O pêndulo sobre o esgoto

Sobre a recente polêmica envolvendo o apoio de autoridades eclesiásticas a projetos políticos escusos e a excomunhão latae sententiae prevista no Decretum Contra Communismum, a leitura deste texto do Rodrigo Pedroso é fundamental para um adequado entendimento do que está sendo discutido. Eu próprio, aliás, já defendi aqui, inclusive há poucos meses, a mesmíssima tese pugnada pelo advogado, à qual remeto os leitores.

Ainda sobre o mesmo assunto, ontem mesmo S. E. R. Dom Fernando Rifan publicou, na sua coluna semanal, um oportuno texto onde fala que «[n]a ânsia de defender coisas corretas, [alguns que se intitulam católicos] perdem o respeito devido às autoridades da Igreja e as desprestigiam, para alegria dos inimigos dela».

É o bastante para contextualizar os leitores. Há algo que julgo oportuno dizer sobre o assunto; porque parece que o comportamento humano (católico inclusive) segue um movimento pendular e, quando se aproxima de um dos extremos, retorna – e retorna por vezes violentamente – ao extremo oposto, atropelando o que estiver no caminho.

Concretamente, aqui, o terreno sobre o qual balança este pêndulo é a conivência promíscua [de parte considerável] das autoridades católicas com o esquerdismo degenerado que domina o cenário político nacional. Sim, está-se falando, principal mas não exclusivamente, do apoio que [muitos d]os senhores bispos do Brasil prestam ao Partido dos Trabalhadores.

Exemplo do apoio criminoso (que clama aos céus vingança!) das autoridades católicas aos detentores atuais do poder político é esta nota divulgada no final do mês passado, onde – no meio da maior crise política da história recente do país e onde a sra. presidente da República, por medo das manifestações populares, cogita cancelar a sua participação em uma cerimônia (da qual participarão inclusive autoridades internacionais) comemorativa fim da II Guerra Mundial – a Conferência faz uma tentativa patética de limpar a barra do Executivo Nacional dizendo que «[o] momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio». Ou seja: a julgar por essa nota, a CNBB pensa que a insatisfação popular extravasada em manifestações públicas como os “panelaços” ou as marchas “fora Dilma!” não passa de um revanchismo odioso e censurável.

Prova de que o Partido dos Trabalhadores é uma pústula nojenta, anticristã e indigna de receber o apoio, quer dos católicos, quer mesmo de qualquer pessoa minimamente civilizada, são os recentes cadernos de teses aprovados no V Congresso Nacional do partido. Sobre o tema, é suficiente citar este texto:

Finalmente, em um documento oficial membros do PT reconhecem querer estabelecer a ditadura do proletariado, pedindo coisas como cassação de Jair Bolsonaro, estatização da Rede Globo, estatização de todas as emissoras que tenham programas religiosos, inimputabilidade do MST e de outros órgãos paramilitares do PT, impeachment de todos ministros do STF que condenaram mensaleiros e daí por diante.

Tudo isso é de uma nojeira inaceitável, de uma podridão indescritível. Sobre este esgoto nauseabundo, balançam-se muitos católicos oscilando entre dois erros extremos. O primeiro deles é o de aceitar passivamente esta pouca vergonha, sob a argumentação de que os bispos devem ser respeitados. O segundo, achincalhar publicamente as autoridades constituídas da Igreja, sob o argumento de que aquela pouca vergonha não pode ser jamais aceita.

Ora, o problema, o grande problema em suma, é que os católicos mais apressados são forçados a uma escolha impossível. As duas fundamentações são perfeitamente sólidas. Não é possível aceitar o conluio promíscuo entre Igreja e poder secular corrupto. Não é possível insurgir-se contra as autoridades constituídas da Igreja. A questão só se resolve quando se toma distância para uma visão panorâmica do problema: para se rejeitar a vergonhosa participação das autoridades eclesiásticas nos bacanais de César não é necessário achincalhar-lhes publicamente, e recusar o linchamento moral dos Pastores da Igreja não implica em ser omisso diante das obscenidades escandalosas dos bispos católicos.

