingir mais facilmente os Seus fins de levar os homens à Salvação e glorificar a Deus. Os dois poderes, no entanto, permanecem soberanos dentro de suas respectivas esferas [não é verdade que o poder civil seja uma mera “extensão” do poder eclesiástico, uma mal necessário e tolerado – não, o poder civil é poder verdadeiro, que tem em Deus a sua fonte e que por Deus foi disposto para o governo dos homens].

    Embora tenha havido um tempo no qual, nos dizeres de Leão XIII, a sabedoria do Evangelho guiava as nações, este tempo passou e – embora isso seja claramente um mal, uma deficiência – é um fato existente, concreto: os Estados não são católicos. E, de maneira análoga à natureza humana que não “se destrói” com o pecado, o poder temporal também não “se destrói” quando o Estado separa-se da Igreja.

    Surge, então, uma questão imperativa, prática, e atual: o que fazer quando o poder temporal está separado do poder espiritual, i.e., quando o Estado está separado da Igreja? Permanece o Estado com poderes legítimos, isto é evidente. Mas qual o “alcance” desses poderes? Em particular, como se relaciona o “Estado Laico” com a religião? Em resumo, enfim: é imperativo debruçar-se sobre o – por falta de expressão melhor – “direito natural do Estado”, para elencar, de maneira positiva, para os poderes públicos, uma coisa análoga àquilo que o Direito Natural é para os indivíduos.

    Tertium – sobre o escopo da Dignitatis Humanae

    É precisamente sobre esta situação – presente à época do Concílio Vaticano II – que trata a Dignitatis Humanae. Ela não tem nada a ver – ao contrário do que o senhor repetiu diversas vezes no seu texto – com o “Estado Católico”, e sim com o Estado Laico.

    Note-se, pelo que já foi exposto acima, que o Estado Laico é uma deficiência e, por isso, a DH faz questão de dizer logo no seu preâmbulo:

    “Ora, visto que a liberdade religiosa, que os homens exigem no exercício do seu dever de prestar culto a Deus, diz respeito à imunidade de coacção na sociedade civil, em nada afecta a doutrina católica tradicional acerca do dever moral que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo” (DH 1).

    Ou seja: as sociedades permanecem com todos os seus deveres para com a Verdadeira Religião e com a Igreja. O Estado Laico é uma realidade imperfeita, incompleta; mas uma realidade existente. Somente após deixar claro que os estados e as nações têm obrigações para com a Igreja, é que o Concílio vai estabelecer os princípios que norteiam o poder temporal “em si”, considerado de maneira separado da Igreja.

    1. A jurisdição do Estado é sobre os assuntos temporais, não sobre os espirituais e, portanto, o Estado não tem potestade para arbitrar questões religiosas.

    2. Os súditos têm direito a prestarem culto ao Deus Verdadeiro; quem pode julgar se erram ou acertam nesta questão é Quem tem autoridade para tal, i.e., a Igreja.

    3. Não tendo, pois, o Estado “sozinho” potestade para arbitrar questões religiosas (só o teria se estivesse unido à Igreja), deve se abster de fazê-lo e propiciar aos seus súditos os meios necessários à manifestação religiosa.

    É assim que deve ser entendida esta declaração. A Igreja, pois, diz que os Estados não podem se imiscuir em matéria religiosa, devendo proporcionar aos seus súditos as condições necessárias à expressão de sua religiosidade.

    Não pode haver o Estado Totalitário Ateu, não pode haver o Laicismo Feroz que grassa a olhos vistos no mundo moderno, não pode haver a violência contra os cristãos que encontramos nos países muçulmanos: é isto, em suma, que diz a DH.

    Note-se ainda que isto são os princípios, que recebem aplicações concretas dependendo de cada configuração de Estado concreta – o limite é a “ordem pública”. Oras, a “justa ordem pública” num Estado Laico é diferente da “justa ordem pública” num Estado Católico, pois, neste último, integra-se a ela a ordem religiosa e, portanto, também estava deve ser salvaguardada. Em outras palavras: a ordem pública a ser protegida num Estado Católico é maior do que a ordem pública num Estado Laico.

    O senhor diz que é um enigma “a possibilidade destas pessoas agirem livremente em um Estado católico sem que ao mesmo tempo violem as justas exigências da ordem pública” – é com grande alegria que lhe anuncio a solução: num Estado Católico, a Ordem Pública = Ordem Católica e, portanto, a liberdade religiosa está restringinda àquilo que não viole a Ordem Católica [p.ex., proselitismo poderia ser ilegal].

    Isto não é, em absoluto, o que queriam os liberais. Não é verdade que “de forma sorrateira, de forma malévola, os padres conciliares alteraram as premissas para que o resultado final fosse exatamente o mesmo daquele pretendido pelos liberais” – o resultado é precisamente a doutrina da liberdade católica para os estados não-católicos e da tolerância religiosa para os estados católicos, e não o liberalismo mitigado! É esse, e não outro, o ensinamento conciliar sobre o tema.

    Quartum – sobre acusações pontuais

    Por fim, às suas objeções, responde-se:

    – “Ou seja, não existe tal liberdade de não ser impedido de agir, pois que não é impedido e agir pode agir mal, realizando ações culposas, que o Estado tem o dever de coibir por princípio”.

    Existe. O Estado cuida da ordem pública. Só tem ele dever de coibir aquilo que perturba a ordem pública. Leão XIII e Santo Agostinho ensinam que “a autoridade dos homens deve permitir e deixar impunes muitas coisas”.

    – “a liberdade religiosa baseada na dignidade humana foi sim condenada pela Igreja, e de forma inequívoca, como irei lhe mostrar abaixo.”

    Não, não foi, nem mesmo uma única vez.

    – “Leão XIII o explica: tal pessoa decai de sua dignidade nativa, e não pode mais de fundar sobre ela para agir no Estado, e nem para “não ser impedido de agir”.”

    Existe um “núcleo” da dignidade humana que não pode ser destruído, e é precisamente sobre este que se fundamenta a liberdade religiosa.

    – “o sofisma do concílio é fundamentar uma coisa que pertence ao terreno do agir como se esta pertencesse ao ser.”

    Não concordo que isto é característica do Concílio mas, ao contrário, é o senhor que o está fazendo, pois pega coisas que pertencem ao terreno do agir (= professar heresias) e quer “transportá-las” para o terreno do ser (= perder a dignidade).

    – ” Ou seja, os não católicos não tem fé. Como então o Vaticano II diz que eles podem professar publicamente algo que eles não possuem?”

    Evidente está que a Declaração não está se referindo à Virtude Teologal, e sim utilizando o termo no sentido latu de simples crença.

    Conclusão

    O homem possui o dever de buscar a Deus, conhecê-lO e servi-lO e, para cumprir este objetivo, é detentor de vontade livre e de inteligência capaz de conhecer, tendo o dever moral de utilizar ambas para se encontrar com Deus. A liberdade de aderir intelectualmente a Deus é, pois, um direito natural verdadeiro.

    Este direito radica-se precisamente na inteligência e na vontade; não sendo estas destruídas pelo pecado, segue-se que este direito também não é destruído.

    Tal direito realiza-se plenamente nos filhos de Deus, nos católicos apostólicos romanos; a prática de outras religiões é, não direito, mas abuso do direito legítimo.

    Tendo o Estado jurisdição exclusivamente sobre a esfera temporal, não tem Ele, em absoluto, faculdade para julgar se um determinado súdito usa ou abusa do seu direito de voltar-se para Deus; tem, portanto, o dever de não cercea-lo, pois o abuso não tolhe o uso.

    Esta é, em linhas gerais, a doutrina da Igreja sobre a liberdade religiosa. Por enquanto, julgo ser suficiente. Rogando à Virgem Santíssima que possa conceder-nos o Espírito Santo com Suas luzes, a fim de que as nossas inteligências possam abrir-se à Verdade Católica, subscrevo-me,

    em Cristo,
    Jorge Ferraz

  8. Caríssimo Jorge (ou seria Joathas Belo?), que a paz de Cristo esteja em seu coração. Salve Maria. Você escreveu:

    “(…) Embora eu não conheça o esquema do senhor sobre “as três dignidades” na forma como ele foi apresentado, A DOUTRINA QUE ELA CONTÉM É ORTODOXA e poderia, sem muita dificuldade, ser embasada no ensinamento da Igreja, de modo que o aceito em linhas gerais sem muitos questionamentos. No entanto, as conclusões que o senhor tira são muitíssimo estranhas”.

    Que bom que achou ortodoxo aquilo que escrevi. Fico feliz com isso. Obrigado. Mas você erra ao dizer que eu “tiro conclusões estranhas”. Prezado, eu não tiro conclusões nenhuma. Quem ensina aquilo que escrevi é a Igreja Católica, através de seus documentos. Eu não ficarei aqui colando dezenas de passagens dos papas do passado que apontam de forma inequívoca neste sentido. Isso é perder tempo. Basta a minha carta anterior, onde aquilo que está escrito é suficiente. Vou apenas comentar aquilo que você escreveu. Dois são seus erros principais. Vamos a eles:

    1º) Afirmar que o Vaticano II se refere somente aos estados não católicos:

    “(…) É precisamente sobre esta situação – presente à época do Concílio Vaticano II – que trata a Dignitatis Humanae. Ela não tem nada a ver – ao contrário do que o senhor repetiu diversas vezes no seu texto – com o “Estado Católico”, e sim com o Estado Laico”.

    Refutarei esta inverdade mais abaixo.

    2º) Dizer que até mesmo aqueles que erram possuem o direito natural de “não ser impedido de agir”:

    “(…) A liberdade de aderir intelectualmente a Deus é, pois, um direito natural verdadeiro (concordo) Este direito radica-se precisamente na inteligência e na vontade; não sendo estas destruídas pelo pecado, segue-se que este direito também não é destruído”.

    Prezado, realmente o homem tem naturalmente a liberdade de aderir a Deus, mas isso não significa que o homem que dê a sua adesão ao mal tenha o direito de “não ser impedido de agir fundamentando na sua dignidade humana”, como ensinou o Vaticano II. São duas coisas diferentes: direito natural a verdadeira liberdade religiosa e direito de não ser impedido de agir por parte dos que erram. Se bem compreendida, a primeira afirmação é verdadeira. Já da segunda não se pode dizer o mesmo, pois a Igreja ensina que NO ESTADO aqueles que erram não tem direito nenhum de não serem impedidos de agir, e somente adquirem algum direito civil na medida em que isto consista em um mal maior a se evitar ou em um bem a se conquistar.
    A liberdade moral não é absoluta, mas relativa ao bem. E Leão XIII insistiu muito sobre isso. Assim como se deve impedir alguém que está para cometer um crime, e é nosso dever fazê-lo caso esteja a nosso alcance, assim também é dever do Estado impedir que um não católico professe publicamente a sua “fé” em um Estado Católico. Se naturalmente tomado o homem teria direito a uma liberdade religiosa VERDADEIRA (aquela ensinada pela Igreja) ao aderir ao erro ele perde tal direito. Você escreveu:

    “(…) é igualmente verdade que há um “núcleo” de direitos que é comum a TODOS os homens, pois decorrem da natureza humana “nativa” da qual todos os homens – justos ou pecadores – participam”.

    E alhures:

    “(…) Trocando em miúdos: no homem concreto, pecador ou justo, sempre está presente a dignidade natural, e é precisamente nela que se baseia o direito natural. Se assim não fosse, o direito natural não existiria para os não-católicos, o que é evidentemente falso”.

    Prezado, isso está correto. Existe um núcleo de direitos que é comum a todos os homens, e mesmo os decaídos, embora filhos do demônio, ainda possuem a imagem de Deus, ou seja, inteligência e vontade, o que lhes gera direitos naturais. Por exemplo, decaídos e justificados tem direito a se alimentar, a trabalhar, a estudar, etc. Ninguém pode impedir um homem de se alimentar, por exemplo. Ele tem este direito natural. E o homem naturalmente tomado possui muitos outros direitos, sendo que o maior é o de se tornar filho de Deus. Neste sentido, o homem possui naturalmente também a liberdade de buscar e aderir a Deus. Mas atenção: não é isso que o Vaticano II ensina.
    A liberdade religiosa DO VATICANO II não se resume a dizer que todos têm o direito de professar a religião cristã, ou mais precisamente, a religião católica. Se o concílio tivesse definido a liberdade religiosa como o direito que todos têm de proferir as verdades reveladas por Cristo e que a Igreja ensina estaria correto. Esta expressão, “liberdade religiosa”, é ambígua e pode ser usada no sentido correto, no sentido de “verdadeira liberdade”, como ensinou Leão XIII. Porém, ela também pode ser usada no sentido liberal. Infelizmente, é no sentido liberal que o Vaticano II irá definir a liberdade religiosa. Veja:

    “2. Este Sínodo Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Consiste tal liberdade no seguinte: (…) em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, NEM IMPEDIDO DE AGIR de acordo com ela, em particular e em público, só ou associado a outrem, dentro dos devidos limites”.

    É correto que em assuntos religiosos ninguém pode ser obrigado a agir contra a própria consciência. Mas é uma impiedade afirmar que ninguém pode ser impedido de agir de acordo com a sua própria consciência. Isto é falso. Em matéria religiosa, no Estado, a pessoa somente tem o direito de não ser impedida de agir na medida em que adere ao bem. O DIREITO DE NÃO SER IMPEDIDO DE AGIR NÃO É UM DIREITO NATURAL, como você defende. “É justo que poder público empregue a força para reprimir as doutrinas errôneas”, ensinou a Libertas. E como doutrinas errôneas não nascem em árvores, mas ao contrário são ensinadas pelos maus, é esses que devem ser combatidos. Logo, em princípio eles não têm direito nenhum de não serem impedidos de agir em matéria religiosa no Estado e devem ser impedidos sempre.
    A verdadeira liberdade religiosa é um direito que deriva da DIGNIDADE TERMINAL da pessoa. É justamente sobre a dignidade terminal que se fundamenta o direito de não ser impedido de agir, e não sobre a dignidade natural, como quer o Vaticano II, que vai dizer então que mesmo os que se encontram em estado decaído possuem tal direito, quando este direito é somente para os justificados, os batizados católicos em estado de graça. Tanto é verdade que o homem não tem direito de não ser impedido de agir no Estado que jamais a Igreja ensinou isso. A própria Dignitatis Humanae faz esta confissão:

    “9. (…) Embora a revelação NÃO AFIRME DE MANEIRA EXPRESSA O DIREITO A IMUNIDADE DE COAÇÃO EXTERNA EM MATÉRIA RELIGIOSA, no entanto desvenda em toda a sua amplidão a dignidade da pessoa humana mostra o procedimento de Cristo em relação à liberdade do homem na prática da obrigação de crer à palavra de Deus”.

    Por estas palavras, o concílio então reconhece que nem a bíblia e nem a Tradição da Igreja Católica ensinam aquilo que o Vaticano II ensinou. Portanto, os católicos que rejeitam o concílio não aceitam a liberdade religiosa da Dignitatis Humanae, e não a verdadeira liberdade ensinada pela Igreja, que obviamente aceitamos. Dito isso, agora podemos falar sobre a Immortalde Dei nº 38. Você escreveu:

    “(…) Perceba, portanto, que o sujeito dos verbos “decaem” e “se corrompem” é “a inteligência e a vontade”, não “o homem” como o senhor citou. Com isso, Leão XIII quer dizer que “a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar” (ID, 38), e somente isso: não que o homem “perca direitos naturais” quando se torna pecador”.

    Obviamente que o homem não perde direitos naturais quando se torna pecador. Ocorre que o “agir sem ser impedido” não é um direito natural, como eu já disse. Prove-me com uma passagem papal que este direito foi ensinado pela Igreja algum dia. Ao contrário, a pessoa decaída, que possui o direito natural de se tornar filha de Deus e nesse sentido tem direito a liberdade religiosa, não tem o direito de agir sem ser impedida, porque quem erra não pode agir impunemente. Não importa se quem decai aqui na Imortale Dei precisamente é a inteligência e a vontade (pois que o homem naturalmente tomado já é decaído). Eu apenas disse que ele, ao aderir ao erro, decai ainda mais (se é que isso é possível). Em nada esta constatação altera a verdade que Leão XIII ensinou:

    “(…) NÃO É, POIS, PERMITIDO DAR A LUME E EXPOR AOS OLHOS DOS HOMENS O QUE É CONTRÁRIO A VIRTUDE E A VERDADE, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a PROTEÇÃO DAS LEIS. (…) O Estado AFASTA-SE, pois, das regras E PRESCRIÇÕES DA NATUREZA SE FAVORECE A LICENÇA DAS OPINIÕES E DAS AÇÕES CULPOSAS ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude”.

    O Vaticano II então vai dizer que o Estado deve permitir que os maus exponham aos olhos dos homens o que é contrário a virtude e a verdade, MESMO NOS ESTADOS CATÓLICOS, desde que nos “justos limites”. Vai dizer que TODOS os estados devem garantir isso por lei, pois que o “agir sem ser impedido” é um “direito natural” que o Estado deve constituir em lei. Você escreveu:

    “(…) Embora tenha havido um tempo no qual, nos dizeres de Leão XIII, a sabedoria do Evangelho guiava as nações, ESTE TEMPO PASSOU e – embora isso seja claramente um mal, uma deficiência – é um fato existente, concreto: os Estados não são católicos”.

    Prezado, quando o Vaticano II foi feito ainda havia muitos estados católicos. Quer um exemplo? A Colômbia, que em 1966 possuía 95 % de católicos, e cuja constituição foi mudada a pedido do Vaticano, como denunciou Dom Lefebvre. A própria Itália professava através de sua constituição o catolicismo, o que foi alterado em 1978, “de acordo com o Vaticano II”, como confessou na época o presidente Andreotti. Se hoje os estados não são mais católicos foi justamente porque o Vaticano II ajudou a acabar aqueles que ainda existiam no tempo do concílio. Mas mesmo que não houvesse mais nenhum Estado Católico, o que isso teria a ver com a verdade? A verdade é para ser pregada independente de se possuir ou não estados católicos. O Vaticano II deveria então ter repetido toda esta doutrina exposta por Leão XIII, e que você colocou em sua carta. Ao contrário, foi pedir a igualdade entre todas as religiões no Estado, MESMO NOS CATÓLICOS. A questão do Vaticano II não é apenas “temporal”, como você diz erroneamente. Ela não é apenas circunstancial. Você escreveu, e nisso, perdoe-me, você mentiu. Leia:

    “(…) É precisamente sobre esta situação – presente à época do Concílio Vaticano II – que trata a Dignitatis Humanae. Ela não tem nada a ver – ao contrário do que o senhor repetiu diversas vezes no seu texto – com o “Estado Católico”, e sim com o Estado Laico”.

    Mentira. O Vaticano II ensina que tal doutrina é para ser empregada em toda e qualquer situação, em todos os estados, sejam eles católicos ou não. Veja o que diz o número seis da DH:

    “6. (…) Se em atenção a circunstâncias peculiares dos povos, for conferida a uma única comunidade religiosa o especial reconhecimento civil na organização jurídica da sociedade, será necessário que AO MESMO TEMPO se reconheça e se observe em favor de todos os cidadãos e das comunidades religiosas o DIREITO A LIBERDADE em matéria religiosa”.

    Veja, em um estado católico deve-se garantir o direito de não ser impedido de agir aos não católicos e junto com ele tudo o que tal direito acarreta, como o direito a professar publicamente e por escrito a sua “fé”, possuir comunidades atuantes, nomear ministros, etc…o mais incrível é que ao final de seu texto você escreveu:

    “(…) Tal direito (a liberdade religiosa) realiza-se plenamente nos filhos de Deus, nos católicos apostólicos romanos; a prática de outras religiões é, NÃO DIREITO, mas abuso do direito legítimo”.

    Se a prática das outras religiões não é direito, mas abuso, como garantir a estas práticas o “direito” de existência, ainda que nos justos limites? Esta resposta seria bastante desejável de sua parte. TAIS FALSAS RELIGIÕES NÃO TEM DIREITO DE EXISTIR. Os defensores do Vaticano II insistem que a expressão “justos limites” explica tudo, mas onde não existe direito não há que se falar de justos limites. Você escreveu:

    “(…) Surge, então, uma questão imperativa, prática, e atual: o que fazer quando o poder temporal está separado do poder espiritual, i.e., quando o Estado está separado da Igreja? Permanece o Estado com poderes legítimos, isto é evidente. Mas qual o “alcance” desses poderes? Em particular, como se relaciona o “Estado Laico” com a religião?”.

    Prezado, tal Estado deve observar a lei natural, como explicou dez mil vezes Dom Lefebvre. O Estado Católico deve impedir a propaganda das heresias, pois os filhos do demônio não têm, em absoluto, o direito de agir sem serem impedidos. Dê-me uma única citação bíblica ou papal que repita o que o Vaticano II ensinou neste sentido. Você escreveu:

    “(…) O senhor diz que é um enigma “a possibilidade destas pessoas agirem livremente em um Estado católico sem que ao mesmo tempo violem as justas exigências da ordem pública” – é com grande alegria que lhe anuncio a solução: num Estado Católico, a Ordem Pública = Ordem Católica e, portanto, a liberdade religiosa está restringida àquilo que não viole a Ordem Católica [p.ex., proselitismo poderia ser ilegal]”.

