Miscelânea: manuscritos, Beleza, divórcios, senso comum, ateísmo

– A descoberta de uma Bíblia de 1500 anos, dizem, «preocupa [o] Vaticano». Por quê? Por se tratar de um «original» (sic) do «Evangelho de Barnabé» que, entre outras coisas, teria previsto «a vinda do profeta Maomé, mostrando a verdade da religião do Islã» (!).

Como é possível que um manuscrito «do século V ou VI» possa ser o «original» de Barnabé se este viveu no século I da Era Cristã é um mistério que está para muito além da capacidade de entendimento dos meros mortais. Afora esse prodígio verdadeiramente portentoso, contudo, não há nada de novo na descoberta. O Evangelho de Barnabé (inclusive com a suposta profecia sobre o Islã) já é conhecido. A única coisa digna de nota aqui é a data: a dar crédito às notícias, o manuscrito recém-descoberto seria de um século antes do próprio nascimento de Maomé. A julgar pelo que já se sabe do livro, contudo, isto seria claramente impossível. Provavelmente estamos diante de mais uma falsificação, com a qual não é necessário desperdiçarmos o nosso tempo.

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– O culto à feiura no mundo revolucionário – merece (e muito) uma leitura. «Tragicamente, nosso mundo não reconhece sequer o que é o feio. Já dissemos que a beleza é aquilo que quando visto agrada e, portanto, o lógico seria que o feio fosse aquilo que quando visto desagrada. Mas olhem para a nossa sociedade, na qual o que agrada é o macabro, o esquisito, o torto e o deformado; na qual, por muitos anos, a peça mais popular de cinema — número um durante semanas — foi um filme sobre um canibal. São o mal e o feio que agora deleitam. Bem-vindos ao bravo novo mundo: o que em outra época teria sido chamado de mau agora é qualificado como bom, e o que era considerado feio é agora considerado bonito».

Nestes tempos em que mesmo a nossa arquitetura sacra é destituída do mais elementar senso estético, encontrar um padre defendendo o valor da Beleza é um verdadeiro refrigério. Ouçam-no! No meio do turbilhão de valores em que vivemos, é a Beleza que salvará o mundo.

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– Este texto do Ad Hominem conclama à leitura de “Claro Escuro”, de Gustavo Corção. Faço coro ao pedido; a coletânea de artigos do grande jornalista foi uma das leituras mais prazerosas e instrutivas sobre o assunto que eu já fiz na minha vida. O transcurso dos anos não foi capaz de mitigar o impacto que as palavras de Corção ainda hoje provocam em mim; ainda hoje, leio-o com o deslumbramento de quem estivesse lhe pondo os olhos pela primeira vez. Não são todos os autores os que são capazes desse prodígio.

Para exemplificar isto que estou tentando dizer, trago apenas um excerto do excerto trazido pela Day Teixeira, enfaticamente recomendando aos meus leitores que procurem a íntegra da obra:

Assim como se abrem os olhos [da criança] para o jogo das leis naturais, abrem-se também para essa realidade de pedra que a protege, que a envolve, como paredes de uma casa viva. Por isso, a separação dos cônjuges terá para a criança um aspecto de alucinação. Não se trata apenas de um afastamento livremente consentido de duas pessoas que livremente se uniram. Não será apenas a quebra de um juramento ou a rescisão de um contrato. A separação dos pais, para a criança, é um absurdo. Não é um drama moral, é uma tragédia cósmica. Não é conflito de duas pessoas, é conflito dos elementos constitutivos do universo. O mundo enlouqueceu se os pais se separam. Na mente infantil, a repercussão afetiva e intelectual significa um abalo de todas as fundamentais experiências até então colhidas. É como se a água deixasse de molhar, o sol deixasse de brilhar, a pedra deixasse de ser dura. Não é muito difícil extrapolar as consequências de tão brutal experiência: os psiquiatras estão aí para dizer no que dão os filhos do divórcio.

Sensacional.

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– “A filosofia do senso comum”, na Revista Vila Nova. Dentre os quatro «elementos fundamentais do senso comum» que Chesterton coloca como premissas necessárias à compreensão das coisas ao nosso redor, destaco um:

2. Todo homem em sã consciência, acredita não somente que este mundo existe, mas também que ele tem importância. Todo homem acredita que há, em nós, um tipo de obrigação de nos interessarmos por esta visão da vida. Não concordaria com alguém que dissesse, “Eu não escolhi esta farsa e ela me aborrece. Fiquei sabendo que uma senhora idosa está sendo assassinada no andar de baixo, mas eu vou é dormir”. O fato de que há um dever de melhorar coisas não feitas por nós é algo que não foi provado e não se pode provar.

E este «dever de melhorar coisas não feitas por nós» é talvez um dos elementos mais indispensáveis à vida em sociedade. No entanto, que importância se lhe dá hoje em dia…? De tanto serem cerceadas as investigações sobre a sua gênese, talvez um dos maiores desafios atuais seja limitar o efeito social deletério dos que, de tanto se desinteressarem por essas coisas, chegam a negar a sua própria existência.

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«Na primeira condenação no Brasil por discriminação contra religiosos, a justiça condenou este ano a rede de televisão Bandeirantes depois que um de seus apresentadores afirmou que o assassinato de uma criança só podia ter sido cometido por ateus, também acusados por ele “da guerra, da peste, da fome e de tudo o mais”».

