Clássicos católicos para o Kindle: Lúcio Navarro e Tanquerey

A quem interessar possa, a Amazon está vendendo, em formato Kindle, dois livros excelentes em português. Cliquem nas capas para os obter.

Legítima Interpretação da Bíblia, de Lúcio Navarro. Obra seminal da apologética contra o protestantismo, durante muitos anos esteve fora de edição; lembro-me inclusive de que há alguns anos um grupo de católicos daqui de Recife dividiu entre si as xerox dos capítulos do livro para que ele pudesse ser transcrito e reeditado — um trabalho colaborativo muito tempo antes de existir o crowdfunding. A obra é verdadeiramente clássica e vale muito a pena para conhecer mais a fundo a doutrina católica extraída das Escrituras — e como a interpretação dos protestantes é totalmente insustentável diante da Bíblia que eles próprios têm por sagrada.

Compêndio de Teologia Ascética e Mística, de Tanquerey. Outro clássico da vida espiritual, cuja única tradução comercial para o português, até onde eu conhecia, era a da Permanência que hoje, salvo engano, encontra-se esgotada. Eu costumo ter medo de “novas traduções atualizadas”, mas este compêndio possui uma autoridade multissecular — difícil, quero crer, de ser obscurecida por eventuais problemas de tradução. De qualquer modo o produto está bem avaliado no site da Amazon, e não encontrei críticas ao trabalho do Dalton César Zimmermann. Quem quiser comparar com uma edição tradicional pode baixar a do pe. João Ferreira Fontes aqui.

E se você ainda não tem um Kindle, ele está em promoção na Amazon; considere adquirir. Vale muito a pena.

A entrevista do Superior Geral dos jesuítas: «reinterpretar» as palavras de Cristo?

A entrevista do novo superior geral dos jesuítas provocou estupor pela afirmação de que, no tocante ao acesso aos sacramentos dos divorciados recasados, seria necessário «reinterpretar Jesus». As perguntas do entrevistador são muito bem feitas e, as respostas, um verdadeiro show de horrores.

Primeiro o padre Arturo Sosa Abascal põe em dúvida a autoridade das Escrituras Sagradas ao afirmar que na época de Cristo “ninguém tinha um gravador” (!) para registrar o que Ele teria dito ou deixado de dizer. A afirmação é de uma grosseria sem tamanhos e esconde o pressuposto elíptico de que uma gravação poderia ser mais fidedigna que a infalível palavra de Deus, escrita pelos santos, reconhecida pelos doutores e chancelada pela Igreja ao longo dos séculos.

Que não existissem gravadores na Palestina da época de Cristo é de uma irrelevância sem tamanho e, a menção ao fato, de um materialismo que chega a assustar. A autoridade dos Evangelhos não repousa sobre o grau de confiabilidade do meio de registro (de modo que a gravação mediante um aparelho é sob certo aspecto mais exata que o relato feito de memória), mas sobre a chancela da Igreja de Cristo que é «coluna e sustentáculo da Verdade» (1Tm 3, 15). Nós não sabemos, é verdade, todas as palavras que foram proferidas por Nosso Senhor nesta terra; no entanto, as palavras que foram consignadas por escrito pelos Evangelistas, estas nós temos sim a certeza de que foram ditas — e uma certeza mais firme do que poderia ser proporcionada por qualquer extemporâneo meio de registro eletrônico.

Não existe esta divisão — de sabor kantiano — entre a palavra de Jesus e a interpretação da palavra de Jesus. Do jeito que o pe. Arturo fala, fica parecendo um formalismo inútil: é verdade que o que Jesus disse é verdadeiro, mas o que nós sabemos sobre o que Jesus disse pode estar errado… Ora, se não fosse possível a certeza a respeito da interpretação das palavras de Cristo então o Evangelho seria de todo inútil.

