Santos em meio aos escombros

As notícias que nos chegam a respeito do recente acordo assinado entre a Santa Sé e a República Popular da China são assustadoras e preocupantes. O assunto, bastante nebuloso, talvez — infelizmente — permaneça assim ainda por bastante tempo, mas de qualquer modo existem algumas coisas que podem ser desde já pontuadas.

A respeito do acordo em si, são poucas as informações de que dispomos. Sabemos que ele foi assinado no último sábado; que os seus termos detalhados permanecem secretos; que é provisório e será periodicamente reavaliado; que inclui a revogação da excomunhão dos bispos “oficiais”, sagrados sem mandato pontifício; e que o seu principal objetivo é chegar a um delicado consenso, entre a Santa Sé e o Partido Comunista Chinês, acerca da nomeação de bispos para a Igreja Católica na China.

Ora, a Igreja de Roma, desde há muito, reserva para si a prerrogativa de nomear os seus bispos no mundo inteiro. O poder do Papa, absoluto, incontrastável, não pode rivalizar com o poder de César naquilo que diz respeito ao governo da Igreja. Não se pode admitir que questões seculares, locais, se sobreponham ao direito divino do Soberano Pontífice de pastorear a grei de Deus da maneira que melhor lhe aprouver — e isso é um poder que se exerce não apenas de modo geral e abstrato, mas também nas contingências da vida, na livre nomeação de um bispo específico, determinado, para uma diocese particular e concreta. Acontece que o Governo Chinês, Estado Totalitário que é, também se arvora o direito de nomear por si mesmo os seus próprios líderes religiosos. Neste caso, como ficam as coisas?

Até então ficavam como se houvesse “duas igrejas”, duas hierarquias eclesiásticas paralelas, uma oficial, ligada ao Governo Chinês, outra, clandestina, sujeita ao Papa. A Igreja Clandestina não é reconhecida pelo Partido Comunista Chinês como a Igreja Oficial não é reconhecida pela Igreja de Roma. O recente acordo procura oferecer remédio a esta lamentável situação.

Parece que o remédio encontrado, no entanto, foi muito mais amargo, humilhoso e aviltante do que mereceria o heroísmo dos católicos chineses que há décadas vivem na clandestinidade. A Santa Sé, ao que parece, cedeu em tudo exigindo pouco ou nada em troca: retirou as excomunhões que pesavam sobre os bispos ordenados à revelia do Papado e chegou a um acordo para a nomeação dos próximos bispos — que, ao que tudo indica, significa uma simples chancela papal aos nomes que forem indicados pelo Governo Chinês.

Veja-se, a questão canônica aqui está plenamente resolvida. Os bispos, para serem ordenados licitamente (porque a respeito da validade das ordenações episcopais da Igreja Oficial da China, em que pesem algumas dúvidas pontuais, parece nunca ter havido controvérsia generalizada), precisam de um mandato pontifício — é dizer, precisam de que o Papa autorize aquela sagração. Se o Papa simplesmente chancela aquele que foi nomeado pelo Partido Comunista Chinês, então o mandato está dado, a liceidade da cerimônia e a consequente licitude do Sacramento são incontestes.

Só que isso resolve apenas materialmente o problema, porque o mandato pontifício é expressão da autoridade petrina sobre todo o orbe terrestre; ora, se é o Governo Chinês quem na prática escolhe os candidatos ao episcopado, então isso significa que, na China, a autoridade da Igreja não é verdadeiramente respeitada. Trata-se meramente de um verniz de consenso, que esconde uma dolorosa submissão da Igreja ao comunismo chinês. Na prática, difícil negar que a Igreja saia humilhada da negociação.

O que dizer disso? É sem dúvidas possível contemporizar. Diz-se, e com bastante acerto, que a política é a arte do possível; quanto mais não se deverá dizer da diplomacia? Se na política interna é necessário fazer concessões mútuas, no trato com estados soberanos — algumas vezes totalitários — essas dificuldades chegam ao paroxismo. A política vaticana é proverbial; mas não se pode dizer que ela tenha sido sempre inquestionável. Para ficarmos só em tempos recentes, houve uma Reichskonkordat, houve uma Ostpolitik vaticana. E o que dizer da diplomacia de Pio XI durante a Cristiada?

