O Sínodo, o Papa e o Rei

Sobre o iminente Sínodo da Amazônia, duas ou três ligeiras palavras.

Primeiro, não é demais lembrar que o Sínodo, enquanto Conselho Episcopal, não foi inventado agora, mas se reúne regularmente há mais de meio século — desde o Vaticano II. Mês que vem, vai falar sobre a Amazônia, mas já falou, em anos recentes, sobre os jovens, sobre a família, sobre a África. As suas atividades não iniciaram agora e, conquanto se lhe possam fazer todas as críticas aplicáveis à própria hierarquia católica nestes tempos de crise, não dá para dizer que ele é um braço do globalismo, uma ameaça à soberania nacional brasileira ou um instrumento da autodemolição do Catolicismo.

Segundo, particularmente sobre este último ponto: o Sínodo certamente não vai ordenar mulheres. O próprio Papa Francisco, perguntado mais ou menos recentemente (em maio último) acerca das conclusões a que chegaram a comissão instituída para estudar sobre o diaconato feminino, deu esta resposta:

Quanto ao diaconado feminino: há uma maneira de o conceber, não com a mesma visão do diaconado masculino. Por exemplo, as fórmulas de ordenação diaconal encontradas até agora – segundo a comissão – não são as mesmas da ordenação diaconal masculina, e assemelham-se mais àquela que hoje seria a bênção duma abadessa. (…) Estas são as coisas que recordo. Fundamental, porém, é que não há certeza de que se tratasse duma ordenação com a mesma forma e finalidade da ordenação masculina. Alguns dizem: permanece a dúvida, vamos continuar a estudar. Eu não tenho medo do estudo. Contudo, até agora, nada se concluiu…

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

E as funções destas antigas diaconisas, segundo o Papa, são exatamente aquelas sobre as quais cansámos de falar aqui: auxiliar no Batismo das mulheres (“como os Batismos eram por imersão, quando se batizava uma mulher, as diaconisas ajudavam; inclusive para a unção do corpo da mulher”), avaliar problemas conjugais (“[q]uando a mulher acusava o marido de a espancar, as diaconisas eram enviadas pelo bispo para verificarem as contusões no corpo da mulher e poderem assim testemunhar no julgamento”), etc. Não tem nada a ver com o diaconato masculino que é o primeiro grau do Sacramento da Ordem.

Aliás, nesta mesma ocasião, Sua Santidade levanta um ponto que, a mim, ainda não havia ocorrido, e que é um forte testemunho em favor da exclusividade masculina do sacerdócio católico enquanto vontade positiva de Cristo, e não meramente como uma tolerância aos costumes sociais da época. É que o paganismo conhecia perfeitamente a figura do sacerdócio feminino — as vestais, a pitonisa — e o Cristianismo nascente, tão acusado de copiar os ritos e práticas do politeísmo então praticado, fez questão de reservar apenas aos homens o seu sacerdócio. Nas palavras do Papa:

Mas é curioso: naquela época, havia muitas sacerdotisas pagãs, o sacerdócio feminino nos cultos pagãos existia por todo o lado. E, como se explica que, havendo este sacerdócio feminino – sacerdócio pagão -, o sacerdócio não fosse dado às mulheres no cristianismo?

Conferência de imprensa do Santo Padre durante o voo de regresso de Skopje

Ou seja: o que se pode afirmar, com todo o rigor histórico, é que ordenação de mulheres não é avanço algum, mas sim retrocesso ao paganismo politeísta. Causa finita.

É apenas possível, embora muito pouco provável, que o Sínodo intente resgatar a instituição de uma espécie de diaconato feminino nestes moldes: o de uma função religiosa, porém laical, similar ao “que hoje seria a bênção duma abadessa”. Como é também possível (e pouco provável) que venha do Sínodo alguma autorização, ad experimentum, para a ordenação de homens casados como é praticado até hoje nas Igrejas Orientais (mesmo nas unidas a Roma). Nenhuma dessas coisas é o triunfo do Anticristo, porque as abadessas e o clero casado fazem parte da Igreja Católica há muitos e muitos séculos; tais disposições, repito, improváveis, mas possíveis, se vierem, estarão dentro do legítimo munus regendi da Igreja e não nos devem perturbar a paz da alma. Não seriam muito piores do que os muitos atos de governo desastrosos que nós já nos acostumamos a encontrar todos os dias a nosso redor. Oremus pro Ecclesia Sancta Dei.

Um terceiro e último ponto: ouve-se que o Sínodo poderia ser instrumentalizado pela esquerda para desestabilizar o governo Bolsonaro e, neste sentido, já ecoa, na mídia nacional, que há bispos sendo criminalizados. Ora, isso é uma suprema estultice e um discurso insidioso que os católicos devem rechaçar com veemência. A uma porque os grandes problemas atuais da Igreja Católica são com a sua Doutrina e (mais ainda) com a sua disciplina: se, por absurdo, o Sínodo se dedicasse exclusivamente a condenar as queimadas da Amazônia, com certeza muitos de nós respiraríamos aliviados. A duas porque, como disse recentemente, há questões sociais e ambientais que podem e devem ser informadas pela vitalidade do Evangelho, não existindo assunto humano sobre o qual a Igreja não tenha uma palavra a dar, nem circunstância do século totalmente alheia à caridade cristã que nos constrange a tudo ordenar a Cristo.

E a três porque, sinceramente, entre o Vigário de Cristo e o Presidente da República Federativa do Brasil, é óbvio e evidente que todo e qualquer católico deve tomar partido pelo primeiro. Em um trágico confronto direto entre a esquerda católica e a direita protestante, é a primeira que deve ter a preferência dos que pretendem levar a sério as promessas do seu Batismo. Se o papa pode ser ruim, pior é o rei que se põe contra o papa. Nestes tempos de ânimos exaltados, de lideranças incertas e de juízos superficiais, convém não esquecer nunca que o nosso primeiro e mais fundamental compromisso é com o Reino de Deus e não com a cidade dos homens.