Trata-se de uma matéria do Diário de Pernambuco sobre o ateísmo, e a condenação à qual ela se refere é a que o Datena sofreu por conta de denúncia da Atea. Já a conhecia, mas ainda não atentara para o fato de que o ateu foi beneficiado pela lei que proíbe a «discriminação contra religiosos». De fato, no relatório da referida sentença, há o seguinte:

Este atuar, no entendimento do autor, extrapola os limites da liberdade de expressão, estando tipificado penalmente no artigo 20, parágrafo 2°, da lei 7.716-89.

E o que é que diz o Art. 20 da 7716/89? Simplesmente tipifica o crime de «[p]raticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional». Ora, como ateísmo evidentemente não é “raça”, “cor”, “etnia” e nem “procedência nacional”, segue-se que a única discriminação que o apresentador da Bandeirantes pode ter cometido é a de «religião». Quando lhes convém, os ateístas aparentemente não têm nenhum problema em serem contados entre os religiosos.

Não deixa de ser irônico. Quando nós dizemos que o ateísmo é claramente uma posição religiosa com no máximo tanto valor quanto qualquer outra religião da humanidade, começa a chover ateísta protestando. No entanto, quando a religião ateísta se sente ofendida em cadeia nacional, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos não se faz de rogada e passa a exigir que seja aplicada em seu favor uma lei que proíbe o preconceito de «religião».

Cristo, «o Salvador de todos, sobretudo dos fiéis»

Com relação à polêmica – no meu entender desnecessária, como expliquei – envolvendo a recente declaração do Papa Francisco de que Cristo morreu na Cruz do Calvário por todas as pessoas, incluindo os ateus, gostaria de indicar dois textos que o prof. Angueth colocou em seu blog desde a última vez que o mencionei aqui.

O primeiro é uma resposta ao meu texto anterior. Aqui há pouco a se discordar. Vale uma leitura, quando menos pela formulação elegante que o professor fez da tensão entre vontade salvífica de Deus e capacidade humana de rejeitá-Lo, que diz tudo o que eu gostaria de ter dito de um modo muito mais claro e conciso: «Evangelizar é acreditar no “pro omnibus”, mas apenas no sentido de aumentar o número dos “pro multis”». Lapidar.

Sobre o modo como o professor interpreta a referida homilia papal, alegando que ela causa confusão, sou partidário da idéia de que esta confusão é toda ou quase toda causada não pela homilia em si, mas pela repercussão que se faz dela e (principalmente) pela forma como se lhe repercute. Penso que é injusto exigir do Papa (ou mesmo de qualquer pessoa na face da terra!) que se expresse sempre de modo a não permitir aos seus inimigos a manipulação ideológica de suas palavras. E, portanto, penso que a causa católica mais precisa de quem desfaça as confusões do que de quem lhes engrosse o coro dos alardeadores.

O segundo texto é da autoria do pe. Anderson Alves, que os leitores do Deus lo Vult! certamente já conhecem. Traz excertos interessantes do Denzinger sobre o assunto que merecem ser conhecidos, dos quais traduzo só o primeiro:

(Concílio de Arles, 475. Denzinger 160b): «Confieso también que Cristo Dios y Salvador, por lo que toca a las riquezas de su bondad, ofreció por todos el precio de su muerte y no quiere que nadie se pierda, El, que es salvador de todos, sobre todo de los fieles, rico para con todos los que le invocan [Rom. 10, 12]…»

[(Concílio de Arles, 475. Denzinger 160b): «E confesso também que Cristo, Deus e Salvador, em razão das riquezas de Sua bondade, ofereceu por todos o preço de Sua morte e não quer que ninguém se perca. Ele, que é o Salvador de todos, sobretudo dos fiéis, rico para com todos os que O invocam [Rm 10, 12]…»]

Ora, então Cristo é Salvador «sobretudo dos fiéis»? Por que o «sobretudo»? Então é Ele também o Salvador dos infiéis?

Sim e não. Sim, se com isso entendemos que Ele padeceu e morreu também pelos que se perdem; e não, se interpretarmos que mesmo os infiéis se salvam pelo fato de terem um Salvador. A primeira interpretação é o ensino de sempre da Igreja; a segunda, uma heresia tresloucada. Eis aí um excelente exemplo de como é necessário que a Doutrina Católica seja interpretada organicamente. E isto, note-se, num Concílio Local, não numa homilia de cinco minutos improvisada.

Em resumo, não há elementos para sustentar que o Papa Francisco tenha uma visão heterodoxa da Doutrina Católica. Mesmo as acusações de imprudência e de propiciar a confusão por conta de imprecisões terminológicas carecem de razoabilidade. O mundo está contra o Papa, e isso se manifesta inclusive quando o louva e bajula por conta de coisas que ele não disse, não fez e não é. Coloquemo-nos ao lado dele. Rezemos por ele. Estejamos unidos a ele, para que estejamos unidos a Cristo.

Papa Francisco e os ateus, filhos de Deus

A motivação deste post me vem de duas fontes distintas. Uma diz que o Papa “confundiu” pro multis e pro omnibus; a outra, que o Papa afirmou a heresia da salvação universal. Aos que tenham se sentido confusos com estes artigos (ou outros análogos), oferecemos este contraponto, esperando que possa ser útil.

