Sobre comos e porquês

Hoje, voltando para casa, eu ouvia na CBN os apresentadores comentarem sobre uma mulher que roubou um trem na Suécia que, conduzido em alta velocidade, terminou descarrilhando e se chocando contra uma casa. E, para mim, o mais surpreendente foi o comentário do repórter: segundo ele, não se sabia ainda como a mulher – de vinte anos – conseguira as chaves do trem.

Ora, parece-me um sinal de que alguma coisa está profundamente errada quando a curiosidade humana, diante de um fato insólito, direciona-se para aquilo que é mais banal e corriqueiro, e não para o que é curioso e extraordinário. O grande mistério por detrás de uma jovem sueca que rouba um trem não está nos artifícios por ela empregados para obter a chave da locomotiva: a primeira óbvia pergunta instigante a se fazer aqui é por que raios alguém quereria roubar um trem! Diante da profunda inquietude desta indagação, chega a ser obsceno silenciá-la com uma trivialidade sobre roubos de chaves. Afinal de contas, chaves são roubadas todos os dias: as estranhas razões que levam alguém a roubar um trem é que constituem, aqui, o fato fora do comum que é digno de nossa atenção. Como alguém o fez é somente um detalhe, profundamente insignificante diante da terrível questão sobre o porquê disso ter sido feito. E se as pessoas não têm interesse em questionar o porquê das coisas nem mesmo diante de um fato extraordinário como este, acaso poderão perguntá-lo a respeito dos triviais?

Não creio ser exagerado alertar para os riscos de uma certa atrofia mental provocada por atitudes assim. E temo que isso não tenha sido um simples deslize do repórter, mas muito pelo contrário: infelizmente, penso que seja um tipo de condicionamento intelectual, ao qual as pessoas são (até involuntariamente) levadas por conta da filosofia moderna que, como ar poluído, respiram sem disso se aperceberem.

Durante séculos, os filósofos se perguntaram sobre o porquê das coisas. Com a advento da ciência moderna, estas questões foram degredadas para os obscuros reinos da Metafísica, tanto mais irrelevantes quanto mais deslumbrados os intelectuais ficavam com as respostas que obtinham sobre como as coisas funcionavam. Até que o desinteresse degenerou em ignorância e, hoje, o pensamento filosófico dominante (e, por extensão, o raciocínio ordinário das pessoas comuns) muitas vezes não é sequer capaz de formular uma questão sobre por que algo é de tal ou qual maneira.

Com este texto não se quer, absolutamente, desmerecer o conhecimento sobre os modos como as coisas se operam. É claro que entender as causas materiais que produzem os efeitos que observamos no mundo é da mais alta importância: é isso que nos permite prever, evitar ou provocar uma enorme variedade de coisas, e esses conhecimentos são absolutamente fundamentais para a nossa existência no universo. Isso não está em discussão. O ponto é que direcionar unilateralmente a inteligência humana para a investigação sobre como as coisas funcionam é contrair uma terrível estreiteza intelectual, cuja conseqüência menos dramática é se deparar com uma jovem dirigindo desgovernadamente um trem roubado e não ser capaz de fazer nenhuma pergunta mais interessante do que “e como ela fez isso?”.

Li há muito tempo um certo texto do Gustavo Corção dirigido contra um filósofo de nome engraçado que afirmara ter Dante errado ao dizer, no final do “Paraíso”, que é o «amor que move o sol e as outras estrelas». Lembro-me de que à época julguei isso uma polêmica profundamente vazia; mas hoje eu vejo a importância do encarniçado debate então conduzido com tanto denodo pelo famoso articulista católico. Porque confundir os “porquês” com os “comos”, as razões profundas com as causas materiais, é uma infame agressão à razão humana, é uma terrível confusão intelectual que – quando menos, por amor à verdade – cumpre ser desfeita.