Isso parece bastante difícil, contraditório até. Porque parece que falar em «vergonhosa participação das autoridades eclesiásticas nos bacanais de César» é já promover «o linchamento moral dos Pastores da Igreja», e recusar o achincalhamento público das autoridades religiosas implica necessariamente em silenciar sobre «as obscenidades escandalosas dos bispos católicos». Para se separar essas coisas (que, conceda-se, andam entranhadas mesmo, como a luminosidade e o calor de uma vela; e cuja separação é mais uma operação do intelecto do que algo realizável empiricamente, mas vá lá), é preciso dizer, e sustentar com firmeza inquebrantável,

i) que não está [necessariamente] excomungado quem apóia o Partido dos Trabalhadores;

ii) que, do fato de não haver excomunhão para o apoio ao Partido dos Trabalhadores, não segue que tal apoio seja desejável, prudente ou mesmo legítimo;

iii) que a Conferência dos Bispos não tem legitimidade alguma para apoiar projetos políticos atentatórios contra a Fé Cristã;

iv) que, do fato da Conferência não ter legitimidade para apoiar políticas escandalosas, não segue que ela seja absolutamente ilegítima para todo o resto ou como tal possa ser tratada;

v) que os bispos católicos, por piores que sejam, devem ser sempre respeitados;

vi) que, do fato dos bispos deverem ser sempre respeitados, não segue que seja legítimo seguir-lhes em seus escândalos ou mesmo silenciar sobre estes;

vii) etc.

É, em suma, estreita esta senda – verdadeira corda bamba! – sobre a qual os católicos precisam caminhar! No entanto, não parece existir outra alternativa. Quem olha apenas para os pontos extremos do movimento do pêndulo erra, e pode errar profundamente, ao buscar dar-lhe um impulso contrário que termine por o levar ao extremo oposto. O problema, na verdade, é a situação de fato sobre a qual oscila, de um lado para o outro, em guerra fratricida inútil, este movimento pendular. É preciso desfazer o concubinato horrendo entre a CNBB e o PT, este é ponto fulcral aqui: porque, se esta obscenidade não existisse em primeiro lugar, se não houvesse a situação de fato absurda em que nos encontramos, nenhum desses erros opostos teria razão de existir.

Que voltem depressa os da FSSPX!

Soube hoje à tarde (via La cigüeña de la torre) de duas importantes cartas recentemente tornadas públicas e que têm a ver com os diálogos entre a Santa Sé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X. A primeira foi uma carta enviada por três bispos da FSSPX – Mgr. Alfonso de Galarreta, Mgr. Bernard Tissier de Mallerais e Mgr. Richard Williamson – ao Conselho Geral da Fraternidade (e, nomeadamente, ao Superior-Geral, Dom Bernard Fellay). A segunda é a resposta de D. Fellay a esta carta. Não sei se elas possuem tradução para o português; apenas vi o original francês e as duas traduções para o espanhol feitas pela Radio Cristiandad:

1. Carta de los tres obispos a Mons. Fellay – Traducción completa de Radio Cristiandad
2. Respuesta de Mons. Fellay a la carta de los tres obispos – Traducción completa de Radio Cristiandad

Muito resumidamente, os três bispos se mostram reticentes a isto que chamam de “um acordo prático” com Roma. Aliás, dizer que eles se mostram “reticentes” é um eufemismo: os bispos atacam abertamente a reconciliação que está às portas, inclusive empregando expressões bem duras como dizer que a FSSPX corre o risco de “apodrecer” caso se coloque em meio à “contradição” da doutrina do Concílio Vaticano II. E conclamando os fiéis da Fraternidade, em nome de D. Lefebvre, a recusarem todo acordo “puramente prático” com Roma.

