O primeiro de nós que se vai

Já fazia bastante tempo que eu não escrevia neste espaço; a internet mudou nos últimos anos — bem debaixo dos nossos olhos! — e o interesse das pessoas por textos compridos, publicados em sites particulares, deu amplamente lugar ao conteúdo consumido no feed do Facebook ou, mais ainda!, nos stories do Instagram. É um fenômeno que manipula com extrema maestria o nosso senso de prioridades: a palavra escrita na areia da praia muito em breve será apagada pelas ondas do mar, enquanto a palavra gravada na pedra estará sempre disponível para nossa consulta futura. Posto o problema nestes termos abstratos, é natural que se dê preferência à escrita arenosa, efêmera e volátil. No entanto, quando temos legiões de escribas lutando freneticamente contra o avanço das marés — não no sentido de prolongar no tempo a escrita, mas no de não deixar, nem por um segundo sequer, um palmo de areia lisa após a passagem das ondas –, quando os homens se entregam com todas as forças ao éter das redes sociais elevado ao paroxismo, aí é natural que as pedras sejam deixadas de lado e, recobertas de musgos, somente a um observador mais atento — ou a um visitante dos tempos passados — revelem as mensagens que nelas costumavam ser gravadas.

Este sítio estava assim, mais como um monumento às batalhas do passado que como palco das lutas do presente. No entanto, hoje sou forçado pelas circunstâncias da vida a retornar a estas paragens, a soprar a poeira destas páginas e a empunhar a pena mais uma vez, para me desincumbir de uma tarefa que eu desejara não cumprir. Hoje sou constrangido a escrever um pungente necrológio, e aos obituários não fica bem a volatilidade das redes sociais: cai-lhes melhor a palavra grafada em pedra, sem luzes, sem cores, sem espalhafatos, mas duradoura. Gostaríamos que os nossos entes queridos não se fossem! Incapazes, no entanto, de fazer frente à imperiosidade da morte, esculpimos laboriosamente os seus nomes no mármore dos cemitérios — a fim de que ao menos alguma coisa deles permaneça conosco, no nosso mundo, para a qual nos possamos voltar de quando em vez, quando nos cansarmos do vaivém das ondas do mar.

Na manhã deste 30 de julho, na véspera do seu sexagésimo aniversário, aprouve ao Senhor chamar a Si o Seu filho Wagner Marchiori — esposo, pai e avô dedicado, amigo fiel. Os mais antigos do Deus lo Vult! certamente hão de se lembrar dele, se não pelo nome de Batismo, ao menos pelo pseudônimo de Lampedusa com o qual ele costumava abrilhantar a área de comentários deste site. Há anos o meu amigo lutava contra uma grave doença neurológica — um tipo de esclerose amiotrófica — que lhe roubava paulatinamente o movimento do corpo, preservando-lhe no entanto intacta a mente. Não sou capaz de imaginar o sofrimento pelo qual ele passou — perdendo pouco a pouco o controle dos músculos, logo a força dos braços, o movimento das pernas, a sensibilidade dos dedos da mão. No entanto, com quanto garbo ele soube entornar o cálice até o fim, até o fundo, sem derramar uma gota sequer, sem murmurar! O corpo padecia, mas a alma se agigantava. Se é verdade que há heroísmo na vida ordinária dos cristãos, há uma espécie de super-heroísmo em quem atravessa dificuldades extremas sem esmorecer, sem titubear.

Conheci Wagner na época do Orkut, na pré-história da internet. Dividimos, junto com outros amigos, a moderação da melhor comunidade “Católicos” em língua portuguesa daquela rede social. Daquela época nos ficou uma seleta lista de e-mails, de nome sigiloso, por meio da qual nos correspondemos — por vezes, todos os dias — ao longo dos anos. Também as listas de discussão tiveram o seu ocaso; fomos para os grupos de WhatsApp. E assim, ano após ano, em meio a plataformas de comunicação à distância que surgiam e caíam no esquecimento, nós continuamos amigos próximos. É por isso que, hoje, mesmo tendo sido recebida pelo celular, a notícia do seu falecimento me abate como se tivesse sido um familiar que nos deixasse.