A Igreja existe precisamente para dizer qual a interpretação verdadeira das palavras de Cristo. É esta a Sua função precípua e espanta que um sacerdote — o superior de uma importantíssima ordem religiosa! — o pareça ignorar. É sem dúvidas necessário saber quais foram as palavras de Cristo, mas nós as sabemos e, além disso, sabemos qual a sua correta interpretação!

As palavras de Cristo são as que estão registradas na Vulgata: quod ergo Deus coniunxit homo non separet — o que Deus uniu, portanto, não separe o homem (Mt XIX, 6).

E a interpretação dessas palavras é a que está consignada, por exemplo, na XXIV sessão do Concílio de Trento:

977. Cân. 7. Se alguém disser que a Igreja erra quando ensinou e ensina que, segundo a doutrina evangélica e apostólica (Mc 10; l Cor 7), o vínculo do matrimonio não pode ser dissolvido pelo adultério dum dos cônjuges e que nenhum dos dois, nem mesmo o inocente que não deu motivo ao adultério, pode contrair outro matrimonio em vida do outro cônjuge, e que comete adultério tanto aquele que, repudiada a adúltera, casa com outra, como aquela que, abandonado o marido, casa com outro — seja excomungado.

Sim, o pe. Arturo tem total razão ao dizer que é preciso saber exatamente quais são as palavras de Cristo (que ninguém pode mudar), bem como o quê exatamente estas palavras significam. Isto é sem dúvidas muito necessário, e um sem-número de erros absurdos — como os que o próprio pe. Arturo insinua na sua entrevista — seriam evitados se se soubessem, com certeza, as palavras de Cristo e o que elas significam.

E a correta interpretação sobre qualquer ponto da Doutrina Católica — sobre as palavras do Evangelho inclusive — só a dá o Magistério da Igreja. E se é verdade que ninguém pode mudar a palavra de Cristo, é igualmente verdade, e pela mesma razão, que ninguém pode mudar o ensino do Magistérioqui vos audit me audit (Lc X, 16). «Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou». Absolutamente nada pode ser «reinterpretado» de modo a fugir disso.

A entrevista primeiro tentou lançar dúvidas sobre o registro escriturístico das palavras de Cristo; depois, procurou introduzir uma distinção entre as palavras de Cristo e a interpretação das palavras de Cristo. Tudo vão: nada disso tem lógica dentro do Catolicismo, porque i) a infalibilidade das Escrituras Sagradas nos garante que sabemos, sim, com certeza, o conteúdo do que Cristo disse e ii) a infalibilidade do Sagrado Magistério garante-nos saber, sem possibilidade de erro, o sentido do que Cristo quis dizer.

Resta, por fim, a questão do «discernimento». Acerta o sacerdote ao dizer — e ainda bem que o disse! — que «um verdadeiro discernimento não pode prescindir da doutrina». Repita-se isso quantas vezes forem necessárias: nenhum discernimento pode prescindir da doutrina da Igreja Católica e Apostólica: se o fizer será um falso discernimento! No entanto, ao final, o superior dos jesuítas afirma que o discernimento «pode chegar a conclusões distintas [das] da doutrina». Aqui é preciso ir com calma.

Pode, de ser metafisicamente possível, é claro que pode, porque o discernimento — como uma operação da razão prática — está sujeito ao erro. Agora, pode, de ser moralmente lícito, aí não, não pode, porque o verdadeiro discernimento é aquele que consiste em fazer a vontade de Deus. E a vontade de Deus não pode ser «distinta» do que está expresso na Doutrina que Ele próprio nos transmitiu, é evidente. A doutrina não é um substituto do discernimento como o bem moral não é sucedâneo do livre-arbítrio, mas da mesma forma que o livre-arbítrio só se exerce verdadeiramente na prática do bem, o discernimento só é legítimo estritamente dentro do espaço delimitado pela doutrina. Pecar não é exercitar a liberdade e, do mesmo modo, contrariar os ensinamentos de Deus não é discernir senão confundir.

