A recuada do anúncio do mal

É sintomático que o bispo de Caicó tenha publicado uma “nota de esclarecimento” para dizer que foi mal compreendido nas suas alegações (francamente escandalosas) a respeito do homossexualismo. Ora, o que está na nota não é, absolutamente, o que se divulgou na mídia e provocou escândalo. Na festa de encerramento de Santana Dom Antônio teve o desplante de chamar o homossexualismo de “dom de Deus” (!). Na nota da Diocese Sua Excelência simplesmente afirma que quer «salvar vidas» e «superar os preconceitos que matam».

É bastante evidente que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Todo mundo sabe que os homossexuais são chamados à castidade (Catecismo, 2359) como os irascíveis são chamados ao autodomínio e, os glutões, ao controle do apetite. Se Dom Antônio tivesse simplesmente afirmado isso tal não provocaria, é evidente, celeuma alguma. O que provocou a (justa) ira dos católicos foi Sua Excelência ter chamado uma desordem objetiva de “dom de Deus”.

Ora, uma desordem não é nunca um dom. Uma disfunção da libido não é um “dom”, assim como não é um dom um câncer ou uma inclinação particularmente intensa para, digamos, a preguiça. Como Dom Antônio afirmou — com aliás muita propriedade — na sua nota de esclarecimento, o que realmente importa é a forma como se vive, dadas as condições que se possui. Uma pessoa pode perfeitamente possuir «tendências homossexuais profundamente radicadas» e ser muito santa, bastando para isso que ela lute — com coragem e determinação! — contra essas más tendências. Da mesma forma uma pessoa pode ter uma inclinação muito forte para a mentira e, ainda assim, santificar-se intensamente, bastando para isso lutar a cada dia por não mentir.

O que não tem sentido é dizer que o homossexualismo é um dom, como se o pecado — i.e., a prática de relações sexuais contra a natureza — tivesse alguma coisa de virtuoso que não fosse precisamente a luta para o evitar. O pecado é sempre uma escolha e é sempre uma coisa horrível, que ofende a Deus e que conduz as almas à perdição. Nenhuma pastoral verdadeira pode perder isso de vista, porque o objetivo de toda pastoral é levar as almas à salvação e sem uma vida moral reta é impossível se salvar. O aspecto “pastoral” do Catolicismo diz respeito simplesmente ao modo de transmitir aquilo que deve ser transmitido: não é, de maneira alguma!, algo de paralelo e nem muito menos de contrário ao seu aspecto doutrinário.

Toda Doutrina existe para ser transmitida a homens concretos — e por isso precisa da pastoral; e toda pastoral existe para que se transmita a Doutrina. Não existe oposição entre uma coisa e outra. Uma doutrina que não pudesse ser transmitida não seria verdadeiramente Doutrina Cristã; do mesmo modo, uma pastoral que não transmitisse a Doutrina Sagrada seria antes atitude de lobos que de pastores legítimos.

Mas a nota da Diocese de Caicó é sintomática justamente porque não entra no mérito daquilo que provocou o escândalo: não diz nada sobre o homossexualismo ser dom de Deus, silencia completamente a respeito da conotação positiva (laudatória até!) que o bispo emprestou à triste condição dos que vivem na prática dos mais nefandos pecados contra a natureza. É como se Dom Antônio não quisesse se desdizer mas, ao mesmo tempo, não pudesse continuar sustentando o horror que proferiu naquele domingo: é como se a indignação dos fiéis católicos tivesse feito o sucessor dos Apóstolos se envergonhar — se não o suficiente para uma retratação, ao menos o bastante para que sentisse a necessidade de tergiversar e mudar de assunto.

A nota não retifica a afirmação espúria e ímpia; mas tampouco a repete, tampouco a corrobora. Se o bispo não teve a humildade de se retratar, também não teve a pachorra de insistir no erro — o que não deixa de ser algo de positivo. Sim, o ideal seria, sem dúvidas, que os pastores tivessem a coragem de anunciar com clareza e destemor a Sã Doutrina da Salvação. Mas que eles sejam forçados e constrangidos a recuar na apologia do mal é já uma preciosa vitória nesses tempos sombrios em que vivemos.