Wagner Marchiori, Fernando Tavolaro, Luís Guilherme Pereira e Jorge Ferraz.
Indaiatuba, 2009.

Quanto tempo, e tão depressa! Em um feriado prolongado de sete de setembro, em 2009, Wagner convidou-nos, a mim e a uns amigos comuns, para passarmos uns dias em uma casa de férias que ele possuía no interior de São Paulo. Já lá se vão mais de dez anos; mas quanta coisa mudou de lá para cá! Desejamos repetir a experiência daqueles dias outras vezes; chegamos até mesmo a comentar, mais de uma vez, que deveríamos achar uma oportunidade para marcar um grande encontro, onde cada um pudesse levar a sua família, para lembrarmos os velhos tempos. Éramos jovens e tolos. Toda uma vida passou por debaixo dos nossos olhos, e o desejado encontro nunca veio. Resta-nos agora esperar que as lágrimas vertidas pelos que ainda aqui ficamos possam comover o coração de Deus, a fim de que Ele, olhando para a amizade cultivada entre os Seus filhos aqui nesta terra, digne-Se preparar um dia, no Céu, os encontros que aqui não se puderam realizar.

Em 2018 voltei a São Paulo depois de muitos anos; fui com a esposa para um congresso de Direito. Wagner nos convidou para jantar, e graças a Deus conseguimos acertar a nossa agenda para tornar possível o encontro! Foi uma noite bastante agradável, com bom vinho e boa comida e boa conversa até tarde. Surpreendeu-me, na ocasião, como Wagner estava debilitado: já em uma cadeira de rodas motorizada, só movia as mãos e a parte superior do tronco. Mas falava com tanta vivacidade, e conversava conosco com tanto interesse, e sorria com tanta jovialidade que um transeunte ocasional que porventura escutasse por detrás da porta certamente diria ser ele o menos enfermo dos que ali se encontravam.

Despedimo-nos nos desejando ver mais uma vez em breve, e os anos correram de novo. Chegou 2020 e o Coronavírus atirou para o futuro distante qualquer possibilidade de viagens a lazer. Aquele jantar foi a última vez em que estive com Wagner, e sou grato a Deus por me ter proporcionado esta oportunidade de me despedir do meu amigo sem que o soubéssemos. Ou pelo menos sem que eu o soubesse; Wagner provavelmente já tinha então uma consciência mais nítida da fragilidade da sua condição. Mas ele não permitiu que nenhuma sombra de tristeza tisnasse a alegria daquele último reencontro.

Jamais o permitiu. Daquele grupo de católicos que se conheceu no antigo Orkut (e alguns de nós antes mesmo disso, no mIRC), tenho a alegria de dizer que uma parte considerável de nós manteve e mantém até hoje um contato frequente, quase diário. E Wagner, cujo corpo se deteriorava dia a dia, jamais deixou que a sua doença monopolizasse as nossas conversas: era de uma discrição heroica. E jamais deixou de conversar conosco, e de se importar, e de agir com toda a generosidade e grandeza de alma que lhe eram próprias. Na última mensagem que nos mandou, ontem mesmo, manifestava condolências a outro amigo, cujo sogro falecera recentemente. E hoje, no início da tarde, a próxima mensagem quem nos manda é a esposa, de posse do celular dele, dizendo que ele falecera pela manhã…

É o primeiro de nós que se vai, e isso provoca em mim uma tristeza profunda. Que a Virgem Santíssima o receba, meu amigo! Que você possa um dia desfrutar, na presença de Deus, do corpo são que lhe foi tão dolorosamente negado nos seus últimos anos nesta terra. E que a alegria dos anjos e santos com a sua chegada possa suplantar infinitamente a tristeza que a sua partida nos causa aqui. Descanse em paz.

Uma Ave-Maria por Wagner, para que seja recebido depressa no Paraíso, e para o consolo dos familiares e amigos, é o que peço aos que chegaram até aqui.