    Isso é mais falso do que nota de vinte e cinco. Isso significaria, na prática, admitir a verdade católica que reza que os não católicos não tem direito de professar a sua “fé”. E isso vai contra o concílio. Isso é tão irreal que é até um absurdo que alguém defenda tal idéia somente para salvar o concílio. Pergunto: quando os hereges estariam nos “justos limites” e quando eles estariam fazendo “proselitismo”? Esta distinção é totalmente utópica. É uma invenção “joathas-beliana” (eu sei com quem estou debatendo). A liberdade religiosa do concílio reclama o seu lugar no Estado Católico. Se isso que você escreve é verdade, fere-se o concílio. Releia a DH novamente e veja o teor do documento, que nem de perto favorece esta idéia.
    É bom que fique claro que na prática os estados católicos sempre impediram aquilo que o Vaticano II propõe. Mesmo quando os estados católicos reconheciam o direito civil baseado na tolerância para que os não católicos exercitassem os seus cultos ele proibia veementemente a propaganda da heresia. Nunca se ouviu falar que o Estado católico tenha permitido a liberdade religiosa dos que erram nos “justos limites” (a não ser nos casos de tolerância). EM PRINCÍPIO, o Estado católico tem o direito de proibir a prática pública de qualquer culto falso, a não ser nas situações em que isto geraria um grande mal. É o que se depreende desta passagem do “Foro dos Espanhóis”, carta dos deveres e dos direitos dos cidadãos daquele país, que foi citada por Dom Lefebvre na página 124 de seu livro:

    “(…) O exercício e a prática da religião católica, que é a Religião do Estado espanhol, gozarão de proteção especial. Ninguém será incomodado nem por crença, nem pelo exercício privado de seu culto. Não serão permitidas nem cerimônias, nem manifestações externas diferentes das da religião do Estado”.

    Está aí um exemplo clássico de um estado católico que por princípio tem o direito de proibir os falsos cultos. Se for para o bem dos católicos, nem tolerância deve ser empregada, porque tudo o que se tolera é um mal e este somente deve ser tolerado por um estado de necessidade. É o que se depreende também da carta imperial de 1824, considerada a primeira constituição brasileira:

    “(…) Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

    Eis o exemplo de um Estado Católico que abre mão de seu direito de proibir totalmente os cultos públicos falsos. Ou seja, aqui o Estado, sempre iluminado pela Igreja, abre parcialmente mão de seu direito por causa de um bem maior a conquistar ou de uma mal maior a evitar. Logicamente que mesmo neste tipo de Estado onde um direito civil é promulgado aos não católicos não se dá a eles o direito de exporem seus erros, como está escrito mais abaixo, no artigo 179, inciso V.
    Estes são exemplos práticos que demonstram a teoria da Igreja aplicada no Estado católico, e as suas variáveis. Você poderá encontrar duzentos exemplos de não católicos terem o seu culto respeitado nos estados católicos, mas nunca achará que isto tenha acontecido fundamentado na dignidade humana. Terminando, você escreveu, comentando as minhas palavras, onde eu disse que os não católicos não tem fé e perguntei como então o Vaticano II diz que eles podem professar publicamente algo que não possuem:

    “(…) Evidente está que a Declaração não está se referindo à Virtude Teologal, e sim utilizando o termo no sentido latu de simples crença”.

    É? E onde está esta explicação? Qual número da DH? É assim que se introduz a heresia: dando outro sentido as palavras, “diferente daquele que a Igreja condenou um dia”. Tem que ter muito ânimo para defender o Vaticano II.
    Como eu disse no início desta carta e volto a repetir, o xis da questão é saber se o homem QUE ERRA tem o direito natural de não ser impedido de agir. E ele não tem. Nunca a Igreja ensinou tal coisa. Somente o Vaticano II. Qualquer coisa que se diga fora disso é enrolação.

    Sandro de Pontes

  9. Caríssimo sr. Sandro,

    Pax!

    Antes do mais, uma dúvida: o que significam as alusões do sr. ao Joathas Bello? O senhor quer dizer que “Jorge Ferraz” é um pseudônimo de “Joathas Bello” (sendo este último o autor deste blog), que “Joathas Bello” é um pseudônimo de Jorge Ferraz (sendo este o autor de alguns textos publicados na internet sob a assinatura de “Joathas Bello”), ou que eu chamei o Joathas Bello para escrever ao senhor sobre este assunto (de modo que, neste BLOG, as intervenções neste debate assinadas por “Jorge Ferraz” são de autoria de “Joathas Bello”), ou alguma outra coisa que me escapa?

    Agora, ao debate propriamente dito. Eu peço desculpas, pois devo ter me expressado tremendamente mal.

    Em primeiro lugar, eu não disse que “que o Vaticano II se refere somente aos estados não católicos”. Disse (e repito) que a DH está falando do Estado “em Si”, da consideração do Poder Temporal “puro”. Todo e qualquer Estado (católico, ateu, espírita, muçulmano, o que seja) participa deste princípio, de uma maneira estritamente análoga a como a Lei Natural é comum a todos os homens (católicos, ateus, espíritas, etc).

    Assim, sustentei (e sustento) que a DH apresenta uma espécie de “Lei Natural” aplicada aos Estados, i.e., ao Poder Temporal.

    A Lei Sobrenatural sobrepuja a Lei Natural, vai além dela e tem prioridade sobre ela. Assim, p.ex., o mandamento natural do homem “buscar a Deus” (é um imperativo da Lei Natural) tem, na Religião Revelada, o seu correspondente na obrigação de, p.ex., assistir à Santa Missa nos dias prescritos pela Santa Igreja. Não há nenhuma contradição entre as duas coisas. Seria ridículo dizer que “a Lei Natural está errada porque o católico precisa assistir missa, não somente ‘buscar a Deus’ de maneira genérica”. O senhor faz uma coisa bastante análoga quando contrapõe as considerações sobre o Poder Temporal em si (= a Dignitatis Humanae) com as considerações sobre o Estado Católico.

    É bastante óbvio que a Religião Revelada é Revelada e, se é Revelada, não é Natural. Assim sendo, a consideração do “Estado Natural” não pode contar entre os seus deveres aqueles referentes à Religião Revelada. Em suma: o Estado Católico é uma decorrência da Igreja, e não da organização política natural.

    O Estado (em Si) simplesmente não pode arbitrar questões religiosas, porque a sua esfera de atuação é a temporal, não a espiritual. O Estado não tem autoridade nem competência para tratar de assuntos religiosos e, assim, deve Se abster. Este é um princípio natural cristalino.

    No Estado Católico, porém, as coisas mudam ligeiramente, porque este se define como o Estado no qual a Igreja é reconhecida como autoridade. A rigor, portanto, não é “o Estado” em Si que coíbe a propagação do falso culto; é a Igreja que identifica o falso culto e, sob Sua tutela, o Estado procede às decisões civis adequadas à ocasião. Esta é a teoria das Duas Espadas medieval: são dois poderes, o Temporal e o Espiritual, devendo estar o primeiro a serviço do último. Isto em nada muda o fato de que, considerado em Si, o Estado não tem potestade para julgar matéria religiosa, que é o cerne da Declaração Dignitatis Humanae.

    O “direito natural” tutelado pela DH não é o direito do falso culto (que este inexiste), e sim o direito do homem de buscar a Deus. O direito de “não ser impedido de agir” é o direito do homem, e não das falsas religiões. É muitíssimo diferente, porque é a diferença entre a Doutrina Ortodoxa (da DH) e a Heresia (condenada reiteradas vezes pelo Magistério). Nunca disse que o direito de não ser impedido de agir era absoluto e irrestrito; muito ao contrário, ele é tremendamente limitado: primeiro, quanto ao seu objeto, que é a religião e, segundo, quando à constituição do Estado, que determina os justos limites. O senhor fala que os “justos limites” não podem ser evocados para resolver o problema porque não existe direito a ser impedido de agir, mas são exatamente estes justos limites o que permitem uma análise circunstancial de cada caso e uma correta aplicação dos princípios apresentados.

    Assim, os dois exemplos – aliás, muito bons, pelos quais agradeço – trazidos pelo senhor de Estados Católicos são, exatamente, a aplicação concreta dos princípios da DH a uma realidade específica. Num Estado Católico, como já foi dito, os “justos limites” são mais “estreitos”, porque o Estado deve tutelar também pela ordem católica e, assim, não existe nenhuma contradição entre a declaração do Vaticano II e a legislação dos Estados Católicos.

    É óbvio que os limites são circunstanciais, mesmo em Estados Católicos. P.ex., a heresia já foi punida com a morte, numa sociedade como a medieval, e depois foi “somente” impedida de realizar cerimônias públicas, nos casos que o senhor citou. Os princípios permanecem, mas são aplicados de maneira distinta.

    Para que o senhor veja o quanto essas coisas são verdadeiras, responda-me a duas perguntas:

    1) o Estado Católico é uma realidade derivada da Lei Natural ou da Revelação?
    2) um Estado Muçulmano – que deve seguir a Lei Natural – deve permitir ou proibir a manifestação religiosa pública católica? E a protestante, a budista e a judaica?

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  10. Prezado, salve Maria.

    Você escreveu:

    “(…) Antes do mais, uma dúvida: o que significam as alusões do sr. ao Joathas Bello? O senhor quer dizer que “Jorge Ferraz” é um pseudônimo de “Joathas Bello”?”.

    Eu quis dizer que a sua linha de raciocínio é extremamente idêntica a dotada por ele, e até mesmo algumas frases. Basta ler o artigo que ele publicou há uns seis meses no site Veritatis. A semelhança é tanta que vocês parecem ser a mesma pessoa. Só isso. Se não são, se parecem muitos, como irmãos gêmeos espirituais. Agora vamos ao que interessa. Você escreveu:

    “(…) No Estado Católico, porém, as coisas mudam ligeiramente, porque este se define como o Estado no qual a Igreja é reconhecida como autoridade. A rigor, portanto, não é “o Estado” em Si que coíbe a propagação do falso culto; é a Igreja que identifica o falso culto e, sob Sua tutela, o Estado procede às decisões civis adequadas à ocasião”.

    Certo, até aqui não há problema. Mas o Vaticano II vai dizer então que mesmo em um Estado Católico deve ser garantido por lei a liberdade de culto, a liberdade de “não ser impedido de agir, até dos que erram, baseada na dignidade destas pessoas”. Ora, isto vai contra a doutrina da Igreja, que diz ser um dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo, independente da fundamentação que se dê a tal liberdade (na consciência do sujeito ou na dignidade dele). Simples como dois e dois são quatro. Você escreveu:

    “(…) O “direito natural” tutelado pela DH não é o direito do falso culto (que este inexiste), e sim o direito do homem de buscar a Deus. O direito de “não ser impedido de agir” é o direito do homem, e não das falsas religiões”.

    Prezado, você é quem não distingui bem as coisas. Preste atenção naquilo que eu vou lhe falar agora. O direito do homem de buscar a Deus é inerente a ele, que jamais o perde. Foi por causa disso que Cristo morreu. Nisso nós concordamos. Mas o direito de “não ser impedido de agir, mesmo os que erram em matéria religiosa” não é direito do homem coisíssima nenhuma. Este direito pertence somente aqueles que acertam, aos filhos de Deus, aos católicos. Por isso Leão XIII ensinou na Libertas que “tal liberdade, digna dos filhos de Deus, sempre foi querida pela Igreja”. E não percebe você que ao fundamentar o direito de não ser impedido de agir aos que erram se concede, na prática, o direito de existência as falsas religiões no Estado Católico, algo que foi amplamente condenado pela Igreja? O Vaticano II apenas “camuflou” o erro, tentando fazer ortodoxo uma liberdade que leva o Estado católico a apostasia. E não foi isso que aconteceu na prática? Por exemplo, na sua última carta você escreveu algo que agora vou comentar mais profundamente. Leia:

    “(…) O senhor diz que é um enigma “a possibilidade destas pessoas agirem livremente em um Estado católico sem que ao mesmo tempo violem as justas exigências da ordem pública” – é com grande alegria que lhe anuncio a solução: num Estado Católico, a Ordem Pública = Ordem Católica e, portanto, a liberdade religiosa está restringida àquilo que não viole a Ordem Católica [p.ex., proselitismo poderia ser ilegal]”.

    Prezado, a doutrina da Igreja diz claramente que em um Estado Católico a ação das seitas deve ser, em princípio, impedida. Será que é tão difícil entender isso? Leia os documentos dos papas que abordaram esta questão no pós revolução francesa. O que você coloca aqui é o contrário dessa doutrina elementar clássica, ou seja, o Estado Católico parte do princípio que deve permitir em toda e qualquer situação a liberdade de culto. Na prática, em um Estado Católico que utilizasse a DH de forma rigorosa, isso significaria que a constituição deste Estado defenderia como princípio constitucional que os membros das seitas poderiam, sem fazer proselitismo, construir seus templos por todo o Estado, poderiam, sem proselitismo, testemunhar por oral e por escrito a sua (falta de) fé, poderiam, sempre sem proselitismo, sempre nos justos limites, ensinar as verdades que “encontraram ou que pensam Ter encontrado”. Prezado, como disse e volto a repetir, isso é irreal. Somente o risco de se espalhar heresias no Estado Católico faz com que estes que erram não tenham o direito defendido pelo Vaticano II. Isso porque os católicos tem direito de irem para o céu, e a existência de falsos cultos, ainda que seus membros agissem nos justos limites, poderia comprometer este direito dos católicos. Tanto isso é verdade que a Igreja nunca reivindicou tal direito defendido pela DH, em dois mil anos de existência, aos não católicos. Leão XIII não o reivindica. Gregório XVI também não.Nem São Pio X. Eles, ao contrário, vão explicar de forma inequívoca o porquê destes direitos não poderem ser concedidos aos que erram. Vejamos abaixo alguns destes ensinamentos.

    TRECHOS DE DOCUMENTOS DA IGREJA QUE CONDENAM A DOUTRINA CONCILIAR QUE DIZ QUE MESMO OS QUE ERRAM TEM DIREITO DE NÃO SEREM IMPEDIDOS DE AGIR NO ESTADO CATÓLICO

    Encíclica Tametsi Futura – CARTA ENCÍCLICA DO SUMO PONTÍFICE LEÃO XIII – TAMETSI FUTURA SOBRE JESUS CRISTO REDENTOR

    “14. (…) submetendo a própria inteligência a Cristo senhor, o homem não age servilmente, (…) e não se prende às opiniões de um mestre humano, mas à verdade eterna e imutável. Dessa forma ele alcança o bem natural do intelecto e consegue ao mesmo tempo a liberdade.
    19. Em tão grande contraste de paixões e entre tão graves perigos, não há meio-termo: ou esperar as piores catástrofes, ou procurar sem demora um remédio válido. Reprimir os delinqüentes, enobrecer o costume das plebes, e prevenir de toda forma os males por meio de leis sábias, é coisa boa e necessária;
    20. Muito se falou às multidões sobre aqueles que são definidos “os direitos do homem”; fale-se-lhes também dos direitos de Deus”.

    LEÃO XIII, CARTA ENCÍCLICA IMMORTALE DEI – 01 de novembro de 1885, sobre a Constituição Cristã dos Estados

    “12. Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e colocar no número dos seus principais deveres favorecer a religião, protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a autoridade tutelar das leis, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade dela.
    43. Dessas decisões dos Sumos Pontífices, cumpre absolutamente admitir que a origem do poder público deve atribuir-se a Deus, e não à multidão; que o direito à rebelião repugna a razão; que não fazer nenhum caso dos deveres da religião, OU TRATAR DA MESMA MANEIRA AS DIFERENTES RELIGIÕES, não é permitido nem aos indivíduos nem às sociedades; que a liberdade ilimitada de pensar e de emitir em público os próprios pensamentos de modo algum deve ser colocada entre os direitos dos cidadãos, nem entre as coisas dignas de favor e de proteção.
    46. Efetivamente, se a Igreja julga não ser lícito por os diversos cultos NO MESMO PÉ LEGAL que a verdadeira religião, nem por isso condena os chefes de Estado que, em vista de um bem a alcançar ou de um mal a impedir, TOLERAM na prática que esses diversos cultos tenham cada um seu lugar no Estado.
    48. Pela mesma razão, não pode a Igreja aprovar uma liberdade que gera o desgosto das mais santas leis de Deus e sacode a obediência devida à autoridade legítima. Isso é mais uma licença do que uma liberdade, e Santo Agostinho lhe chama mui justamente “uma liberdade de perdição” (Epist. CV, ad Donatistas, cap. II, n. 9) e o Apóstolo S. Pedro “um véu de maldade” (1 Ped 2, 16). Muito mais: sendo oposta à razão, essa pretensa liberdade é uma verdadeira escravidão. “Aquele que comete o pecado é escravo do pecado” (Jo 8, 34).
    49. Pelo contrário, liberdade verdadeira e desejável é a que, na ORDEM INDIVIDUAL, NÃO DEIXA O HOMEM ESCRAVO NEM DOS ERROS, NEM DAS PAIXÕES, que são os seus piores tiranos; e na ordem pública traça regras sábias aos cidadãos, facilita largamente o incremento do bem-estar e preserva do arbítrio de outrem a coisa pública. Essa liberdade honesta e digna do homem, a Igreja a aprova ao mais alto ponto, e, para garantir aos povos o firme e integral gozo dela, nunca cessou de lutar e de combater”.

    PIO IX, Encíclica “Quanta Cura”:

    “E contra a doutrina da Sagrada Escritura e dos Santos Padres, (os seguidores do naturalismo) não temem afirmar que “o melhor governo é aquele no qual não se reconhece ao poder político a obrigação de REPRIMIR COM SANÇÕES PENAIS OS VIOLADORES DA RELIGIÃO CATÓLICA, a não ser quando a tranqüilidade pública o exija. Desta idéia absolutamente falsa do regime social não receiam passar a fomentar aquela opinião errônea e mortal para a Igreja Católica e a salvação das almas, chamada por nosso predecessor de feliz memória, Gregório XVI, loucura, a saber que “a liberdade de consciência e de cultos é um DIREITO PRÓPRIO DE CADA HOMEM, que deve ser PROCLAMADO E GARANTIDO em toda sociedade retamente constituída”.

    Syllabus” de PIO IX – PROPOSIÇÕES CONDENADAS:

    “77. Na nossa época não é mais necessário que a religião católica seja considerada como a única religião do Estado, EXCLUÍDOS OS OUTROS CULTOS”.

    78. Por isso é de louvar que em regiões católicas, se tenha providenciado por lei, que aos imigrantes naquelas regiões se permita o culto público próprio deles.”

    Aqui, um parêntese. Segundo estes ensinamentos, a doutrina da Igreja ensina que É NECESSÁRIO que a religião católica seja considerada como a única religião do Estado, excluindo-se assim, em princípio, todos os outros cultos. Na teoria este é o Estado católico ideal. Vamos ler o Foro dos Espanhóis! Negar isso que ensinou Pio IX é discordar da Igreja Católica. O Vaticano II nega isso claramente, pois no número seis da DH ele ensina que MESMO NOS ESTADOS CATÓLICOS todos os tipos de culto devem Ter reconhecidos o direito a existência. Mais! Além do direito de existir, os adeptos dos falsos cultos ainda tem direito a fazer a propaganda de sua “fé”, desde que realizem esta propaganda sem fazer “proselitismo”. É concebível tal coisa? Compare também o que condena nestas proposições Pio IX com o que você escreveu na última carta, quando disse:

    “Embora tenha havido um tempo no qual, nos dizeres de Leão XIII, a sabedoria do Evangelho guiava as nações, ESTE TEMPO PASSOU e – embora isso seja claramente um mal, uma deficiência – é um fato existente, concreto: os Estados não são católicos”.

    Passou, mas mesmo assim é necessário que a Igreja Católica seja a única do Estado. Se é possível, isto é outra conversa. E sendo ela a única no Estado Católico, deve em princípio excluir todos os outros cultos. Se Cristo ensinou que é a verdade que liberta, logo os inimigos da Igreja Católica são prisioneiros. E sendo assim eles não são livres, são prisioneiros. E prisioneiro não tem direito nenhum de “não ser impedido de agir”. Ele está preso na cela que ele mesmo construiu e se colocou. Se ele é um prisioneiro moral, espiritual, ele também é, em decorrência, um prisioneiro social. Glória a Deus pela Santa doutrina da Igreja Católica.