Afinal, sem certos conhecimentos corre-se o risco de ter muitas informações e, simultaneamente, não entender nada de realmente importante. É como se a uma criança que perguntasse por que aquele móvel grande da sala faz “tic-tac” o pai começasse a falar sobre movimentos pendulares e mecânica de engrenagens, quando na verdade o que ela precisava saber era “porque ele marca o tempo, e papai precisa saber as horas”. Depois é possível falar em engrenagens e pêndulos, que é como os relógios funcionam; mas é profundamente estúpido dedicar-se com afinco às minúcias da relojoaria antes de sedimentar o conhecimento de que os relógios existem porque as pessoas querem saber que horas são. E, pela mesma razão, achar que o mecanismo do relógio é mais relevante do que o fato de que ele serve para ver as horas denota uma grave deficiência intelectual, que é dever de justiça apontar e tentar corrigir.

CBN entrevista Carlos Ramalhete

A polêmica envolvendo os bárbaros que querem a cabeça do Carlos Ramalhete continua. Hoje foi a vez da CBN Curitiba divulgar o evento anti-Ramalhete organizado no Facebook e fazer ao vivo uma entrevista com o autor da coluna mais odiada das redes sociais revolucionárias.

O “Fora Carlos Ramalhete: Preconceito na Gazeta do Povo” é um evento de ódio dogmático e intransigente que foi criado na própria quinta-feira em que a coluna do professor Carlos foi publicada. Tem por objetivo declarado “pedir a retirada deste elemento” (sic) dos quadros da Gazeta do Povo; para isso, está marcando um encontro (ou sei-lá-o-quê) de dia inteiro em Curitiba, no próximo dia 30 de setembro. Das mais de 30.000 pessoas que foram convidadas, três mil e poucas (até o momento) disseram que iriam. Foi este o evento original onde se publicou o primeiro abaixo-assinado pela demissão do Ramalhete, no qual os delirantes intolerantes soltaram a patacoada de que os jornais são “concessão pública” (sic) e, por conta disso, exigem que a Gazeta do Povo “apresente uma retratação pública, e que a coluna do Sr. Carlos Ramalhete seja encerrada”. Puro delírio totalitário: televisão é concessão pública, mas a mídia impressa não. Em sua sanha persecutória cega, os que querem calar a voz do prof. Carlos meteram feio os pés pelas mãos.

A entrevista com o professor Carlos pode ser ouvida no site da CBN (ou aqui, em .mp3 para download). Dentre as coisas muito bem ditas por ele a despeito da patente má vontade do entrevistador, eu destaco:

  • A questão não é se o matrimônio gay é feliz ou não é feliz, ou existe ou não existe: a questão é botar uma criança na ponta de lança de uma luta que não é a luta dela.
  • O Estado está avançando muito além dos seus limites – inclusive de maneira impopular, por isso que isso tá sendo feito só por tribunais, cartórios, nunca por representanes eleitos da população: porque a maior parte da população não concorda com esse tipo de coisa – ao ficar tentando desmontar a família tradicional, tentando impôr como se fosse exatamente equivalente qualquer tipo de união.
  • Olha, eu não acho que o Estado deva organizar a sociedade, eu acho que o Estado deva reconhecer como a sociedade se organiza. A sociedade se organiza naturalmente. (…) As uniões, tanto uniões de vida em comum, quanto uniões (pra voltar ao tema) religiosas, quer dizer, as pessoas que se agrupam em denominações religiosas, tudo isso existe: e é isso que gera a ordem da sociedade. Ao Estado compete manter esta ordem, ao Estado compete impedir que haja violência contra quem quer que seja: violência contra a maioria silenciosa que aceita preceitos religiosos, no Brasil em geral cristãos, ou a violência contra os homossexuais, ou a violência de qualquer tipo. O Estado está aí justamente para impedir que esta ordem se desfaça, não pra tentar construir uma ordem nova.

Oferecemos, mais uma vez, o nosso apoio e solidariedade ao professor Carlos. E se você ainda não o fez, assine (e divulgue) agora o abaixo-assinado “em favor da liberdade de expressão do prof. Carlos Ramalhete”. Vamos desmascarar o hipócrita discurso de ódio dos que só sabem se fazer de vítimas clamando por tolerância mas, ao primeiro sinal de discordância, põem as garras de fora e buscam calar na marra o seu interlocutor. Já basta deste inverno estéril no qual querem transformar o Brasil à força de truculência ideológica. Que floresçam as flores, pois já é tempo. Força, prof. Carlos! Nós estamos com você.

Aborto e Reforma do Código Penal: comentarista opõe os anseios da população à democracia do Brasil (!)