Novo bispo de Teresina e celibato sacerdotal

Com relação à reportagem sobre o novo bispo de Teresina (“Novo arcebispo diz que papa não é infalível e que padre deveria casar”), é preciso fazer alguns esclarecimentos.

Com relação ao primeiro ponto (“que [o] papa não é infalível”), por uma questão de justiça, é preciso dizer que as declarações de Sua Excelência publicadas na Folha de São Paulo estão corretas e não permitem deduzir, como a matéria insinua, que o prelado negue a infalibilidade papal. Muito ao contrário até, Dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho relembra explicitamente que o Papa é infalível em assuntos de Fé e Moral, e não em qualquer coisa:

“O papa não é infalível quando fala tudo. A Igreja tem a convicção de que ele é infalível quando fala de fé e moral”, afirma dom Jacinto.

E isso, a rigor, está exato. O Papa é infalível quando exerce o seu Magistério em grau máximo e, por definição, as proposições a respeito de Fé e/ou de Moral é que são o objeto do Magistério da Igreja. Entre as condições exigidas para o exercício da infalibilidade – conforme definidas na Pastor Aeternus – está o conteúdo da sentença pontifícia, que precisa ser concernente à Fé ou à Moral (grifos meus):

[E]nsinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.

Infelizmente, a mesma coisa não pode ser dita com relação às declarações de Dom Jacinto sobre o celibato sacerdotal. Embora seja verdade que ele “é uma disciplina da Igreja [Católica] que pode mudar”, isto não muda em nada a sua obrigatoriedade (incontáveis vezes reafirmada) para a Igreja latina e nem a reverência que todo mundo precisa ter – em particular, um bispo para com o Papa! – às ordens legítimas dos legítimos superiores.

Lembro-me de ter tecido detalhadas críticas ao Reinaldo Azevedo quando, há mais de dois anos, ele se empenhou em uma virulenta campanha contra o celibato. Aquilo que escrevi sobre o articulista da Veja permanece integralmente válido e serve, também, para responder ao novo bispo de Teresina. O texto é longo, mas o remeto a quem quiser uma análise mais detalhada, que pode ser útil. Apenas um excerto:

Uma outra coisa completamente diferente é a promulgação de uma norma de direito eclesiástico, que (obviamente) não é matéria dogmática, mas que foi efetivamente promulgada e, portanto, está em vigor, como é o caso do celibato sacerdotal. Dizer que “o celibato não é dogma” não é, nem de longe, a mesma coisa que dizer “a existência do Limbo não é dogma”. Neste último caso, estamos tratando de uma hipótese teológica cujo grau de adesão exigido, de fato, enfraquece-se quando se diz que ela não é um dogma; mas, para uma questão disciplinar, não faz sentido em se falar em “adesão” de Fé, porque – evidentemente – a uma disciplina não se adere com Fé, mas se lhe obedece. E o fato (aliás auto-evidente) de que uma disciplina “não é dogma” em nada muda as obrigações que o católico tem para com ela.

[…]

Sinceramente, contradizer abertamente uma posição do Sumo Pontífice e querer “debater” uma coisa cuja obrigatoriedade foi reafirmada há menos de um ano por aquele que detém a autoridade máxima para obrigar ou desobrigar as questões disciplinares da Igreja Católica é o cúmulo da teimosia. É uma tremenda extrapolação dos direitos que o católico tem em relação àquilo que não é dogmático. O Papa dizer uma coisa, e então um católico procurar “debater” em defesa da posição contrária, para o Papa reafirmar a mesma coisa, e o tal católico insistir ainda no contrário, e assim ad aeternum, não é direito de católico nenhum. Isso é um completo desrespeito às autoridades da Igreja, que são quem, em última instância, detêm a autoridade final para responder a essas questões.

Com relação a Dom Jacinto, não dá para dizer – ao contrário do que insinuou a matéria da Folha de São Paulo – que ele negue a infalibilidade do Papa e, por conseguinte, seja um herege. Esta acusação é no mínimo temerária. No entanto, e infelizmente, parece que Sua Excelência tem sim alguns problemas, se não com a Autoridade Suprema de Ensino da Igreja, ao menos com a Sua Suprema Autoridade de Governo. E, embora seja uma posição sem dúvidas menos grave, é também uma lástima que um expoente da hierarquia da Igreja venha dessa maneira a público tentar minar o poder de governo que o Romano Pontífice – por direito divino – tem sobre a totalidade da Igreja de Cristo.

P.S.: Após a repercussão negativa da matéria, foram publicados alguns esclarecimentos no site da Arquidiocese de Teresina. Lamentavelmente, os órgãos de imprensa – até onde consegui verificar – não se preocuparam em reproduzir este direito de resposta de Dom Jacinto Sobrinho: as matérias sobre o arcebispo que diz que o Papa não é infalível continuam na rede sem nenhum tipo de errata ou de referência aos esclarecimentos do Arcebispo de Teresina, os quais parecem só se encontrar no site da Mitra. Contrariamente ao que foi veiculado na mídia, as declarações de Dom Jacinto sobre os temas polêmicos abordados na matéria original são os seguintes:

  • O Papa é infalível, quando: ex cathedra – fala de fé e moral. O Magistério Ordinário do Romano Pontífice é para ser sempre acolhido e seus ensinamentos postos em prática.
  • [O] dom do celibato será sempre uma riqueza para a Igreja de Cristo e sinal do Reino futuro.
  • Não sou teólogo e jamais me filiei a qualquer movimento ligado à Teologia da Libertação.