    LEÃO XIII, Encíclica “Libertas”:

    “Portanto, na sociedade humana, a verdadeira liberdade não consiste nisto que faças o que te agrada, de onde surgiria uma grande confusão e perturbações que terminariam na destruição do próprio Estado; e sim nisto que, através das leis civis possas mais facilmente viver de acordo com as prescrições da lei eterna (…) De onde, é preciso reconhecer a Deus como criador da sociedade civil, enquanto é sociedade, e, em conseqüência reconheça ela e lhe cultue o poder e domínio. Condena, pois, a justiça, condena a razão, que o Estado seja ateu, ou, o que termina no ateísmo, se mostre indiferente para as várias, como se diz, religiões, e a todas promiscuamente CONCEDA OS MESMOS DIREITOS.
    É, realmente, o direito uma faculdade moral que, como já dissemos e convém repetir com insistência, não podemos supor concedida pela natureza, de igual modo, à verdade e ao erro, à virtude e ao vício. Existe o direito de propagar na sociedade, com liberdade e prudência, tudo o que é verdadeiro e tudo o que é virtuoso, para que o maior número de cidadãos possa participar da verdade e do bem. As opiniões falsas, porém, a pior espécie de mal do entendimento, e os vícios corruptores do espírito e da moral pública DEVEM SER REPRIMIDOS pelo poder público para impedir sua paulatina propagação, sumamente nociva para a mesma sociedade. OS EXTRAVIOS DE UM ESPÍRITO SILENCIOSO QUE, para a multidão ignorante, se convertem facilmente em verdadeira opressão, DEVEM SER PUNIDOS PELA AUTORIDADE das leis não menos que os atentados da violência cometidos pelos fracos. Tanto mais quanto é impossível, ou dificílimo, à parte, sem dúvida, mais numerosa da população, precaver-se contra os artifícios de estilo e as SUTILEZAS DA DIALÉTICA, principalmente quando tudo isso lisonjeia as paixões. Concedei a todos a liberdade de falar e escrever, E NADA SERÁ POUPADO, nem mesmo as verdades primárias, esses grandes princípios naturais que se devem considerar como um nobre patrimônio comum a toda a humanidade. Assim, a verdade é, POUCO A POUCO, invadida pelas trevas e, o que muitas vezes sucede, estabelece-se com facilidade a dominação dos erros mais perniciosos e mais diversos. Tudo o que a licença então ganha perde a liberdade; pois ver-se-á sempre a liberdade crescer e consolidar-se à medida que a LICENÇA SEJA MAIS REFREADA”.

    ” PIO XII, Alocução “Ci Riesce”:

    “Uma outra questão essencialmente diversa é: se numa comunidade de Estados possa, ao menos em determinadas circunstâncias, estabelecer-se como norma que o livre exercício de uma crença e de uma prática religiosa ou moral, as quais têm valor em um dos Estados-membros, não seja impedido em todo o território da comunidade por meio de leis ou providências coercitivas estatais. Em outros termos, pergunta-se se o “não impedir” ou seja, a tolerância, seja permitida nestas circunstâncias, e, portanto, a positiva repressão não seja sempre obrigatória. “Há pouco aduzimos a autoridade de Deus. Pode Deus, se bem que lhe seria possível e fácil reprimir o erro e os desvios morais em alguns casos, escolher o “não impedir”, sem entrar em contradição com sua perfeição infinita? Pode acontecer que, em determinadas circunstâncias, Ele não dê aos homens ordem nenhuma, não imponha dever nenhum, não conceda sequer direito algum de impedir e de reprimir o que é errôneo e falso? Um exame da realidade dá uma resposta afirmativa. Ela mostra que o que é errôneo e pecado se encontram no mundo em larga medida. Deus os reprova; não obstante os deixa existir. Daí a afirmação: O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL, PORQUE A TOLERÂNCIA É EM SI MESMA IMORAL — não pode ter direito na sua totalidade incondicional. “Primeiro: o que não corresponde à verdade e à norma moral, não tem objetivamente nenhum direito nem à existência, nem à propaganda, NEM A AÇÃO. Segundo: o não impedi-lo por meio de leis estatais e de disposições coercitivas pode, não obstante, ser justificado no interesse de um bem superior e mais vasto”

    É impossível, Jorge, dizer que a doutrina pré conciliar não se choca com a DH. A Igreja não condenou somente um tipo de liberdade liberal. Ela condenou a falsa liberdade em si mesma, pois dela decorrem conseqüências trágicas. Você escreveu:

    “(…) Assim, os dois exemplos – aliás, muito bons, pelos quais agradeço – trazidos pelo senhor de Estados Católicos são, exatamente, a aplicação concreta dos princípios da DH a uma realidade específica”.

    Prezado Jorge, não é isso. No foro dos Espanhóis não se reconhece nenhum direito aos falsos cultos, NEM AOS SEUS ADEPTOS, nem nos “justos limites”. Se você estivesse certo este Estado Católico teria negligenciado um direito natural, o que soa como uma sandice. Resumindo: se existisse o direito que a DH defende, a Igreja já o teria aplicado deste Constantino. Ponto final. Termino, eu sim, pedindo-lhe algo importante: uma passagem papal antes do Vaticano II que diga isto que a DH ensinou. Só isso, e eu mudo de opinião. Não aqueles passagens que o Vaticano II citou, falsificando-as (que coisa feia). Mas passagens que digam exatamente o que está escrito no documento conciliar.
    Quanto as suas duas perguntas, responderei no próximo e-mail, porque meu braço está literalmente dolorido de tanto digitar. Mas a sua Segunda pergunta é extremamente interessante, e Pio XII abordou diretamente esta questão. Resumidamente, os estados não católicos DEVEM conceder toda liberdade a Igreja Católica, porque estes estados DEVEM conceder toda liberdade a Cristo. A justiça divina determina que nós, os católicos, não demos nenhuma liberdade a eles em nossos estados, porque eles são filhos das trevas, mas eles estão moralmente OBRIGADOS a nos darem toda a liberdade, porque a Igreja Católica EXIGE esta liberdade, porque esta é a vontade de Deus. Quer os não católicos concordem ou não concordem .
    Um abraço,

    Sandro de Pontes

  11. Prezado Jorge e amigos, salve Maria.

    Após lerem o texto que sugeri anteriomente, favor comparar com o que ensinou o filósofo Joathas Belo sobre o assunto:

    “(…) Não estamos diante da “liberdade religiosa” como quem está diante de algo que “não era verdade” e passou a ser, mas de uma realidade que PASSAVA DESPERCEBIDA no tesouro da Fé, e que foi posta à luz”.

    http://www.veritatis.com.br/article/4672

    Passava “despercebida” esta “verdade”antes do Vaticano II? Em dois mil anos? Isto é, a priori, impossível em absoluto! A Igreja recebeu de Cristo a promessa da assistência divina. Somente quando os católicos se uniram aos mações e protestantes que o Espírito Santo a “ensinaria” sobre tão importante tema?
    AHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Sandro de Pontes

  12. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Peço perdão pela demora a responder; o debate começa a andar em um ritmo mais lento do que eu imaginei a princípio, e pretendo portanto resgatar a “concisão” da qual falei anteriormente. Começando, pois, preciso dizer com toda a clareza: o senhor ataca não a Doutrina Conciliar sobre a Liberdade Religiosa, e sim um espantalho dela.

    Ora, isto vai contra a doutrina da Igreja, que diz ser um dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo.

    Assim, simpliciter, não diz. Isso é inclusive proposição condenada pela própria citação que o senhor trouxe de Pio XII:

    Daí a afirmação: O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL, PORQUE A TOLERÂNCIA É EM SI MESMA IMORAL — não pode ter direito na sua totalidade incondicional. “Primeiro: o que não corresponde à verdade e à norma moral, não tem objetivamente nenhum direito nem à existência, nem à propaganda, NEM A AÇÃO. Segundo: o não impedi-lo por meio de leis estatais e de disposições coercitivas pode, não obstante, ser justificado no interesse de um bem superior e mais vasto”. [Pio XII, Ci Riesce, apud Sandro]

    Portanto, como ensina Pio XII, a afirmação de que “o desvio (…) religioso deve ser sempre impedido” não é incondicional. Igualmente, a afirmação a ela equivalente de que “[é] um dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo” também não é incondicional. Como o direito de não ser “impedido de proceder segundo a mesma [consciência], em privado e em público, só ou associado com outros” tampouco é incondicional, onde está a contradição? Duas afirmações condicionais só se contradizem, como é evidente, se forem opostas para as mesmas condições; o que não acontece no caso em discussão.

    Na verdade, a confusão é feita, a meu ver, por três motivos principais: (1) o senhor absolutiza posicionamentos do Magistério (conciliares e pré-conciliares) que não são absolutos, como mostrado acima; (2) o senhor perde de vista o objeto tutelado pela liberdade religiosa (que não é “o falso culto”, e sim “o homem”); e (3) o senhor confunde direito objetivo e direito subjetivo (esquecendo-se que o Estado considerado em Si é absolutamente incapaz de julgar por si a objetividade do direito à liberdade religiosa, cabendo isto – como já disse – à Igreja).

    Espécimen do primeiro motivo é o senhor dizer que, na minha defesa e na doutrina conciliar, “o Estado Católico parte do princípio que deve permitir em toda e qualquer situação a liberdade de culto”, o que é falso; do segundo motivo, são todas as citações que o senhor traz sobre a “liberdade de cultos” condenada [porque o Magistério condena a liberdade de cultos “que se baseia no princípio de que é lícito a cada qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar nenhuma” (Leão XIII, Libertas, 25), e não a liberdade simpliciter]; do terceiro, é o senhor falar que “[e]ste direito [de não ser impedido de agir] pertence somente aqueles que acertam, aos filhos de Deus, aos católicos”, uma coisa que é verdadeira, mas não é disso que a DH está falando.

    Na sua resposta, o senhor diz a certa altura o seguinte:

    Resumindo: se existisse o direito que a DH defende, a Igreja já o teria aplicado deste Constantino. Ponto final.

    Mas Ela aplicou! A existência de uma miríade de heresias no início do Cristianismo, a subsistência do judaísmo e do islamismo durante a Idade Média, ou do protestantismo durante a Idade Moderna, testificam isso! O que o senhor não quer entender é que a DH estabelece princípios que são aplicados diferentemente em situações concretas distintas, e estes princípios (embora não estabelecidos explicitamente antes) sempre foram praticados. Por exemplo: Santo Tomás dizia que a heresia é punível com a morte; onde está a pena de morte para os hereges no Foro Espanhol citado pelo senhor? Mudou a doutrina, por acaso? Ou mudaram as circunstâncias, o que justificou o alargamento dos limites?

    “Liberdade” e “tolerância” são os dois lados da mesma moeda. Só se “tolera” um mal porque ele está embasado em uma liberdade subjetiva. A doutrina conciliar, ao invés de conseguir na prática o que queriam os liberais (como o senhor disse em uma outra mensagem), ao contrário, consegue na prática (óbvio, se corretamente entendida e aplicada) exatamente a doutrina tradicional da tolerância. Agora, claro, se o senhor “esquecer” os limites da liberdade, se o senhor igualar coisas distintas, se o senhor atribuir aos falsos cultos o que pertence aos homens, aí, realmente, chegará ao liberalismo. Só não poderá dizer que esta doutrina é a do Concílio, porque não é.

    Por fim, sobre um outro post, o senhor comenta:

    “Passava “despercebida” esta “verdade”antes do Vaticano II? Em dois mil anos? Isto é, a priori, impossível em absoluto!”.

    Eu não concordo com o Joathas porque, como já disse aqui, os princípios da DH já eram aplicados antes do Vaticano II [as duas legislações – do Foro Espanhol e do Brasil Império – trazidas pelo senhor mostram isso]. Mas isso não é “a priori, impossível em absoluto” porque, ao que me consta, o Estado Laico é uma realidade recente e, portanto, a Igreja só pode fazer considerações sobre ele após o seu surgimento – já que Ela não é “adivinha”. Mas tem uma outra coisa. No livro “O Reno se lança no Tibre”, na parte sobre a votação da DH na Quarta Sessão do Concílio, temos a seguinte informação:

    A votação definitiva e formal [do esquema sobre a Liberdade Religiosa] se realizou na reunião pública de 7 de dezembro. O número de Non Placet caiu para 70, e 2.308 Padres Conciliares se pronunciaram a favor do texto, que foi promulgado pelo Papa em meio a grandes aplausos. (op. cit., p.254)

    Para mim, o que é a priori impossível em absoluto é a virtual totalidade (97%) da Igreja Docente reunida junto ao Papa em um Concílio Ecumênico aprovar um texto herético.

    Espero, ainda, a resposta às duas questões que deixei pendentes.

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  13. Prezado Jorge, salve Maria.

    Eu, na verdade, estou começando a cansar de tantos debates contra aqueles que se dizem católicos e que defendem o Vaticano II. Irei até o fim com você, porque fiz a proposta de debatermos e não recuarei. Mas não adianta insistir com quem não quer enxergar o óbvio. Veja o tal Sinezando, mais cego do que um morcego. Veja os protestantes, eles não querem ver o papado, que para eles não é “bíblico”. Para eles, cegos ao meio dia, e eucaristia “não é bíblica”. E veja você, que simplesmente não quer enxergar. Jorge, o Vaticano II é uma abominação. A tal “liberdade religiosa” conciliar é uma abominação.
    Agora comecemos a responder a sua carta. Incrível o que você escreve. Veja:

    “(…) Ora, isto vai contra a doutrina da Igreja, que diz ser um dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo. Assim, simpliciter, não diz”.

    Prezado, todos os papas pós revolução francesa ensinaram isso. Já lhe dei muitas passagens. O número 38 da Immortale Dei diz que “a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar; MAS É ANTES A FONTE E A ORIGEM DE MUITOS MALES”. Entendeu, Jorge? Os protestantes não podem publicar os próprios pensamentos em um Estado Católico, nem nos justos limites, nem que não façam proselitismo, nem que encontrem uma forma “respeitosa” para publicá-los. Eles não podem fazer isso. E por que? Leão XIII responde: “A liberdade, esse elemento de perfeição para o homem, DEVE APLICAR-SE AO QUE É VERDADEIRO E O QUE É BOM”. Entendeu, Jorge? E Leão XIII, depois de explicar os motivos da dignidade humana não serem suficientes para justificar pela lei natural qualquer suposto direito a liberdade religiosa, explica que aos homens desviados não é permitido que exponham publicamente aos olhos de terceiros o que é contrário a virtude e a verdade, ou seja, o que é contrário a doutrina Católica. O Vaticano II vai então dizer que estes homens podem fazer tal exposição, MESMO EM UM ESTADO CATÓLICO, desde que nos justos limites. A doutrina da Igreja vai dizer que eles não podem faze-lo em princípio, nem nos justos limites, a não ser que se deva aplicar a tolerância, que é em si ímpia, mas que evita um mal maior, não justificando esta atitude na natureza da pessoa (tal justificativa é um absurdo, porque aqueles que atingem a dignidade terminal aderindo ao erro não possuem o direito de não serem impedidos de agir). E você disse que o que eu defendo foi “condenado” pela Igreja (sic) citando a passagem de Pio XII usada por mim e explicando-a da seguinte forma:

    “(…) Portanto, como ensina Pio XII, a afirmação de que “o desvio (…) religioso deve ser sempre impedido” não é incondicional. Igualmente, a afirmação a ela equivalente de que “[é] um dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo” também não é incondicional. Como o direito de não ser “impedido de proceder segundo a mesma [consciência], em privado e em público, só ou associado com outros” tampouco é incondicional, onde está a contradição? ”.

    NÃO EXISTE TAL DIREITO, é aí que está a contradição, porque tal direito conciliar contradiz aquilo que Leão XIII ensinou. Você acerta quando diz que Pio XII ensina que “o desvio religioso que deve ser sempre impedido não é incondicional” e também que “o dever MORAL do Estado Católico PROIBIR cultos diferentes do catolicismo não é incondicional”. Sim, isto está certo. Existem algumas condições para que isto aconteça. Portanto, dentro destas condições, a doutrina da Igreja Católica ensina que o desvio religioso deve ser sempre impedido e que é dever MORAL do Estado Católico PROIBIR os falsos cultos. Simples, não é mesmo! O Vaticano II vai então dizer o contrário: mesmo dentro das condições exigidas pela Igreja pra que a doutrina católica possa ser aplicada de forma total, MESMO NESSAS CONDIÇÕES, o Estado totalmente Católico deve favorecer a liberdade de ação dos adeptos dos falsos cultos, garantindo por lei que assim o façam. E isso também foi condenado na Immortale Dei 38, escudo anti Vaticano II, que disse que “O Estado AFASTA-SE, pois, das regras E PRESCRIÇÕES DA NATUREZA SE FAVORECE A LICENÇA DAS OPINIÕES E DAS AÇÕES CULPOSAS ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude”. Entendeu, Jorge? Garantir a liberdade religiosa conciliar nos estados plenamente católicos e que estão em condições de impedir os falsos cultos totalmente é afastar-se das prescrições e regras da natureza. Logo, é dever moral do Estado coibir, EM PRINCÍPIO, os falsos cultos, ainda que em certas condições ele não possa exercer este dever, e por isso abra mão de um direito seu.

    E você ainda escreveu:

    “(…) Na sua resposta, o senhor diz a certa altura o seguinte: Resumindo: se existisse o direito que a DH defende, a Igreja já o teria aplicado deste Constantino. Ponto final. MAS ELA APLICOU! A existência de uma miríade de heresias no início do Cristianismo, a subsistência do judaísmo e do islamismo durante a Idade Média, ou do protestantismo durante a Idade Moderna, testificam isso!”.

    Prezado, por favor, me mostre em quais passagens de quais documentos a doutrina da Igreja repete aquilo que o Vaticano II ensinou? Onde? Isso é o que Pio XII explicou: que a Igreja sempre permitiu os falsos cultos por causa da tolerância aos queerram, e não por causa de direitos naturais fundamentados nadignidade humana. Se existisse este direito, Leão XIII, Gregório XVI, Pio XII, São Pio X, Pio VI, Pio IX, Pio XI teriam falado sobre ele. Ou o Espírito Santo não ilumina os papas?

    E você escreveu:

    “(…) Por exemplo: Santo Tomás dizia que a heresia é punível com a morte; onde está a pena de morte para os hereges no Foro Espanhol citado pelo senhor? Mudou a doutrina, por acaso? Ou mudaram as circunstâncias, o que justificou o alargamento dos limites?”.

    Onde está a liberdade religiosa dos não católicos no foro dos espanhóis? Nesta espanha católica morria muita gente no paredão. Vá estudar história. E você diz:

    “(…) “Liberdade” e “tolerância” são os dois lados da mesma moeda. Só se “tolera” um mal porque ele está embasado em uma liberdade subjetiva”.

    Prezado, reconheço a liberdade subjetiva que a pessoa tem de não ser impedida de agir, por exemplo, em sua casa, porque atos internos escapam a Igreja e ao Estado. E isso é doutrina católica também, e foi explicada magnificamente por Dom Lefebvre em seu livro. Mas daí não se segue que tal pessoa tenha o direito natural fundamentando em sua dignidade humana de não ser impedido de agir NO ESTADO. São quilômetros de distância uma coisa da outra. Uma coisa é o direito subjetivo de fulano acender velas para Buda em sua casa, outra é de construir templos budistas em um Estado católico.
    Ao ler as razões da liberdade religiosa conciliar, vejo da seguinte maneira: é como se a Igreja no passado tivesse proibido alguém de pisar na grama. Os papas ensinaram: “é proibido pisar na grama”. Aí vem um protestante e pisa na grama. Dom Lefebvre grita: “vejam, a Igreja ensina que é proibido pisar na grama, tirem este fulano de lá, porque ele pisa na grama e isto é proibido”. Aí vem o Vaticano II e diz: “realmente, a Igreja proibiu pisar na grama, mas esta pessoa tem o direito de não ser impedida de agir. Ela não tem o direito de pisar na grama, mas tem o direito de não ser impedida de agir”. E a conseqüência desta inversão de ponto de vista é que o sujeito continuará pisando na grama, fazendo exatamente aquilo que condenou a Igreja em um Estado Católico, cujodever moral é o de, em princípio, impedir que alguém pise na grama (crie falsos cultos no Estado). E você escreveu discordar de Joathas Belo. Nem vocês que defendem o Vaticano II concordam entre si, incrível. Veja a divisão do clero, veja a aplicação que João Paulo II deu ao concílio e a que Bento XVI vem dando (aplicações totalmente diferentes). Mas permita-me perguntar: você discorda também da declaração de Bento XVI que antigamente defendeu estar superada, defunta, a doutrina católica sobre as relações Igreja/Estado? (Vide Rapporto sulla Fede (Informe sobre a fé), p. 211). Você concorda com isso, Jorge?
    Finalizando, as duas questões que você me deixou eu as responderei, mas elas não são fundamentais. Adianto-lhe que Cristo ENSINOU: “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Logo, Jorge, sempre é necessário dar a César o que pertence a ele, e para isso ele sempre precisa estar presente. César, o Estado, é de instituição divina, e derivado da Revelação, e não simplesmente decorrente da natureza humana, como você e os modernistas querem fazer crer. Mas este é um debate mais filosófico, para o qual é preciso estudar bem os argumentos antes de coloca-lo aqui.
    Um abraço,

    Sandro

    Vou fazer um parêntese aqui e falar do ecumenismo, outra abominação conciliar. Deus JAMAIS permitiu que o seu povo se unisse aqueles que O rejeitam. Veja o antigo testamento, veja o novo testamento, veja os documentos e a prática da Igreja até o Vaticano II. O que ensinou São Paulo, Jorge? Veja como o apóstolo por excelência destrói o Vaticano II:

    (II São João 1,10)
    Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, NÃO O RECEBAIS EM VOSSA CASA, E NEM O SAUDEIS.