Os nossos comentaristas políticos são engraçados. Hoje pela manhã eu ouvia, na CBN, o Kennedy Alencar falar sobre o anteprojeto de Reforma do Código Penal que está tramitando no Senado. A fala dele foi um misto de loas ao trabalho dos juristas e lamentos pelos nossos senadores – os quais, na opinião dele, não permitirão que o Novo Código Penal seja aprovado do jeito que está.

O Kennedy reservou a maior parte do seu tempo na rádio para falar sobre a proposta “mais polêmica”, que é a de legalização do aborto até os três meses. Entre mal-disfarçados esgares de desprezo para com os conservadores fundamentalistas que cometem o bárbaro crime de ser contra o extermínio de bebês no ventre de suas mães (a propósito, para quem não sabe, um bebê de doze semanas se parece com este aqui), o comentarista teve ao menos a decência de lembrar, verbis, que este «é o Senado em quem a gente votou, [e] portanto ele tem toda a legitimidade, ele representa o Brasil». Não obstante, ele ainda assim foi capaz de concluir a sua fala enfatizando o seu pesar pela (prevista) não-aprovação do anteprojeto, dizendo que ele é uma «proposta muito boa, que moderniza e faz o Brasil avançar como Democracia».

Ora, se o Senado é hostil a esta proposta de Reforma do Código Penal e o Senado representa legitimamente a população brasileira, isto só pode ser porque o próprio povo brasileiro – como as pesquisas demonstram à exaustão – não concorda com estas propostas “polêmicas” que uma minoria do Congresso quer impôr a toda a população. Assim, torna-se inexplicável por quais obscuros e esotéricos meios seria possível que a aprovação de uma proposta abertamente rejeitada pela maioria dos brasileiros fosse, ao mesmo tempo, um avanço para a democracia. A contradição é tão aberrante que só pode significar uma de duas coisas: ou o comentarista da CBN não faz a menor idéia do que está falando (e aí não se preocupa em se contradizer dentro de quatro minutos) ou então, para esta gente, “democracia” é apenas um chavão vazio de significado e que não tem, absolutamente, nada a ver com os anseios da população de um certo país: “democracia” é como se fosse um mantra ou um talismã que deve ser invocado no debate público sempre que se deseje buscar apoio para a bobagem ideológica da vez. A “Democracia” assim entendida pode perfeitamente estar dissociada da vontade política de um povo ou até mesmo ser contrária a ela, não importa: ela é somente um fetiche a ser empregado em favor da idéia (de jerico que seja) que alguém deseje vender em um dado momento.

Entre outras incríveis razões pelas quais esta Reforma do Código Penal seria muito boa, na opinião expressa do Kennedy Alencar, estão:

  • tornar a homofobia crime inafiançável;
  • endurecer a lei seca (permitindo que o motorista responda pelo crime de dirigir embriagado somente com o testemunho do guarda de trânsito); e
  • fazer com que deixe de ser crime plantar, portar ou guardar droga para consumo pessoal.

E olhe que ele nem falou da eutanásia…

Ora, com um tão grande número de propostas tão abertamente estranhas à cultura brasileira, fica claro que apenas gente do naipe do Dipp pode ter a cara-de-pau de dizer que estas propostas são equilibradas. O mesmo Dipp, aliás, ao qual o comentarista da CBN não poupou elogios: é um “homem sério” que “não deixou nenhum tabu de lado” nesta reforma do Código Penal. De novo: como é possível que uma coisa seja ao mesmo tempo “equilibrada” e “não deixe nenhum tabu de fora” é outro dos arcanos da fantástica capacidade de conciliação de paradoxos exercida com tanta maestria por nossos governantes. Nós é que não conseguimos enxergar isso.

Porque, na opinião do Kennedy Alencar, nós somos meros ignorantes dignos de pena. Nas palavras dele, o nosso Legislativo está repleto de «senadores muito fracos, como o Magno Malta», o qual «é só um exemplo de um grupo de senadores e de deputados que reúnem o conservadorismo à ignorância, o que a gente tem de pior no Congresso Nacional». O problema é que nós temos a irritante mania de manter a coerência dos nossos posicionamentos, habilidade que parece estar tão atrofiada nos progressistas que nos deixa de cabelo em pé. Dou só um exemplo e, com ele, encerro.