Por outro lado, a resposta de D. Fellay é magnífica. Não apenas repetindo o óbvio – se o Papa é Papa legítimo e se o desejo que ele apresenta à Fraternidade é legítimo, não atentando contra os mandamentos da lei de Deus e nem nada, como é possível rejeitá-lo? -, mas também indo ao ponto nevrálgico e dizendo, ousadamente, que falta aos bispos tanto visão sobrenatural da Igreja quanto até mesmo senso de realidade. Visão sobrenatural, porque eles parecem esquecer que Deus é Senhor da História e, nesta aproximação com Roma, só conseguem ver complôs e armadilhas dos quais é preciso (humanamente) se resguardar. E senso de realidade porque dão aos erros disseminados na Igreja após o Vaticano II uma intensidade e uma amplitude totalmente desproporcionadas.

Sim, as coisas mudaram muito de 1988 para cá. Se naquela época poderia parecer que os inimigos da Igreja haviam triunfado, hoje o movimento de restauração é evidente e é preciso ser cego para o negar. Temos um Papa teólogo francamente dedicado ao resgate da sacralidade da Liturgia. Temos vozes conservadoras proclamando a Fé Católica por todos os lados: entre os leigos e entre os seminaristas, entre o clero, nos bispos e na Cúria Romana. Temos, em suma, uma luta encarniçada ocorrendo abertamente dentro da Igreja, na qual católicos que não aceitam as novidades heterodoxas das últimas décadas estão diligentemente empenhados em resgatar tudo o que foi perdido de Woodstock pra cá. Não é crível fingir que nada disso está acontecendo. Não é possível afirmar que este combate não seja justo. Não é portanto lícito negar-se a ele.

E a cereja do bolo vai ao final da carta-resposta: embora saibam – diz D. Fellay – que o princípio da unidade da FSSPX é o Superior-Geral, os três bispos que assinam a primeira carta parecem querer impôr o seu próprio ponto de vista a toda a Fraternidade, “mesmo sob a forma de ameaças, mesmo publicamente”. E “esta dialética entre verdade/fé e autoridade é contrária ao espírito sacerdotal”. A questão, assim colocada nas devidas perspectivas, deixa de ser sobre a alegada resistência heróica do Resto de Israel aos assaltos do Anticristo e passa a adquirir contornos de uma rebeldia sem causa, de uma polêmica que se esqueceu de sua razão de ser. E esta decadência é precisamente o maior risco que a Fraternidade corre neste momento.

Que, pela intercessão de todos os coros angélicos e de todas as almas dos bem-aventurados que do alto da Igreja Triunfante olham por nós, Deus não permita que isto aconteça! E que voltem, sim, depressa, os valorosos soldados da Fraternidade: que voltem cheios de ânimo e de zelo para se baterem pela glória do Senhor dos Exércitos! Nós precisamos deles. Que São Miguel Arcanjo possa nos trazer estes tão importantes reforços, e que a Virgem Santíssima, Auxilium Christianorum, possa conduzir os membros da FSSPX de volta ao campo de batalha o quanto antes.

Dictatus Papae – Gregório VII

[Recebido por email, e cotejado com o inglês do Medieval Sourcebook.]

Teses do “Dictatus Papae” do Papa S. Gregório VII (1073-1085), Papa que quebrou arrogância do Imperador Henrique IV. Excomungado duas vezes, foi ao Papa em três dias de penitência pedir perdão.

1 – A Igreja romana foi fundada somente pelo Senhor

2 – Somente o Romano Pontífice pode ser chamado de direito, de bispo de Roma.

3 – Somente ele pode depor ou restabelecer bispos.

4 – Seu enviado precede todos os bispos no Concílio, mesmo se for de grau inferior, e pode pronunciar sentença de deposição de um bispo.

5 – O papa pode depor os ausentes.

6 – Não se deve residir na mesma casa onde moram pessoas que ele excomungou.