[OFF] Eu, com câncer (VI): o apoio dos amigos

As Escrituras Sagradas dizem que quem tem um amigo fiel, encontrou um tesouro. Como comentei algures, a expressão é exata: trata-se de um tesouro encontrado, não de uma coisa que você conquiste ou mereça. Um amigo é uma graça no sentido mais literal da palavra: um presente que lhe é concedido, uma dádiva que você recebe, um favor que lhe é feito e pelo qual você não pode senão sentir-se grato.

Eu não mereço os amigos que eu tenho e nem tenho palavras para expressar a minha gratidão pelo que eles fizeram e continuam fazendo por mim. A foto abaixo foi tirada no hospital, sábado último, em uma visita inesperada e emocionante que recebi.

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Como disse um deles, “cada um raspou o que podia entre o que a esposa/noiva/namorada deixou e a atividade profissional permitia”. Cabelo, barba e bigode. Simplesmente se juntaram na casa de um deles, rabiscaram frases de apoio num fundo de papelão e deram fim aos seus cabelos e demais pelos faciais. Com o gesto de amizade, abriram mão de mais cabelos do que a quimioterapia me tirou. Registraram tudo, claro. Depois eu pude ver as fotos, algumas das quais (as que encontrei no Facebook) vão abaixo. Vejam que coisa extraordinária. Eu não fazia a menor idéia de nada disso.

Volto a dizer que não tenho palavras para expressar o quanto fiquei tocado pelo gesto de carinho e consideração. Vejo algumas pessoas comentarem sobre o quanto estão aprendendo comigo ao acompanhar essa minha saga ou como é admirável a minha postura diante do câncer e coisas afins. Honestamente, não me vejo fazendo nada a não ser a minha obrigação. Tenho até medo de estar – Deus me livre! – desperdiçando este tempo favorável que o Bom Deus me concedeu para a minha santificação e para o bem de toda a Igreja, e este é um tema recorrente em minhas orações.

Nada há de heróico em mim ou em minhas atitudes. Os que vêem as postagens do Deus lo Vult! ou as atualizações de status do Facebook, na verdade, estão vendo somente uma parte da história; como canta a Florbela, “as lágrimas que choro, branca e calma, / ninguém as vê brotar de dentro d’alma! / Ninguém as vê cair dentro de mim!”. Ou, como diz o Erasmo Carlos, naqueles versos pelos quais sempre tive tanta afeição: “sempre me dizem, quando fico sério: / ‘ele é um homem e entende tudo’. / Por dentro, com a alma atarantada, / sou uma criança, não entendo nada”.

Sim, na verdade eu não passo de um jovem mimado e cheio de direitos como tantos que existem por aí. Possivelmente até pior do que muitos que existem por aí. É claro que eu não tenho condição alguma de enfrentar uma doença grave como um câncer e nem muitíssimo menos de ser exemplo para ninguém nessa situação. Mas existe um testemunho que eu posso oferecer:

O valor dos amigos. Se algumas vezes eu pareço estar de pé, é porque sou sustentado por um exército; se vez por outra pareço elevar-me alto, é porque para o alto sou lançado por uma multidão. Se algo merece ser conhecido nessa história toda, é a importância das orações de intercessão. Caso um dia alguém duvide da eficácia das orações, que ponha os olhos sobre essas linhas e dê um pouco de crédito a quem é um testemunho vivo dos frutos que rezando se podem arrancar a Deus. E caso alguém se admire com alguma coisa que encontrar por aqui, que saiba serem suas orações diretamente responsáveis por minhas atitudes diante da minha doença. A todos os que me acompanham: que Deus lhes recompense! Só Ele sabe o bem que vocês me têm feito.

Eu não mereço os amigos que tenho, como eu disse acima. E tenho certeza de que apenas sou o que sou por conta deles; porque eles não desistem de mim, a despeito de minhas muitas fraquezas, e porque têm a caridade de pedir a Deus em meu favor, mesmo quando eu próprio disso me esqueço. Já disse que tenho uma dívida de gratidão impagável (e que só faz aumentar…) para com as pessoas que vêm rezando por mim desde dezembro, não somente os que rasparam a cabeça em solidariedade a mim como também a multidão invisível e desconhecida de pessoas que por acaso ouvem a minha história e se dignam oferecer uma Ave-Maria em favor de um enfermo desconhecido. Se existe alguma força em mim, é essa. Se existe alguma lição a ser aprendida aqui, é a do valor da oração do próximo. Deus não deixa de superar as nossas expectativas.

