“O Papa parou em nossa casa!”

Eu mal soube da viagem pontifícia a Cassano, cidade da Itália meridional cuja maior característica, a julgar pelo que dizem os órgãos de mídia, é ser profundamente marcada pela atuação da Máfia. E foi bastante por acaso que eu fiquei sabendo deste pitoresco fato que aconteceu nas estradas italianas do sul:

Trata-se de um vídeo amador, certamente de celular, feito pelas pessoas que estavam à beira da estrada para acompanhar a passagem do automóvel pontifício. O mais impressionante não é nem a bênção concedida ao doente (depois do sr. Vinicio Riva, esse tipo de atitude vinda do Papa Francisco não deveria nos surpreender mais). O mais belo está nos detalhes.

Chama a atenção sobremaneira o título que deram ao vídeo: Papa Francesco si e fermato a casa nostra, algo como “o Papa Francisco parou em nossa casa”. Parece clichê e piegas, eu sei, mas não consigo ler essa legenda – colocada, repitamos, pelas próprias pessoas que estavam acompanhando a comitiva papal na beira da estrada; moradores do lugar – sem me lembrar das diversas passagens do Evangelho em que o hagiógrafo faz insistente questão de registrar que Jesus parou em certas casas: na de São Pedro (cf. Mt 8, 14), na de São Mateus (cobrador de impostos – cf. Mt 9, 10), mas também em algumas casas anônimas: «Em seguida, deixando aquele lugar, foi para a terra de Tiro e de Sidônia. E tendo entrado numa casa, não quis que ninguém o soubesse» (Mc 7, 24a).

Nem a Catena Aurea e nem a prestigiada “Vida de Jesus Cristo” de Lafayette dão maior relevância ao detalhe; mas eu fico pensando naquela casa precedida de artigo indefinido na qual Nosso Senhor um dia entrou. E embora não seja capaz de saber ou mesmo especular nada sobre ela (Quem eram aquelas pessoas? Será que já O esperavam? Será que já O seguiam como discípulos? Será que Ele pousava lá sempre que ia a Tiro e Sidônia? Será que Ele simplesmente chegou à porta e pediu para entrar?), uma coisa se me impõe à imaginação com clareza: a alegria que deve ter tomado conta daquele lugar, alegria da qual eu penso ver um lampejo naquele «se e fermato a casa nostra» com que rotularam um vídeo que mostra o Vigário de Cristo parando no meio de uma viagem para cumprimentar alguns moradores que estavam no caminho para o ver passar.

Uma parada singela, longe dos protocolos oficiais e das agendas diplomáticas; que ficaria para sempre desconhecida se a tecnologia atual não tivesse transformado qualquer celular em uma câmera filmadora. O Papa desceu do carro para abençoar um doente e cumprimentar alguns fiéis, e não havia nenhum fotógrafo d’Osservatore para o registrar. O fato em si é banal e corriqueiro, eu sei; mas não o é para as pessoas que o vivenciaram. Aquela casa in fines Tyri et Sidonis era tão comum que não recebeu do evangelista mais do que uma menção en passant: mas lá esteve Nosso Senhor, e isso por si só é um fato extraordinário. Por aquelas ruas do sul da Itália passou o Doce Cristo na Terra, naquela estrada o Papa Francisco parou para saudar alguns fiéis. Isso nada muda no Catolicismo; mas penso na alegria que não deve ter tomado o coração daqueles italianos que lá estavam. Na alegria que transparece do vídeo que vejo ainda mais uma vez.

E a Igreja são vários membros, e n’Ela o que acontece com um membro reverbera por todo o Corpo. A alegria daquelas pessoas é também a minha alegria; o contentamento com a ligeira delicadeza pontifícia chega também a mim. Mesmo quando dirigida a um grupo particular de católicos, toda boa obra atinge toda a Igreja. Felicito-me junto com os italianos que não conheço, mas com os quais compartilho a mesma Fé. Alegro-me com eles. E com eles também posso dizer: grazie, Papa Francesco.

A Igreja é Una acima do tempo e do espaço

[A] comunhão dos santos vai além da vida terrena, vai além da morte e dura para sempre. Esta união entre nós vai além e continua na outra vida; é uma união espiritual que nasce do Batismo e não vem separada da morte, mas, graças a Cristo ressuscitado, é destinada a encontrar a sua plenitude na vida eterna. Há um vínculo profundo e indissolúvel entre quantos são ainda peregrinos neste mundo – entre nós – e aqueles que atravessaram o limiar da morte para entrar na eternidade. Todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e todos os beatos que estão já no Paraíso formam uma só grande família. Esta comunhão entre terra e céu se realiza especialmente na oração de intercessão.