7 – Somente ele pode promulgar novas leis, atendendo às exigências dos tempos, formar novas comunidades religiosas, transformar um cabido de cônegos em abadia, ou vice-versa, dividir uma diocese rica ou unir dioceses pobres.

8 – Somente ele pode usar as insígnias imperiais

9 – Somente dos papas os príncipes devem beijar os pés.

10 – Somente o seu nome pode ser citado nas igrejas.

11 – Este nome é único no mundo.

12 – A ele é lícito depor o imperador.

13 – A ele é lícito, se houver necessidade, transferir um bispo de uma sé para outra.

14 – Pode enviar um clérigo de qualquer igreja, lá onde estiver.

15 – Aquele que foi ordenado por ele pode presidir sobre outra igreja, mas não deve manter uma posição subordinada; e tal não deve receber uma posição maior de nenhum bispo.

16 – Nenhum sínodo pode ser chamado geral sem o consentimento do Papa.

17 – Nenhuma norma e nenhum  livro podem ser considerados canônicos sem a aprovação dele.

18 – A decisão dele não pode ser questionada por ninguém, somente ele pode rejeitar a sentença de qualquer um.

19 – Somente ele não pode ser julgado por ninguém.

20 – Ninguém pode condenar aquele que apela para a Santa Sé.

21 – Toda causa de maior relevo de qualquer igreja, deve ser remetida à Santa Sé.

22 – A Igreja romana nunca errou, e segundo o testemunho das Escrituras nunca cairá no erro.

23 – O Pontífice romano, desde que sua eleição tenha sido realizada segundo as regras canônicas, é sem dúvida, santificado, graças aos méritos do bem-aventurado Pedro, assim testemunha S. Enódio, bispo de Pádua (†521); à sua voz se unem a muitos santos Padres, assim como se pode ver nas decretais do bem-aventurado papa Símaco (†514).

24 – Depois de sua decisão , e com sua autorização, é permitido aos súdito apresentar uma queixa.

25 – Mesmo sem recorrer a um sínodo, pode depor um bispo ou receber de novo na igreja aqueles que tenham sido excomungados.

26 – Ninguém deve ser considerado católico se não estiver de pleno acordo com a Igreja Católica.

27 – Ele pode liberar os súditos do juramento de fidelidade ao Soberano, em caso de injustiça.

Fonte: Registrum Gregorii VII,MGH, Ep.Sel. II, n. 55a
(História da Igreja, Roland Frohlich)

Sobre lobos e cordeiros

Foi recentemente publicada no seu blog pelo revmo. pe. Alex Cordeiro, diretor espiritual do Ministério Jovem da RCC, uma dura (e profundamente injusta) crítica ao padre Paulo Ricardo [p.s.: o padre fechou o blog; ver aqui]. Sob o título «Defensor de que “DOUTRINA”?» (assim, em maiúsculas e entre aspas mesmo), o pe. Alex tece ácidas críticas à postura do padre Paulo Ricardo no cenário católico nacional. É uma questão de justiça defender o zeloso sacerdote das insinuações maléficas lançadas pelo diretor espiritual do MJ; nas próximas linhas, tecerei alguns comentários sobre o artigo do pe. Alex Cordeiro. Serão um pouco longas, mas isto é necessário porque estão em jogo tanto a honra de um sacerdote que procura ser fiel à Igreja quanto a própria integridade da Fé Católica e Apostólica.

Já começa o revmo. pe. Alex a denegrir a imagem do pe. Paulo Ricardo por meio do próprio título do seu artigo. Afinal, colocando o termo “doutrina” entre aspas e perguntando-se retoricamente “qual” seria a doutrina defendida pelo pe. Paulo Ricardo, o pe. Alex insinua que o seu irmão no sacerdócio estaria defendendo uma “doutrina” que não a Doutrina Católica. Insinuação grave cuja demonstração, no entanto, o pe. Alex crê-se escusado de fazer: depois de lançar a insinuação maledicente, começa o seu artigo dizendo que responderá “não às questões levantadas” pelo pe. Paulo, mas sim à sua “postura”. Chega a afirmar taxativamente: “[n]ão entrarei no mérito da questão do conteúdo”.