Meus queridos amigos, ex imo cordemuito obrigado! Continuem rezando. Escrevo já de casa. Terminei hoje a terceira sessão de quimioterapia, e estou radiante. Meio caminho andado. A vida é sempre surpreendente. As coisas pioram apenas para poder melhorar. Graças a Deus eu já vivi um pouco, e já aprendi a antever o desabrochar da primavera nas folhas secas que o outono lança ao chão.

Feliz dia do amigo!

Ouvi certa vez uma definição de “amizade” segundo a qual os amigos eram aqueles que queriam as mesmas coisas e não queriam as mesmas coisas. Amizade, assim compreendida, não tem nada a ver com emotividades ou sentimentalismos; não está assentada sobre os frágeis alicerces das emoções humanas, que mudam junto com o tempo. Que mudam mais que o tempo, até.

Amizade verdadeira, assim, é uma convergência de objetivos de vida, de valores, de ideais pelos quais se acredita valer a pena lutar. São amigos os professores que têm em comum o amor pela escola, são amigos os soldados que compartilham a admiração pela pátria, são amigos os cristãos que amam a Deus e querem propagar o Evangelho pelo mundo. No entanto, há várias facetas na personalidade humana e, assim, os gostos e desgostos podem se mesclar: os professores podem querer coisas diferentes para a escola onde trabalham, os soldados podem estar lutando por pátrias inimigas e há entre os que se dizem cristãos concepções bem diversas sobre os exatos significado e alcance daquela frase de Cristo sobre pregar o Evangelho a toda criatura. Tudo isto é natural e inevitável, e o que caracteriza uma amizade verdadeira é a harmonia entre estes diferentes conjuntos de valores individuais. Naturalmente, não se trata de buscar uma impossível identidade entre várias pessoas, mas de trabalhar por uma integração orgânica de anseios complexos em uma relação que todas as partes consideram positiva.

Pode parecer complicado dito assim, mas não é. Todo mundo faz este julgamento o tempo inteiro, até inconscientemente: a frase de efeito sobre os amigos serem os irmãos que a gente escolhe diz exatamente isso. Uma amizade é uma escolha, mas é um tipo curioso de escolha às avessas, porque o mais importante é escolher recebê-la. Não é à toa que se diz que a amizade é uma dádiva. Dificilmente morrerá sem amigos um sujeito introvertido que não saiba aproximar-se de ninguém: é muito mais provável que termine sozinho o sujeito que adquiriu o hábito de repelir os que se aproximam dele. Entre oferecer a própria amizade e ter de fato um amigo vai uma distância infinita como a liberdade humana. Apenas quando eu aceito a mão que me é estendida é que eu posso me pôr a caminho com alguém, é que é possível falar em ter um amigo.

Amigos são preciosos e, hoje, parece ser o Dia do Amigo. Para celebrá-lo, nada melhor do que participar desta promoção das Camisetas Chesterton: compre uma camiseta e ganhe mais uma para contemplar um amigo. Funciona assim:

Dia do Amigo é nesta sexta-feira, 20, e nós vamos comemorar. Se você já curtiu a fan page e mora no Brasil, então responda: “Por que o seu amigo merece ganhar uma camiseta Chesterton Brasil?” Atenção: é preciso que seu amigo esteja no Facebook e você precisa citar o nome dele na resposta. Os autores das três melhores respostas (uma por pessoa) ganham uma camiseta na compra de outra. Resultado nesta sexta-feira, 20, às 21h30. Participe!!!

Não sabe que camisetas são essas? Clique aqui para saber mais. E não perca tempo, que a promoção vale somente hoje. E um feliz Dia do Amigo para todos os meus amigos! Aos que eu vejo todos os dias, aos com quem eu falo com relativa freqüência e àqueles junto aos quais eu estou bem menos do que gostaria. Que a Virgem Mãe de Deus nos reúna a todos em torno da Cruz do Seu Divino Filho. Que sob os Seus braços abertos formemos uma grande Família. Que alimentando-nos do Seu Corpo e do Seu Sangue possamos – um dia…! – nos tornar todos um só Corpo com Ele e n’Ele.