Não faltou quem quisesse utilizar a entrevista do pe. Arturo Abascal como um subsídio para a interpretação da Amoris Laetitia — como se a Exortação Apostólica não dissesse, logo na primeira linha do célebre capítulo VIII, exatamente o contrário do que defende o pe. Abascal: «toda a ruptura do vínculo matrimonial «é contra a vontade de Deus (…)»» (AL 291)! Não há aqui nada que se «reinterpretar». Permanece válido — e não poderia ser diferente — o ensino católico em todo o seu fulgor: a homem algum é lícito tomar outra esposa, e a mulher nenhuma tomar outro marido, durante a vida do cônjuge verdadeiro. Qualquer «discernimento» possível de ser feito precisa levar isso em consideração, e ignorar esta verdade — sob o argumento de não se saber exatamente as palavras de Cristo, ou de haver dúvidas sobre o seu significado, ou ainda de que não se pode fazer a doutrina substituir a consciência moral, ou de qualquer outro — é servir ao Demônio e não a Deus.

Carnaval II

O calendário litúrgico da Igreja nos convida a rezar, digamos, “de maneira diferente” durante cada tempo. Convivem lado a lado a solenidade das festas da Virgem Santíssima com a frugalidade das missas feriais; a festa do nascimento do Salvador segue-se à expectativa do advento, e a penitência quaresmal prepara o grande júbilo da Páscoa. Reza-se diferente em cada tempo litúrgico diferente; parafraseando as Escrituras Sagradas, há “tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar” (Ecl 3, 4).

Naturalmente, não existe o “tempo litúrgico do carnaval”. Existe o tempo comum antes da Quaresma e, no calendário antigo, havia a Septuagésima, a Sexagésima, a Quinquagésima. Mas existe também o senso dos fiéis. Ainda que não seja verdade que foi a Igreja quem inventou o Carnaval (incentivando o povo a “se despedir” da carne logo antes do extenso período de abstinência quaresmal), o fato é que esta idéia faz total sentido. Há tempo de gemer e há tempo de chorar; e, se vamos passar com lágrimas pela Quaresma, é natural que nos despeçamos com risos do “tempo comum”. Se a Igreja nos convida a um tempo de maiores exigências, é algo profundamente humano aproveitar os últimos brilhos do tempo onde somos menos cobrados.

Poderíamos até ousar dizer “do tempo em que a vida era fácil”, não porque haja neste Vale de Lágrimas algum rincão que possamos chamar de “fácil”, mas por mera comparação entre o verde e o roxo litúrgicos. Se fazemos penitência, teremos de fazer muito mais. Se rezamos, precisamos intensificar as nossas orações. Se são pesadas as nosses cruzes, teremos que subir o Calvário com cruzes ainda mais pesadas. Com a Quaresma em perspectiva, é aceitável chamar o tempo comum de vida fácil. A vida fácil que está se acabando, porque a Quaresma está às portas! Como tratar isso com indiferença? Como não se despedir dela?

E, não por coincidência, estes últimos dias antes das cinzas da Quarta-Feira são exatamente os dias do carnaval. Os últimos dias sem jejum e sem abstinência, os últimos dias antes de iniciarmos os nossos quarenta dias de deserto, de penitência… É razoável condenar esta necessidade humana de se despedir dos tempos de alegria quando se sabe que há sofrimentos adiante? Ontem eu falava da alegria que é, em si, uma coisa boa. Estes tempos do carnaval têm, no entanto, outro aspecto perfeitamento lícito que vem somar-se à própria alegria: a despedida. A Quaresma está adiante; e, se vamos enfrentá-la de cabeça erguida, não haveremos de baixá-la agora, como se nos envergonhássemos da alegria presente. Adiante está o tempo de chorar; agora, estamos no tempo de rir e, portanto, vamos rir.