    E o Vaticano II diz o oposto: aqueles que não trazem a doutrina apostólica devem ser saudados e acolhidos. E São Paulo também ensinou, contra o Vaticano II:

    (Romanos 16,17)
    Rogo-vos, irmãos, que desconfieis daqueles que causam divisões e escândalos, apartando-se da doutrina que recebestes. EVITAI-OS!

    Entendeu, Jorge? Evitai-os, e não procurai-os para o diálogo. Um pouco de fermento leveda toda a massa, já ensinou Cristo. E também:

    (Gálatas 1,9)
    Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele EXCOMUNGADO!

    Excomungado, prezado Jorge, não elevado ao cargo de “legítimos irmãos em Cristo”, como quer o Vaticano II. E também São Paulo, chacoalhando as heresias conciliares, diabólicas por sinal, disse:

    I Timóteo I, III e seguintes:
    Torno a lembrar-te a recomendação que te dei, quando parti para a Macedônia: devias permanecer em Éfeso para IMPEDIR QUE CERTAS PESSOAS ANDASSEM A ENSINAR doutrinas extravagantes, e a preocupar-se com fábulas e genealogias. Essas coisas, em vez de promoverem a obra de Deus, QUE SE BASEIA NA FÉ, só servem para ocasionar disputas. Esta recomendação só visa a ESTABELECER A CARIDADE, nascida de um coração puro, de uma boa consciência e de uma FÉ SINCERA.

    Entendeu, Jorge? São Paulo manda Timóteo impedir que os desviados andassem a ensinar vãs doutrinas. E se ele tivese a espada temporal na mão, deveria usa-la nesta missão, não defendendo que tais pessoas tivessem o “direito de não serem impedidas de agir”, mas ao contrário, impedindo-as de agir. Por isso São Paulo também ensinou, contra o Vaticano II:

    (Tito 1,11)
    É necessário TAPAR-LHES A BOCA, porque transtornam famílias inteiras, ensinando o que não convém, e isso por vil espírito de lucro.

    Tapar-lhes a boca, Jorge, e não dialogar com eles. E também São Paulo ensinou:

    I Timóteo I, XVIII e seguintes:
    Eis aqui uma recomendação que te dou, meu filho Timóteo, de acordo com aquelas profecias que foram feitas a teu respeito: amparado nelas, sustenta o bom combate, com fidelidade e boa consciência, que alguns desprezaram e naufragaram na fé. É o caso de Himeneu e Alexandre, que ENTREGUEI A SATANÁS, para que aprendam a não blasfemar.

    Os apóstolos entregam os blasfemadores a Satanás, prezado Jorge, e não dizem que estes possuem realmente a vida da graça, somente porque são batizados, como ensinou o Vaticano II. E também:

    I Timóteo 6, 3
    Quem ensina de outra forma e discorda das salutares palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, bem como da doutrina conforme à piedade, é um OBCECADO PELO ORGULHO, um IGNORANTE, DOENTIO por questões ociosas e contendas de palavras (…)

    Estes maus são obcecados, doentios, prezado Jorge, e não “legítimos irmãos no senhor”, como você quer. E também:

    (II São João 1,9)
    Todo aquele que caminha sem rumo e não permanece na doutrina de Cristo, NÃO TEM DEUS. Quem permanece na doutrina, este possui o Pai e o Filho.

    Os protestantes NÃO TEM DEUS, prezado Jorge. Nem os espíritas. Nem os judeus. Somente os católicos em estado de graça. Entendeu?

  14. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Uma “abominação” é ver leigos acusando injustamente a Igreja de ser herética. Estes, sim, parecem-se muito mais com os protestantes do que os católicos que defendem a Doutrina Católica em Sua integridade.

    O senhor – como eu já disse e torno a repetir – opõe entre si duas caricaturas: a que você acredita ser a posição do Magistério Pré-Conciliar e a que você acredita ser a posição do Concílio Vaticano II. Entretanto, nem a Igreja nunca disse o que o senhor diz que Ela disse antes do Concílio, e nem o Vaticano II disse o que senhor diz que ele disse. Leia as suas próprias citações (grifos meus):

    O número 38 da Immortale Dei diz que “a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar; MAS É ANTES A FONTE E A ORIGEM DE MUITOS MALES”. Entendeu, Jorge?

    Entendeu, Sandro, que a liberdade condenada por Leão XIII é aquela subtraída a toda regra, e não a liberdade em si?

    A Dignitatis Humanae vai dizer que “a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa (…) de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites” (DH 2, grifos meus). Se a liberdade religiosa está circunscrita aos “devidos limites”, então é óbvio que, fora desses limites, o Estado deve intervir. A contrapositiva desta afirmação da DH diz exatamente que o Estado deve impedir as manifestações religiosas que ultrapassem os devidos limites.

    No entanto, o senhor falseia mais uma vez o ensinamento conciliar:

    O Vaticano II vai então dizer que estes homens [hereges] podem fazer tal exposição [de suas heresias], MESMO EM UM ESTADO CATÓLICO, desde que nos justos limites.

    Não, é óbvio que não, porque os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das heresias. Acontece que (e, aqui, o senhor falseia o ensinamento tradicional) isto é uma análise circunstancial, e não um “princípio”. O direito à liberdade religiosa, não sendo absoluto, em nada contradiz a condenação da liberdade religiosa, que também não é absoluta; isto é muito simples.

    De novo a mesma caricatura da doutrina da DH:

    [D]entro das condições exigidas pela Igreja pra que a doutrina católica possa ser aplicada de forma total, MESMO NESSAS CONDIÇÕES, o Estado totalmente Católico deve favorecer a liberdade de ação dos adeptos dos falsos cultos, garantindo por lei que assim o façam.

    Não, não necessariamente, porque no “Estado totalmente Católico” (seja lá o que isso signifique – como pode o Estado ser “parcialmente” católico?) o bem comum tutelado (cf. DH 7) pode exigir que a liberdade de ação dos adeptos dos falsos cultos seja tolhida. Os justos limites são mais estreitos.

    A aplicação deste princípio em toda a história da Igreja é evidente, quando se vê a existência de religiões não-católicas nos Estados Católicos. As únicas coisas que mudam – repito – são os limites. Repito: heresia já foi punida com a morte, e isto é ensinamento do Doutor Angélico. O senhor não chega a dizer, mas insinua, que, por princípio, o Estado deveria punir com a morte os hereges, sendo a não-aplicação da pena capital uma “tolerância” que em si é ilícita (!). Por favor, confirme ou negue isso.

    Eu falei que toda tolerância tem subjacente uma liberdade [ainda que subjetiva], de modo que “liberdade (subjetiva) religiosa” e “tolerância (objetiva) aos falsos cultos” são expressões equivalentes. Mas o senhor respondeu (trocando em miúdos) que esta tolerância deve ser impedida por princípio, o que contraria a passagem de Pio XII que o senhor mesmo citou e eu já mostrei. De novo, o falseio do ensino pós-conciliar pré-conciliar.

    Sobre o Joathas, não distorça; eu não concordo com ele sobre a questão da aplicação histórica da liberdade religiosa como foi expressa, matéria que não é dogmática e sobre a qual, portanto, é lícito haver posições distintas: viva a santa liberdade dos filhos de Deus. Concordo em diversos outros aspectos (todos os que são verdadeiramente importantes).

    Reitero, por fim, o pedido para que as minhas duas perguntas sejam respondidas, porque elas são absolutamente fundamentais, já que constituem o próprio escopo da DH (que o senhor está sistematicamente ignorando).

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  15. Jorge, salve Maria.

    Você escreveu:

    “(…) os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das heresias. Acontece que (e, aqui, o senhor falseia o ensinamento tradicional) isto é uma análise circunstancial, e não um “princípio”. O direito à liberdade religiosa, não sendo absoluto, em nada contradiz a condenação da liberdade religiosa, que também não é absoluta; isto é muito simples”.

    Você inventa para salvar o Concílio. Onde a DH diz isso? Seria um absurdo publicar um direito para depois nega-lo. Ao contrário, a DH ensina o oposto, objetivamente falando, como irei lhe provar. Vejamos o número 02 da DH:

    “(…) Este Sínodo Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Consiste tal liberdade no seguinte: os homens TODOS devem ser IMUNES DE COAÇÃO tanto por parte de pessoas particulares quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano, de tal sorte quem em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, NEM IMPEDIDOS DE AGIR de acordo com ela, em particular e em PÍBLICO, só ou associado a outrem, dentro dos DEVIDOS LIMITES. Além disso, declara que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a conhecemos pela palavra revelada de Deus e pela própria razão natural. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na organização jurídica da sociedade DEVE SER DE TAL FORMA RECONHECIDO, que chegue a CONVERTER-SE EM DIREITO CIVIL”.

    Simples, não é mesmo, prezado Jorge? Eis o direito publicado pelo Vaticano II, ou seja, se os maus agirem nos justos limites, tem o direito de não serem impedidos de agir. Você, ao contrário, vai dizer que os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das heresias. Falso. A DH não irá admitir este conceito e dirá que as crenças dos não católicos podem sempre ser expostas, desde que nos justos limites. Leia o número quatro da DH:

    4. A liberdade ou seja a IMUNIDADE de coação em matéria religiosa, que compete a cada pessoa individualmente, há de ser-lhes também GARANTIDA quando atuam em comum. Pois é a natureza social, tanto do homem quanto da própria religião, que reclama COMUNIDADES religiosas. A tais comunidades – CONTANTO QUE NÃO SE DESRESPEITEM AS JUSTAS EXIGÊNCIAS DAS ORDENS PÚBLICAS – se deve POR DIREITO ATRIBUIR A IMUNIDADE: para se regerem segundo normas próprias, para HONRAREM COM CULTO PÚBLICO A DIVINDADE SUPREMA, para auxiliarem seus membros na prática da vida religiosa, PARA OS MANTEREM NA DOUTRINA, além de promoverem as instituições nas quais colaborem os membros, com o fim de ordenarem a própria vida segundo seus princípios religiosos. As comunidades religiosas compete da mesma forma o DIREITO DE NÃO SEREM IMPEDIDAS, por meios legais nem pela ação administrativa do poder civil, na escolha dos próprios ministros, em sua formação, nomeação e transferência, na comunicação com as autoridades e comunidades religiosas que têm sua sede em outras partes do mundo, na CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS RELIGIOSOS, bem como na aquisição e uso dos bens convenientes. As comunidades religiosas possuem também O DIREITO DE NÃO SE VEREM IMPEDIDAS DE ENSINAR EM PÚBLICO E TESTEMUNHAR A SUA FÉ (?) PELA PREGAÇÃO E IMPRENSA. Na difusão, porém, da fé religiosa e na introdução de costumes, SEMPRE HÁ DE SE ABSTER DE QUALQUER TIPO DE AÇÃO QUE POSSA TER SABOR DE COIBIÇÃO OU DE PERSUASÃO DESONESTA OU MENOS CORRETA, sobretudo ao tratar-se de pessoas rudes ou indigentes. Tal modo de agir deve considerar-se como ABUSO DO DIREITO PRÓPRIO e lesão do direito alheio.
    Faz parte também da liberdade religiosa que NÃO SE PROÍBA AS COMUNIDADES RELIGIOSAS EXPOREM LIVREMENTE O VALOR PECULIAR DE SUA DOUTRINA para a organização da sociedade e para a vitalização de toda a atividade humana. Afinal, fundamenta-se na natureza social do homem e na própria índole da religião o direito pelo qual os homens, levados por seu sentimento religioso, podem REUNIR-SE LIVREMENTE ou constituir sociedades educativas, culturais, caritativas e sociais”.

    Portanto, Jorge, de acordo com o Vaticano II, As comunidades religiosas possuem o DIREITO DE NÃO SEREM IMPEDIDAS desde que se abstenham de qualquer tipo de ação que possa ter sabor de coibição ou de persuasão desonesta, pois tal modo de deve considerar-se como abuso do direito próprio e lesão do direito alheio. Ou seja, trocando em miúdos, desde que os não católicos em um estado católico evitem ações com sabor de coibição ou de persuasão desonesta ou menos correta poderão manter o direito próprio, pois agindo desta forma não lesam o direito alheio, segundo a DH. Comparemos agora estas palavras com o que você escreveu:

    “(…) os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das heresias”.

    Prezado, os não católicos somente ensinam heresias. Como aplicar então este ensinamento conciliar em um estado católico. Para o concílio, prezado, estes maus não ensinam heresias, eles ensinam o “valor peculiar de sua doutrina”. Você precisa estudar melhor o concílio. Lá os não católicos possuem fé, tem semente divina, tem doutrina. Esta coisa de heresia ficou para os tempos remotos dos papas da obscura idade média. Nem de perto se aplicaria em um estado católico esta idéia que você defende. Leia o número três da DH:

    “(…) Faz-se INJÚRIA, portanto à pessoa humana e à mesma ordem estabelecida por Deus em favor dos homens, ao NEGAR AO HOMEM A LIVRE PRÁTICA da religião na sociedade, sempre que esteja a salvo a justa ordem pública”.

    Jorge, o injuriador. Você quer negar ao “homem” a “livre prática” de sua religião somente porque eles defendem “heresias”? Quer negar este “direito” mesmo para aqueles que agem de maneira prudente, respeitando os justos limites, salvaguardando salvo a “justa ordem pública?”. Prezado, a DH não diz isso. Você inventa. É por isso que eu não defendo o concílio, porque eu conformei a minha inteligência aquilo que ele de fato ensina, e não aquilo que eu gostaria que ele ensinasse. Tanto é verdade que também está escrito no número três:

    “(…) A verdade porém deve ser buscada de um modo consentâneo à dignidade da pessoa humana e à sua natureza social, a saber, MEDIANTE LIVRE PESQUISA, servindo-se do magistério e da educação, da comunicação e do diálogo. Por esses meios, uns EXPÕEM AOS OUTROS A VERDADE QUE ENCONTRARAM ou PENSAM TER ENCONTRADO, para se auxiliarem mutuamente na INVESTIGAÇÃO da verdade”.

    Entendeu, Jorge? Para o Vaticano II os não católicos possuem não heresias, mas “verdades que pensam ter encontrado”, as quais eles DEVEM expor, desde que nos justos limites. Obedecendo aos tais justos limites, é impossível que o Estado os proíba de publicar seus pensamentos, como você defende, pois isso seria uma injúria, feriria a dignidade humana. Tanto é verdade que no número seis está escrito:

    “(…) o cuidado pelo direito à liberdade religiosa pertence tanto aos cidadãos quanto aos grupos sociais, tanto aos poderes civis quanto à Igreja E AS DEMAIS COMUNIDADES RELIGIOSAS, cada qual o seu modo, conforme suas obrigações de concorrer para o bem comum (…) Se em atenção a circunstâncias peculiares dos povos, for conferida a uma única comunidade religiosa o ESPECIAL RECONHECIMENTO CIVIL, SERÁ NECESSÁRIO AO MESMO TEMPO QUE SE RECONHEÇA E SE OBSERVE EM FAVOR DE TODOS OS CIDADÃOS E COMUNIDADES RELIGIOSAS O DIREITO A LIBERDADE EM MATÉRIA RELIGIOSA. Afinal, deve providenciar o poder civil que jamais se lese aberta ou ocultamente por motivos religiosos a IGUALDADE JURÍDICA DOS CIDADÃOS, que faz parte do bem comum da sociedade, NEM HAJAENTRE ELES DISCRIMINAÇÃO. Segue-se daí NÃOSER LÍCITO AO PODER PÚBLICO, por violência ou medo ou outros meios, obrigar os cidadãos a professar ou a rejeitar qualquer religião, ou IMPEDIR QUEALGUÉM ENTRE em comunidade religiosa ou a abandone. Contrariar-se-á tanto mais a vontade de Deus e os sagrados direitos da pessoa e da família humana, se se empregar, de qualquer modo, a força para destruir a religião OU COIBI-LA, seja em todo o gênero humano, seja em alguma região, seja em determinado grupo”.

    Jorge, o destruidor de religiões alheias. Perceba, Jorge, que se os desviados guardarem os “justos limites” aquilo que você propõe JAMAIS PODERIA ACONTECER EM UM ESTADO CATÓLICOS, pois seria o mesmo que defender um direito natural na teoria e nega-lo na prática, o que seria dizer que as pessoas então não possuem direito natural nenhum de não ser impedido de agir. No número sete a DH irá tratar diretamente do que seria ou não seria “justos limites. Vejamos:

    “(…) Como a sociedade civil, além disso, possui o direito de proteger-se contra abusos que possam surgir sob pretexto de liberdade religiosa, pertence sobretudo ao poder civil garantir tal proteção. Há de fazê-lo porém não de modo arbitrário, ou quem sabe COM FAVORISTISMO INJUSTO PARA UMA DAS PARTES, mas segundo normas jurídicas, de acordo com a ORDEM MORAL OBJETIVA; normas que se requerem: para a eficaz tutela dos direitos em favor de todos os cidadãos e de uma composição pacífica de tais direitos; e ainda para a promoção adequada daquela honesta paz pública que é a convivência ordenada na verdadeira justiça; e também para a devida custódia da moralidade pública. Tudo isso constitui parte fundamental do bem comum e cai sob a noção de ordem pública. Aliás, devem proteger-se na sociedade as normas da liberdade íntegra, segundo a qual se há de reconhecer ao homem a liberdade em sumo grau e não se há de restringi-la a não ser QUANDO E QUANTO FOR NECESSÁRIO”.

    O que isto significa, Jorge? Que a liberdade religiosa do Vaticano II não é ilimitada. Mas nem para os católicos a liberdade é ilimitada, ela deve ser exercida com prudência, já dizia Leão XIII. Nem para os liberais maçons tal liberdade seria ilimitada, pois tudo tem limites, e as pessoas devem responder por extrapolar estes limites, já dizia a constituição francesa de 1789. O Vaticano II vai então dizer o mesmo, que tal liberdade de “não ser impedida de agir” tem limites, e que estes limites devem ser aplicados de acordo com a ordem moral objetiva, ou seja, quanto mais católica for a sociedade menos liberdade de ação haverá para os adeptos dos falsos cultos. Mas mesmo nas sociedades 99% católicas a DH pedirá o seu lugar nelas. E nessas sociedades cuja ordem moral objetivamente for católica os adeptos dos falsos cultos terão todos os direitos programados pelo Vaticano II, desde que obedeçam aos justos limites, desde que “se abstenham de qualquer tipo de ação que possa ter sabor de coibição ou de persuasão desonesta”. Se agirem com “caridade”, com”respeito”, com “amor”, poderão efetivamente exercer no Estado católico todos os direitos publicados pela DH: reunir-se, construir templos, publicar pensamentos por oral e por escrito, expor a verdade que pensam ter encontrado, etc, etc…etc…

    E você escreveu:

    “(…) os “justos limites” podem ser estreitos A PONTO DE NÃO PERMITIREM SEQUER A EXPOSIÇÃO a exposição pública das heresias. Acontece que (e, aqui, o senhor falseia o ensinamento tradicional) isto é uma análise circunstancial, e não um “princípio”. O direito à liberdade religiosa, não sendo absoluto, em nada contradiz a condenação da liberdade religiosa, que também não é absoluta; isto é muito simples”.

    É você quem falseia a verdade, pois como lhe provei o ensinamento conciliar prevê que a pessoa somente perca o direito de expor aquilo que pensa se ultrapassarem os tais justos limites. Não os ultrapassando, eles mantem tal direito de culto, condenado pela Igreja. O pior disso tudo é defender os justos limites de um direito inexistente, pois os que erram não tem direito de não serem impedidos de agir. Assim, desvia-se o foco do debate para os tais justos limites, pensando assim resolver o problema. E isso é fugir do problema, pois a questão maior é, a saber: os que erram tem direito de “não serem impedidos de agir?”. A Igreja algum dia ensinou isso em algum lugar? A Igreja aplicou tal liberdade aos não católicos em seus estados baseando-se na dignidade humana?

    E você também escreveu:

    “(…) Repito: heresia já foi punida com a morte, e isto é ensinamento do Doutor Angélico. O senhor não chega a dizer, mas insinua, que, por princípio, o Estado deveria punir com a morte os hereges, sendo a não-aplicação da pena capital uma “tolerância” que em si é ilícita (!). Por favor, confirme ou negue isso”.

    O Estado Católico pode sim condenar a morte um herege, seja por princípio (por exemplo, pelo simples fato de algum batizado católico passar a proferir as heresias de Lutero) seja por conseqüência de uma ação pertinaz contra a Igreja, pelo fato de um herege fazer propaganda da heresia. Que a igreja pode pedir ao Estado para que este execute um herege isto é dado da revelação,pois que Moisés matou muitos traidores de Israel, que se entregaram as abominações. E São Paulo diz em Romanos 13, 1 que o Estado tem o direito de passar a espada nos malfeitores, matando-os, e justamente. Portanto, por princípio, a Igreja tem o direito de punir com a morte os hereges que descumprem as promessas de batismo. Mas ela pode abrir mão deste direito, caso julgue necessário por causa de um bem maior a conquistar ou de um mal maior a evitar.

    Evocê também escreveu, e esta eu achei mais incrível:

    Eu falei que toda tolerância tem subjacente uma liberdade [ainda que subjetiva], de modo que “liberdade (subjetiva) religiosa” e “tolerância (objetiva) aos falsos cultos” são EXPRESSÕES EQUIVALENTES”.