Quanto ao primeiro texto, a resposta é imediata: uma coisa é a redenção objetiva e, outra, a redenção subjetiva. Aquela diz que o Santíssimo Sangue de Nosso Senhor derramado na Cruz do Calvário é suficiente para a salvação de todos os homens; esta, que – não obstante – os méritos de Cristo são eficazes apenas para os que aceitam voluntariamente o Sacrifício Vicário de Cristo, por meio da Fé e dos Sacramentos. A primeira é o pro omnibus e, a segunda, o pro multis. Afirmar a precisão histórica desta no contexto das palavras da Consagração que Cristo ensinou aos Seus apóstolos na Última Ceia não é (nem de longe!) a mesma coisa que sustentar ser aquela herética em qualquer contexto em que seja empregada. Aliás, é o próprio Bento XVI quem o afirma, em carta enviada há pouco mais de um ano à Conferência Episcopal Alemã (grifos meus):

Isto põe em evidência um elemento muito importante: a tradução «por todos» de «pro multis» não era, de facto, simples tradução, mas uma interpretação. Esta tinha seguramente fundamento, e continua a tê-lo; contudo é mais do que uma tradução, é já interpretação.

[…]

Porventura o Senhor não morreu por todos? O facto de Jesus Cristo, enquanto Filho de Deus feito homem, ser o homem para todos os homens, ser o novo Adão faz parte das certezas fundamentais da nossa fé. Sobre este ponto, queria apenas recordar três textos da Escritura. Deus entregou seu Filho «por todos»: afirma Paulo na Carta aos Romanos (Rm 8, 32). «Um só morreu por todos»: diz-se na Segunda Carta aos Coríntios, ao falar da morte de Jesus (2 Cor 5, 14). Jesus «entregou-Se a Si mesmo como resgate por todos»: está escrito na Primeira Carta a Timóteo (1 Tm 2, 6). Mas então devemos, ainda com maior razão, pôr-nos a questão: Se isto é assim claro, porque é que na Anáfora Eucarística está escrito «por muitos»? O motivo é que a Igreja tomou esta formulação das narrações da Instituição no Novo Testamento. Ela diz assim por respeito à palavra de Jesus, para se Lhe manter fiel até mesmo nas palavras. O respeito reverencial pela própria palavra de Jesus é a razão de ser da formulação da Anáfora Eucarística.

Portanto, não há absolutamente nenhum problema em afirmar que Cristo morreu «por todos» nós. Aliás, o próprio texto da Montfort indicado no Blog do Angueth explica a diferença entre redenção objetiva e redenção subjetiva, donde se vê que a estranheza do professor manifestada em seu artigo, data venia, é incompreensível.

Quanto ao segundo texto, digo o seguinte:

Primeiro, que não há problema algum em afirmar que Nosso Senhor “ampliou os horizontes” dos discípulos. É aliás óbvio que Ele fez isso, posto que a alternativa é pretender que os Apóstolos sempre souberam tudo e Nosso Senhor nada teve a lhes ensinar! Claro que Cristo corrigiu muitas das idéias erradas dos discípulos e mesmo dos Apóstolos, os Evangelhos estão cheios de exemplos disso. Absurdo (e aliás herético) seria afirmar que Nosso Senhor incutiu idéias erradas nos Apóstolos, e não que Ele corrigiu os pensamentos errados que os Apóstolos tinham.

Segundo, que os católicos jamais mataram em nome de Deus, pelo menos não nos eventos históricos que costumam ser evocados como exemplo disso (v.g. Inquisição e Cruzadas). Aliás, parece-me claro que o Papa não está pensando na história da Igreja ao fazer esta crítica, porque ele vai mais fundo e diz que isso «é simplesmente uma blasfêmia». Ora, como o Antigo Testamento está repleto das guerras de Israel e das prescrições divinas para a morte dos corruptores da religião judaica, é claro que o Papa Francisco não pode estar chamando de «matar em nome de Deus» coisas como a Guerra Justa ou a pena de morte legitimamente aplicada aos falsificadores da Religião Verdadeira. A alternativa – outra vez absurda – é sustentar que o Papa estaria dizendo que o Antigo Testamento é «simplesmente uma blasfêmia», e a hipótese de que o líder máximo da Igreja Católica possa ter em tão repugnante conta [mais da] metade do livro sagrado da sua religião simplesmente não faz sentido para ninguém que pretenda manter intacto seu senso de realidade.

Ao invés, existe uma certa religião que – aí sim – é conhecida por “matar em nome de Deus”: trata-se do Islã, cuja Jihad faz até hoje tantas vítimas entre aqueles que não aceitam prostrar-se diante de Allah e seu profeta, e portanto é muito mais razoável supôr que foi a esta que o Papa Francisco dirigiu as suas imprecações. Considerando isso, e dado que hoje em dia não existe nenhum indivíduo ou grupo católico que pretenda (mesmo em teoria!) matar não-católicos em nome de Deus (*), a hipótese de que o Papa esteja se referindo a um comportamento inexistente nos dias de hoje unicamente para desmoralizar a Igreja Católica (!) carece de verossimilhança.