Não estou dizendo que nada disso tenha sido bom nem que tenha sido mau, que tenha sido um acerto ou que tenha sido um erro. Eu não sei. A razão prática, quando desce aos meandros da experiência histórica concreta, não costuma refulgir com a mesma clareza dos exemplos teóricos dos manuais de Teologia Moral. Acho perfeitamente legítimo alguém defender que Pio XI deveria ter sido mais intransigente com a Alemanha do que com o México, ou vice-versa; o que acho difícil é afirmar que tal ou qual alternativa fosse “a opção correta”, ou — pior ainda! — que estes personagens históricos, premidos pelo fluxo dos acontecimentos, tivessem naquele momento condições de fazer “a escolha correta”, e somente não a tenham feito por algum vício indesculpável do seu caráter. E se aceitar os arreglos fosse a única alternativa viável ao Papa Ratti? E se o presente acordo com a China Comunista for o caminho possível para a superação do impasse católico no país? Quem há de o dizer?

Nenhuma diplomacia é incriticável, mas também — e pela mesma razão — nenhuma é absolutamente indefensável. É sempre legítimo dissentir das relações internacionais da Santa Sé, é possível até ressentir-se com a forma como são conduzidos esses negócios eclesiásticos que chegam quase a ser seculares. É possível protestar, decepcionar-se, chorar e rezar.

E é preciso também, e principalmente, resignar-se. E aqui se registre, por uma questão de justiça, o desabafo, pungente, heróico, do Card. Zen, arcebispo emérito de Hong Kong, que deu uma entrevista quando o acordo estava às vésperas de ser assinado. Sua Eminência, no ápice do desespero, dilacerado com o acordo, alardeia: «estão entregando o rebanho, abandonando-o na boca dos lobos. É uma traição incrível!». E, não obstante, ato contínuo, em um rompante de (santa!) resignação, acrescenta: «não sairei a lutar contra o Santo Padre. Não cruzarei esta linha.»

«Não cruzarei esta linha»! Ó vós que passais e ledes, aprendei o valor do sofrimento, vede a beleza da submissão! Notai, aqui, a diferença, a gritante, a gigantesca diferença, entre o ânimo resignado e o espírito revoltado, entre a têmpera que forja santos e o destempero que perde almas. Mesmo diante daquilo que ele considera uma traição vil e covarde, o ancião de Hong Kong se recusa a combater o Cristo-na-Terra. Isso, vindo de um baluarte da Igreja chinesa clandestina, mais do que qualquer outra coisa nos deveria servir de exemplo e de inspiração. É assim e somente assim que se combate o bom combate, é assim que se arrancam frutos ao coração de Deus! Que os defensores da Fé, nesta hora tão escura, possam ser cada vez mais como o Card. Zen, é o que não devemos cessar jamais de rogar ao Altíssimo. Que Ele tenha compaixão de nossas dores e venha em auxílio às nossas fraquezas. Que Ele, mesmo contra todas as humanas expectativas, faça florescer a terra arrasada, levante santos em meio aos escombros.

«No está bien eso»

papa-morales

Imagem sensacional.

O olhar de desprezo de Sua Santidade (em outro ângulo aqui) diante da paspalhice do boliviano cocaleiro é a mais eloquente declaração anticomunista que o Papa Francisco poderia dar. E, ao contrário do que acontece com entrevistas, diante de cara feia não dá pra tergiversar, pra distorcer, pra suscitar conflito interpretativo nem nada do tipo.

O semblante sisudo é inequívoco, universalmente compreensível, insofismável. O sorriso aguado posterior, protocolar, não elide a força do símbolo desta cara de desgosto. Aqui está a imagem que vale mais do que mil palavras. Aqui está o tratamento de asco e repulsa que o comunismo merece. Às claras, sem ruído, sem margem para má interpretação.

Outras duas boas razões pelas quais é importante compartilhar este acontecimento:

1. Porque, como muitos argutamente perceberam, sob uma determinada ótica a escultura é até apropriada: de fato, há mais de século a foice e o martelo vêm pregando Cristo na Cruz.

2. Porque ele permite que sejam divulgadas matérias como esta ou esta: «Al Papa no le gustó el regaló, le miró de forma severa y se dirigió a Morales diciendo: “No está bien eso”».

O pêndulo sobre o esgoto

Sobre a recente polêmica envolvendo o apoio de autoridades eclesiásticas a projetos políticos escusos e a excomunhão latae sententiae prevista no Decretum Contra Communismum, a leitura deste texto do Rodrigo Pedroso é fundamental para um adequado entendimento do que está sendo discutido. Eu próprio, aliás, já defendi aqui, inclusive há poucos meses, a mesmíssima tese pugnada pelo advogado, à qual remeto os leitores.