Eu quero ter um milhão de amigos!

Eu quero ter um milhão de amigos! E, sim, reconheço com muita facilidade que é impossível. Qual é, então, a razão da insistência no engano? Por que são tantas as pessoas que erram e continuam a errar?

A reflexão que o padre Demétrio traz é interessante. Não é a primeira vez que o assunto é levantado: afinal, qual o valor das amizades virtuais? Muito, sem dúvidas, e disso eu próprio sou testemunha. A questão não é simplesmente essa; trata-se de uma crítica à necessidade – criada pelos novos meios de comunicação – de se “colecionarem” amigos virtuais. A multiplicidade termina por tomar o lugar da individualidade. A quantidade de amigos termina por fazer com que o conceito de amizade caia: termina por fazer com que “qualquer um” seja um amigo e, portanto, as amizades verdadeiras acabam por se perder num oceano de “amigos” – talvez fosse mais acertado dizer “colegas”, quando muito – virtuais.

Penso que o problema está colocado de maneira que não se pode questionar. É simplesmente uma verdade factual que as pessoas tendem a expôr a sua intimidade na internet de uma maneira que, há algum tempo, não teriam coragem de fazer nem diante de bons amigos verdadeiros. É fato que ter amigos hoje em dia é mais fácil do que nunca e, mesmo assim, os amigos verdadeiros continuam sendo jóias raras – talvez até mais raras do que antigamente. Isso porque os falsos amigos – as superficiais amizades virtuais – terminam por tomar o lugar das amizades verdadeiras. Quando as moedas falsas entram em circulação e as pessoas não sabem distingui-las das verdadeiras… é alguma surpresa constatar que o dinheiro de verdade tende a existir cada vez menos?

Mas a pergunta que realmente incomoda aqui, como já coloquei anteriormente, é: por que as pessoas teimam em agir desta maneira? A despeito de todos os conselhos, de tanto quanto já se escreveu sobre o assunto, e até mesmo das (inevitáveis) decepções com estas amizades que, cedo ou tarde, terminarão por aparecer… a despeito de tudo isso, por que as pessoas insistem em colecionar amigos e – pior ainda! – esperam encontrar, em cada um desta multidão, o tesouro da amizade verdadeira?

A única explicação possível é, não surpreendentemente, bastante simples: nós fomos feitos para termos um milhão de amigos. Também aqui se nos afigura aquele abismo insaciável de nossa alma que é, em última instância, evidência da existência de Deus: há um vazio em nós que não conseguimos completar neste mundo. Sentimos a necessidade de preenchê-lo e, por mais que o tentemos, não o conseguimos. Do mesmo modo, temos desejo – quiçá mais: necessidade! – de incontáveis pessoas com as quais nos relacionarmos. E o que é o sucesso estrondoso (e, não raro, irresponsável) das redes sociais, senão uma tentativa de resposta humana (e, por definição, insuficiente) para as nossas ilimitadas capacidade de amar e necessidade de sermos amados?

Sim, eu quero ter um milhão de amigos. E, se o bom Deus permitir, eu o terei: não neste mundo, mas um dia, junto a Ele. Um amigo fiel é um tesouro, como dizem as Escrituras Sagradas; mas Deus nos fez para incontáveis tesouros. Vislumbramos já isso cá na terra, no mistério da comunhão dos santos – que pode ser vista, afinal de contas, como uma grande rede de amizades verdadeiras. Uma dia, veremos face a face. Teremos aquilo que queremos, e que não somos capazes de conseguir nesta terra. Teremos aquilo que só Deus nos pode conceder.

Impressões no EJF

Impressiona-me, sinceramente, a vitalidade do Regnum Christi e dos Legionários de Cristo. A despeito dos escândalos com o padre fundador que recentemente vieram à tona, no Encontro de Juventude e Família deste ano tenho [re]encontrado muitas pessoas que dão sinceros exemplos de amor a Cristo e à Igreja.