[(*) O IRA, que é o exemplo que poderia ser citado para negar a minha afirmação, não se encaixa aqui pois i) não conta com o apoio da Igreja; ii) usa o elemento religioso – isso quando o usa… – unicamente como pretexto para disfarçar conflitos políticos; e iii) não faz parte do contexto próximo ou remoto da homilia pontifícia. No entanto, mesmo admitindo que o Papa pudesse estar pensando no Exército Republicano Irlandês quando condenou o «matar em nome de Deus», ainda assim as suas colocações seriam legítimas e pertinentes e a) nem autorizariam “retroagir” sua condenação para abarcar também eventos católicos do passado e b) nem deixariam de valer como crítica às outras religiões que ainda hoje fazem guerra «em nome de Deus».]

Terceiro, que Deus morreu por todos os homens sim, como foi explicado acima, e que o Sangue d’Ele é suficiente para redimir o mundo inteiro sim, embora isso naturalmente não signifique que todas as pessoas vão inexoravelmente se salvar sem fazer nada para isso.

Quarto, que a filiação de Deus é dupla: por um lado recebemos a filiação divina pelo Batismo sim e não sem ele, mas por outro todos os seres humanos – mesmo os ateus – somos filhos de Deus por conta da nossa inteligência e nossa vontade, que são a imagem de Deus em nós. Assim nos ensina São Pio X no Terceiro Catecismo da Doutrina Cristã (negritos meus):

285) Por que podemos nós dizer que somos filhos de Deus?

Somos filhos de Deus:

1º porque Ele nos criou à sua imagem e nos conserva e governa com a sua providência;
2º porque, por especial benevolência, Ele nos adotou no Batismo como irmãos de Jesus Cristo e co-herdeiros, juntamente com Ele, da eterna glória.

Portanto, mesmo os ateus são filhos de Deus, porque Ele os criou à Sua imagem e os conserva e governa com Sua providência. Destarte, o Papa não disse nenhuma novidade – apenas repetiu um ensinamento tradicional da Igreja – quando lembrou que, em certo sentido, mesmo os que não crêem são filhos de Deus.

Por fim, quinto, que é verdadeiramente espantoso não se ter percebido o mais importante desta homilia, que é o seguinte: quando o Papa diz que «todos nós temos o dever de fazer o bem» e que isso «não é uma questão de fé, mas um dever», ele está lançando um duro ataque contra a ditadura do relativismo e explicando que não é porque fulano ou sicrano crê ou deixa de acreditar que ele pode se considerar eximido de seguir os ditames morais que valem para todos! Ora, num mundo em que os hipócritas clamam o direito de casar homem com homem porque não são católicos e em que dizem à Igreja para que Ela não imponha a Sua proibição ao aborto àqueles que não comungam da Fé Católica, afirmar que até os ateus têm o dever moral de fazer o bem é um duro golpe no ateísmo mesmo e o sepultamento definitivo do relativismo moral que grassa nos dias de hoje.

Este ensinamento não é só verdadeiro: é tremendamente oportuno. Se não percebem isso aqueles que por um lado louvam o Papa por ter alegadamente aberto o Céu aos ateus e por outro aqueles que o criticam por supostamente ter negado a Igreja fundada por Cristo, é porque estão mais preocupados com os seus pré-julgamentos do que com a compreensão serena e desapaixonada daquilo que o Vigário de Cristo tem para nos dizer.

«Se não acreditamos em Thor, por que crer no Deus cristão?»

“Se não acreditamos em Thor, por que crer no Deus cristão?”, questiona-se (incrivelmente, a sério) o Richard Dawkins. A estapafúrdia pergunta, feita por uma pessoa que vergonhosamente lidera uma recente lista “com os maiores intelectuais do mundo” (sic!), causa-nos perplexidade e angústia. Como ele pode ser tão burro?

Os ateístas fanáticos (dos quais o Dawkins é um excelente exemplar) padecem de uma grave deficiência intelectual que, aparentemente, lhes veta à razão o mais rudimentar raciocínio abstrato. Qualquer crente do mundo sabe responder a esta pergunta simplória e sem sentido. É embaraçosamente evidente: nós acreditamos em Deus e não em Thor porque Deus existe, e Thor não. Como é possível que uma pessoa supostamente estudada não consiga entender isso?

Se fosse possível escolher um sentimento para descrever o que estas patacoadas do Dawkins provocam, tal seria “vergonha alheia”. Ser ignorante não é vergonha; ser ignorante e julgar-se inteligente, contudo, é degradante. Mas nem o Dawkins nem os seus asseclas percebem o patético espetáculo que desempenham em público: cega-lhes a bazófia que não conseguem conter. Pensam que seus dogmas obtusos são verdades apodícticas. São manifestamente incapazes de pensar fora da minúscula caixinha que lhes estreita o horizonte intelectual. É verdadeiramente espantoso.

A pergunta relevante não é e nem pode ser por que acreditar em Deus e não em Thor. A pergunta relevante, como o percebe qualquer pessoa sã, é como saber que Deus existe mas Thor não; ou, dito de outra maneira, como saber qual é o Deus verdadeiro. A isto responde a Igreja com o que tradicionalmente se chama de praeambula fidei, os “preâmbulos da Fé”, ou seja, verdades alcançáveis à luz da razão natural que preparam e apontam para a verdade do Cristianismo. Tais são, por exemplo, o conhecimento natural a respeito da existência de Deus e a verdade histórica do Cristianismo, coisas que qualquer pessoa honesta é capaz de alcançar. O grande problema é que os fanáticos ateístas desprezam a Filosofia e a História e, depois, vêm reclamar “provas”. Comportam-se mais ou menos como aquele sujeito do qual falava Chesterton (inglês como Dawkins, mas mais inteligente do que este), que pede testemunhos da existência do sobrenatural e, quando apresentado a um sem-número de vozes unânimes de todos os tempos e culturas que o atestam, simplesmente responde que não servem porque se tratam de “pessoas supersticiosas que acreditavam em qualquer coisa”. Ora, para respondermos às gabarolices do Dawkins, poderíamos dizer simplesmente isso e mais nada: se não acreditamos em Chesterton, por que crer no biólogo inglês? E já estaria bem respondido.