É fato que as festas carnavalescas que vemos na televisão ou nas nossas ruas têm pouco ou nada a ver com uma despedida razoável dos prazeres lícitos dos quais nos iremos privar durante a Quaresma. Mas a deturpação destes dias não os transforma em dias “intrinsecamente maus”. Sobre a má festa, no entanto, falaremos com mais vagar em outra oportunidade.

A maléfica “Igreja-poder”

Leio um artigo do Boff – recentemente publicado – no qual ele tece severas  críticas àquilo que chama de “Igreja-poder”, que ele pinta como se fosse o diabo e que – não obstante e nada surpreendentemente – identifica-se com a Igreja fundada por Nosso Senhor.

Como eu conversava ontem com um amigo, o que espanta não é que Boff seja um herege. O que causa verdadeiro estupor é que ele se recuse a enxergar aquilo mesmo que se encontra debaixo do seu nariz, que ele tem debaixo dos olhos, o que ele próprio escreve. Isso, sim, é impressionante. Passemos a vista pelo texto do Boff: para ele, esta Igreja-poder “se impôs através dos tempos”.

De que tempos? Boff responde: 1) desde que Ela Se considera a única Igreja verdadeira, com exclusão da demais; 2) desde que Ela impede os hereges de escreverem e pregarem; 3) desde que se respeitam e veneram as autoridades eclesiásticas; 4) desde que se canonizam [i.e., são propostas como modelos] as pessoas que têm “sentire cum Ecclesia” (a expressão – obviamente não em latim – é do texto do Boff), que obedecem, que são submissas; 5) desde que há cristãos (sim, porque tirando a petição de princípio do ponto quinto, o que sobra é isso mesmo); e 6) desde que a Igreja tem ritos e símbolos. Ou seja: desde sempre! A dar crédito aos “motivos” elencados pelo Boff para a perpetuação desta “Igreja-poder”, chega-se à inevitável conclusão que esta estrutura maligna perdura realmente há muito tempo: desde pelo menos Nosso Senhor. É facílimo ver.

Quanto ao primeiro ponto: “Todo aquele que caminha sem rumo e não permanece na doutrina de Cristo, não tem Deus. Quem permanece na doutrina, este possui o Pai e o Filho. Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda toma parte em suas obras más” (IIJo 9-11).

Quanto ao segundo: “Com efeito, há muitos insubmissos, charlatães e sedutores, principalmente entre os da circuncisão. É necessário tapar-lhes a boca, porque transtornam famílias inteiras, ensinando o que não convém” (Tt 1, 9-10a) ; e ainda: “Se alguém não obedecer ao que ordenamos por esta carta, notai-o e, para que ele se envergonhe, deixai de ter familiaridade com ele” (IITs 3, 14).

Quanto ao terceiro: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus” (At 20, 28a); ver também o parágrafo seguinte.

Quanto ao quarto: “Sede submissos e obedecei aos que vos guiam (pois eles velam por vossas almas e delas devem dar conta)” (Hb 13, 17). E ainda:  “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10, 16).

Quanto ao quinto, dado que – ao contrário do que o próprio Boff prega – a constituição hierárquica da Igreja (que ele chama de “Igreja-poder”) é querida assim por Deus e estabelecida assim desde Cristo (como se depreende da leitura não-seletiva do Novo Testamento), segue-se que todos os “que acima de tudo apreciam a ordem, a lei e o princípio de autoridade em detrimento da lógica complexa da vida que tem surpresas e exige tolerância e adaptações” (nas palavras do Boff) são, descontada a retórica, precisamente os que amam a Igreja nos moldes em que Cristo A instituiu – i.e., os cristãos.

Quanto ao sexto: “Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha” (ICor 11, 26).

