Hoje à noite eu vou ser Cristo

Muitas vezes é banalizada a força daquela expressão bíblica onde, após a narrativa da Criação do Homem, diz-se de Deus que “homem e mulher Ele os criou”. E esta sagrada união natural entre os sexos – destinatária da única bênção que não foi abolida nem pelo Pecado Original e nem pelo castigo do Dilúvio, como se diz em uma das orações do Ritual do Matrimônio – é talvez aquilo de mais sublime que, na ordem da natureza, faz parte da Criação do Altíssimo. Porque foi precisamente esta união entre o homem e a mulher que o próprio Deus escolheu para simbolizar a Sua relação com o Seu povo e, como diz Dietrich Von Hildebrand, aquilo que não fosse já naturalmente sublime não seria digno de ser usado para representar a sublimíssima união entre Cristo e a Sua Igreja. Se esta união mística e sobrenatural é excelsa em grau máximo, quão digna de honra e louvor não é a relação humana que – dentre todas as existentes! – foi elegida pelo próprio Deus para ser sinal da Sua relação com a humanidade?

Hoje é o dia mais importante da minha vida. Logo mais, à noite, subirei ao altar do Senhor para tomar por esposa aquela que escolhi por companheira, para me completar e me auxiliar nesta caminhada da minha existência terrena, para estar a meu lado na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias da minha vida. A responsabilidade chega a ser assustadora, porque “todos os dias da minha vida” é um intervalo de tempo bastante difícil de se abranger de um lance de vista! No entanto, preciso fazê-lo. Talvez o valor de um homem seja medido menos por aquilo que ele faz com as coisas que estão sob seu controle do que pelos seus esforços para obter controle sobre as coisas que ele precisa fazer. Não sei se me faço claro: oferecer os dias passados é simples, porque estes já está feitos. Oferecer os dias futuros, aqueles que você não sabe como serão… isto, sim, é desafiador. E o Matrimônio, assim, afigura-se-me não meramente como uma entrega daquilo que é seu, mas como – a partir de então – uma luta ferrenha e perpétua para conquistar a cada dia aquilo que, diante de Deus, foi um dia entregue. Conquistar para entregar. O Matrimônio consuma-se na noite de núpcias, claro, mas é aí que ele começa. A entrega da própria vida foi feita, mas – justamente por ter sido um feita um dia – precisa ser consumada a cada dia. Por todos os dias da vida. Sim, é o que eu quero.

E esta doação generosa de si é, como eu dizia, figura d’Aquela união mística entre Cristo e a Sua Igreja. Uma entrega total e permanente, pessoal e exclusiva, amorosa e fecunda: a mera consideração do significado teológico do Matrimônio bastaria (permito-me o ligeiro parêntese) para fazer com que todos os fantasmas que andam à ronda da Família ávidos por Lhe destruir (do divórcio ao sexo livre, da poligamia à união gay) desvanecessem-se como as trevas ao alvorecer. E importa multiplicar pelo mundo estes reflexos do Amor de Deus pelo Seu Povo, estas pequenas Igrejas Domésticas, estas instituições que perpetuam na terra um pouco da glória d’Aquela Sagrada Família de Nazaré: importa fazê-lo, para que Deus seja mais louvado e para que as pessoas, relacionando-se ordenadamente nesta terra através das coisas que vêem, possam mais facilmente relacionar-se com o Deus Invisível com o Qual se relacionam mediante a Fé. E assim, subindo das coisas visíveis para as invisíveis, dos sinais para a realidade, possam consumar um dia as Núpcias para a qual foram criadas. Em cada homem e em cada mulher que se unem pelos sagrados liames do Matrimônio, está presente a união mística entre Cristo e a Sua Igreja Santa.

Hoje à noite eu vou ser Cristo. De pé à porta da Igreja, esperando a minha amada noiva chegar – como o Senhor esperando o Seu povo -, oferecendo-lhe o braço para conduzi-la ao altar de Deus, tornando-me depois uma só carne com ela! Senhor, eu não sou digno de desempenhar tão sublime papel; mas, como disse um personagem de Chesterton, o Matrimônio é um duelo de uma vida inteira que, uma vez apresentado, os homens honrados não têm o direito de recusar. Sim, este papel é assustador! E só ouso fazê-lo por estar convencido de que sois Vós, Senhor, quem me chamais a ele. E, se Vós chamais, Senhor, adsum. Se Vós chamais, tenho certeza de que fareis com que eu o possa realizar.

Aos que por aqui passarem, peço uma Ave Maria por esta nova etapa da minha vida. Para que eu seja fiel, e corresponda às graças que Deus quer me conceder. Para que eu seja um bom marido e, amando a minha esposa, possa uma dia chegar com ela – junto a ela! – ao Banquete Nupcial do Cordeiro, às Bodas Eternas cujo sinal eu celebrarei logo mais.