    Prezado, se isso fosse verdade a igreja teria ensinado isso no passado. Se a tolerância aos falsos cultos fosse um dado da revelação equivalente a liberdade religiosa subjetiva aDH deveria ter dito isso. E ela não diz. Tudo o que se tolera é um mal e elevar a tolerância a um direito natural vai contra a doutrina da Igreja. Se até mesmo a tolerância é ímpia, como ensinou Pio XII, imagine então se existe tal direito natural de não ser impedidono Estado, mesmo os que erram, como defende o Vaticano II. E você:

    “(…) Mas o senhor respondeu (trocando em miúdos) que esta tolerância deve ser impedida por princípio, o que contraria a passagem de Pio XII que o senhor mesmo citou e eu já mostrei. De novo, o falseio do ensino pós-conciliar”.

    Vejamos novamente o que ensinou Pio XII:

    “(…) O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL, PORQUE A TOLERÂNCIA É EM SI MESMA IMORAL — não pode ter direito na sua totalidade incondicional”.

    A tolerância aos falsos cultos não deve existir, se possível, e por princípio. O Vaticano II vai então dizer o contrário, que por princípio os estados católicos devem tolerar os falsos cultos, desde que ajam nos justos limtes. Escute Pio XII, Jorge, que ensinou: “O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL”. Se você acha que a DH se coaduna com estas palavras, eu não posso lhedizer mais nada. Apenas bater os pés dos meus sapatos para você.
    Um abraço,

    Sandro Pelegrineti de Pontes

    Você escreveu:

    “(…) Reitero, por fim, o pedido para que as minhas duas perguntas sejam respondidas, porque elas são absolutamente fundamentais, já que constituem o próprio escopo da DH (que o senhor está sistematicamente ignorando)”.

    Eu não estou ignorando, mas é que para responde-las satisfatoriamente eu preciso de um tempo que neste momento não disponho. Mas eu já as respondi, ainda que rapidamente. Respondo novamente. O Estado é derivado da revelação e não simples decorrência das pessoas humanas e nos estados não católicos a igreja de Cristo não pode ser impedida de agir. Pronto. Pode responder em cima disso que eu lhe disse rapidamente, e de acordo com as suas respostas eu lhe irei corrigindo.

  16. Caríssimo Sandro,
    Pax!

    Vou tentar resumir o que eu estou dizendo desde o início:

    1. O Poder Temporal e o Poder Espiritual são distintos; o primeiro pertence ao Estado e, o segundo, à Igreja.
    2. O Estado considerado em Si não tem potestade para arbitrar questões religiosas. Seria uma clara ingerência se o fizesse.
    3. Segue-se daí que o Estado considerado em Si não pode coagir os Seus súditos em matéria religiosa.
    4. O Poder Temporal existe, na ordem natural das coisas, para servir à Igreja.
    5. Segue-se daí que a Igreja pode solicitar ao Estado que intervenha em questões religiosas.
    6. Isso pressupõe, evidentemente, que o Estado relacione-se corretamente com a Igreja.
    7. Caso o Estado esteja separado da Igreja, recai-se no que foi dito em 3.
    8. O Estado separado da Igreja, no entanto, conserva os Seus poderes legítimos de atuação na esfera temporal.
    9. Igualmente, neste caso, segue-se que o Estado deve tutelar pela não-coação dos Seus súditos em matéria religiosa, qualquer que seja ela.
    10. Os homens têm liberdade subjetiva para errarem.
    11. Esta liberdade subjetiva na pessoa humana é ontológica, pois deriva da sua natureza racional e de sua vontade livre.
    12. A liberdade subjetiva pode degenerar em erros objetivos.
    13. A restrição da liberdade subjetiva só é lícita quando existe um bem objetivo por ela proporcionalmente ameaçado.
    14. O juízo circunstancial de cada situação vai discernir entre a tolerância e a coação.
    15. A tolerância leva em consideração o bem comum, o que inclui, embora não se resuma a, a liberdade subjetiva.
    16. O direito da liberdade subjetiva é o direito dela, e não do erro no qual ela degenera.
    17. Um direito pode ser supresso quando se choca com outros direitos mais importantes.
    18. Enquanto ele não é supresso, é verdadeiro direito, no sentido do que foi dito em 16.
    19. Não há nenhum absurdo em afirmar um direito e depois precisar as condições nas quais este direito cessa de existir. Ao contrário, isto é a coisa mais natural do mundo.

    As objeções do senhor não se compreendem. A DH, do início ao fim, sustenta a delimitação do direito (civil) à liberdade (subjetiva) religiosa na ordem pública (objetiva). É evidente que, fora dos “justos limites”, cessam os direitos. O senhor pode repetir quinhentas mil vezes o contrário, mas este é o ensinamento conciliar. Quando o senhor diz, por exemplo, que a DH ensina que “as crenças dos não católicos podem sempre ser expostas, desde que nos justos limites”, isto é simplesmente uma contradição, porque se é “nos justos limites” então não é “sempre” e se fosse “sempre” não seria “nos justos limites”. Isto é claro como água no pote. Se o direito civil individual está subordinado à ordem pública (como, aliás, é evidente em qualquer direito civil) e a ordem pública for ameaçada (como, p.ex., ocorreu historicamente com os falsos cultos nos Estados Católicos), claro está que o direito individual cessa. Isso é tão evidente que me espanta o senhor dizer o contrário.

    Todos as suposições que o senhor faz sobre os não-católicos num Estado Católico são somente suposições suas (feitas, diga-se de passagem, com muita má vontade), e não uma decorrência necessária da DH. A DH é muito clara em delimitar o direito (civil) à não-coação em matéria religiosa. Isto (agora, sim) é um princípio. As aplicações concretas vêm nos casos concretos. Simples.

    Que todos os ensinamentos anteriores do Magistério continuam válidos e devem ser incorporados à qualquer interpretação da DH que se pretenda honesta, é a própria Declaração que diz logo no seu proêmio:

    Ora, visto que a liberdade religiosa, que os homens exigem no exercício do seu dever de prestar culto a Deus, diz respeito à imunidade de coacção na sociedade civil, em nada afecta a doutrina católica tradicional acerca do dever moral que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo. (DH 1, grifos meus)

    Portanto, quaisquer interpretações do texto conciliar que contradigam a doutrina católica tradicional não se podem pretender honestas.

    Que este direito (este, o que a DH defende realmente, e não o que o senhor diz que ela defende) existe e decorre da Revelação e da Razão Natural, é a própria DH a dizer:

    Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer (2).

    […]

    NOTAS:
    […]
    2. Cfr. João XXIII, Encíclica Pacem in terris, 11 abril 1963: AAS 55 (1963), 260-261, Pio XII, Radiomensagem, 24 dez. 1942: AAS 35 (1943), 19; Pio XI, Encíclica Mit. brennender Sorge, 14 março 1937: AAS 29 (1937), 160; Leão XIII, Encíclica Libertas praestantissimum, 20 junho 1888: Acta Leonis XIII, 8 (1888), 237-238.
    [Dignitatis Humanae, 2]

    É evidente que o mal tolerado não é um direito natural. O que é um direito natural é conservar a sua liberdade subjetiva dentro dos justos limites. O senhor mesmo já admitiu isso, quando falou no sujeito que acendia velas a Buda dentro da sua casa; portanto, o senhor entende perfeitamente o que estou falando e a única discordância é quanto aos limites.

    Sobre Pio XII, LEIA a Ci Riesce:

    Un’altra questione essenzialmente diversa è: se in una comunità di Stati possa, almeno in determinate circostanze, essere stabilita la norma che il libero esercizio di una credenza e di una prassi religiosa o morale, le quali hanno valore in uno degli Stati-membri, non sia impedito nell’intero territorio della Comunità per mezzo di leggi o provvedimenti coercitivi statali. In altri termini, si chiede se il “non impedire”, ossia il tollerare, sia in quelle circostanze permesso, e perciò la positiva repressione non sia sempre un dovere.

    Quindi l’affermazione: il traviamento religioso e morale deve essere sempre impedito, quando è possibile, perchè la sua tolleranza è in sè stessa immorale – non può valere nella sua incondizionata assolutezza. D’altra parte, Dio non ha dato nemmeno a un’autorità umana un siffatto precetto assoluto e universale, né nel campo della fede né in quello della morale. Non conoscono un tale precetto né la comune convinzione degli uomini, né la coscienza cristiana, né le fonti della rivelazione, né, la prassi della Chiesa.
    [Pio XII, Ci riesce. A sua tradução diz a exata mesma coisa, à exceção da última frase]

    O Santo Padre, então, está justamente dizendo que a afirmação: “O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL”, que o senhor disse ter ele “ensinado”, não pode valer absolutamente, e ainda disse: “não conheço tal preceito nem nas convicções dos homens, nem na consciÊncia cristã, nem nas fontes da Revelação e nem na prática da Igreja”.

    E disse ainda: “Il dovere di reprimere le deviazioni morali e religiose non può quindi essere una ultima norma di azione” (O dever de reprimir os desvios morais e religiosos não pode, portanto, ser uma norma última de ação). Portanto, como eu já disse, o senhor apresenta uma caricatura do Magistério Pré-Conciliar no lugar do Magistério.

    Por fim, sobre a resposta do senhor às perguntas que eu disse serem fundamentais:

    O Estado é derivado da revelação e não simples decorrência das pessoas humanas e nos estados não católicos a igreja de Cristo não pode ser impedida de agir.

    Certo, com isso concordamos plenamente. E as igrejas ortodoxas, por exemplo, podem ser impedidas de agir numa Rússia Comunista?

    Abraços,
    Jorge

  17. Prezado Jorge, salve Maria.

    Você sofisma. Você quer tradicionalizar o concílio, dando a ele uma interrpetação que nem de perto os padres conciliares quiseram dar. Eis você:

    “(…) Quando o senhor diz, por exemplo, que a DH ensina que “as crenças dos não católicos podem sempre ser expostas, desde que nos justos limites”, isto é simplesmente uma contradição, porque se é “nos justos limites” então não é “sempre” e se fosse “sempre” não seria “nos justos limites”. Isto é claro como água no pote”.

    Jorge, a exposição das crenças dos não católicos nos estados católicos é um direito que a DH defende. O princípio conciliar é este: todo homem tem o direito de não ser impedido de agir, até os que erram, e somente perdem este direito a medida em que extrapolam os justos limites. Não os extrapolando, eles mantêm este direito de se associar publicamente, se construir templos, de publicar os seus pensamentos por oral e por escrito. E você corrige meu “erro” da seguinte forma: se é “nos justos limites” então não é “sempre” (?)”. Como dizemos aqui em Minas: “UAI, u qui é qui tem o pote com o doce?”. Por exemplo, temos o direito de ir e vir. SEMPRE manteremos este direito desde que não invadamos sem autorização propriedade alheia. Ao invadirmos propriedades alheias, perdemos tal direito. Se não as invadirmos, o mantemos. E você: “e se fosse ‘sempre’ não seria ‘nos justos limites’”. Como lhe disse, a DH ensina, quer você queira, quer não, que o não católico que se mantenha nos justos limites SEMPRE terá o direito de não ser impedido de agir. É um direito nato, até para aqueles que erram, que segundo a DH não perdem o direito de serem impedidos de agir porque erram, mas porque extrapolam os tais “justos limites”. Entendeu a distinção? Claro como água de Minas no pote! Já a doutrina da Igreja Católica vai dizer, na Immortale Dei 38, que condena esta liberdade defendida pelo Vaticano II, que se a inteligência adere às opiniões falsas e se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atingem a sua perfeição, ambas decaem da sua dignidade nativa e se corrompem. Por isso, A PARTIR DESTE MOMENTO, a tais homens nestas condições não é permitido expor doutrinas contrárias a virtude a a verdade. Você certamente me dirá: “concordo, eles não tem esse direito, mas tem o direito de não ser impedido de agir”. Ocorre que ao exercer o direito de não ser impedido de agir exatamente o que eles irão fazer? Respondo: irão expor doutrinas contrárias a virtude e a verdade. A DH não irá então condenar tal exposição, que para ela é benéfica, desde que feita nos justos limites Veja a DH, que diz que “faz-se injúria a pessoa humana NEGAR ao homem a livre prática da religião na sociedade, sempre que esteja a salvo a justa ordem pública”.
    Portanto, salvaguardando a ordem pública, NÃO SE PODE NEGAR AO HOMEM A LIVRE PRÁTICA DA RELIGIÃO, seja ela qual for: islamismo, protestantismo, budismo, espiritismo. Observando esse requisito fundamental dado pela DU (salvaguardar a justa ordem pública) SEMPRE os não católicos manterão o direito de não serem impedidos de agir. Não force a interpretação da DH para que o documento ensine aquilo que você desejaria que ele ensinasse. Este documento mudou isso na Igreja: todos e em qualquer situação tem direito de agir sem ser impedido, desde que ajam nos justos limites! Este é o princípio do documento. Partindo deste princípio, aí sim a liberdade das pessoas será aumentada ou diminuída no Estado Católica. Mas a DH não sugere, nem de perto, como você quer me fazer crer, que os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das crenças dos não católicos (que são sempre heresias). Como disse e volto a repetir para tentar fazer você entender de uma vez por todas, não permitir a exposição das crenças aos não católicos e ir contra o direito que eles tem de não serem impedidos de agir. Já debati com muitos defensores do Vaticano II, e jamais alguém defendeu isso que você defende. NEM O VATICANO, que não faz, na prática, uma distinção como esta. A Santa Sé, nos seus atos oficiais, refere-se ao direito à liberdade religiosa como foi enunciado pela ONU. Por exemplo, no § 2 do acordo entre a Santa Sé e Israel. Leia:

    “A Santa Sé, recordando a Declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio ecumênico Vaticano II, “Dignitatis Humanae”, afirma o empenho da Igreja Católica em preservar o direito de todos à liberdade de religião e de consciência, COMO SUBLINHA A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, E OS OUTORS ATOS INTERNACIONAIS dos quais participa”.

    Fonte: La Croix, 31 de dezembro de 1993.

    Você entendeu., Jorge, o que diz a Santa Sé pela pena de João Paulo II? Você concorda com o que está escrito aí em cima? E pensa você que é só? Não, não é. Tem mais. Leia a interpretação autorizadíssima dada por João Paulo a DH:

    “(…) “O Concílio Vaticano II […] declara que a pessoa humana “tem direito à liberdade religiosa” (Dignitatis Humanae no. 2). Neste documento, o Concílio SENTE-SE UNIDO aos milhões de homens que, no mundo, ADEREM, EM TODAS AS SUAS APLICAÇÕES PRÁTICAS, AO ARTIGO 18, da declaração universal dos direitos humanos da ONU, a qual afirma: “Todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião” .

    Fonte: Alocução de João Paulo II aos Bispos da Índia em visita ad limina, 23 de junho de 1979.

    Entendeu, Jorge? A DH se alinha a declaração universal dos direitos humanos da ONU (leia-se maçonaria). E mesmo esta declaração pede que a liberdade seja exercida nos justos limites. Veja:

    “Artigo XVIII.

    Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

    Artigo X

    Ninguém deve ser incomodado pelas suas opiniões também religiosas, contanto que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” (Artigo XXIX.

    2. No exercício de seus direitos e liberdades, TODO SER HUMANO ESTARÁ SUJEITO apenas AS LIMITAÇÕES DETERMINADAS PELA LEI, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
    3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas”.

    Fonte: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

    Como escreveu Pe. Pierre Marie, a liberdade religiosa da Declaração dos direitos humanos do homem e do cidadão em 1789 (e que se aproxima tanto da nova declaração que lhe cito como da doutrina conciliar) foi declarada um “direito monstruoso” pelo Papa Pio VI. Mede-se assim o desvio da “Igreja conciliar” que não se limita mais a reclamar um “direito negativo e limitado” (já criticável e criticado justamente), mas se alinha pura e simplesmente com a doutrina da ONU! E não acabou, Jorge. O Papa João Paulo II ainda disse o seguinte sobre o assunto:

    “Devemos fazer com que todos respeitem a liberdade religiosa. Ela é a pedra angular de todas as liberdades; IMPEDIR OS OUTROS DE PROFESSAR LIVREMENTE a própria religião equivale a pôr a nossa em perigo.”

    Fonte: http://www.permanencia.org.br/SimSimNaoNao/055/art1.htm

    E você ainda que me convencer (ou se convencer) que os “justos limites” estabelecidos pelo concílio podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das crenças dos não católicos? AAHHHHH!!!!!!

    Você escreveu:

    “(…) Se o direito civil individual está subordinado à ordem pública (como, aliás, é evidente em qualquer direito civil) e a ordem pública for ameaçada (como, p.ex., ocorreu historicamente com os falsos cultos nos Estados Católicos), claro está que o direito individual cessa. Isso é tão evidente que me espanta o senhor dizer o contrário”.

    Ocorre que para a DH a ordem pública somente é ameaçada quando os adeptos dos falsos cultos agem fora dos justos limites. Quando estes adeptos AGEM dentro dos justos limites, para a DH a ordem pública não fica ameaçada e faz-se injúria a pessoa humana proibir os cultos não católicos. Eis a distinção que você não quer enxergar. A doutrina tradicional católica vai dizer o contrário, que a simples existência de falsos cultos já ameaça a ordem pública (proposição 79 do Sylabus), e por isso, em princípio, o Estado tem obrigação de negar qualquer direito de existência (proposição 78). Veja o foro dos espanhóis. Três coisas foram ensinadas por Pio IX no fenomenal Syllabus e isto é verdade de fé, não pode ser negada por ninguém, nem pelo Vaticano II:

    1) É necessário que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de todos os outros cultos (proposição 77).

    2) Os Estados Católicos devem publicar leis proibindo o exercício público de todos os cultos não católicos (proposição 78).

    3) A liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manisfestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produz corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, e contribui para a propagação da peste do Indiferentismo (proposição 79).

    Veja, a simples publicação de opiniões não católicas no Estado católico propaga o indiferentismo. A DH vai dizer que isso pode e deve ser feito, desde que nos justos limites. Nada mais longe da realidade católica. E você escreveu:

    “(…) A DH é muito clara em delimitar o direito (civil) à não-coação em matéria religiosa. Isto (agora, sim) é um princípio”.

    Sim, e como é a delimitação de tal liberdade, Jorge? Você não leu o documento? Vejamos o número 02 da DH:

    “(…) Consiste tal liberdade NO SEGUINTE: os homens TODOS devem ser IMUNES DE COAÇÃO tanto por parte de pessoas particulares quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano, de tal sorte quem em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, NEM IMPEDIDOS DE AGIR de acordo com ela, em particular e em PÚBLICO, só ou associado a outrem, dentro dos DEVIDOS LIMITES”.

    Simples, não é mesmo, prezado Jorge? Esta “não coação” abrange um duplo aspecto: atos internos e externos. É impossível separá-los. Estando nos justos limites, ninguém pode ser impedido de agir em particular e nem em público, sozinho ou associado a terceiros. Você, ao contrário, vai dizer que os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitir isso, e esta sua tese contraria a DH. E também ensinou Pio IX:

    4) O Pontífice Romano não pode e não deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna (proposição 80).

    Entendeu, Jorge? O Vaticano II necessariamente transigiu com o progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna (vide Gaudium et spes). Façamos o seguinte, a partir de agora: você é o Estado Católico e eu sou o líder de uma religião não católica. Eu quero exercer o meu direito de não ser impedido de agir, certo? Então eu bato em sua porta com a DH nas mãos e digo: “desejo construir templos, reunir os adeptos de minha religião, organizar atos internos e externos, publicar jornais, enfim, tudo isso. Tenho autorização para isso?”. E você, Jorge, representando o Estado Católico, e com a DH nas mãos, me responderá. Beleza, Jorge? Aguardando a sua resposta, despeço-me cordialmente.