Mas como assim, padre Alex? Doutrina é conteúdo, por óbvio. Como o senhor é capaz de insinuar levianamente que o pe. Paulo Ricardo defenderia uma “doutrina” diferente da Católica e Apostólica e, acto contínuo, dizer que não vai entrar no mérito do que ele defende? A insinuação é grave. Quem defende uma doutrina diferente da católica é herege. Colocar em dúvida a doutrina defendida pelo padre Paulo Ricardo é colocar em dúvida a sua ortodoxia e, portanto, é duvidar de que ele seja realmente católico, é insinuar que ele possa ser herege. Uma insinuação de tamanha gravidade não pode ser feita por quem se exime de entrar “no mérito da questão do conteúdo” do que o acusado defende. Agindo assim, quem é mesmo que está dividindo a Igreja?

As acusações não param por aí. “Pe. Paulo Ricardo me cheira mais a um lobo em pele de cordeiro, que tem difundido confusões sérias em meio aos nossos jovens e adultos”. Esqueceu-se somente o pe. Alex de… apontar quais seriam estas “confusões sérias” que o padre Paulo Ricardo estaria difundindo! Mas isso o reverendíssimo sacerdote não vai fazer porque, como ele disse no começo, não vai entrar “no mérito da questão do conteúdo”…

Acusar um irmão no sacerdócio de ser “lobo em pele de cordeiro” e de “difundir confusões sérias” sem, no entanto, mostrá-las! Quem é que está dividindo a Igreja? Se há “confusões sérias” sendo difundidas, é dever de todo católico – principalmente dos sacerdotes – clarificá-las. Mas isso o pe. Alex não faz. Limita-se a insinuar que o padre Paulo seja herege, acusa-lhe taxativamente de ser lobo em pele de cordeiro e se recusa a “entrar no mérito” das “confusões sérias” que, supostamente, o padre Paulo Ricardo estaria difundindo. Cabe perguntar: isso porventura é atitude de pastor ou de lobo voraz?

Toda a sibilina argumentação do pe. Alex baseia-se em uma obviedade e em uma falácia. A obviedade: o pe. Paulo Ricardo não é sucessor dos Apóstolos. A falácia parte de um ponto básico da Doutrina da Igreja: “os PRIMEIROS RESPONSÁVEIS PELO MAGISTÉRIO OFICIAL SÃO OS BISPOS EM COMUNHÃO COM O SUCESSOR DE PEDRO” (gritos da lavra do reverendíssimo pe. Alex Cordeiro). Ora, isto é algo que nenhum bom católico pode negar e que nem tampouco o próprio pe. Paulo Ricardo nega.

O argumento torna-se falacioso quando o pe. Alex, lupinamente, faz uma extrapolação grosseira da Doutrina Católica e afirma: “Logo, ao criticar os Bispos do Brasil e a estrutura de comunhão criada por eles, este digníssimo senhor critica a Igreja como tal, legitimamente constituída em nosso país”. Ora, semelhante conclusão é um grandíssimo absurdo – mesmo que tenha sido introduzida por um ergo supostamente silogístico. Não senhor, pe. Alex, não senhor! Os bispos detêm o munus docendi na Igreja de Cristo, sem dúvidas, mas isso não os torna ipso facto perfeitos e incapazes de errar. Os bispos não exercitam sempre o seu munus docendi. Os bispos – é um doloroso dever dizê-lo, mas é necessário – não necessariamente estão sempre em comunhão com o sucessor de Pedro.

O Pe. Paulo Ricardo não nega, absolutamente, que devamos estar em comunhão com os bispos que estão em comunhão com o Papa! Isso seria um grande absurdo. O que o pe. Paulo Ricardo faz é afirmar – ou, melhor, é constatar – que algumas atitudes de alguns prelados não estão em comunhão com o que ensina Romano Pontífice. Ousará o pe. Alex negar isso?