Ainda sobre o mesmo assunto, ontem mesmo S. E. R. Dom Fernando Rifan publicou, na sua coluna semanal, um oportuno texto onde fala que «[n]a ânsia de defender coisas corretas, [alguns que se intitulam católicos] perdem o respeito devido às autoridades da Igreja e as desprestigiam, para alegria dos inimigos dela».

É o bastante para contextualizar os leitores. Há algo que julgo oportuno dizer sobre o assunto; porque parece que o comportamento humano (católico inclusive) segue um movimento pendular e, quando se aproxima de um dos extremos, retorna – e retorna por vezes violentamente – ao extremo oposto, atropelando o que estiver no caminho.

Concretamente, aqui, o terreno sobre o qual balança este pêndulo é a conivência promíscua [de parte considerável] das autoridades católicas com o esquerdismo degenerado que domina o cenário político nacional. Sim, está-se falando, principal mas não exclusivamente, do apoio que [muitos d]os senhores bispos do Brasil prestam ao Partido dos Trabalhadores.

Exemplo do apoio criminoso (que clama aos céus vingança!) das autoridades católicas aos detentores atuais do poder político é esta nota divulgada no final do mês passado, onde – no meio da maior crise política da história recente do país e onde a sra. presidente da República, por medo das manifestações populares, cogita cancelar a sua participação em uma cerimônia (da qual participarão inclusive autoridades internacionais) comemorativa fim da II Guerra Mundial – a Conferência faz uma tentativa patética de limpar a barra do Executivo Nacional dizendo que «[o] momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio». Ou seja: a julgar por essa nota, a CNBB pensa que a insatisfação popular extravasada em manifestações públicas como os “panelaços” ou as marchas “fora Dilma!” não passa de um revanchismo odioso e censurável.

Prova de que o Partido dos Trabalhadores é uma pústula nojenta, anticristã e indigna de receber o apoio, quer dos católicos, quer mesmo de qualquer pessoa minimamente civilizada, são os recentes cadernos de teses aprovados no V Congresso Nacional do partido. Sobre o tema, é suficiente citar este texto:

Finalmente, em um documento oficial membros do PT reconhecem querer estabelecer a ditadura do proletariado, pedindo coisas como cassação de Jair Bolsonaro, estatização da Rede Globo, estatização de todas as emissoras que tenham programas religiosos, inimputabilidade do MST e de outros órgãos paramilitares do PT, impeachment de todos ministros do STF que condenaram mensaleiros e daí por diante.

Tudo isso é de uma nojeira inaceitável, de uma podridão indescritível. Sobre este esgoto nauseabundo, balançam-se muitos católicos oscilando entre dois erros extremos. O primeiro deles é o de aceitar passivamente esta pouca vergonha, sob a argumentação de que os bispos devem ser respeitados. O segundo, achincalhar publicamente as autoridades constituídas da Igreja, sob o argumento de que aquela pouca vergonha não pode ser jamais aceita.

Ora, o problema, o grande problema em suma, é que os católicos mais apressados são forçados a uma escolha impossível. As duas fundamentações são perfeitamente sólidas. Não é possível aceitar o conluio promíscuo entre Igreja e poder secular corrupto. Não é possível insurgir-se contra as autoridades constituídas da Igreja. A questão só se resolve quando se toma distância para uma visão panorâmica do problema: para se rejeitar a vergonhosa participação das autoridades eclesiásticas nos bacanais de César não é necessário achincalhar-lhes publicamente, e recusar o linchamento moral dos Pastores da Igreja não implica em ser omisso diante das obscenidades escandalosas dos bispos católicos.