O comentarista da CBN fez questão de lembrar (com uma entonação de voz de quem está descobrindo a pólvora) que «a legalização [do aborto] não obriga a mulher a interromper a gravidez: ainda vai continuar sendo uma decisão dela, de foro íntimo». É inacreditável: eu fico pensando se ele está fazendo somente uma declaração hipócrita ou se, ao contrário, ele realmente acredita que não passou pela cabeça de ninguém que a descriminalização do aborto faz com que cada mulher possa decidir abortar ou não! Como se – agora, sim! – fizesse uma enorme diferença e os anseios dos brasileiros que acreditamos ser errado abortar estivessem plenamente respeitados.

Alguém avise a este sujeito que ser contra o aborto é acreditar que é moralmente errado matar crianças no ventre de suas mães, e que – por óbvio – não tem nenhum cabimento se dizer “contra o aborto” e aceitar tranqüila e alegremente que as pessoas possam abortar impunemente! Ninguém é contra o aborto, meu caro senhor, como quem não gosta de brócolis ou de caminhar na praia, que aí tanto faz se fulanos ou sicranos fazem isso ou não. É-se contra o aborto como se é contra o roubo, o assassinato ou a escravidão: não faz nenhum sentido tornar o aborto “facultativo” da mesma maneira que não fazia nenhum sentido dizer (p.ex.) aos abolicionistas do século XIX que eles ficassem “tranqüilos” porque a legislação atual não “obrigava” ninguém a ter escravos, mas somente dava a cada um a capacidade de decidir tê-los ou não. Esta “argumentação” só tem sentido na cabeça de quem já é a favor do aborto, pois somente uma coisa que é indiferente pode ser objeto de liberdades individuais. Uma coisa que é intrinsecamente errada – como roubar ou abortar – não pode ser ao mesmo tempo um direito de ninguém. Nós acreditamos que abortar não é indiferente. É incrível como alguém que não tem capacidade de entender uma obviedade dessas se ache mais gabaritado do que a população brasileira para saber o que é ou não é melhor para a democracia do Brasil.

Alvíssaras! Agora o Governo não vai precisar gastar com as crianças que não virão!

O Brasil é um país gravemente doente: este é o resultado que salta aos olhos quando se lê a apresentação dos resultados preliminares do Censo 2010 do IBGE. E a prova cabal desta doença está exposta no próprio texto, em letras capitais sem que contudo se dê maior atenção ao fato: «Taxa de fecundidade chega a 1,86 filho por mulher; em 2000 era de 2,38 filhos». Abaixo, a tabela:

A média nacional está abaixo da taxa de reposição populacional (de 2,1 filhos por mulher), assim como quase todas as médias regionais (à única exceção da região Norte – que é a mais alta – com 2,42). A região Sudeste chega a incríveis 1,66 filhos por mulher, colocando-se assim bem próxima às taxas mais críticas dos mais problemáticos países europeus (problema, aliás, que é reconhecido até mesmo pelos ateus, embora estes não dêem o braço a torcer quanto às suas causas).

Mas o mais incrível de tudo foi ouvir hoje na CBN o Gilberto Dimenstein falando que isto é uma coisa muito boa, muito legal e muito importante porque… agora  “fica mais fácil” pro Governo, que “não precisa construir tanta creche, não precisa construir tanta escola”! Sim, senhoras e senhores, as aspas são literais, e o comentarista da CBN saúda o suicídio demográfico do Brasil porque agora o Governo não vai precisar gastar tanto com as crianças que não virão!

Com relação aos graves problemas que vêm com as pirâmides etárias invertidas, o Dimenstein é perfeitamente lacônico: lá pelos 1m50s, ele fala que “ainda num vamo pegar o rolo de ter muita população na chamada terceira idade” (!). E pronto. Resta explicar por qual miraculoso motivo nós não iríamos pegar este “rolo”, se estamos caminhando cada vez mais rápido para ele (afinal, a variação da taxa de natalidade na última década foi de mais de 20% para baixo) e isto sim é matemática básica. Ora, ter uma taxa de natalidade inferior à de reposição (que é o caso do Brasil) significa exatamente que mais pessoas morrem do que nascem, que mais pessoas saem do mercado de trabalho do que nele entram, que cada vez mais pessoas precisam ser sustentadas por cada vez menos pessoas: e este é exatamente o “rolo” que o Dimenstein (contra toda a lógica mais elementar) diz que nós “num vamo pegar” – com a mesma simploriedade com a qual um cego caminhando em direção a um precipício dá graças a Deus porque “ainda” não vai cair nele.