A grande verdade é que não existe nenhuma razão plausível para que devamos dar mais crédito às sandices de Dawkins et caterva do que à voz dos sábios de todos os tempos. O fato daqueles não entenderem Filosofia não anula o acerto das conclusões metafísicas mais do que a ignorância de um aluno desleixado a respeito da Física Moderna compromete a Teoria da Relatividade. As alegações de explicações mirabolantes para fenômenos históricos incontestes não se assemelham em nada a “desmenti-los” ou “refutar-lhes” o significado que sempre se lhes atribuiu. A crendice pueril que eles têm numa “Ciência” etérea e endeusada [v.g. «[e]u não sei ainda, mas estou trabalhando para saber» – Dawkins, C.R., op. cit.] não tem o condão de tornar falso todo o conhecimento religioso humano acumulado ao longo dos séculos. O que lhes sobra?

Sobram os espantalhos sem sentido, todos eles versões mais ou menos sofisticadas do Bule Voador de Russell. Mas isso já cansou de ser respondido e, aliás, é muito fácil responder. Não há nada de novo sob o sol (o negrito é meu):

O “Bule Voador” realmente existe!

Ele foi crido por índios americanos que deram a ele nomes e varias personalidades, dedicaram cultos e acreditaram nele. […]

Os pagãos abundaram em “Bules Voadores”, e de muitas formas o cultuaram, seus ritos muitas vezes incompreensíveis aos não iniciados, carregavam definições milenares de contatos com estes “Bules Voadores”, que tanta influência em suas vidas exercia.

[…]

E os Judeus? Sempre acreditaram que seu “Bule Voador”, voava por eles e assim viveram e vivem a milhares de anos, pode ser que todo o contato que diziam ter com seu “Bule Voador” fosse ilusão, desespero e desejo, mas este “Bule Voador” que jamais viram foi sempre sem dúvida determinante na história deste povo e não foi preciso descobrir quem colocou o “Bule Voador” a voar.

Eu jamais pedira que Russel provasse sua história do “Bule Voador”, se sua existência fosse a única explicação plausível, do porquê tantos povos distantes no tempo e no espaço, desejassem chá de um mesmo bule.

Se o fanatismo ateísta permite aos que dele padecem entender ou não isto, é um outro problema. Mas o fato que salta aos olhos a quem analisa o fenômeno religioso é que Thor mais evidencia a existência de Deus do que a nega! Muito ao contrário de constituírem um empecilho à Fé, os inumeráveis panteões pagãos que juncaram a história da humanidade dão eloqüente testemunho em favor da existência de um Deus. Chesterton, de novo ele, diria com seu tradicional bom humor que os falsos deuses não lançam dúvidas sobre a Religião Verdadeira mais do que as notas falsas de vinte libras implicam na inexistência do Banco da Inglaterra. Que os ingleses de hoje tenham mais dificuldade para entender isto do que os de outrora apenas nos revela o quanto fomos capazes de regredir em cem anos.

“E que é que Vossemecê me quer?”

Hoje é o dia de Nossa Senhora de Fátima, é o dia em que, há quase cem anos, três pastorinhos portugueses encontravam-se pela primeira vez com aquela Senhora que Se dizia do Céu. A história é-nos por demais conhecida, mas nunca é demais relembrá-la; porque a sua força transcende os anos e as décadas e nos desconcerta ainda nos dias de hoje. Três crianças e uma Senhora vinda do Céu.

“E que é que Vossemecê me quer?” A pergunta, feita em 1917 por uma criança, bem poderia ser repetida por cada um de nós. Ó Senhora, o que é que quereis de mim? Devíamos fazê-la e fazê-la de novo a cada dia, colocando-nos à disposição d’Aquela que o próprio Senhor nos deu por Mãe e que, a despeito de nossa incredulidade e dos nossos pecados, dignou-Se aparecer para nós. Que mistério assombroso é o dessa aparição, o que ela significa na nossa vida? Eis uma pergunta que deveríamos fazer a cada dia! Afinal, foi precisamente isto o que Bento XVI nos disse em Portugal, há exatos três anos, quando celebrou a sua última missa diante da esplanada do Santuário de Fátima: «Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída». E nós, que tivemos a imerecida graça de conhecer as maravilhas realizadas em Fátima, o que devemos fazer? O que o Todo-Poderoso espera de nós? O que esta Senhora nos quer?

Fátima, todos sabemos, é a grande resposta à incredulidade de um mundo que, no início do século XX, já começava a virar as costas a Deus. A seqüência de aparições hoje inaugurada culminou, em 13 de outubro de 1917, com o grande milagre do sol, presenciado por milhares de pessoas. Ora, de todos os milagres realizados por Nosso Senhor nos Evangelhos, talvez somente o da Multiplicação dos Pães pode ser comparável a este em número de testemunhas; como é possível que isto não nos signifique nada?