Isso parece bastante difícil, contraditório até. Porque parece que falar em «vergonhosa participação das autoridades eclesiásticas nos bacanais de César» é já promover «o linchamento moral dos Pastores da Igreja», e recusar o achincalhamento público das autoridades religiosas implica necessariamente em silenciar sobre «as obscenidades escandalosas dos bispos católicos». Para se separar essas coisas (que, conceda-se, andam entranhadas mesmo, como a luminosidade e o calor de uma vela; e cuja separação é mais uma operação do intelecto do que algo realizável empiricamente, mas vá lá), é preciso dizer, e sustentar com firmeza inquebrantável,

i) que não está [necessariamente] excomungado quem apóia o Partido dos Trabalhadores;

ii) que, do fato de não haver excomunhão para o apoio ao Partido dos Trabalhadores, não segue que tal apoio seja desejável, prudente ou mesmo legítimo;

iii) que a Conferência dos Bispos não tem legitimidade alguma para apoiar projetos políticos atentatórios contra a Fé Cristã;

iv) que, do fato da Conferência não ter legitimidade para apoiar políticas escandalosas, não segue que ela seja absolutamente ilegítima para todo o resto ou como tal possa ser tratada;

v) que os bispos católicos, por piores que sejam, devem ser sempre respeitados;

vi) que, do fato dos bispos deverem ser sempre respeitados, não segue que seja legítimo seguir-lhes em seus escândalos ou mesmo silenciar sobre estes;

vii) etc.

É, em suma, estreita esta senda – verdadeira corda bamba! – sobre a qual os católicos precisam caminhar! No entanto, não parece existir outra alternativa. Quem olha apenas para os pontos extremos do movimento do pêndulo erra, e pode errar profundamente, ao buscar dar-lhe um impulso contrário que termine por o levar ao extremo oposto. O problema, na verdade, é a situação de fato sobre a qual oscila, de um lado para o outro, em guerra fratricida inútil, este movimento pendular. É preciso desfazer o concubinato horrendo entre a CNBB e o PT, este é ponto fulcral aqui: porque, se esta obscenidade não existisse em primeiro lugar, se não houvesse a situação de fato absurda em que nos encontramos, nenhum desses erros opostos teria razão de existir.

Histórica reconciliação entre Cuba e Estados Unidos: que seja bem-vinda!

Um leitor do blog pede-me que teça alguns comentários sobre a reabertura das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, cujo anúncio ontem surpreendeu o mundo. Parece que não se fala de outra coisa. Não faltou quem comparasse o acontecimento com a queda do muro de Berlim; sou um pouco mais cético com relação às proporções que o dia de ontem é capaz de tomar, mas mesmo assim não me parece possível negar que este 17 de dezembro tenha sido histórico.

Meu ceticismo deriva de um sentimento de pouca consideração para com o cenário mundial contemporâneo: acho-o sofrível, mesquinho e decadente, com atores medíocres completamente incapazes dos arroubos de grandeza que marcaram as grandes personalidades mesmo do passado relativamente recente. Obama não está à altura de Bush pai, nem Raúl Castro tem um mínimo da envergadura de Mikhail Gorbachev; os Estados Unidos hoje em dia são indignos do país que Reagan entregou ao fim do segundo milênio, Cuba não chega aos pés do que foi a Alemanha Oriental e a Revolução Cubana precisa comer muito feijão com arroz para chegar perto da Guerra Fria.

Um pouco de senso de proporções, parece-me, é necessário: o que houve ontem foi uma mera constatação formal de que o regime cubano já havia caído de podre há muito tempo. Não fazia sentido continuar impondo a Cuba sanções que não se costuma aplicar a outros países comunistas do globo – maiores, mais relevantes e mais perigosos do que a pequena ilha dos Castro. A sucursal latino-americana do que foi a U.R.S.S. jamais conseguiu levantar-se muito acima das barras da saia da Mãe Rússia. Havia um quê de desproporcionalidade e incoerência no tratamento que lhe era dispensado, hoje feliz e finalmente revisto. Nada de excepcional.

No entanto, como no meio do descampado qualquer arbusto adquire imponência, assinale-se o fato: Obama e Castro deram-se as mãos e selaram o fim das hostilidades mútuas, e isso tem a sua importância. Penso, aliás, que é até digno de ser celebrado.

Primeiramente, porque é importante que Cuba tenha contato com o mundo: trata-se de um reconhecimento simbólico de que o regime da ilha-prisão fracassou e, agora, é necessário abrir as fronteiras, é necessário garantir certo livre trânsito de bens e pessoas entre o país e o resto do mundo. Nas últimas décadas, foram incontáveis os cubanos que perderam a vida tentando atravessar, em balsas improvisadas, os mares revoltos do Caribe a fim de aportar nas costas liberais dos Estados Unidos da América: reatando-se os laços diplomáticos entre os dois países, é de se esperar que esta aventura, doravante, passa a se realizar de modo mais tranquilo e civilizado.