    Sandro de Pontes

  18. Prezado Jorge e amigos, salve Maria.

    Escrevi um artigo. Espero que possa ser útil.
    Um abraço,

    Sandro

    CATÓLICOS LIBERAIS, OS PIORES INIMIGOS DA IGREJA

    A Igreja Católica, desde o surgimento do liberalismo maçônico e de seu triunfo a partir da revolução francesa, luta a duras penas para conter o avanço da impiedosa mentalidade que vem destruindo a fé da maioria dos católicos no mundo todo. Hoje, mesmo aqueles que freqüentam paróquias, comungam, participam de pastorais, movimentos e “ministérios”, estão tomados pela mentalidade liberal. Desde Bento XVI até o mais humilde fiel, passando por bispos e sacerdotes, via de regra todos defendem que as religiões não católicas são boas, que os não católicos agradam a Deus desde que O busquem em suas vidas, que Deus está verdadeiramente presente também em suas religiões, etc…
    Quando a Igreja começou a perder terreno devido ao avanço liberalismo, uma “avalanche” de documentos papais começou a brotar de Roma, sempre ensinando com firmeza a verdade católica. Neste sentido foram muitos os documentos, pronunciamentos e ações dos papas para gloriosamente tentar vencer o inimigo. O esforço não foi em vão, e por muitos anos o ímpeto liberal foi detido ou pelo menos amenizado. Mas a partir do século XIX a situação se agravou ainda mais, e o resultado deste agravamento é a babel que nós vivemos hoje. E por que isso aconteceu? Porque a partir deste período foram os próprios católicos que miseravelmente passaram a apoiar os princípios liberais, resumidos na tríade “liberdade-igualdade-fraternidade”. Tais pessoas receberam a alcunha de “católicos-liberais”, e muito trabalharam para a concretização da síntese entre a doutrina católica e a revolução francesa, levada a cabo pelo Vaticano II.
    Infelizmente, muitos destes católicos-liberais concordavam com toda a doutrina maçônica, e as defendiam abertamente. Estes era fácil de se combater, bastando mostrar-lhes os seus erros de acordo com os ensinamentos da Igreja. Mas outros católicos concordavam com os princípios do liberalismo, mas não com a doutrina que os embasava. Foram precisamente estes que iniciaram a tentativa de síntese entre a revolução francesa e a doutrina católica. Assim que começaram a agir, persuadindo os fiéis a acreditarem que haviam verdades nos princípios maçônicos que poderiam e deveriam ser assimilados pela Igreja, prontamente os papas reinantes reagiram e denunciaram este empreitada como anti-católica. Na página 73 do livro “Do Liberalismo a Apostasia – A Tragédia Conciliar”, Dom Lefebvre nos conta que um padre de nome Roussel reuniu em seu livro “Liberalisme et Catholicisme” uma série de declarações do Papa Pio IX que condenaram esta tentativa de aliar a Igreja com a revolução. Na primeira delas que citarei, vejam o que ensinou Pio IX a um círculo católico de Milão, no ano de 1873:

    “(…) Entretanto, por mais que os filhos dos séculos sejam mais hábeis que os filhos da luz, as astúcias dos inimigos da Igreja teriam MENOR ÊXITO se um grande número dos que levam o nome de católicos não lhes estendesse a mão amiga. MAS POR DESGRAÇA há os que parecem querer andar de acordo com nossos inimigos, e se esforçam por estabelecer uma ALIANÇA ENTRE A LUZ E AS TREVAS, um acordo entre a justiça e a iniqüidade, por meio destas doutrinas chamadas de “católico-liberais”; estas, apoiando-se em princípios os mais perniciosos, afagam o poder laico quando invade as coisas espirituais e fazem os espíritos respeitar ou pelo menos tolerar as leis mais iníquas, como se não estivesse escrito que ninguém pode servir a dois senhores. ESSES SÃO CERTAMENTE MAIS PERIGOSOS E MAIS FUNESTOS DO QUE OS INIMIGOS DECLARADOS, porque agem sem serem notados, ou pelo menos pensam agir assim. Porque MANTENDO-SE NO JUSTO LIMITE DAS OPINIÕES CONDENADAS FORMALMENTE, mostram uma certa aparência de integridade e de doutrina reta, seduzindo assim aos imprudentes amadores de conciliação e enganando gente honesta, QUE SE REBELARIA CONTRA UM ERRO DECLARADO. Assim dividem os espíritos, desfazem a unidade e DEBILITAM AS FORÇAS QUE TERIAM QUE SE UNIR PARA LUTAR CONTRA O INIMIGO…”.

    Estas palavras caem como uma luva contra os defensores do concílio Vaticano II. Os “católicos” amigos da revolução francesa, querendo sustentar os princípios liberais e simultaneamente não podendo defender o embasamento de tais princípios (pois foram violentamente condenados), passaram a tentar conciliar a verdade católica com aquilo que eles pensavam que havia de cristão no liberalismo. Daí as nefastas doutrinas da liberdade religiosa conciliar, do ecumenismo, do diálogo inter religioso. “Vejam!”, disseram estes católicos, “a Igreja condenou a liberdade de culto baseada na consciência da pessoa, mas tal doutrina fundamentada na dignidade humana estaria perfeitamente de acordo com o evangelho”. Ou então: “Vejam, o ecumenismo que a Igreja condenou é o irenista, aquele que não admite que exista uma verdade. O ecumenismo que propomos é de um outro tipo, é evangélico, apesar de nunca ter sido realizado em mais de 1900 anos de Igreja. Deus estava esperando nós nascermos, os católicos-liberais, para trazermos esta grande verdade bíblica ignorada por séculos”. Pio IX então vai dizer que estes malditos católicos são piores do que os maçons, piores que os maiores inimigos da Igreja, pois tais católicos mantêm-se no “justo limite das opiniões condenadas formalmente”, mostrando assim uma certa “aparência de integridade e de doutrina reta”, o que faz enganar “gente honesta que se rebelaria contra um erro declarado”. Mais claro, impossível.
    Por não poder declarar a liberdade de culto no Estado católico fundamentando-a como os liberais na consciência do sujeito, os católicos maçonicos então fundamentaram-na na dignidade humana, ensinando uma doutrina NUNCA ANTES ENSINADA, estabelecendo uma prática nunca antes adotada. E aí vem católicos honestos, que se rebelariam contra um erro declarado, e acabam aceitando o erro camuflado sobre aparência de verdade. A verdadeira liberdade religiosa obviamente é doutrina católica, e foi ensinada inúmeras vezes pelos papas, que citaram a dignidade de filhos de Deus como elemento fundamental para exercê-la. Mas esta liberdade conciliar, que dá direito de “não ser impedido de agir” também aos que erram é uma verdadeira aberração doutrinal jamais ensinada pela Igreja. E a Igreja já ensinou TUDO o que poderia ser ensinado. E a Igreja sistematicamente ensinou que qualquer novidade doutrinal deve sempre ser rejeitada pelos simples fato de ser novidade doutrinal. Não seria um concílio abominável (pois nele os católicos se uniram a protestantes e maçons) que ensinaria uma “verdade” que até então teria recebido o nome de “tolerância”, como querem os defensores do Vaticano II. Continuando, Pio IX também disse aos redatores de um jornal católico de Rodez, em dezembro de 1876:

    “(…) Nós só podemos aprovar-vos pelo fato de terem empreendido a defesa e explicação das determinações de nosso Syllabus, principalmente as que condenam o liberalismo dito católico: o qual, contando com um grande número de partidários MESMO ENTRE OS HOMENS HONESTOS E DANDO A IMPRESSÃO DE SE AFASTAR POUCO DA VERDADE, ENGANA MAIS FACILMENTE os que não estão de sobreaviso, e destruindo o espírito católico insensivelmente e de modo velado, diminui as forças dos católicos e AUMENTA AS DO INIMIGO”.

    Novamente, Pio IX vai insistir nesta questão de homens honestos defenderem a síntese entre revolução e Igreja. E que tais homens enganam os católicos, pois dão a impressão de se afastar pouco da verdade, o que aumenta as forças do inimigo. Estes são os piores inimigos da Igreja. No mês de julho de 1871 o Papa disse o seguinte aos peregrinos de Nevers:

    “(…) O que aflige nosso país e o impede de receber as bênçãos de Deus é esta MISTURA DE PRINCÍPIOS. Direi e não me calarei: O QUE TEMO NÃO SÃO ESTES MISERÁVEIS DA COMUNA DE PARIS…o que temo é esta desastrada política, ESTE LIBERALISMO CATÓLICO QUE É UM VERDADEIRO FLAGELO…este jogo de pêndulo que DESTRUIRIA a verdadeira religião. Sem dúvida, deve-se praticar a caridade, fazer o possível para atrair os extraviados; entretanto, NÃO É NECESSÁRIO POR CAUSA DISSO COMPARTILHAR COM SUAS OPINIÕES…”.

    Pio IX então diz temer mais os católicos liberais do que os comunistas. E por que? Porque estes compartilham das opiniões liberais maçônicas, desejando uma síntese que destruiria a Igreja Católica. E o Papa vai de novo realçar isto, em um “breve” a um círculo católico de Quimper, em 1873:

    “(…) em muitas ocasiões em que temos repreendido os partidários das opiniões liberais, não tínhamos em vista aqueles que odeiam a Igreja e aos quais seria inútil falar, mas nos referimos aos que CONSERVANDO E MANTENDO ESCONDIDO O VÍRUS DOS PRINCÍPIOS LIBERAIS ,com que se alimentaram desde o berço, sob o pretexto de NÃO ESTAR INFECTADO COM UMA MALÍCIA CLARA e que SEGUNDO ELES não é prejudicial a religião, o transmitem facilmente as almas e PROPAGAM assim AS SEMENTES DESSAS REVOLUÇÕES que sacodem já há bastante tempo o mundo”.

    Todas estas passagens demonstram com clareza o perigo que é assimilar princípios da revolução francesa, aplicando-os a doutrina católica. E foi isso exatamente o que o Vaticano II fez! A LIBERDADE religiosa, a IGUALDADE sugerida a partir da colegialidade e a FRATERNIDADE “universal” a partir do ecumenismo e do diálogo são princípios liberais sintetizados a doutrina da Igreja. Tanto é verdade que o Vaticano II admitiu que a purificação e assimilação dos princípios liberais era o seu fim primordial. Veja o que está escrito no número 11 da Gaudium et Spes:

    “(…) O Concílio tem a intenção antes de tudo de distinguir sob esta luz AQUELES VALORES QUE HOJE SÃO DE MÁXIMA ESTIMAÇÃO, relacionando-os à sua fonte divina. Estes VALORES, enquanto derivam da inteligência do homem que lhe foi conferida por Deus, SÃO MUITO BONS. Mas por causa da corrupção do coração humano eles se afastam não raro da sua ordem devida e por isso PRECISAM DE PURIFICAÇÃO”.

    Ora, os valores que hoje são de máxima estimação pelos liberais e demais católicos que lhes estendem as mãos são exatamente os princípios liberais, que o concílio diz ser sua intenção “purificá-los”. E o então cardeal Ratzinger confirmou isso, ao conceder entrevista a revista “Jesus”, em 1984:

    “(…) O problema dos anos 60 era adquirir os melhores valores resultantes dos séculos de cultura “liberal”. Efetivamente são valores que MESMO NASCIDOS FORA DA IGREJA PODEM ENCONTRAR SEU LUGAR, purificados e corrigidos, em sua visão do mundo. É o que foi feito”.

    Incrível! Termino com uma frase de Dom Lefevre, que na página 51 do livro que citamos e que retiramos todas estas passagens escreveu:

    “(…) É dramático que se afirme que os papas não viram o que há de verdade cristã nos princípios da revolução de 1789”. E continua na página 52: “É uma impiedade e injustiça aos papas dizer-lhes: ‘vós haveis juntado na mesma condenação os falsos princípios do liberalismo e as liberdades boas que ele propõe; haveis cometido um erros histórico’”.

    Lutemos contra os defensores do Vaticano II, sabendo que são católicos liberais tão condenados quanto foram os liberais não católicos. Estejamos atentos também a esta ressalva: este tipo de católico é ainda pior do que os liberais, é um inimigo ainda mais perigoso do que maçons e comunistas. Mesmo que estejam bem intencionados.

    Sandro Pelegrineti de Pontes

  19. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Peço perdão pela demora em responder, mas é que, nos últimos dias, foi bastante difícil para mim encontrar algum tempo livre.

    Sem mais delongas: o senhor insiste na dupla caricatura (do “Magistério Pós-Conciliar” no qual “nada nunca é permitido” e do “Magistério do Vaticano II” no qual “tudo sempre é permitido”) de uma maneira que me é incompreensível e que não vai nos levar a lugar nenhum. De minha parte, eu não sei de onde o senhor tirou que a minha interpretação do Concílio os Padres Conciliares “nem de perto (…) quiseram dar”, pois a única interpretação possível de um documento do Magistério da Igreja compete ao próprio Magistério da Igreja. E o Magistério nunca disse o que o senhor diz que ele disse, nem quanto ao Vaticano II, nem antes dele.

    Quanto à afirmação auto-evidente de que o que é universal não pode valer só condicionalmente e o que só vale condicionalmente não pode ser universal, realmente eu não tenho mais nada a dizer. Mais claro que isso, impossível.

    Vou repetir de novo: nem o Magistério pré-conciliar afirmou que era uma regra absoluta que o Estado Católico devesse coibir os falsos cultos (a), nem a DH afirma que é uma regra absoluta que o Estado não possa coibir os falsos cultos (b). Isso já foi demonstrado:

    Quanto a (a):

    – [A] Igreja (…) não se opõe à tolerância do que os poderes públicos crêem poder usar a respeito de certas coisas contrárias à verdade e à justiça, em face dum mal maior a evitar, ou dum maior bem a obter ou conservar. (…) Mais ainda: reconhecendo-se impotente para impedir todos os males particulares, a autoridade dos homens deve permitir e deixar impunes muitas coisas que não obstante atraem com justo motivo a vindica da Providencia divina (S. Agost. De lib. arb., lib. I, c. 6, n. 14) [Leão XIII, Libertas. Grifos meus].

    – Daí a afirmação: O DESVIO MORAL E RELIGIOSO DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, QUANDO É POSSÍVEL, PORQUE A TOLERÂNCIA É EM SI MESMA IMORAL — não pode ter direito na sua totalidade incondicional. [Pio XII, Ci Riesce, apud Sandro. Grifos meus]

    Quanto a (b):

    – [A] suprema norma da vida humana é a própria lei divina, objectiva e universal, com a qual Deus, no desígnio da sua sabedoria e amor, ordena, dirige e governa o universo inteiro e os caminhos da comunidade humana. [DH 3, grifos meus – portanto, a norma suprema não é a “consciência” de cada um, e sim a “lei divina, objetiva e universal”]

    – Além disso, uma vez que a sociedade civil tem o direito de se proteger contra os abusos que, sob pretexto de liberdade religiosa, se poderiam verificar, é sobretudo ao poder civil que pertence assegurar esta protecção (…) segundo as normas jurídicas, conformes à ordem objectiva, postuladas pela tutela eficaz dos direitos de todos os cidadãos e sua pacífica harmonia (…). [DH 7, grifos meus – portanto, as ameaças à sociedade podem ser coibidas em conformidade com a “ordem objetica”]

    Portanto, o Magistério não se contradiz. É simples.

    As citações que o senhor traz do Santo Padre João Paulo II dizem o contrário do que o sr. insinua. O Papa diz que a “liberdade religiosa” da ONU, para que tenha valor verdadeiro, deve ser entendida conforme a DH, porque é evidente que é a ONU que tem que se pautar pela Igreja, e não o contrário. Pressupôr diferente disso vai tornar impossível qualquer entendimento católico do que quer que seja.

    O senhor cita – e não entende – três proposições do Syllabus, quando nenhuma das três contradiz a DH:

    77º Na nossa época já não é útil que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos.

    A DH não diz que “não é útil que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado”. Ao contrário, diz expressamente que “a liberdade religiosa (…) em nada afecta a doutrina católica tradicional acerca do dever moral que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo” (DH 1).

    78º Por isso louvavelmente determinaram as leis, em alguns países católicos, que aos que para aí emigram seja lícito o exercício público de qualquer culto próprio.

    A DH não diz que é lícito, nos países católicos, o exercício de qualquer culto próprio, e sim que o exercício dos cultos não-católicos só é lícito dentro dos limites da ordem objetiva.

    79º É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manisfestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, como contribua para a propagação da peste do Indiferentismo.

    A DH não concede para todos pleno poder, como eu já disse mil vezes, e nem muito menos nega que isso “produza corrupção dos costumes”, pois alude expressamente, quando fala dos limites da liberdade religiosa, à “guarda que se deve ter da moralidade pública” (DH 7).

    A pergunta que o senhor faz – sobre o líder do Estado Católico e o adepto da falsa religião – está completamente enviesada pelo concepção da Doutrina duplamente caricata à qual me referi acima. A resposta é muito simples: o senhor nem precisaria chegar com a DH na mão, bastaria chegar e pedir, que o governante católico iria analisar as conjunturas para decidir se iria ou não conceder a autorização para os atos públicos do culto. Poderia permitir ou não. E não iria contrariar nem o “Magistério pré-conciliar” naquele caso, nem o Vaticano II neste.

    Gostaria de terminar voltando à minha pergunta (que está em aberto há muito tempo), apenas fazendo uma ressalva referente a uma minha resposta que não ficou precisa:

    O Estado é derivado da revelação e não simples decorrência das pessoas humanas e nos estados não católicos a igreja de Cristo não pode ser impedida de agir.

    Certo, com isso concordamos plenamente. E as igrejas ortodoxas, por exemplo, podem ser impedidas de agir numa Rússia Comunista?

    Concordo com a segunda parte (“nos estados não católicos a igreja de Cristo não pode ser impedida de agir”), mas não com a primeira relativa ao Estado. Mas deixemos esta primeira parte de lado por enquanto. Quero saber se a Igreja Ortodoxa pode ser impedida de agir na Rússia Comunista (e, no geral, se uma religião pode ser impedida de agir num estado não-católico).

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  20. Prezado Jorge, salve Maria.

    Este debate já se alonga. Realmente, não dá para ficarmos repetindo uns para os outros aquilo que já dissemos. Ainda mais depois que eu li a sua interpretação das proposições condenadas pelos Syllabus, totalmente descabidas e fora do bom senso, em minha opinião. Concluo que se nem mesmo os ensinamentos claros dos papas sobre esta questão o convencem não serei eu que o farei. Para você se convencer, e se converter, somente com muito jejum e oração, creio. Mas se ainda insistirei mais uma vez, é por causa das pessoas que acompanham este debate, pois que muitos podem estar entre escolher os erros conciliares e a rejeição total a deles. Por elas responderei seu último e-mail. E começo pelo seguinte trecho escrito por você:

    “(…) 79º É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manisfestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos, como contribua para a propagação da peste do Indiferentismo.
    A DH não concede para todos pleno poder, como eu já disse mil vezes, e nem muito menos nega que isso “produza corrupção dos costumes”, POIS ALUDE EXPRESSAMENTE, quando fala dos limites da liberdade religiosa, à “GUARDA QUE SE DEVE TER DA MORALIDADE PÚBLICA” (DH 7)”.

    Prezado, você não entende aquilo que o papa entende por “pleno poder”. Este é o seu erro. Vou lhe dar um exemplo extremamente claro, que fará você entender isso de uma vez por todas, se tiver boa vontade. Pio VI, escreveu o seguinte na Quod aliquantulum, que é de 10 de março de 1791, dois anos após a declaração francesa de 1789:

    “(…) É com este objetivo (abolir a religião católica) que se estabeleceu, como um direito do homem na sociedade, ESSA LIBERDADE ABSOLUTA, que não só assegura o direito DE NÃO SER IMPEDIDO sobre as suas opiniões religiosas, mas que dá ao indivíduo esta licença de pensar, de dizer, de escrever, e mesmo de fazer INJÚRIA IMPUNEMENTE em matéria de religião, tudo o que possa se sugerir à imaginação mais desregrada: DIREITO MONSTRUOSO, mas que parece para a Assembléia resultar da igualdade e da LIBERDADES NATURAIS a todos os homens. Mas que poderia aí existir de mais INSENSATO…?”.

    Se eu lhe apresentar este trecho contra o Vaticano II, prezado Jorge, você me dirá certamente que a DH não cai nesta condenação, porque ela não defende a liberdade “absoluta” do homem, mas sim uma liberdade sujeita a “justos limites”, e que nesta liberdade conciliar não se pode fazer “injúria impunemente” a religião católica porque ela prevê que os adeptos dos falsos cultos devem “guardar a moralidade pública”, etc.,exatamente como você fez para refutar a proposição 79 do Syllabus, certo? Porém, vamos agora analisar os dois artigos da Declaração dos direitos humanos de 1789 e que geraram estas palavras de Pio VI. Veja os dois artigos que são os mais particularmente atingidos por esta condenação:

    “Art. 10: “Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, mesmo religiosas, CONTANTO QUE A SUA MANIFESTAÇÃO NÃO PERTURBE A ORDEM PÚBLICA ESTABELECIDA PELA LEI”.

    Art. 11: A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; portanto, todo o homem deve poder falar, escrever, imprimir livremente, SALVO EM CASOS DE ABUSO DESSA LIBERDADE DETERMINADOS PELA LEI”.