E, digam o que disserem, esta vitalidade é própria do Cristianismo. Quando é perseguido, é que ele cresce; nas tribulações, glorifica a Deus. No meio das adversidades, não esmorece: prodigioso fenômeno que, aqui, é tão fácil de constatar! Não se trata de defender o pe. Maciel que, aqui, trago somente à guisa de exemplo. A imagem da Legião foi grandemente prejudicada pelos fatos recentes que vieram a público – isto é um fato. Alguns abandonaram o Movimento – é outro fato. Mas que outros tantos – muitos! – permaneceram fiéis e, ainda, outros vieram engrossar as fileiras do Regnum Christi mesmo após os escândalos, isto também é fato. E não pode ser ignorado.

Falava aqui no Deus lo Vult! há pouco tempo sobre o sândalo ferido pelo golpe de Deus, a perfumar o mundo de uma maneira agradável ao Onipotente. Nos sofrimentos, glorificar a Deus; esta é uma realidade que não tem nada de trivial, nada de fácil, nada de prazeroso. Muito pelo contrário. Espera-se (e, em certo sentido, até se exige) que as pessoas agradeçam a Deus quando todas as coisas correm bem. Mas, quando alguém dedica a sua vida ao serviço do Altíssimo e, mesmo assim, tudo desmorona… perseverar é heroísmo. Manter-se fiel é santidade.

De novo: o Movimento está aqui como exemplo, e a atitude destas pessoas – muitas das quais conheço há anos – prescinde completamente de considerações sobre os erros do padre Maciel. O fato inconteste é que há muitos inocentes (não somente no Regnum Christi, mas sem dúvidas também aqui), que sofrem sem culpa: e ver precisamente estes se manterem firmes é contemplar uma característica genuinamente cristã; é testemunhar a ação da graça de Deus. Porque não é em homens nem em instituições humanas que estas pessoas – estas, as que permaneceram – pōem a sua confiança. Sem dúvidas não. E ver com clareza para além das aparências – e até mesmo contrariamente às aparências – não é uma atitude de imaturos, ou de bobos úteis enganados, ou de irresponsáveis que ignoram as coisas de Deus; muito pelo contrário. É atitude de quem tem Fé, e de quem entendeu o que significam aquelas palavras de Nosso Senhor: “se alguém quiser vir após Mim, renuncie a Si mesmo, tome a Sua cruz a cada dia e siga-Me”.

Que Deus abençoe o Movimento Regnum Christi, e os Legionários de Cristo. Que a Virgem Santíssima interceda por todos estes, a fim de que o Altíssimo saiba transformar o mal em abundância de bem. Para a Sua maior glória.

A baía de Guanabara. Os amigos distantes

Escrevo do celular, no ônibus que – assim espero – vai me levar ao Rio Centro, onde começa hoje à noite o Encontro de Juventude e Família. Os dias estão curtos, mas intensos. Divertidos.

É sempre bom rever amigos! Ontem estive com o Thiago Amorim (@tht) e com o Tarcísio, seu irmão. Entre hoje e domingo espero também reencontrar outras pessoas. O tempo, como até então, vai ser curto; mas esforcemo-nos por fazê-lo bem vivido.

Até domingo estou-me por cá, pela cidade maravilhosa cheia de encantos mil que tanto aprecio. Além de rever velhos amigos, apraz-me também voltar a lugares por onde passei alhures. Olhar o mar do Arpoador, subir o Corcovado, tirar fotos com o Drummond eternamente sentado em Copacabana… o tempo passa, mas muitas coisas não mudam. O Rio de Janeiro continua lindo. É sempre bom voltar. Aliás, em http://www.twitpic.com/photos/jorgeferraz estou tentando pôr as fotos que tiro. Vejam lá.

E, entre um sotaque diferente e outro, entre a paisagem recortada fluminense tão diferente da do meu Recife, é reconfortante encontrar coisas que resistem ao passar do tempo. Coisas das quais me lembro, apesar de não as ver com a freqüência de que gostaria. A baía de Guanabara. Os amigos distantes. Coisas para as quais podemos voltar, com a segurança de que as encontraremos como as deixamos. Coisas que desafiam a cultura do passageiro e do descartável dos nossos dias. Obrigado, Senhor.