Eu não sei se isto é uma crença irracional no progresso (por achar que, no futuro, estes problemas vão simplesmente “se resolver” sozinhos), se é um otimismo completamente irreal (como se, depois, fosse só dizer às pessoas “tenham filhos!” para que as taxas de natalidade se equilibrem automaticamente) ou se é, simplesmente, uma irresponsabilidade para com o futuro. Sei que é sintomático que a imprensa formadora de opinião deste país saúde com alvíssaras as notícias que prenunciam o declínio da civilização, o inverno demográfico, a crise à mostra adiante em direção à qual se caminha a passos largos e sorridentes. É sintomático e é deprimente.

Curtas

– O Carlos Ramalhete estreou ontem uma coluna semanal (que será publicada toda quinta-feira) na Gazeta do Povo. A primeira leva por título “Brasil de Verdade” e, como sempre, vale a leitura.

Aliás, há mais vídeos do professor Carlos disponíveis no seu canal do gloria.tv. Assistam lá!

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– Eu não tenho tempo (nem capacidade) para traduzir na íntegra este texto do Chesterton, como sempre genial [p.s.: ele já está traduzido aqui]. Fala sobre mulheres no trabalho e nos lares, sob o ponto de vista da divisão do trabalho. Traduzo apenas o finalzinho: “O lugar onde as crianças nascem, onde os homens morrem, onde o drama da vida real se desenrola, não é em um escritório ou em um shopping ou detrás de uma mesa. É um lugar muito menor em tamanho, mais de alcance muito mais abrangente. E embora ninguém seja tão tolo a ponto de defender que este seja o único lugar onde as pessoas devam trabalhar (ou mesmo o único lugar onde as mulheres devam trabalhar), ele possui uma característica de unidade e de universalidade que não se encontra em nenhuma das experiências fragmentárias de divisão do trabalho”.

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– O procurador-geral da República quer a condenação de 36 envolvidos no escândalo do Mensalão. Embora já faça anos, a expectativa – segundo a reportagem citada – é que o STF julgue o caso somente no ano que vem.

Eu ouvia a Lucia Hippolito na CBN hoje pela manhã sobre o mesmo assunto. Ela falava que havia uma possibilidade de que, com a renúncia dos réus, o processo voltasse para as primeiras instâncias dos tribunais – o que, na prática, significaria provavelmente que ninguém nunca seria punido. Em se tratando do Brasil, eu não duvido de nada.

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Jovens ficam feridos em corrida de touros do festival de São Firmino. Não é a primeira vez que uma reportagem dessas é publicada (aliás, publicam-se coisas assim todo santo ano desde que eu me entendo por gente); o objetivo (às vezes expresso, às vezes velado) é provocar ojeriza a este tipo de divertimento bárbaro e perigoso.

Mas faço questão de destacar: são oito pessoas feridas (mais quatro ferimentos leves do dia anterior), sendo grave apenas um dos casos. Quantas pessoas são feridas ou morrem, p.ex., no nosso Carnaval? A desproporção é gritante (e ainda mais gritante se levarmos em consideração que, na Espanha, temos animais selvagens e violentos “à solta”) – e, no entanto,  “[d]esde 1911, esse evento [os festivais de San Firmino] causou 15 mortos”.

Ou seja: perigoso não é correr com touros. Perigosas são as festas brasileiras. Corridas com touros, já! Afinal, estes animais são evidentemente muito mais inofensivos do que outros que as nossas políticas públicas gostam de criar e proteger.

Jornal da CBN faz acusação descabida contra a Igreja Católica

Eu ouvi o Xexéo na CBN hoje pela manhã, comentando uma (excelente) notícia recente de um transplante de células-tronco na Bahia que fez um paraplégico voltar a ter sensibilidade nas pernas. No entanto, o comentário do correspondente da CBN foi tão sofrível quanto é alvissareira a notícia comentada.