E tudo isto sem ser necessário nem mesmo recorrer à patrística. Todos os pontos levantados pelo Boff para explicar a “auto-reprodução” da “Igreja-poder” são elementos essenciais da Igreja Católica, já encontrados desde o século I, dentro mesmo das Escrituras Sagradas. Como, então, o ex-franciscano tem a capacidade de dizer que isto “[e]ra o que Jesus exatamente não queria”? Onde está, então, o que Jesus Cristo queria, se até mesmo dentro do Novo Testamento nós encontramos tudo aquilo que o Boff vive a condenar?

Não é impressionante que o Boff seja um herege. Impressionante é que ele consiga demonstrar – sem o perceber! – que aquilo que ele chama de “instituição-Igreja (…) com características autoritárias, absolutistas e excludentes” seja exatamente a instituição que encontramos no Novo Testamento. E, mesmo assim, não perceba o próprio erro, e continue insistindo que é mais fácil a Igreja Católica ter passado dois mil anos errando do que ele próprio ser capaz de errar.

“Gay Católico”?!

Recentemente, mostraram-me dois sites de “catolicismo gay”. Um é lusitano; o outro, não faço idéia. E, vendo este tipo de coisa, fica patente o quanto Santo Agostinho estava correcto ao falar em como era perniciosa a liberdade do erro.

Vou colher só dois exemplos, ao acaso, dos dois sites, apenas para fins ilustrativos. No primeiro, pode-se ler o seguinte:

Estão nove homens na sala, entre os quais três casais, sendo que não ultrapassam os 15 nos dias de maior participação. Isto apesar dos muitos contactos através da Internet, o que os leva a concluir que serão 300 no País. São católicos praticantes, confessam-se, comungam e são padrinhos, tudo o que a hierarquia da Igreja lhes proíbe. Dizem que o fazem conscientemente.

E, no segundo:

Logo, Ele estava referindo-se APENAS aos que não se recusavam ao sexo, sem com isso passar a idéia de que se referia aos machos adultos estéreis. Quer dizer, Ele estava referindo-se somente aos nascidos sexualmente ativos que recusavam-se ao sexo com mulheres. Os homossexuais.

Conclui-se daí que Ele afirmou, em MATEUS 19, vers 11, que os homossexuais nascem homossexuais.

É preciso deixar claras algumas coisas. Só faz sentido falar em “gay católico” se estivermos nos referindo ao sujeito que, a despeito de ter inclinações – mais ou menos fortes – por pessoas do mesmo sexo, acolhe na íntegra a Doutrina Moral da Igreja sobre a sexualidade e esforça-se sinceramente para, com o auxílio da graça de Deus, levar uma vida casta e agradável aos olhos de Deus, oferecendo os seus sofrimentos em união aos de Nosso Senhor na Cruz para a sua própria santificação e a do mundo inteiro. Não é sobre isto que os sites acima referidos falam. Aliás, não é nada nem parecido com isso.

O primeiro excerto que eu trouxe acima fala sobre pessoas que, deliberada e conscientemente, rasgam a Doutrina Moral da Igreja e se entregam aos seus próprios vícios e desejos, fazendo duas vezes o que a Igreja proíbe: na prática dos atos homossexuais e na recepção dos Sacramentos em estado de pecado. O segundo excerto faz uma exegese com sabor de blasfêmia de um texto do Sagrado Evangelho, a qual tem objetivamente o exacto mesmo valor de uma interpretação meia-boca qualquer de qualquer passagem bíblica feita por qualquer igrejola protestante de esquina ou pelo Inri Cristo. Em vinte séculos de Cristianismo esta interpretação descabida sequer passou pela cabeça dos cristãos, não encontra eco nos escritos dos Santos Padres e nem nos documentos do Magistério da Igreja – ao contrário, contraria-os frontalmente. Trata-se, portando, de verdadeiro e próprio anti-catolicismo, apresentado com roupagem católica e com uma linguagem agradável que pode enganar os desavisados. São lobos em pele de cordeiro.