No mundo perfeito do pe. Alex, aparentemente os bispos não erram nunca, os bispos nunca tomam atitudes contrárias à Fé e à Moral da Igreja, os bispos nunca pecam… será possível que tal visão seja fruto de uma enorme ingenuidade, ou será que é simplesmente má fé? Eis então que a “doutrina” (agora, sim, com aspas muito bem colocadas!) uivada pelo pe. Alex estendeu a infalibilidade papal para todos os bispos do mundo inteiro, em quaisquer circunstâncias, e de tal modo que quem discordar deles em qualquer coisa que seja passa, ipso facto, a discordar “da Igreja como tal”!

Acaso um bispo nunca erra, pe. Alex? E, quando um bispo erra, acaso não é dever de caridade apontar-lhe o erro e impedir que outras pessoas o sigam neste engano, pe. Alex?

Ora, ou os bispos nunca erram, ou eles erram pelo menos às vezes, e tertium non datur. Se eles nunca erram então eles são infalíveis o tempo inteiro – o que pode até ser uma nova “doutrina” alexiana, mas não é a Doutrina Católica. Se, ao contrário, eles erram às vezes, acaso está “critica[ndo] a Igreja como tal” quem lhes aponta o erro? A regra da Fé porventura deixa de ser a Doutrina para ser a estrutura eclesiástica, qualquer que seja ela, independente do que façam ou deixem de fazer os sucessores dos Apóstolos? Isto, sim, é uma “doutrina” bem estranha! Quem é mesmo que está provocando divisão na Igreja e disseminando “confusões sérias”, pe. Alex?

[E, ao contrário do reverendíssimo sacerdote, eu faço questão de entrar “no mérito do conteúdo” e de apontar, exatamente, quais são as “confusões sérias” que põem em risco a Fé do povo de Deus. Prossigamos.]

Pergunta o pe. Alex: “se os bispos nos apresentam um tema para refletir na Quaresma (que nos faz pensar e muito sobre nossos apegos e responsabilidades de nosso egoísmo frente às futuras e presentes gerações) porque não podemos fazê-lo?”. Ora, pe. Alex, a resposta é bastante óbvia: porque este “tema” não é adequado para o Tempo Quaresmal e, muito pelo contrário, está imbuído de graves erros contra a Doutrina Católica (agora, sim, sem aspas) que todo mundo tem obrigação de guardar. A resposta a esta pergunta está, exatamente, no “conteúdo” dos discursos do pe. Paulo Ricardo em cujo “mérito”, no entanto, o senhor não quer entrar! Por que o senhor uiva perguntas cujas respostas se recusa a priori a ouvir, pe. Alex?

Vamos entrar no mérito, sim senhor. Vamos ao hino da Campanha da Fraternidade (que tem inclusive um trecho no próprio blog do pe. Alex): esta malfadada música canta que a terra é “das criaturas todas a mais linda”. O planeta terra é “a mais linda” das criaturas, pe. Alex? Em que “doutrina”? Não na Católica! Vamos ao Catecismo:

§356 De todas as criaturas visíveis, só o homem é “capaz de conhecer e amar seu Criador”; ele é “a única criatura na terra que Deus quis por si mesma”; só ele é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental de sua dignidade:

Que motivo vos fez constituir o homem em dignidade tão grande? O amor inestimável pelo qual enxergastes em vós mesmo vossa criatura, e vos apaixonastes por ela; pois foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de degustar vosso Bem eterno.

É o homem, padre Alex, que é “das criaturas todas a mais linda”, e não o planeta terra. E o senhor ainda pergunta por que é que nós não podemos aderir à Campanha da Fraternidade? Ora, acaso pode um católico meditar, durante a Quaresma, em coisas que contrariam de maneira tão explícita pontos elementares da Fé Católica?

