Sobre Castidade

Julgo necessário fazer alguns esclarecimentos motivados pela repercussão que teve um post que cá escrevi ontem, no qual eu citava alguns filmes que possuíam cenas ofensivas à Moral. Julgo aliás primordialmente necessário desfazer um equívoco que me parece o maior de todos: em nenhum momento passou-me pela cabeça relativizar o grave dever moral que possuem os católicos de guardarem a própria pureza e de evitarem as ocasiões de pecado.

Os filmes foram citados não para que fossem assistidos com naturalidade a despeito de possuírem cenas inadequadas. Muito pelo contrário, foram citados como um alerta, para que os incautos saibam o que os espera neles e possam cumprir com o dever que têm de guardar a própria pureza da melhor forma possível.

“Nenhuma virtude” – diz Boulenger (Doutrina Católica, Tomo II, 8ª Lição: 6º e 9º Mandamentos da Lei de Deus) – “tem mais valor do que a castidade, porque ela, melhor do que as outras, é o domínio do espírito sobre a carne, da alma sobre o corpo. Por isso, não é de estranhar que esta virtude, preceito da lei natural muito embora, fique sendo como que apanágio e monopólio da religião católica. É a pura verdade, afirmar que não a conheceu o mundo pagão, e que, hoje em dia, desabrocha e viceja apenas no ambiente do catolicismo”. E nenhuma virtude, eu ousaria dizer, é mais difícil de ser guardada e praticada no ambiente propício à impureza no qual nós somos obrigados a viver hoje em dia.

É natural que a virtude que possui maior valor seja aquela obtida e preservada com maiores esforços. É importante conhecermos bem (1) no que consiste esta virtude, (2) no que consiste a luxúria, que lhe é oposta, e (3) como devemos nos precaver contra a impureza. Falemos sobre estes três pontos, de maneira infelizmente mais sucinta do que seria necessário para os entender bem.

“A castidade é a virtude moral que reprime qualquer ato, interno ou externo, tendente a um prazer sexual desordenado” (Del Greco, Compêndio de Teologia Moral, Tratado VI: Sexto e Nono mandamentos do Decálogo). Definição parecida encontramos em Boulenger, embora mais sucinta: “[a] castidade, ou pureza, consiste na abstenção dos prazeres carnais ilícitos” (op. cit.).

Eu, particularmente, gosto de encarar a castidade sob a seguinte perspectiva: ela é uma virtude humana, no sentido de que exige um corpo e uma alma à qual este corpo precisa estar sujeito. Os anjos podem adorar a Deus, podem reconhecer a Sua infinita Majestade, podem comprometer-se com a Verdade e abominar toda a mentira; mas eles, sendo puros espíritos, não podem oferecer ao Altíssimo a sujeição do corpo à alma, pois não possuem corpo que sujeitar. Por meio da virtude da castidade, nós, homens, podemos oferecer a Deus algo que nem mesmo os anjos podem. Maravilhosa dádiva e gravíssima responsabilidade! Não fosse o homem, Deus não poderia ser honrado com o oferecimento a Ele desta virtude tão valiosa. Cumpre, portanto, que honremos a Deus nos nossos corpos. Cumpre que sejamos castos, e que fujamos de toda impureza.

“A luxúria é o desejo e o gozo desordenado dos prazeres dos sentidos”, conforme Del Greco (op. cit.). Prossegue o mesmo autor: “Essencialmente, consiste a luxúria no prazer venéreo, isto é, na volúpia que a natureza anexa à excitação dos órgãos genitais e à efusão do sêmen da parte do homem e do humor vaginal da parte da mulher”.

Contudo, o Sexto e o Nono Mandamentos da Lei de Deus nos proíbem não somente as más ações, mas também os maus pensamentos e desejos. Por isso, Del Greco vai subdividir a luxúria em “luxúria consumada conforme a natureza”, “luxúria consumada contra a natureza” e “pecados de luxúria não consumados”, entre os quais encontramos os “movimentos carnais” e os “pecados de impudicícia”. Boulenger é mais sucinto e, talvez, mais claro: diz simplesmente que estes dois Mandamentos proíbem as “más ações”, os “maus olhares”, os “escritos e palavras desonestas”, os “maus pensamentos” e os “maus desejos” (op. cit.). Essencialmente, portanto, pode-se dizer que é contrário à virtude da castidade toda a impureza, quer seja externa, quer interna.