E, naquele dia de outubro de 1917, os incrédulos de todos os naipes foram a Fátima. E voltaram assombrados: nós temos os registros dos que foram testemunhas oculares do «macabro bailado do sol» daquele dia 13 terrível. Está lá:

Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fieis e deixou naturalmente impressionados – ao que me asseguraram sujeitos fidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.

Mas seria muita impiedade de nossa parte reduzir a mensagem de Fátima àquilo que ela tem de maravilhoso. A Santíssima Virgem não teria descido dos Céus apenas para balançar o Sol sobre as cabeças dos livres-pensadores que, já naquela época, empestavam Portugal. A incredulidade contra a qual se levanta a Virgem de Fátima é também a nossa incredulidade: a nossa desesperança, a nossa dureza de coração.

Dureza de coração, porque pecamos; e, mesmo com todas as mercês que Deus tem nos concedido, parece que temos um prazer mórbido em continuar pecando! Contra esta ofensa horrenda que dedicamos ao Todo-Poderoso, aquela Senhora Terrível nos levanta o tríplice brado de “Penitência!” que o Anjo do Terceiro Segredo dirige a toda a terra. E, contra a desesperança à qual podemos ser conduzidos ao contemplarmos desolados os escombros da Cidade de Deus, a Bondosa Senhora do Céu nos promete que, no final, triunfará o Seu Imaculado Coração.

Aproximamo-nos do Centenário das aparições de Fátima; vai fazer um século! Mas, se voltarmos os nossos olhos para a Cova da Iria com olhar sobrenatural, percebemos que bem poderia ter sido ontem. O mundo não parece estar menos incrédulo do que em 1917, e os pecados então cometidos não parecem mais graves do que estes com os quais ainda hoje ofendemos a Deus. Como é possível que coisas tão extraordinárias nos tenham acontecido e, mesmo assim, estejamos tão parecidos com o que éramos antes…? Voltemo-nos para Fátima, aproximemo-nos humildemente desta Amável Senhora. Perguntemo-Lhe o que Ela deseja de nós. Ouçamos o Seu pedido por penitência que temos sido tão negligentes em atender; e comecemos a fazer a nossa parte para sermos um pouco mais o que Ela nos chama a ser. Talvez assim Deus Se compadeça de nós. Talvez assim Ele nos conceda a graça de contemplarmos o prometido Triunfo do Imaculado Coração de Sua Mãe.

Amostras de conservadorismo ateu: as domésticas e o pastor na CDHM

O mundo é engraçado. Poucas pessoas seriam tão improváveis de terem os seus textos recomendados aqui no Deus lo Vult! quanto o Janer Cristaldo, ateu ferrenho com não raros rasgos de anti-clericalismo, cuja (louvável) verve anti-comunista sempre se me afigurou mais como dissonância do mainstream do que construção política propositiva. Hoje, no entanto, trago aqui dois recentes textos de sua autoria: um sobre a assim chamada “PEC das Domésticas” e, outro, sobre o deputado Marco Feliciano.

Faço-o mais como provocação do que outra coisa, mais como uma espécie de ad hominem do que para encerrar o assunto: com eles, quero mostrar que os costumeiros chiliques de sacudir o fetiche do “Estado Laico” diante do interlocutor e de acusá-lo de ser um fundamentalista escroque movido por obscurantismos religiosos escusos diante de qualquer tomada de posição mais conservadora (ou mesmo diante do único pecado de destoar da ideologia da moda!) não têm fundamento. Seria engraçado ver os trolls de plantão acusarem o pobre ateu de ser um agente da Igreja maquinando contra os avanços democráticos conquistados pela laicidade do Estado! A julgar por algumas peças que leio aqui e acolá, no entanto, eu não considero de todo impossível que o façam. Certas pessoas não têm noção nenhuma do ridículo. Parecem achar que todos os fatos têm o dever moral de se calar diante de seus furados argumentos.

1. Domésticas e Frilas. «Sim, o Brasil entrou decididamente no Primeiro Mundo. Calcula-se em sete milhões o número de empregados domésticos no Brasil, sendo 97% mulheres. A profissão vivia em meio à informalidade, mas existia. Com a nova lei, tende a extinguir-se, a médio e longo prazo. O legislador agiu como o alfaiate que quer encontrar o terno ideal que sirva a todos e acaba não servindo em ninguém».

2. Em apoio ao pastor. «Feliciano foi eleito deputado com mais de 200 mil votos, e eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos por seus pares. Contra a vontade do dito povo e dos demais deputados, ergueu-se uma chusma de ativistas, que querem retirar o deputado da presidência da comissão. Querem afastar o deputado no grito. Só porque teria manifestado sua condenação aos homossexuais – que antes de ser dele é bíblica. […] [O Deputado Marco Feliciano] é instado a renunciar, por suas opiniões sobre homossexualismo. O pastou bate pé e diz que não renuncia. Espero que não. Porque no dia em que um deputado legitimamente eleito para uma comissão tiver de renunciar em função da gritaria de baderneiros, acabou a democracia no país».

Dois textos de não-católicos sobre a renúncia do Papa

Para mostrar que é possível não ter Fé e, mesmo assim, escrever sobre a renúncia do Papa com erudição e compostura, sem cair na mediocridade anti-clerical dominante dos nossos dias. O Pondé é de origem judaica e eu não sei se segue algum culto específico; o Jacques Le Goff, eminente medievalista francês, é agnóstico.