Eu a tinha visto na televisão, na hora do almoço, um dia antes. Estava com um amigo e lembro-me de ter falado que os veículos de comunicação deviam ser obrigados a deixar claro, sempre que noticiassem um caso assim, que estavam falando de células-tronco adultas. Afinal, sempre se podia fazer confusão com a condenação da Igreja ao uso de células-tronco embrionárias

Não deu outra. Hoje de manhã, na CBN, em rede nacional, vem-me o Xexéo alfinetar a Igreja Católica dizendo que este “é um assunto polêmico no Brasil”, que “muita gente acha que não deve ser feito” e que “se existe uma religião que acha que não deve se mexer com células-tronco, nem por isso você tem que proibir o uso de células-tronco no país”.

É impressionante! A Carolina fez questão de dizer, no começo, que as células-tronco haviam sido retiradas da bacia! Não entendo o que passa pela cabeça dessa gente ignorante: fica a impressão que eles nunca pararam, por cinco minutos que fosse, para ouvir aquilo que a Igreja diz sobre o assunto. Apenas repetem os preconceitos.

Por qual absurdo motivo a retirada de células-tronco do osso da bacia seria moralmente proibida? As pessoas nunca perceberam que o motivo pelo qual a Igreja é contra o uso de células-tronco embrionárias é porque estas pesquisas matam o embrião, i.e., destroem um ser humano? O que isto tem minimamente a ver (além da similaridade dos nomes) com a retirada de células da bacia do próprio paciente? Sinceramente, é tanta ignorância que chega a ser frustrante – em pleno século XXI, onde a informação está ao alcance de qualquer um na internet, pelo módico custo de alguns poucos cliques. As pessoas sequer se dão ao trabalho de conhecer minimamente aquilo que vão atacar – ao contrário, parecem achar que a Igreja é contra só porque “é do contra” mesmo e, aí, descarregam os seus canhões contra este espantalho ridículo que só existe na cabeça delas. É vergonhoso.

Qual a “polêmica” que existe sobre as pesquisas com células-tronco adultas? Nenhuma. Quais são as pessoas que acham que pesquisas com células-tronco adultas não devem ser feitas? Nenhuma. Qual é a religião que é contra o uso de células-tronco adultas? Nenhuma. Por que, então, o Xexéo abre a boca para falar sobre um assunto que ele claramente desconhece? Por que a CBN se passa para disseminar a desinformação desse jeito?

O assunto foi comentado também no blog do Brasil Sem Aborto. Deste último, cito:

Mais uma vez, são células-tronco adultas envolvidas em experimento de sucesso, reforçando o que dissemos em 2007 e 2008, na audiência pública no Supremo Tribunal Federal e na Declaração de Brasília. Desta última, cito:

Pretende-se contrapor a vida dos embriões congelados… à terapia e cura de muitos que padecem de doenças graves em nosso país. Não temos receio em afirmar, com toda ênfase, que tal dilema é falso… Ao contrário do que tem sido veiculado e acriticamente aceito pela opinião pública, as células-tronco embrionárias não são a grande promessa para gerar terapias. Na verdade, são as células-tronco adultas que têm produzido expressivos resultados, que se apresentam ainda mais promissores depois do desenvolvimento da técnica de indução de pluripotencialidade em células adultas. Como o assunto envolve sofisticado conhecimento técnico, as pessoas ficam mais vulneráveis à manipulação da informação.

A recente notícia, longe de desabonar a Igreja, apenas mostra mais uma vez que Ela tinha razão e estão nas células-tronco adultas os tratamentos promissores. Será que o @jornaldacbn vai retificar a informação incorreta que transmitiu? Ou será que vamos assistir a mais um triste espetáculo de jornalistas descompromissados com a verdade dos fatos?

Recife livre do fumo: 1 ano

Ontem completou um ano a lei (municipal, suponho) que regulamenta a fiscalização da 9294/96 – Lei Federal que proíbe o fumo em ambientes fechados. Algumas reportagens saíram nos jornais locais – como esta do Jornal do Commercio (para assinantes), saudando o fato e apresentando Recife como “exemplo a ser seguido por outras cidades brasileiras”, posto que a cidade “começa a trilhar o caminho da civilidade” e – como diz a manchete – os bares estão “livres da fumaça incômoda”. Vitória do progresso: “Da resistência inicial, reclamações e discursos inflamados contra a lei, os fumantes, carimbados como inimigos número um da sociedade, passaram a entender e respeitar o direito de quem não fuma”.