É mister, no entanto, diferenciar – sempre – a tentação do pecado, o sentimento do consentimento, a ocasião da falta. Por isso, ambos os autores são concordes em colocar como remédios contra a impureza, em primeiro lugar, a fuga das ocasiões perigosas. Boulenger detalha: “A ocasião se diz remota ou próxima. – 1. Ocasião remota, é a que conduz de modo muito indireto, até à ofensa de Deus. Tais ocasiões enxameiam pelo mundo. Não há como evitá-las sempre, porque se alastram por toda a parte. A melhor boa vontade não o conseguiria. Fugir delas não constitui obrigação. – 2. Ocasião próxima, é a que provoca a tal ponto, que é quase certo cometermos o pecado, se ela não for removida. – 1. A ocasião próxima será necessária de necessidade física ou moral: necessidade física, quando é de todo impossível suprimi-la; necessidade moral, quando a dificuldade é grande. Em ambos estes casos, é preciso lançar mão de todos os preservativos e orações, recepção dos Sacramentos de Penitência e Eucaristia. Renovar, amiúde, o propósito de nunca mais pecar. – 2. Ou a ocasião próxima pode ser afastada, e então, há obrigação imperiosa de removê-la”. (op. cit.).

Claro, todas essas coisas são princípios cuja aplicação concreta em cada caso é que vai distinguir o pecado mortal do venial, e este do não ser pecado. Convém sempre lembrar que, como diz Del Greco, o objeto formal da castidade “consiste na honestidade que refulge da moderação e do freio dos próprios instintos carnais”. Há pessoas que, por causa disso, não gostam de casuística; eu, ao contrário, entendo que as duas coisas podem e devem perfeitamente conviver juntas. Por isso, gosto do Compêndio de Teologia Moral de Del Greco. Falando sobre os pecados externos de impudicícia, ele se demora a descrever uma série de situações: então, “toques aos órgãos genitais do próprio corpo executados sem causa justa e com decorrente excitação venérea, constituem pecado mortal”; “olhares longos e deliberados, sobre os órgãos genitais ou sobre os seios de uma mulher embora cobertos de véus ou tecidos quase transparentes ou sobre pessoas de sexo diferente que executam união carnal, ou sobre pessoa que executa poluções, etc., constituem facilmente pecados mortais, porque excitam ao prazer venéreo”; “falar de coisas torpes, escrever, cantar, ouvir, ler, fazer gestos maus por libido ou com perigo próximo de consentir nestas, ou com grave escândalo, é pecado mortal”; etc. Não se trata de uma “lista de pecados”, mas de um conjunto de diretrizes que ensinam o cristão a levar uma vida moral reta, sem lassidão mas também sem escrúpulos.

Importa, ao final, saber que a pureza é uma virtude importante, que deve ser guardada a todo custo. Importa saber que nós somos vasos de barro carregando um tesouro de valor inigualável, e que todo cuidado é pouco para que não o percamos. Importa conhecermos as nossas próprias misérias e fraquezas, e tomarmos as devidas precauções para enfrentar o mundo corrompido. Como disse o pe. Lodi em uma belíssima palestra proferida em 2004:

Em matéria de castidade – diz a Madre Maria Helena Cavalcanti – não há fortes nem fracos. Há prudentes e imprudentes.

Prudentes são os que, reconhecendo a própria fraqueza, fogem das ocasiões de pecar e agradecem aqueles que os auxiliam com conselhos e exortações.

Imprudentes são os loucos que, embora fracos, insistem em pensar que são fortes, que não cometerão o que os outros já cometeram, que rejeitam as recomendações dos pais e a vigilância de terceiros.

A castidade só se conserva pela prudência. Não é à toa que a Ladainha de Nossa Senhora chama-a de “Virgem prudentíssima”. O imprudente, ainda que ore, ainda que ore muito, acabará por cair, e grande será sua queda.

Que seja em nosso favor a Virgem Prudentíssima. Que Ela, Virgem Castíssima, faça-nos castos.