Mas o senhor não quer entrar “no mérito da questão do conteúdo”…

Temos obrigação sim, pe. Alex, de obedecer aos nossos bispos, isso é óbvio e incontestável. Mas não temos obrigação nenhuma de professar doutrinas heterodoxas. Não temos obrigação nenhuma de afirmar – p.ex. – que o planeta terra é a mais linda das criaturas de Deus. E é contra estas coisas, pe. Alex, e não contra a obediência aos bispos em si, que se levanta o pe. Paulo Ricardo. O senhor saberia disso, padre, se tivesse se dado ao trabalho de entrar no mérito da questão.

E, no circo armado pelo pe. Alex diante de toda a alcatéia, quem causa divisão é quem protesta contra estes absurdos. Quem está contra a Igreja é quem se recusa a defender a “doutrina” expressa no hino da Campanha da Fraternidade. Quem semeia a divisão é quem afirma com clareza que a mais bela das criaturas de toda a Criação é o homem, e não o “planeta terra”. Quem só quer ser católico está provocando divisão na Igreja e, quem critica um ponto específico do cenário católico nacional – p.ex., a Campanha da Fraternidade -, está ipso facto atacando todos os bispos do Brasil e a própria “Igreja como tal”. Brilhante lógica a do pe. Alex!

E prossegue, com ares de canis lupus, o reverendíssimo sacerdote: “Peço o cuidado de sempre buscarmos a comunhão da Igreja, peço a obediência aos nossos bispos, nossos VERDADEIROS pastores, peço a obediência ao Santo Padre, o Papa, que nomeia estes bispos”. O pedido é, em si, muito justo. Mas no que consiste, pe. Alex, a “comunhão da Igreja”?

Consiste em uma tríplice comunhão: de Fé, de Sacramentos e de Governo. E, faltando uma dessas, não se pode falar em comunhão. Ora, como é possível manter a comunhão de Fé negando, ao mesmo tempo, pontos básicos da Fé? Na “doutrina” canhestra do pe. Alex, a “comunhão” é uma só: de Governo. Pede o pe. Alex obediência aos bispos antes mesmo da obediência à Fé ou, pior, ainda que de modo contrário à Fé! Só que esta, padre Alex, não é “a comunhão da Igreja”. A comunhão da Igreja é um tripé, e ela se perde quando qualquer uma das suas três sustentações é comprometida. O problema nunca foi de Governo, pe. Alex. Se o senhor tivesse se dado ao trabalho de entrar “no mérito do conteúdo da questão”, teria percebido isso e não viria a público fazer as graves acusações ao pe. Paulo Ricardo que o senhor fez. Não viria a público alardear a “doutrina” lupina segundo a qual quem defende a Fé está agindo contra a Igreja.

E o revmo. pe. Alex Cordeiro termina o seu texto desfilando uma longa ladainha de diatribes contra o pe. Paulo Ricardo: “[i]gnorância total deste padre”, “TOTALMENTE FUNDAMENTALISTA”, “quer desorientar os cristãos”, “divisor, sismático (sic!!!), incitador da desobediência, perseguidor de nossos pastores”, “totalmente IRRESPONSÁVEL”. Tudo isso assim, gratuita e violentamente, e ainda – repitamos! – sem que o padre tenha se dado ao trabalho de entrar “no mérito do conteúdo da questão”!

Resumindo, portanto, o texto do pe. Alex é formado

a) por um lado, de uma “doutrina” totalmente estranha segundo a qual ou os bispos são infalíveis o tempo inteiro ou, quando eles erram, quem os corrige está cometendo não um ato de caridade cristã mas, ao contrário, está agindo contra a própria Igreja (!); e

b) por outro lado, de um rosário – melhor dizer “abrolhário” – de invectivas violentas e venenosas lançadas contra um sacerdote da Igreja, ao mesmo tempo em que se recusa peremptoriamente a analisar “o mérito do conteúdo da questão” – i.e., a única coisa que poderia dar sustentação às suas graves acusações.