    Ora, prezado Jorge, concluímos o seguinte, e veja se entende: o Papa Pio VI ao ler estes dois artigos que lhe cito disse taxativamente que eles concediam aquilo que chamou de “liberdade absoluta” para os adeptos dos falsos cultos, o que resultaria em “fazer injúria impunemente em matéria de religião”. Mas ao lermos estes dois artigos, contatamos que mesmo eles impõem limites as pessoas que escrevem, e que estas devem a “ordem pública” estabelecida pela lei. Claro que os defensores do concílio dirão que a ordem pública prevista pelos liberais é naturalista, e que isto foi condenado por João Paulo II (o que é verdade) e que a ordem pública prevista pela DH deve ser interpretada como aquilo que corresponde à verdade e ao bem. Mas ainda que esta diferença entre um ensinamento e outra deva ser realçada, a questão é que no fundo eles são concordantes em uma coisa: o homem tem o direito natural a imunidade na sociedade, e este direito deve ser exercido nos justos limites. No fundo, na essência, o ensinamento é idêntico. Somente o entendimento dos tais “limites” diferem (aliás, diga-se de passagem, até mesmo os católicos devem agir no estado católico nos justos limites, eles não podem fazer o que lhes der na cabeça. Tudo tem limites na vida).
    Portanto, como eu ia dizendo, Pio VI leu o que estava escrito na constituição francesa, e leu as ressalvas que este novo direito proclamava, e ainda assim se referiu a eles como direitos que geravam “liberdade absoluta”, onde se fazia “injuria de forma impune a Igreja Católica, etc.”. E aí, porque Pio VI não se referiu a estes direitos com a ressalva que eles são nos “justos limites”, e que portanto não podem ser considerados absolutos? Hein? Como resolver esta questão? Resolve-se colocando aquilo que é óbvio, mas que para muitos defensores do Vaticano II é difícil enxergar: a “liberdade absoluta” que diz o santo padre aqui é referente ao princípio que ninguém deve ser incomodado por suas opiniões, mesmo religiosas, e que a livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos que o homem possui, e que estes, portanto, podem falar, escrever e imprimir livremente, em princípio, o que pensam. Este princípio do qual parte a declaração francesa, e que é o mesmo princípio conciliar, é que o Papa condena como gerador de uma “liberdade absoluta”, independente da ressalva tácita escrita nestes dois artigos que os homens não podem extrapolar os limites da lei. É ISSO QUE ESTÁ CONDENADO PELA IGREJA, E FOI ISSO QUE O VATICANO II ENSINOU! Entendeu? Ora, se se aplica ao Vaticano II estas palavras de Pio VI (e partindo da premissa que ele leu os dois artigos da revolução francesa que previam os “justos limites”) então podemos dizer que este direito conciliar é, segundo Pio VI, monstruoso! Veja, Pio VI ao ler estes dois artigos da revolução não se contenta com a ressalva feita a cessação de direitos no momento em que os homens extrapolam a lei, mas condena o “direito” a liberdade religiosa que segundo ele “parece para a Assembléia resultar da igualdade e da LIBERDADES NATURAIS a todos os homens”. E conclui Pio VI: “Mas que poderia aí existir de mais INSENSATO?”. Viva o Papa!
    E veja também o que ensinou o artigo 22 da Constituição francesa, não de 1789, mas promulgada no século seguinte:

    “(…) Art. 22 – A liberdade de cultos e de consciência é garantida. OS MINISTROS DOS CULTOS SÃO IGUALMENTE TRATADOS E PROTEGIDOS”.

    Veja a segunda parte deste artigo, onde se diz que os ministros são igualmente protegidos. Baseado neste artigo Pio VII escreveu as palavras que estão na “Post tam diuturnas” (29 de abril de 1814):

    “(…) Um novo motivo de pesar aflige ainda mais vivamente o nosso coração e, confessamos, causa-nos abatimento, angustia e tormento extremos: trata-se do 22º. artigo da Constituição… Certamente, não será preciso longos discursos ao nos dirigirmos a um bispo como vós, para vos fazer reconhecer que este artigo GOLPEIA A RELIGIÃO CATÓLICA na França e lhe abre uma chaga mortal. Justamente por estabelecer a liberdade de todos os cultos de forma indiscriminada, confunde a verdade com o erro, e nivela às seitas heréticas e até à pérfida judaica a Esposa santa e imaculada de Cristo, a Igreja fora da qual não pode haver salvação. Ademais, ao se prometer apoio e favores às seitas heréticas e aos seus ministros, TOLERA-SE E SE FAVORECE NÃO APENAS AS SUAS PESSOAS MAIS AINDA OS SEUS ERROS”.

    E agora, Jorge, qual vai ser o sofisma para escapar desta condenação? O que ensinou a DH? Exatamente que todos os ministros devem ser igualmente protegidos pela lei. Veja:

    “(…) 4 – As comunidades religiosas compete da mesma forma O DIREITO DE NÃO SEREM IMPEDIDAS, por meios legais nem pela ação administrativa do poder civil, na escolha dos PRÓPRIOS MINISTROS, EM SUAFORMAÇÃO, NOMEAÇÃO E TRANSFERÊNCIA, na comunicação com as autoridades e comunidades religiosas que têm sua sede em outras partes do mundo, na construção de edifícios religiosos, bem como na aquisição e uso dos bens convenientes.

    6- Afinal, deve providenciar o poder civil que jamais se lese aberta ou ocultamente por motivos por motivos religiosos a IGUALDADE JURÍDICA DOS CIDADÃOS, que faz parte do bem comum da sociedade, nem haja entre eles discriminação”.

    Entendeu, Jorge? Estas palavras contidas neste artigo 22, pelo menos a segunda parte referente a proteção dos ministros de todas as religiões, não são materialmente as mesmas contidas no Vaticano II? E o ensinamento não é exatamente o mesmo? Não estaria aqui condenada formalmente a DH? Entenda que os papas condenaram a liberdade baseada na natureza humana, porque o direito a imunidade no Estado está fundamentada na posse da verdade, e não na”dignidade”. E você escreveu ainda:

    “(…) nem o Magistério pré-conciliar afirmou que era uma regra absoluta que o Estado Católico devesse coibir os falsos cultos (a), nem a DH afirma que é uma regra absoluta que o Estado não possa coibir os falsos cultos (b). Isso já foi demonstrado”.

    Sim, a DH ensina que os falsos cultos podem ser impedidos a medida em que ferem o bem comum e somente nesses casos. A doutrina da Igreja diz que os falsos cultos tem que ser reprimidos sempre que possível, não dando-lhes direito nenhum, não esperando eles “extrapolarem os justos limites” para lhes coibir, mas coibindo-lhes simplesmente porque são falsos, ainda que seus adeptos estejam dispostos a respeitar os limites. Certo? Esta é a ruptura entre uma doutrina e outra, que Bento XVI insiste em dizer que foi um “aprofundamento”. E você:

    “(…) A pergunta que o senhor faz – sobre o líder do Estado Católico e o adepto da falsa religião – está completamente enviesada pelo concepção da Doutrina duplamente caricata à qual me referi acima. A resposta é muito simples: o senhor nem precisaria chegar com a DH na mão, bastaria chegar e pedir, que o governante católico IRIA ANALISAR AS CONJUNTURAS PARA DECIDIR SE IRIA OU NÃO CONCEDER A AUTORIZAÇÃO PARA OS ATOS PUBLICOS DE CULTO. PODERIA PERMITIR OU NÃO”.

    Eu não sei onde você foi buscar esta resposta, mas não foi na DH. Para começar, com a DH nas mãos, os falsos cultos já exigiriam o direito constitucional de epoderem existir, mostrando-lhes o número seis da DH, que diz:

    “(…) Se em atenção a circunstâncias peculiares dos povos, for conferida a uma única comunidade religiosa o especial reconhecimento civil na organização jurídica da sociedade, será necessário que ao mesmo tempo se reconheça e se observe em favor de todos os cidadãos e das comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa”.

    Ou seja, o Estado Católico, baseado no que está escrito aí, teria que reconhecer civilmente em sua constituição odireito a liberdade em matéria religiosa “em favor de todos os cidadãos e das comunidades religiosas”. Assim,em principio, todos tem o direito constitucional de existir, até os falsos cultos, mesmo no Estado católico. E a partir daí é que entram os justos limites, a moralidade pública, etc…um direito constitucional é algo, por assim dizer, impropriamente, “sagrado” no Estado. Para lesa-lo é preciso um motivo muito forte. E se a moralidade pública é motivo para negar a ação dos falsos cultos no Estado Católico, conclui-se que estes não devem possuir direito constitucional nenhum, e portanto a DH estaria em contradição com ela mesma. Este documento é um absurdo. Como garantir um direito constitucional e depois nega-lo antes dos adeptos dos falsos cultos “quebrarem” osjustos limites? Eles teriam que primeiro quebra-los, para depois serem reprimidos. E em não o fazendo, não podem ser reprimidos. E você:

    “(…) Quero saber se a Igreja Ortodoxa pode ser impedida de agir na Rússia Comunista (e, no geral, se uma religião pode ser impedida de agir num estado não-católico)”.

    Prezado, a Igreja ortodoxa não pode ser impedida de agir na Rússia comunista porque a Rússia comunista e qualquer Estado tem obrigação de permitir a religião natural, aquela que todos tem obrigação de professar, desde os índios ate os muçulmanos ou protestantes. Mas os muçulmanos não poderiam ter direito deagir na Rússia comunista, porque pregam a poligamia, e isso vai contra a religião natural. E várias seitas protestantes também não tem direito de existir nem no Estado ateu, porque pregam o divórcio, e isso vai contra a religião natural. Os indianos com seu sistema de castas também não poderiam ter direito a liberdade religiosa. Assim, nos Estados católicos somente os católicos possuem direito a imunidade na sociedade e nos estados não católicos, somente a Igreja católica e algumas outras poucas seitas dos protestantes e outras mais, mas não muitas.
    Leia no livro de Dom Lefebvre a segunda coluna da página 80 e a página 81 onde Leão XIII explica que os católicos devem pedir liberdade nos países dos outros e não em seus países devem proteger a Igreja Católica.
    Um abraço,

    Sandro de Pontes

  21. Caríssimo sr. Sandro,

    Pax!

    Vou tentar empenhar-me em dar mais agilidade ao debate. Acho que agora é possível, porque o senhor, na última resposta, fez-me o favor – coisa pela qual agradeço – de expôr simultaneamente a sua argumentação e a contra-argumentação que a refuta. É exato: o Magistério da Igreja, à época da Revolução Francesa, e o Vaticano II no século XX estão (respectivamente) condenando e aprovando duas coisas distintas, como o senhor mesmo reconhece, ao apontar a diferença entre a liberdade absoluta e a liberdade nos moldes da Dignitatis Humanae.

    O problema que o senhor levanta – o de que as expressões que provocaram a condenação do Magistério “são materialmente as mesmas contidas no Vaticano II” – é de muito fácil solução, quando depomos os preconceitos rad-trads e olhamos sem paixão para a história da Igreja.

    Em primeiro lugar – e isso é muito importante -, o papa não condena o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, e sim somente a interpretação corrente dada a ele. Quando o Magistério quer condenar textos, ele o condena, como p.ex. em muitos dos cânones do Concílio Tridentino, na condenação de Jansenius, etc, etc. Daqui se infere que, já que o Magistério não condenou o texto em si, não se pode afirmar que o mesmo seja intrinsecamente condenável. Portanto, o problema não estava no texto da Revolução que o senhor traz, e sim na interpretação que lhe era dada, como eu estou dizendo aqui desde o princípio.

    Em segundo lugar, não é a primeira vez que a Igreja pega textos condenáveis e lhes dá uma interpretação católica. Que dirá do lema da Revolução, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”? As idéias revolucionárias por trás do mantra foram condenadas, sim, mas e quanto às palavras em si? Leão XIII as incorporou ao Magistério:

    Entre os muitos benefícios a serem esperados disso [do fortalecimento da Ordem Terceira de São Francisco, que o papa manda ser “refletidamente promovida e sustentada”] estará o grande benefício de voltar as mentes dos homens à liberdade, fraternidade e igualdade de direito; não tais como os Maçons absurdamente imaginam, mas tais como Jesus Cristo obteve para o gênero humano e aos quais São Francisco aspirou: a liberdade, Nós queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual nós podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, ambos os mais perversos mestres; a fraternidade cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos; a igualdade a qual, fundada na justiça e caridade, não remove todas as distinções entre os homens, mas, das variedades da vida, dos deveres, e das ocupações, forma aquela união e aquela harmonia que naturalmente tende ao benefício e dignidade da sociedade.
    [Leão XIII, Humanus Genus, 34. Grifos meus]

    Portanto, o fato de um texto apresentar historicamente uma interpretação anti-católica não impede o Papa de “resgatar” o sentido católico do mesmo texto. Há precedentes. E é exatamente o que ocorre com a questão da liberdade religiosa que, erroneamente compreendida, foi (e é) condenada mas, no seu sentido católico, é verdadeira e legítima.

    Quando o senhor fala que “se a moralidade pública é motivo para negar a ação dos falsos cultos no Estado Católico, conclui-se que estes não devem possuir direito constitucional nenhum, e portanto a DH estaria em contradição com ela mesma”, isto é simplesmente falso; em primeiro lugar, porque é evidente que não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja pressupondo a priori que há uma contradição intrínseca no texto que se está interpretando e, em segundo lugar, é ainda mais evidente que a ameaça ao bem público é motivo suficiente para a perda de direitos individuais, pois é exatamente nisso que se baseia toda a Justiça Penal.

    Gostaria de agradecer as respostas do senhor às minhas questões, bem como comentá-las:

    1) Não tenho certeza se um aspecto anti-natural de um culto qualquer seja suficiente para impedir completamente a liberdade do culto inteiro (ao invés de restringir somente a coação ao aspecto anti-natural – p.ex., se, aos muçulmanos, fosse civilmente permitido apenas casar-se com uma única pessoa, sem a necessidade de que as mesquitas fossem destruídas) num Estado não-católico. O senhor poderia, por favor, embasar esta posição nos documentos do Magistério?

    2) E quando houver mais de uma religião que não contrarie a Lei Natural coexistindo no mesmo Estado não-católico? P.ex., judeus e cismáticos ortodoxos num Estado Judaico?

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  22. Prezado Jorge, salve Maria.
    Peço-lhe até perdão pela demora em responder. Agora estou com um serviço “extra” que irá me tomar muito tempo. Vou tentar ser mais sucinto na resposta. Você escreveu:

    “(…) Quando o senhor fala que “se a moralidade pública é motivo para negar a ação dos falsos cultos no Estado Católico, conclui-se que estes não devem possuir direito constitucional nenhum, e portanto a DH estaria em contradição com ela mesma”, isto é simplesmente falso; em primeiro lugar, porque é evidente que não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja pressupondo a priori que há uma contradição intrínseca no texto que se está interpretando e, em segundo lugar, é ainda mais evidente que a ameaça ao bem público é motivo suficiente para a perda de direitos individuais, pois é exatamente nisso que se baseia toda a Justiça Penal”.

    Prezado, você realmente não entende o que eu digo muitas vezes. Antes de explicar, quero dizer-lhes que a sua afirmação de que “não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja pressupondo a priori que há uma contradição intrínseca no texto que se está interpretando” é simplesmente absurda. O contrário é que é verdade: não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja EXCLUINDO a priori a possibilidade deste texto possuir contradições. Temos que ler o texto com a mente e o coração “limpos”, sem preconceitos. Se ele é coerente e não possui contradições, contatamos isso. Se ele é incoerente e possui contradições, detectamo-las e as denunciamos.
    Mas eu não digo, como você pensa, que a DH possui contradições. Eu digo que ela possui erros, o que é diferente. A questão levantada por mim é a seguinte: você interpreta esta questão de “justos limites” como se eles pudessem ser estreitos o suficiente para que o Estado reprimisse os falsos cultos pelo simples fato deles serem falsos. Isso é o que você escreveu na mensagem número 16:

    “(…) os “justos limites” podem ser estreitos a ponto de não permitirem sequer a exposição pública das heresias”.

    Ora, de acordo com o que se depreende da DH, isso que você diz somente aconteceria a partir do momento em que os adeptos dos falsos cultos extrapolassem os tais “justos limites”. Antes disso não. E eu disse a você que esta sua interpretação “tradicional” da DH estaria contra o número seis dela, e isso seria uma contradição total (você dar uma interpretação em um ponto do documento que contraria outro). A contradição está em você, Jorge, e não no documento. Para a DH, o Estado Católico não tem o direito de coibir os falsos cultos somente porque são falsos, mas este Estado somente passa a ter o direito de fazê-lo a partir do momento em que os adeptos dos falsos cultos venham a violar “as justas exigências da ordem pública”. Se eles não violarem as tais justas exigências da ordem pública, poderão exercer a liberdade religiosa.
    Mas é claro que você me dirá: “espalhar heresias no Estado Católico corresponde a violar as justas exigências da ordem pública, então de acordo com a DH é possível reprimir os falsos cultos”. Mas é aí que entrará a contradição: o número seis diz que o Estado Católico deve garantir o direito a liberdade dos falsos cultos em princípio, sempre, em toda e qualquer situação, hoje ou no futuro. Logo, para a DH não é o fato de se espalhar heresias que irá determinar a extrapolação das exigências da ordem pública, mas como se espalha. Se se espalha as heresias de forma a se manter nos “justos limites” (ou seja, sem agredir diretamente com sua ação e propaganda a religião Católica) então para a DH as justas exigências da ordem pública não são violentadas. Mas se ao defender suas heresias se agredir a religião do Estado, aí sim se perde o direito a imunidade. É isso que ensina a DH e este ensinamento está contra a doutrina tradicional católica.
    Quem melhor do que o Papa para interpretar a lei criada por ele? Afinal, o Papa é autor e interprete da lei, concorda? Existe no site do Vaticano uma publicação intitulada INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 58ª SESSÃO DA COMISSÃO DA ONU
    SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM – de 12 de Abril de 2002. Neste documento é explicado claramente:

    “(…) A questão das minorias religiosas, especialmente onde uma tradição religiosa em particular é predominante, é abordada de diferentes formas pela legislação nacional. Com efeito, 48 países reconhecem que uma dada religião goza de uma condição especial, quer como RELIGIÃO DO ESTADO, quer como religião oficial ou tradicional, QUER AINDA COMO RELIGIÃO DA MAIORIA DOS SEUS HABITANTES. A posição da Santa Sé, no que diz respeito a estas situações, foi definida pelo Concílio Vaticano II, que faz a seguinte afirmação, EM PLENA SINTONIA COM OS INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (Leia-se maçonaria): “Se, atendendo às circunstâncias peculiares dos povos, uma comunidade religiosa é especialmente reconhecida na ordenação jurídica da sociedade é, ao mesmo tempo, necessário que se reconheça a todos os cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa e que tal direito seja respeitado” (Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae, 6). A Santa Sé aprova o diálogo com os Governos, em ordem a assegurar o máximo respeito possível pela liberdade religiosa de todos. Um diálogo aberto e franco vai contribuir para superar os mal-entendidos. Todos podem trabalhar em conjunto, na busca comum de formas de assegurar que as PESSOAS RESIDENTES EM QUALQUER PAÍS, NO PLENO RESPEITO PELAS CULTURAS E TRADIÇÕES LOCAIS, POSSAM PROFESSAR LIVREMENTE A SUA FÉ, e, ao mesmo tempo, sejam capazes de “estabelecer e manter contactos com os indivíduos e as comunidades em matéria de religião e de crença, a níveis tanto nacional como internacional” (Declaração sobre a eliminação da intolerância e a discriminação assentes na religião, art. 6).

    Fonte: http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/documents/rc_seg-st_doc_20020412_martin-human-rights_po.html

    Como você vê, Jorge, o magistério pós conciliar interpreta a DH de uma maneira onde mesmo nos estados católicos os adeptos dos falsos cultos devem professar livremente a sua “fé” (que fé?). É deste princípio que parte o documento conciliar. E somente a partir daí é que os adeptos dos falsos cultos podem vir a perder o direito que possuem, sempre “a posteriori”, e nunca “a priori”. E você escreveu:

    “(…) É exato: o Magistério da Igreja, à época da Revolução Francesa, e o Vaticano II no século XX estão (respectivamente) condenando e aprovando duas coisas distintas, como o senhor mesmo reconhece, ao apontar a diferença entre a liberdade absoluta e a liberdade nos moldes da Dignitatis Humanae”.

    Falso, prezado. O que eu afirmei e volto a afirmar é que o magistério pré conciliar condenou a doutrina que diz que o Estado Católico deve dar imunidade aos adeptos dos falsos cultos (sejam leigos, sejam ministros). É isso. Não importa se para justificar esta imunidade se recorra a dignidade humana ou a consciência. O magistério condena ambas. Ele condena dar imunidade as pessoas baseando tal imunidade na natureza das pessoas, porque o que justifica a imunidade na sociedade católica é tão somente a posse da verdade. O senhor diz:

    “(…) Em primeiro lugar – e isso é muito importante -, o papa não condena o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, e sim somente a interpretação corrente dada a ele. Quando o Magistério quer condenar textos, ele o condena, como p.ex. em muitos dos cânones do Concílio Tridentino, na condenação de Jansenius, etc, etc. Daqui se infere que, já que o Magistério não condenou o texto em si, não se pode afirmar que o mesmo seja intrinsecamente condenável.”.

    Não sei de onde você tirou esta idéia estapafúrdia. O papa não condena o “texto” da revolução francesa? Claro que ele condena o texto. Você não leu tudo o que escreveram os papas daquela época? Não vou repetir as muitas passagens dos papas contra o texto da revolução francesa. Basta ler os documentos da época. Basta ler o livro de Dom Lefebvre. São dezenas, centenas de passagens condenando este texto e os que vieram posteriormente. E você conclui:

    “(…) Portanto, o problema não estava no texto da Revolução que o senhor traz, e sim na interpretação que lhe era dada, como eu estou dizendo aqui desde o princípio”.