Rascunhos de viagem

Cheguei de viagem. Muitas coisas para fazer, sono atrasado a recuperar, pendências deixadas a serem resolvidas… Mas é mais fácil fazer qualquer coisa quando se está satisfeito com o justo prazer recém-aproveitado.

Aviões e aeroportos são estressantes. Rever os amigos, é rejuvenescedor. Gosto de visitar os lugares já outras vezes visitados; gosto de ver o efeito do tempo nas cidades. O que mudou, o que mudei. Gosto de lembrar.

Lembrei-me, por exemplo, de maio de 2007. Não havia Deus lo Vult!, mas havia Jorge. Ia a São Paulo ver o Sumo Pontífice. Foi a primeira vez que o vi de perto, a primeira vez que lhe ouvi a voz. Na janela do mosteiro de São Bento. Revi a janela, e saboreei a nostalgia: aqui, ouvi Pedro falar.

Algumas fotos de que gostaria não puderam ser batidas. Mas registrei-as com os olhos. Como dentro do mosteiro, na capela do Santíssimo do lado direito, onde o Sucessor de Pedro um dia ajoelhou-se e rezou. Também eu me ajoelhei e rezei: ut inimicos sanctae Ecclesiae humiliare digneris, Te rogamus, Domine, audi nos.

E fui à Catedral. Gótica. No centro de São Paulo. À frente, um herege esbravejava e gabava-se de estar há quinze anos denegrindo a imagem da Esposa de Nosso Senhor e de Sua Mãe Imaculada. Ouvi dizerem que a Igreja matou cinqüenta milhões de cristãos durante a Inquisição; ouvi o “pastor” que pregava dizer, com convicção, que foram mais. É inútil. Tiro o terço do bolso, bato o pó do tênis e dirijo-me à catedral. Rezar em desagravo à Mãe Santíssima. E suplicar ao Altíssimo do fundo da alma pela conversão dos pecadores, liberdade e exaltação da Santa Madre Igreja.

Ando por algumas ruas, ainda sozinho. Sozinho? Nunca. Logo que saí do hotel, na primeira manhã, encontrei aberta a Igreja de Santa Efigênia e entrei. Lá, o Santíssimo exposto; e, num instante, sinto-me em casa. Na presença de todos os meus irmãos e irmãs que, comigo, participam do Corpo e do Sangue do Salvador. Em qualquer parte do mundo. Agradeço a Deus por ser católico: a sensação de familiaridade obtida ao entrar em qualquer igreja de qualquer lugar do mundo, não encontro palavras para exprimir.

Mas tenho amigos a encontrar. Alguns a rever; outros, a conhecer pessoalmente pela primeira vez. Telefonemas, metrôs, ônibus, rodoviárias… encontramo-nos. Que Deus lhes pague a hospitalidade! Conversas e música, e pizzas e cigarrilhas, e cerveja e feijoadas; visitando lugares encantadores e aterradores, rindo-nos e lamentando-nos. Mas sempre com esperança.

A esperança de que a noite não pode durar para sempre, a esperança que se alimenta das pequenas notícias trazidas, ora por um, ora por outro. A esperança rejuvenescida quando vemos que não estamos sós. Quando entramos nas igrejas e vemos as pedras que ultrapassam os séculos, quando estamos de joelhos diante do Santíssimo Sacramento e encontramos outros – irmãos desconhecidos – de joelhos ao nosso lado, quando passamos algum tempo na companhia das pessoas que, conosco, compartilham um profundo amor à Igreja e uma vontade firme de tudo fazer para a maior glória de Deus… aí, sim, alimentamos a nossa esperança. Deus é, afinal, Senhor da História. Que chegue até Ele o nosso clamor. Que Ele ouça a nossa oração. E que nos guarde sempre a Virgem Mãe de Deus, Auxilium Christianorum, que desde a Sua concepção é vencedora de Satanás. Que Ela nos mantenha acesa a chama da esperança, e possa apressar a sua realização.