Papa Francisco, catequese de 30 de outubro de 2013

Há três grandes festas litúrgicas tradicionalmente [p.s.: no Calendário Tradicional] celebradas juntas. No último domingo de Outubro, celebra-se a festividade de Cristo Rei; no dia primeiro de novembro, a Solenidade de Todos os Santos; por fim, no dia 02 de novembro, o dia dos Fiéis Defuntos.

Estas festas litúrgicas exprimem a Fé na «comunhão dos santos» que professamos no Credo; exprimem-na de uma maneira bastante eloqüente, por conta da ênfase a cada uma das “partes” da Igreja empregada em cada um desses dias sucessivos. Celebramos a Festa de Cristo-Rei do Universo e, nela, vemos a Igreja Militante na sua peregrinação histórica rumo a Nosso Senhor. Celebramos a Solenidade de Todos os Santos e contemplamos a Igreja Triunfante em todo o seu esplendor, na sua plena realização à qual os filhos de Deus somos chamados. E celebramos os Finados tendo diante dos olhos a Igreja Padecente, as almas dos fiéis no Purgatório que anseiam por se livrar de suas penas para ascender o quanto antes ao Trono do Todo-Poderoso.

E a Igreja é Una acima do tempo e do espaço. Estas três partes da Igreja perfazem todas a única Igreja de Cristo. Estamos unidos aos fiéis católicos espalhados por todo o mundo que, junto conosco, caminham no claro-escuro da Fé por este Vale de Lágrimas aguardando a Páscoa definitiva. Estamos unidos àqueles que nos precederam e, nas chamas do Purgatório, consomem-se na purificação derradeira para que possam enfim chegar à Cidade Santa: as nossas orações lhes servem de sufrágio e são úteis para lhes aliviar as penas. E estamos unidos aos santos e santas de Deus, àqueles que já cumpriram a sua parte na terra (ou no Purgatório) e já receberam a Coroa da Vitória e, do alto dos Céus, diante do Trono de Deus, intercedem incessantemente pela nossa salvação, a fim de que possamos nos unir a eles no canto de louvor definitivo da Eternidade.

Mas já estamos todos juntos, como canta uma antiga canção popular de Offertorium: «amigos e parentes, vivos e defuntos, em torno desta Mesa estamos sempre juntos». Estamos todos juntos e é esta a beleza da Comunhão dos Santos: o Corpo de Cristo não conhece as fronteiras dos países e das nações e – mais ainda! – não conhece os limites do tempo, de tal modo que nem a Morte é capaz de Lhe conter! A Igreja perpassa toda a História e, a cada instante, se estamos na Igreja, então nós estamos na História inteira, do primeiro ao derradeiro homem de qualquer recanto do mundo, e nenhum dele nos é estranho. Em Cristo nós somos irmãos, e seria muito provincialismo de nossa parte acharmos que isto se refere somente ao nosso diretor espiritual ou ao amigo junto a quem assistimos Missa aos domingos. O alcance universal – Catholicus – da Igreja supera em muito as possibilidades humanas. Há muito mais diversidade e riqueza na Igreja Católica do que em todos os seus opositores somados.

E olhar para a communio sanctorum é colocar tudo em perspectiva: é ver como o mundo é pequeno e fútil, e como são grandiosas as coisas que Deus tem reservadas para os que O amam. Alguém disse certa feita que quem já viu o Oceano não se espanta mais com os lagos: do mesmo modo, para quem já contemplou a extensão do Corpo de Cristo, tudo o mais não passa de palha e o mundo inteiro é um cubículo entediante, fora do qual é onde está a vida que realmente vale a pena ser vivida.

É grandiosa a Igreja de Cristo! Não a troquemos pelas mesquinharias do mundo. Militemos com valentia nesta terra, unidos às dores dos que padecem no além-túmulo, a fim de chegarmos gloriosamente ao Dia sem ocaso para o qual Cristo nos resgatou na Cruz do Calvário. A fim de que nós, que ingressamos na Igreja pelo Batismo, possamos continuar n’Ela até o fim. Até a sua realização derradeira. Até a Glória, onde Ela é plenamente aquilo que Nosso Senhor A fez para ser.