E um texto desses ainda é publicado na internet! Oras, quem é que está sendo o irresponsável e o leviano? Quem é que está sendo o lobo em pele de cordeiro? Quem é, afinal de contas, que está dividindo a Igreja?

Termino essas linhas afirmando claramente que só o que eu quero – e, comigo, muitos outros que são atingidos, ainda que indiretamente, pelos impropérios do pe. Alex – é ser católico. E sei que, para ser católico, é mister guardar a Fé da Igreja. Se existe “desorientação” e “divisão”, elas não se originam nestas minhas linhas (nem nas outras do Deus lo Vult!), nem nos textos e pregações do pe. Paulo Ricardo, nem em nenhum de nós outros, católicos que nos recusamos a uivar na mesma alcatéia de onde o pe. Alex Cordeiro ataca covardemente um seu irmão no sacerdócio pelo terrível “crime”  de anunciar a Verdade Católica. Ao padre que gosta de acusar sem entrar “no mérito da questão do conteúdo”, cabem muito bem as palavras de Nosso Senhor que iremos meditar nos próximos dias: “Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18, 23). E, antes de acusar os outros de promoverem divisões, que o padre olhe para si mesmo e veja o que ele próprio está fazendo. Que examine a si com honestidade para ver se o “cheiro” de lobo que ele sente nos outros não está saindo do seu próprio pelo molhado, ou se os focinhos lupinos que ele julga ver adiante não vêm do seu próprio reflexo n’algum espelho.

Mais sobre selos

Fiquei impressionado com a quantidade de comentários negativos que recebeu a iniciativa do Veritatis Splendor de conceder um selo de ortodoxia católica para alguns blogs que integram a blogosfera católica (entre eles, o Deus lo Vult!). Para citar somente duas das reações mais veementes, protestaram o Adversus Haereses e o Pacientes na Tribulação.

Aqui no Deus lo Vult! inclusive apareceram insistentes comentários sobre o assunto; pela última vez, gostaria de deixar claro que

a) a idéia do Veritatis não é uma invenção 100% nova, porque já há bastante tempo existem selos concedidos aos blogs que se destacam em assuntos os mais diversos (como o Prêmio Dardos e o Um Blog de Ouro, ou o recentíssimo Apóstolo da Vida do pe. Lodi);

b) tais prêmios têm meramente a “autoridade” de quem indica, nem mais, nem menos, sendo descabido encará-los como se fossem a mesma coisa que um nihil obstat episcopal;

c) não posso falar pelo Veritatis Splendor para responder perguntas capciosas sobre a soberba dos membros do apostolado ou a sua petulância de se arrogarem “juízes da ortodoxia”, de modo que peço que tais questionamentos sejam enviados diretamente aos responsáveis pelo apostolado;

d) comentando especificamente sobre o Pacientes na Tribulação, quem me lê sabe que, aqui no Deus lo Vult!, todo mundo comenta, católicos, protestantes, espíritas e ateus, só sendo cortados quando extrapolam todos os limites do razoável (para a média dos comentadores do blog, aliás, eu sempre demoro muito para expulsar certos tipos que aparecem por aqui); outrossim, existe uma página específica para debates um-a-um sobre assuntos quaisquer, que infelizmente está desatualizada por minha  falta de tempo (aliada à desorganização que já me é quase uma hipóstase);

e) finalizando, não compreendo a razão de ser de tamanha (perdoem-me a sinceridade, mas é como vejo as coisas) picuinha, pois me parece evidente que nem o VS, nem os blogs por ele contemplados, têm um “salto quântico” de autoridade com o prêmio concedido, e nem tampouco os blogs não contemplados têm o seu apostolado diminuído. Portanto, sigamos cada qual fazendo aquilo que nos propusemos a fazer, ad majorem Dei gloriam, sempre.