– Vale a pena ler o Pondé. Dê-se-lhe um desconto, que ele não é católico; releve-se-lhe a irreverência, que aliás já esteve muito pior. Retenha-se somente o que é bom: particularmente, a insuspeita admiração elogiosa dirigida à Igreja como um todo e, em específico, ao Papa Bento XVI. Excerto:

Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta.

Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um “mundo mau” pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes.

Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.

– Vale também muito a pena ler Le Goff (encontrei via O Camponês). Remeto à íntegra da entrevista (que aliás é pequena), sem comentar nada. Apenas cito:

Pessoalmente, [o trono vazio] não é uma imagem que me toca muito, mas é importante para uma religião: ela mostra que, mesmo que a religião não tenha uma cabeça humana para mostrar, há sempre o trono que simboliza a existência de um rei no céu, Deus. Consequentemente, o trono vazio é o símbolo da continuidade. Ele é um dos atout do cristianismo, que sempre evitou as rupturas e para o qual a única ruptura foi a encarnação de Jesus. Pode haver crises, reviravoltas, catástrofes, mas o trono de Deus está sempre lá. Essa eterna associação entre a mudança e a continuidade, encarnada pelo trono vazio, é uma das virtudes do cristianismo.

A falta de senso dos maus religiosos e dos ateus fanáticos

Ainda sobre a tragédia ocorrida na madrugada deste domingo em Santa Maria, preciso fazer mais dois comentários sobre as atitudes nonsense que algumas pessoas tiveram diante da catástrofe.

Primeiro: alguns religiosos ignorantes vieram a público insinuar que o incêndio fora um castigo de Deus (veja-se, p.ex., aqui e aqui) por conta dos pecados daqueles jovens. Ora, que me conste, ninguém tem procuração do Todo-Poderoso para afirmar peremptoriamente qual a motivação dos Seus atos em cada caso concreto – de modo que uma afirmação assim configura, no mínimo, um juízo temerário. Depois, escrever este tipo de coisa em público é uma tremenda falta de sensibilidade para com os familiares das vítimas, que já estão sofrendo o suficiente com a perda dos seus entes queridos.

Por fim, semelhante julgamento é fruto de um orgulho demoníaco. Contra aqueles que gostam de encontrar, entre vítimas de tragédias, pecadores maiores do que si próprios, Nosso Senhor já respondeu com bastante clareza nas páginas do Evangelho. São Lucas nos narra o seguinte episódio:

Neste mesmo tempo contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios.

Jesus toma a palavra e lhes pergunta: Pensais vós que estes galileus foram maiores pecadores do que todos os outros galileus, por terem sido tratados desse modo? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo.

Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo.

Lc XIII 1-5

A passagem é suficientemente clara para não permitir tergiversações. Os jovens que morreram tragicamente na boate de Santa Maria não eram mais pecadores do que os outros jovens da cidade; dizer o contrário é ser leviano. Qualquer um pode encarar a tragédia como um castigo de Deus (a este respeito, veja-se aqui e aqui), mas não tem legitimidade alguma para julgar que os que nela pereceram fossem piores do que os que ficaram vivos. Afinal de contas, para todos nós, se estamos vivos hoje, é por graça e misericórdia de Deus. Se incêndio fosse castigo para pecadores, eu próprio já teria morrido queimado há muito tempo.

Segundo: como não existe nada feito por um religioso que um ateu não possa fazer mil vezes pior, o perfil do Facebook da ATEA aproveitou a tragédia de ontem para fazer um estúpido e insensível proselitismo irreligioso. Depois apagaram a imagem sem dar maiores satisfações; mas o pessoal do Anti-Ateísmo guardou. É a imagem seguinte, que aqui vai (naturalmente) cortada na parte de baixo em respeito às vítimas da tragédia de Santa Maria – respeito que os ateus do Facebook não tiveram quando a publicaram ontem integralmente [p.s.: na verdade, parece que a foto era de um outro incêndio fora do país, mas a imagem estava sendo compartilhada como se fosse da boate em Santa Maria – e, independente da fonte exata das imagens, a cretinice da exploração do sofrimento alheio para se fazer piada e propagação do ateísmo permanece]:

deus-cade-voce

Se é errado insinuar que as vítimas do acidente eram mais pecadoras do que a média, é muitíssimo mais errado expôr triunfalmente, em tom zombeteiro, os corpos empilhados para “provar” que Deus não existe. E esta estupidez foi feita pela mesmíssima página que criticou (acertadamente, como falei acima) uma foto que atribuía a tragédia aos pecados dos jovens, dizendo ser isto «[o] [t]ipo de coisa que vc nunca verá um ateu falando». De fato, isto eles não falam, mas falam mil vezes pior quando expõem os corpos amontoados para fazer piada sobre a existência de Deus! Se havia ainda alguma dúvida sobre a estreita correlação entre ateísmo e deficiências morais gravíssimas, o debate está encerrado: a ATEA acabou de demonstrá-la com eloqüência.

Mas fechemos um pouco os olhos à falta de alfabetização de quem nomeia uma página do Facebook como “Ateu Porquê o inferno é piada” e não sabe separar por vírgula o vocativo do restante da oração. Levemos a sua pergunta a sério: cadê Deus, enquanto jovens morrem (às centenas!) asfixiados por fumaça em um incêndio?