Uma garota da CBN Recife entrevistou-me anteontem no Shopping Boa Vista; não ouvi o que foi ao ar, mas lembro-me de que eu me segurei para não chamar a lei de nazista e não provocar uma antipatia ainda maior pelos “fumantes mal-educados”. Respirei fundo e disse apenas que a lei era ineficaz no combate ao fumo, que criava “cidadãos de segunda classe”, que estimulava a intolerância, que era desproporcional. Um colega de trabalho ouviu-me e, informando para a sala inteira que eu era contrário à lei anti-tabagista, à hora do almoço, comecei um pequeno arranca-rabo por aqui.

Mantenho: a lei, do jeito que é aplicada, é nonsense. Concordo que exista uma “tensão” entre fumantes e não-fumantes – tensão artificial, criada pela demonização do cigarro feita pelo terrorismo da síndrome do “Paulo Cintura” que acometeu a sociedade nos últimos anos, mas isto são outros quinhentos -, mas não concordo, de nenhuma maneira, que a solução para o “problema” seja simplesmente escantear os fumantes. Afinal de contas, ao que me conste, o Estado dito democrático deveria levar em conta os anseios (lícitos, óbvio, como é o caso) de todos os seus súditos, e não simplesmente escutar unilateralmente uns em detrimento de outros. “Ah, mas os fumantes são minoria”, pode alguém dizer; bom, se somos minoria, então [isto é sarcasmo] por que não temos quotas à semelhança de outras minorias?

Para mim é claríssimo que há uma diferença muito grande entre um elevador e um barzinho aberto, por exemplo – coisa que é absurdamente ignorada pela lei brasileira. Eu estou disposto a ser transigente e aceitar que alguns lugares tenham alguns ambientes livre de fumo, mas espero um mínimo de reciprocidade; o que considero um desrespeito sem tamanhos é sermos obrigados a fumar nas calçadas!

[Aliás, immo, a sanha persecutória dos discípulos de Paulo Cintura é ilimitada e, dados os pressupostos utilizados para justificar o exílio dos fumantes para as calçadas, logo logo vai ser proibido fumar em ambientes abertos e públicos como, p.ex., pontos de ônibus. Afinal, a bendita lei 9294/96 estabelece, no seu artigo segundo, que é “proibido o uso de cigarros (…) em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente” e, embora “recinto” signifique, a meu ver, “local fechado”, não duvido nada que algum gênio venha com uma interpretação malabarista para incluir “no espírito da Lei” os recintos abertos…]

Mas o problema principal com esta discussão toda não é uma questão de respeito dos direitos dos não-fumantes ou implicância dos fumantes, porque isso importa bem pouco; o que de verdade me irrita profundamente é – como eu acho que já falei aqui – a substituição, no inconsciente popular, da Moral Verdadeira por uma anti-moral, arbitrária e inimiga da verdadeira. Trago um único exemplo bem eloqüente: comentei aqui em novembro passado uma lei aprovada no Rio de Janeiro que multava e cassava o alvará de funcionamento de estabelecimentos que proibissem o “beijo gay”. Já que a lei anti-fumo é Federal, suponho que esteja sendo aplicada na Cidade Maravilhosa também. Ou seja: dois marmanjos se agarrando no bar, pode, e ai de quem proibir. Acender um cigarro, aí não pode, de jeito nenhum, e ai de quem ousar fazê-lo!

É uma completa inversão de valores. Uma colega de trabalho que discordava de mim à hora do almoço disse exatamente isso: que preferia, a um fumante, uma dupla de gays se agarrando ao seu lado num barzinho. É um exemplo encarnado da nova moral politicamente correta: o que é moralmente neutro é execrado e, o que é imoral, é louvado e protegido. Não se pode subestimar o efeito deseducativo e deformador de crescer e viver numa sociedade dessas. Tenha Deus misericórdia de nós.