Este tipo de propaganda daninha às almas que apresenta o mal como se fosse um bem e incensa o pecado como se fosse a mais sublime manifestação da santidade é, além de uma blasfêmia e de uma desonestidade intelectual absurda, um ultraje às pessoas que – agora sim – apresentam tendências homossexuais mas preferem antes servir a Deus do que ao próprio ventre, e esforçam-se por levar uma vida de castidade pautada pela Lei de Deus.

Convém repetir: não existe “gay católico” se estivermos falando do sujeito que faz franca e aberta guerra contra o que a Igreja ensina – como é o caso dos dois sites supracitados. O “gay católico”, neste sentido, é a exata mesma coisa que o “masturbador católico”, o “zóofilo católico” ou qualquer outra aberração do tipo: uma pessoa que não aceita o ensino moral da Igreja e lhe quer opôr um próprio, que satisfaça aos seus desejos e às suas comodidades. Ninguém é obrigado a ser católico. Mas, se o sujeito se apresenta como católico por um lado e, por outro, solapa a autoridade moral da Igreja, precisa ser desmascarado. Porque honesto – agora sim – todo mundo é obrigado a ser.

Os prodígios e a Fé

Este comentário merece um post, porque ia ficar grande para um P.P.S. ao post de ontem. Quem me mostrou foi o Claudemir Júnior, a quem agradeço. Está no Evangelho Quotidiano de hoje.

A passagem é aquela de ontem, na qual os Apóstolos impediram um homem que não andava com eles de expulsar demônios, e foram censurados por Nosso Senhor (Mc 9, 38-43. 45. 47-48). O autor do comentário é João Cassiano (c. 360-435), “fundador do mosteiro de Marselha”, que eu não conhecia. O comentário é o seguinte:

Os grandes da fé não tiravam nenhum partido do poder que detinham de operar maravilhas. Confessavam que não tinham mérito nenhum nisso e que quem fazia tudo era a misericórdia do Senhor. Se alguém admirava os seus milagres rejeitavam a glória humana com palavras recolhidas dos apóstolos: «Homens de Israel, porque vos admirais com isto? Porque nos olhais, como se tivéssemos feito andar este homem por nosso próprio poder ou piedade?» (Act 3, 12) No seu entender, ninguém devia ser louvado pelos dons e maravilhas de Deus. […]

Mas por vezes acontece que homens inclinados ao mal, condenáveis a respeito da fé, expulsam demónios e operam prodígios em nome do Senhor. Foi disso que os apóstolos se queixaram um dia: «Mestre – disseram eles – vimos um homem expulsar demónios em Teu nome e impedimo-lo porque não é dos nossos». Nessa altura Cristo respondeu: «Não o impeçais porque quem não está contra nós é por nós». Mas quando, no fim dos tempos, Lhe disserem: «Senhor, Senhor, não foi em Teu nome que profetizámos, em Teu nome que expulsámos os demónios e em Teu nome que fizemos muitos milagres?», Jesus afirma que responderá: «Nunca vos conheci; afastai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade» (Mt 7, 22ss).

E àqueles a quem Ele próprio concedeu a graça gloriosa dos sinais e dos milagres, o Senhor avisa que não se ensoberbeçam com isso: «Não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no céu» (Lc 10, 20). O Autor de todos os sinais e milagres chama os Seus discípulos a guardar a Sua doutrina: «Vinde – diz-lhes – e aprendei de Mim», não a expulsar demónios pelo poder do céu, nem a curar os leprosos, nem a dar luz aos cegos, nem a ressuscitar os mortos, mas, diz Ele: «Aprendei de Mim porque sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29).

Primoroso, não? Alguém envie isso aos novos “comentaristas”, experts em tirar doutrinas heterodoxas das Escrituras Sagradas. Alguém os mostre a Doutrina Católica, refulgindo quando alguém que tem Fé se põe a comentar os textos sagrados. Alguém contraponha a beleza do comentário de João Cassiano à fealdade das exegeses relativistas hodiernas.