Deixemos de lado as respostas acadêmicas mais eruditas e respondamos simplesmente: Deus está na Cruz! Está ferido e sangrando, suspenso num madeiro, para provar que não é insensível aos sofrimentos humanos. Está agonizando, humilhado e sozinho, para fazer-Se próximo das mazelas dos homens como nunca ninguém foi capaz de se fazer. Está morto, nos braços da Virgem Santíssima aos pés da Cruz, para mostrar que Ele entende a injustiça, a morte, a dor e a perda de uma maneira muito mais profunda do que os homens são capazes de entender. Nenhuma página de dor da história da humanidade é alheia a Nosso Senhor Jesus Cristo, e nenhum sofrimento humano é necessariamente vão. O «Evangelho do Sofrimento» – para usar a bonita expressão da Salvifici Doloris – «vai sendo escrito, sem cessar, e fala constantemente com as palavras deste estranho paradoxo: as fontes da força divina jorram exactamente do seio da fraqueza humana» (SD, 27). E ainda: «[q]uanto mais o homem se vê ameaçado pelo pecado, quanto mais se apresentam pesadas as estruturas do pecado que comporta o mundo de hoje, maior é a eloquência que o sofrimento humano encerra em si mesmo e tanto mais a Igreja sente a necessidade de recorrer ao valor dos sofrimentos humanos para a salvação do mundo» (id. ibid.).

Aos que hoje choram, que lhes conforte saberem que, um dia, Deus também chorou. Aos que hoje sofrem, que lhes alivie saberem que, um dia, também Deus sofreu. Quanto aos maus religiosos e ateus fanáticos, que se calem diante da dor alheia – ao menos por consideração aos que sofrem -, já que não são capazes de fazer nada para mitigar-lhes o sofrimento. Ao menos, que não atrapalhem. Se não querem se unir ao coro dos que proclamam o Evangelho de Deus, ao menos que dêem livre trânsito à mensagem que pode efetivamente ajudar aos que sofrem.

E a mensagem é esta: eles têm Alguém que chore junto com eles, porque sofre também! Não estão sozinhos: têm Quem compartilhe com eles a dor, a tristeza e as lágrimas, como se fossem Suas. Porque são Suas, mais ainda do que deles. O alcance místico dos sofrimentos de Cristo na Cruz não conhece limites de tempo ou de espaço: os gritos de dor d’Ele perpassam os séculos e as fronteiras e atingem a cada homem nesta terra, de modo que cada pessoa, desde aquele Dia terrível do Calvário, onde quer que esteja e qualquer que seja a situação pela qual esteja passando, pode ter a mais absoluta certeza de que não sofre sozinha. Este é um conforto que só o Cristianismo é capaz de proporcionar. Esta é uma verdade da qual ninguém deve ser privado.

Os reis-magos e o moderno ateísmo à luz da Verdade

Dois excelentes textos do pe. Anderson Alves que foram publicados este mês. O segundo é particularmente interessante, e não merece menos do que a minha enfática recomendação de leitura.

1. Os reis-magos, homens de diálogo em busca da verdade. «Os magos buscaram a verdade, seguindo o caminho do diálogo, que era o mesmo de Sócrates e também de Abraão, que, ao ser interpelado por Deus, saiu de sua pátria, de si mesmo, o que implica sacrifícios. Para os magos, a peregrinação exterior terminou no encontro com o Rei dos judeus que nasceu como uma pobre criança e aí iniciava uma nova peregrinação para eles: aquela Revelação da verdade de Deus era uma luz nova que lhes abria horizontes novos de existência e que devia ser comunicada».

2. O Ateísmo é uma escolha racional? «[É] comum pensar que o relativismo funde o ateísmo; que as pessoas que não aceitam Deus, fazem-no porque não querem aceitar a existência da verdade, à qual deveriam se submeter. Isso é um absurdo. O ateísmo parte de uma afirmação que tem valor de verdade absoluta: Deus não existe. Se essa afirmação não fosse tomada pelos ateus como verdade, eles simplesmente deixariam de ser ateus. O relativismo para eles se dá somente nas “verdades” inferiores e todos deveriam se submeter ao imperativo único da nova moral: é proibido estabelecer regras morais».

P.S.: Não deixem também de ler “É possível um relativismo absoluto?”, do mesmo sacerdote, dando continuidade ao tema.

Eslováquia diz não à implicância ateísta

Comentei meio en passant há uns dias sobre as moedas comemorativas da Eslováquia, nas quais a representação dos santos Cirilo e Metódio fora proibida por não sei qual comissão da União Européia. Quer dizer, eles podiam constar na moedas, contanto que não fossem representados como santos: as imagens deles podiam ser cunhadas, desde que não ostentassem sobre as suas cabeças as auréolas características da representação iconográfica dos santos católicos.

Para a minha alegria, li em ACI Digital que a Eslováquia não aceitou a imposição laicista e «votou para que se mantenha o desenho original da moeda comemorativa da evangelização da Grande Morávia pelos dois irmãos e santos Cirilo e Metódio, grandes evangelizadores e construtores da cultura dos países eslavos».

Bravo! Os dois santos irmãos responsáveis pela civilização eslava permanecem com o seu justo lugar na moeda comemorativa da Eslováquia, ostentando todos os seus adornos com os quais a piedade cristã tradicionalmente os representou. Por enquanto, Deus fica nas notas de Real e São Cirilo e São Metódio nas moedas de Euro.