    Se eu fosse você eu “fecharia para balanço”, prezado Jorge. Va estudar os documentos dos papas da época da revolução, por favor. E você escreveu:

    “(…) Em segundo lugar, não é a primeira vez que a Igreja pega textos condenáveis e lhes dá uma interpretação católica. Que dirá do lema da Revolução, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”? As idéias revolucionárias por trás do mantra foram condenadas, sim, mas e quanto às palavras em si? Leão XIII as incorporou ao Magistério: Entre os muitos benefícios a serem esperados disso [do fortalecimento da Ordem Terceira de São Francisco, que o papa manda ser “refletidamente promovida e sustentada”] estará o grande benefício de voltar as mentes dos homens à liberdade, fraternidade e igualdade de direito; não tais como os Maçons absurdamente imaginam, mas tais como Jesus Cristo obteve para o gênero humano e aos quais São Francisco aspirou: a liberdade, Nós queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual nós podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, ambos os mais perversos mestres; a fraternidade cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos; a igualdade a qual, fundada na justiça e caridade, não remove todas as distinções entre os homens, mas, das variedades da vida, dos deveres, e das ocupações, forma aquela união e aquela harmonia que naturalmente tende ao benefício e dignidade da sociedade.
    [Leão XIII, Humanus Genus, 34. Grifos meus]”.

    Prezado, mas não percebe você que estas palavras justamente condenam o Vaticano II? Ora, você diz que Leão XIII incorporou ao Magistério as palavras “liberdade igualdade e fraternidade”, quando na verdade o próprio Leão XIII vai dizer que estas palavras somente podem ser entendidas no sentido católico que vem sendo ensinado desde o nascimento de Cristo. Primerio, ele diz:

    “(…) Entre os muitos benefícios a serem esperados disso, estará o grande benefício de VOLTAR as mentes dos homens à liberdade, fraternidade e igualdade de direito”.

    Certo, então a intenção do Papa é fazer com que o sentido autentico destas palavras volte AS MENTES DOS HOMENS” haja vista que a Igreja nunca perdeu o sentido autentico destas palavras. E o papa, gloriosamente, vai dar o sentido autêntico destas palavras, que condena os maços e o Vaticano II. Leia:

    “(…) São Francisco aspirou: a liberdade, Nós queremos dizer, DE FILHOS DE DEUS, através da qual nós podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, ambos os mais perversos mestres”.

    Portanto, somente é livre os filhos de Deus, os católicos batizados em estado de graça, possuidores da verdade. O papa diz que é através desta liberdade verdadeira que nós podemos ser livres da escravidão de Satanás ou de nossas paixões, ambos os mais perversos mestres. Logo, não temos direito a imunidade na sociedade baseada nem em nossa consciência e nem em nossa dignidade nativa. Como lhe disse, é a posse da verdade que nos dá o direito a imunidade. E veja Leão XIII:

    “(…) a fraternidade cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos”.

    Esta é a melhor: a origem da fraternidade está em Deus! Não está no falso ecumenismo e no dialogo. E finalmente:

    “(…) a igualdade a qual, fundada na justiça e caridade, não remove todas as distinções entre os homens”.

    Ora, o Vaticano II com a idéia de colegialidade e de promoção dos leigos ajudou a instaurar a crise que enfrentamos hoje, onde ninguém obedece ninguém, todos ainda estão procurando a verdade sem nunca a encontrar. Você perguntou:

    “(…) Não tenho certeza se um aspecto anti-natural de um culto qualquer seja suficiente para impedir completamente a liberdade do culto inteiro (ao invés de restringir somente a coação ao aspecto anti-natural – p.ex., se, aos muçulmanos, fosse civilmente permitido apenas casar-se com uma única pessoa, sem a necessidade de que as mesquitas fossem destruídas) num Estado não-católico. O senhor poderia, por favor, embasar esta posição nos documentos do Magistério?”.

    Prezado, no Estado Católico logicamente a lei iria prever que os muçulmanos e qualquer pessoa tivessem somente uma mulher, e impediria a construção de mesquitas, porque lá dentro eles ensinariam que o homem pode ter várias mulheres, e o que é contrário a verdade não pode ser exposto diante de terceiros (mesmo se são da mesma religião). Imagine permitir construir mesquitas no Estado católico, não pode de jeito nenhum. Agora esta questão embasada no magistério, com documentos, eu terei que lhe pedir um tempo, pois não tenho passagens fartas nas mãos (a prática dos Estados Católicos até o Vaticano II seria o melhor embasamento). Vou pesquisar no Denzinger trechos que tratem do assunto e vou consultar amigos meus para ver se eles me ajudam neste sentido. E voc~e:

    “(…) E quando houver mais de uma religião que não contrarie a Lei Natural coexistindo no mesmo Estado não-católico? P.ex., judeus e cismáticos ortodoxos num Estado Judaico?”.

    Como lhe disse, nenhum estado não católico pode impedir a religião natural. Ora, qualquer estado não católico não poderia reprimir judeus e cismáticos ortodoxos. Teria que reprimir os protestantes que pregam o divorcio, os indianos que adoram ratos e vacas e que mantem injustos sistemas de castas, os muçulmanos que pregam a poligamia, etc.

    Um abraço,

    Sandro de Pontes

  23. Caríssimo Sandro,

    Pax!

    Pelo mais uma vez perdão pelo sumiço; algumas ocupações ocuparam o meu tempo mais do que eu gostaria. No entanto, creio que o espaçamento entre a tua última resposta e esta foi providencial, pois tu deves ter tido tempo para resolver os teus serviços extras, bem como para consultar os amigos e documentos sobre os quais falaste na última resposta tua.

    Comento alguns dos teus comentários, somente por desencargo de consciência, posto que não estão diretamente relacionados com o rumo que julgo ser relevante seguirmos neste debate, se quisermos chegar a algum lugar.

    quero dizer-lhes que a sua afirmação de que “não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja pressupondo a priori que há uma contradição intrínseca no texto que se está interpretando” é simplesmente absurda. O contrário é que é verdade: não se pode buscar honestamente a interpretação do que quer que seja EXCLUINDO a priori a possibilidade deste texto possuir contradições

    No caso em questão, o que contraponho a “pressupôr” não é “excluir”, e sim, simplesmente, “não pressupor”. Quero dizer exatamente o que tu disseste, sobre “ler o texto com a mente e o coração “limpos”, sem preconceitos”, coisa que tu não fazes, pois já te lanças sobre os textos conciliares com os PRECONCEITOS de que eles contradizem a Doutrina Tradicional da Igreja. Assumindo a priori isto, todas as tuas interpretações são enviesadas por esta falsa premissa.

    Ela é tão evidente na tua interpretação que tu dizes ser a minha contraditória (“A contradição está em você, Jorge, e não no documento”). Justificando isto, tu falas:

    Mas é aí que entrará a contradição: o número seis diz que o Estado Católico deve garantir o direito a liberdade dos falsos cultos em princípio, sempre, em toda e qualquer situação, hoje ou no futuro. Logo, para a DH não é o fato de se espalhar heresias que irá determinar a extrapolação das exigências da ordem pública, mas como se espalha. Se se espalha as heresias de forma a se manter nos “justos limites” (ou seja, sem agredir diretamente com sua ação e propaganda a religião Católica) então para a DH as justas exigências da ordem pública não são violentadas. Mas se ao defender suas heresias se agredir a religião do Estado, aí sim se perde o direito a imunidade. É isso que ensina a DH e este ensinamento está contra a doutrina tradicional católica.

    Deixa eu tirar a dúvida: tu admites que um Estado Católico pode, em defesa da Igreja, proibir os falsos cultos, isto de acordo com a DH. Correto? Esta proposição: “A Dignitatis Humanae concede ao Estado Católico a faculdade de intervir na manifestação pública dos falsos cultos quando estes ameaçarem a Igreja”, tu subscreves? Caso negativo, por favor reescreva-a, de uma maneira similar, de modo que te seja aceitável.

    Sobre a ONU e a Igreja, já te falei que, no meu entender, é a ONU que deve ser interpretada à luz dos ensinamentos da Igreja, e não o contrário. Portanto, vou passar ao largo destas discussões, posto que elas têm um vício de princípio. Vamos a um assunto mais importante: a condenação dos textos da Revolução Francesa. Tu disseste:

    O papa não condena o “texto” da revolução francesa? Claro que ele condena o texto. Você não leu tudo o que escreveram os papas daquela época? Não vou repetir as muitas passagens dos papas contra o texto da revolução francesa. Basta ler os documentos da época. Basta ler o livro de Dom Lefebvre. São dezenas, centenas de passagens condenando este texto e os que vieram posteriormente.

    Caríssimo, tu deves estar de brincadeira. Tinhas dito antes:

    Pio VI, escreveu o seguinte na Quod aliquantulum, que é de 10 de março de 1791, dois anos após a declaração francesa de 1789:

    […]

    [V]amos agora analisar os dois artigos da Declaração dos direitos humanos de 1789 e que geraram estas palavras de Pio VI.

    […]

    [O] Papa Pio VI ao ler estes dois artigos que lhe cito disse taxativamente que eles concediam aquilo que chamou de “liberdade absoluta” para os adeptos dos falsos cultos.

    E eu disse que Pio VI não condenou o texto dos dois artigos da Declaração de 1789, e sim a interpretação que lhes era dada. Acaso condenou o texto? Onde foi que a Igreja disse alguma coisa como “se alguém disser que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa, e que esta liberdade consiste em que todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites, anathema sit!“? Em não havendo este cânon, então a Igreja não condenou este texto. Simples assim.

    O que a Igreja sempre condenou foram as interpretações anti-católicas da liberdade religiosa; o que não significa que não exista uma “liberdade religiosa católica”. Neste sentido, mostrei para você que o Magistério utilizou-se da Tríade “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, que era historicamente anti-católica, e deu-lhe um sentido católico! Por que não poderia ela, então, pegar a “liberdade religiosa” anti-clerical, e dar-lhe um sentido autêntico, um sentido católico, que sempre foi ensinado?

    E aqui chegamos aonde eu acho que importa chegarmos. O que o Magistério disse sobre as religiões não-católicas nos estados não-católicos?

    Você disse que “no Estado Católico logicamente a lei iria prever que os muçulmanos e qualquer pessoa tivessem somente uma mulher, e impediria a construção de mesquitas, porque lá dentro eles ensinariam que o homem pode ter várias mulheres, e o que é contrário a verdade não pode ser exposto diante de terceiros (mesmo se são da mesma religião)”. Apenas saliento que eu falei do Estado não-católico, do “Estado Natural”, e não do Estado Católico. Estou, portanto, respondendo tendo em vista o Estado Não-Católico

    Quanto à primeira parte, concordo integralmente, posto que claro que qualquer Estado tem a obrigação de proibir a poligamia, posto que ela contraria a Lei Natural. Quanto a segunda, não me parece nada evidente; um Estado Não-Católico estaria obrigado a proibir a construção de mesquitas? Onde estão os documentos do Magistério que afirmam isso?

    Tu disseste ainda: “nenhum estado não católico pode impedir a religião natural”. Consideremos os protestantes “tradicionais”, que não pregam o divórcio. Oras, é óbvio que o protestantismo não é uma “religião natural”, e sim uma heresia. Se é uma heresia, então é um erro, e o erro não tem direitos. Assim, por que o Estado Não-Católico não poderia proibir o protestantismo?

    Abraços, em Cristo,
    Jorge Ferraz

  24. Prezado Jorge, salve Maria.

    Eu acho que o essencial sobre esta questão da liberdade religiosa já foi dito e tudo o que for dito novamente será mera redundância. Você não quer entender, então não posso forçá-lo. Siga o seu caminho, defendendo o Vaticano II, e eu seguirei o meu, defendendo a incompatibilidade deste concílio com a doutrina da Igreja Católica.
    Não vou mais perder horas e horas de meu tempo refutando as suas colocações. Tudo o que eu poderia fazer por você, já o fiz. Se ainda ficaram questões para trás, questões que requerem mais estudo e tempo para pesquisar os documentos, então que por hora elas fiquem sem resposta, porque o mundo não vai acabar por causa disso. Eu sou leigo, casado e pai de família, com três empregos e trabalhando das sete da manhã as dez da noite, inclusive aos finais de semana. Nas próximas férias eu certamente irei pesquisar o que lhe prometi, mas não posso fazer isso agora.
    A única resposta que lhe darei relacionada a sua última carta é para esclarecer uma colocação sua que precisa ser respondida. Depois acabou. Pois bem, eu havia escrito:

    “(…) Mas é aí que entrará a contradição: o número seis diz que o Estado Católico deve garantir o direito a liberdade dos falsos cultos em princípio, sempre, em toda e qualquer situação, hoje ou no futuro. Logo, para a DH não é o fato de se espalhar heresias que irá determinar a extrapolação das exigências da ordem pública, mas como se espalha. Se se espalha as heresias de forma a se manter nos “justos limites” (ou seja, sem agredir diretamente com sua ação e propaganda a religião Católica) então para a DH as justas exigências da ordem pública não são violentadas. Mas se ao defender suas heresias se agredir a religião do Estado, aí sim se perde o direito a imunidade. É isso que ensina a DH e este ensinamento está contra a doutrina tradicional católica”.

    A isso você respondeu:

    “(…) Deixa eu tirar a dúvida: tu admites que um Estado Católico pode, EM DEFESA DA IGREJA, proibir os falsos cultos, isto de acordo com a DH. Correto? Esta proposição: “A Dignitatis Humanae concede ao Estado Católico a faculdade de intervir na manifestação pública dos falsos cultos quando estes ameaçarem a Igreja”, tu subscreves? Caso negativo, por favor reescreva-a, de uma maneira similar, de modo que te seja aceitável”.

    Jorge, definitivamente, deixe-me dizer o que penso, e esta será a última vez. A doutrina da Igreja ensina, quer você queira quer não, que as falsas religiões não têm, a priori, nenhum direito no Estado católico. Elas devem ser reprimidas. Seus adeptos não podem ensinar nada a ninguém. Eles não podem construir templos. Não podem se encontrar uns nas casas dos outros para os seus cultos. Eles não podem escrever em jornais, revistas e muito menos terem programas na televisão. Eles não podem também ter acesso a cargos importantes no governo, por exemplo, e nem dar aulas nas escolas, entre outras coisas, para não influenciar pessoas menos instruídas e assim desviá-las para o inferno.
    A DH vai ensinar que todas as pessoas tem o direito natural de não serem impedidas de agir, ou seja, o direito natural a imunidade na sociedade. Esta é a definição clássica dada pela DH a liberdade religiosa, que consta no começo do documento, ainda no primeiro número:

    “(…) a liberdade religiosa, que os homens exigem no exercício do seu dever de prestar culto a Deus, DIZ RESPEITO A IMUNIDADE DE COAÇÃO NA SOCIEDADE CIVIL”.

    E na seqüência do texto, no número três, este pretendido direito natural permanece até mesmo para as piores pessoas:

    “(…) o direito a esta imunidade PERMANECE AINDA NAQUELES QUE NÃO SATISFAZEM A OBRIGAÇÃO DE BUSCAR E ADERIR A VERDADE; e, desde que se guarde a justa ordem pública, O SEU EXERCÍCIO NÃO PODE SER IMPEDIDO”.

    Ora, nos estados católicos os acatólicos não tem direito nenhum a imunidade. Tais pessoas devem ser impedidas de agir. As leis devem dizer algo do tipo: “é proibido construir templos, se reunir para orações, escrever artigos em jornais, etc.”. A lei deve dizer também: “a religião oficial do Estado é a religião Católica, e com exceção da religião do Estado nenhum outro culto tem direito de existência. Se os seus adeptos insistirem em se reunir publicamente ou de forma clandestina, serão punidos de acordo com a lei”. Isso que eu lhe digo, Jorge, está de acordo com a doutrina de sempre da Igreja. É o que diz a Immortale Dei. É o que diz a Libertas, ou a Mirari Vos. É o que diz Pio XI, na encíclica Divini Illius Magistri. É o que diz o Sylabus e a Quanta Cura, de Pio IX. Se você lê estes documentos e não entende isso, somente posso lhe comparar, sem querer ofendê-lo, a um protestante que lê as passagens bíblicas sobre o papado ou sobre a eucaristia, e insistem em negar ambos. Ou seja, para quem não quer enxergar, não adianta colocar passagens sobre o assunto, mas apenas rezar.
    Continuando, a DH vai então defender que a pessoa pode sim perder o direito a imunidade, quando ofende não apenas a religião do Estado, mas também outras religiões, ainda que falsas. Para a DH, o pecado está em ofender uma ou demais religiões, e não somente em ofender a Igreja Católica. Veja um exemplo hipotético: imaginemos que um Estado Católico, com a DH nas mãos e cumprindo rigorosamente o número seis do referido documento vem a garantir, constitucionalmente, o direito de existência a todas as religiões. Ele irá então prever algo do tipo: “A religião do Estado é a Católica, mas como todos os seres humanos têm direito natural a liberdade religiosa, então todos os cultos estão em princípio permitidos, desde que os seus adeptos não ultrapassem os justos limites, guardando a justa ordem pública”. Aí a vida segue. Chega um ponto em que os protestantes que moram neste Estado Católico e que tem o direito de existir garantido pela constituição começam, por exemplo, a agredir os espíritas de uma forma que venha a ferir a ordem pública. Então eles perdem, A POSTERIORI, o direito a imunidade, não porque são protestantes e podem levar católicos para o inferno, mas porque agridem os espíritas. E nesse mesmo Estado imaginário você pode ter a situação em que os adeptos de falsos cultos, que tem o direito constitucional de existir publicamente, passam a agredir com sua ação e propaganda a Igreja Católica. O Estado vai então reagir, A POSTERIORI, reprimindo os falsos cultos, não porque pela simples existência deles eles poderiam levar ao inferno milhões e pessoas, mas porque agridem a religião do Estado. Se esses não a agredissem, de acordo com a lei, poderiam continuar existindo. Entendeu?
    Eu somente quis, com minhas palavras, reconhecer que a DH admite situações em que é possível reprimir cultos religiosos, mas os motivos que levam a esta repressão está fundamentado nas más ações de seus adeptos, e não nas más doutrinas que eles ensinam. E caso eles ensinem estas más doutrinas sem ofender a Igreja Católica, ou seja, de forma positiva, caso eles venham a ensinar que a missa é ceia sem dizer que ela não é sacrifício, então eles não podem ser impedidos de agir, porque se mantêm nos justos limites e não ferem a ordem pública.
    É claro que é importante analisar o ensinamento conciliar que diz que esta imunidade na sociedade permanece para os maus desde que se “guarde a justa ordem pública”. Então se pergunta o que é esta tal de “justa ordem pública”? Objetivamente, a DH não o diz. O número sete do documento estabelece critérios que podem ser entendidos de muitas formas. Sendo assim, para sabermos o que tinha em mente o legislador ao criar esta matéria, devemos ver como esta matéria criada foi aplicada na prática. Vejamos a “jurisprudência” e também como o legislador interpreta a lei que criou. Ora, o Papa é autor e interprete da lei, concorda? Você quer defender, para salvar o concílio, que esta “justa ordem pública” pode ser tão estreita a ponto de coibir os falsos cultos pelo simples fato deles serem falsos. Mas esta afirmação sim é que é falsa, porque ao explicar a DH esta Roma que aí está diz o contrário desta sua afirmação, como realcei em minha última carta. Veja novamente a INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA 58ª SESSÃO DA COMISSÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM, que :

    http://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/documents/rc_seg-st_doc_20020412_martin-human-rights_po.html

    Como você vê, Jorge, o magistério pós conciliar interpreta a DH de uma maneira onde mesmo nos estados católicos os adeptos dos falsos cultos devem professar livremente a sua “fé” (que fé?), aplicando o número seis da DH.
    É isso. Agradeço a você pela paciência em me escrever, mas tudo tem limites. O meu se esgotou.

    Um abraço,

    Sandro de Pontes

  25. Prezado Jorge, irmão do Apostolado, bravo por seu blog. De excelente qualidade e fiel à Igreja, visa defender a Palavra do Senhor e Sua doutrina perante esses ventos de doutrinas e opiniões errôneas que nos cercam.

    Deus o abençoe e que S. Francisco de Sales o unja de sabedoria, para que as opiniões iníquas (contra a Igreja) possam estar onde devem: enterradas e esquecidas.

  26. Sandro,

    Concordo em número, gênero e grau com suas colocações.
    É difícil falar para quem não quer ouvir, mostrar para quem não quer ver.
    É isso irmão, só nos resta rezar e que o Espírito Santo convença os defensores do Vaticano II que não conseguem ver os erros e ambiguidades do mesmo, e por conta disso a crise que assola a Igreja, crise que se já existia acentou-se enormemente com esse concílio.

    Com Cristo e Maria,

  27. Salve Maria puríssima

    Olá sr. Henrique

    Veio em auxílio ao Sr. Sandro

    A Montfort acordou, estavam tão quietos, pensei que não houvesse ninguém mais lá, mas vejo que me enganei, a retirada das excomunhões da FSSPX não lhes dá o direito de agora voltar a atacar o Concílio Vaticano II.

    Mas podem ficar a vontade.

    In Corde Jesu, Semper.

  28. Que o Espírito Santo nos ilumine, sob a intercessão da bem-aventurada Virgem Maria a percebermos o caráter pastoral do Concílio Vaticano II e, ao mesmo tempo, a sua fidelidade incontestável ao Magistério da Igreja.

    Graça e paz.

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