Além disso, a abertura dos mercados vai ter o inegável efeito positivo de enriquecer a sociedade cubana com aquilo que o engenho humano foi capaz de produzir de melhor: e um pouco de opulência capitalista, nas circunstâncias, não há de reduzir o sofrido povo cubano a um estado pior do que aquele a que o degradou meio século de socialismo. Um pouco mais de livre fluxo de informações, por fim, tanto pode ajudar o resto do mundo a conhecer os horrores do regime dos Castro quanto alargar os horizontes daqueles que vivem isolados em Cuba. E talvez estes percebam que não estão sozinhos. E quiçá estes notem que há um mundo inteiro para além das viseiras que o regime, até ontem, impunha-lhes para que não olhassem para os lados.

Em segundo lugar, não se pode esquecer que se trata de um processo. O embargo econômico não foi levantado, uma vez que isso precisa ser ainda apreciado pelo Congresso dos Estados Unidos; e nem foram feitas concessões americanas unilaterais à ditadura caribenha, posto que a boa vontade dos EUA não prescinde da abertura democrática – ao menos em alguma medida – por parte de Cuba: o acordo é que esta venha pari passu àquela. Não há que se falar em fato consumado, e sim no primeiro passo de um caminho cujo destino não é daqui possível senão vislumbrar.

É ainda digna de nota a atuação (só ontem tornada pública) de um personagem oculto nesta trama: o Papa Francisco. Figura «crucial na mediação entre EUA e Cuba», o Sumo Pontífice tanto escreveu repetidas vezes aos dois países cobrando soluções para o impasse que já se arrastava por décadas quanto inclusive acolheu, no Vaticano, as representações diplomáticas de ambos, criando as situações favoráveis para que as negociações pudessem avançar. Felizes os que promovem a paz, diz a Bem-Aventurança; segue a Igreja de Cristo imiscuindo-se na política de Estados Soberanos e, sem se preocupar com as censuras que porventura Lhe atirem à face, continua fazendo o que é possível também no campo político para soprar no mundo o doce frescor do Evangelho de Cristo.

A este respeito, vale muito a pena a leitura deste texto do “Contos do Atrio”: «[o] papado tem a experiência da diplomacia e da solução de conflitos em praticamente toda a sua história». E é uma sensação assaz aprazível ver a Igreja continuar agindo como sempre agiu, mesmo quando o mundo se levanta contra Ela e Lhe exige que se recolha à insignificância da esfera subjetiva dos seus fiéis. Roma se ri, e não se curva às pretensões descabidas dos poderosos dos dias atuais! Vão longe os Dictatus Papae de Gregório VII e é hoje meio anacrônico dizer que ao Romano Pontífice «é lícito depor o imperador»: no entanto, o Vigário de Cristo, de facto, continua derrubando e reconciliando impérios ao longo da História.

Por fim, quanto aos desdobramentos futuros dessa reaproximação entre os dois países, parece-me cedo para falar o que quer que seja. Naquilo que me parece o pior cenário, é possível, sim, que o influxo de dólares americanos garanta uma sobrevida à ditadura castrista, e é possível que o alinhamento ideológico entre os democratas estadunidenses e os descendentes de Che Guevara imponha renovadas dificuldades práticas aos que lutamos contra o (já hegemônico) esquerdismo latino-americano: ora, que venham! Não nos encontrarão desprevenidos, uma vez que não temos esperanças ingênuas sobre o futuro próximo, e sabemos que não nos é lícito depôr as armas por grandes e poderosos que sejam os nossos inimigos. O cenário geopolítico, neste sentido, pode tornar-se-nos mais hostil, é verdade: mas, por um pouco mais de dignidade aos nossos irmãos cubanos, vale a pena a batalha talvez mais encarniçada e difícil. Para que o povo de Cuba possa respirar um pouco melhor, não nos pejamos de nos bater com um inimigo quiçá mais forte.

A terceira via (*) entre socialismo e capitalismo

[(*) P.S.: Percebi depois que a expressão, mal escolhida, poderia conduzir a dois equívocos (nenhum dos quais escrevi, a propósito, mas cuja possibilidade de serem inferidos a partir da leitura realmente existia, como os comentaristas me fizeram notar), para evitar os quais acho oportuno escrever esta pequena nota prévia:

i) a “terceira via” não está aqui dita como se fosse um “meio-termo” entre o liberalismo e o socialismo, [alegadamente] conjugando o que há de melhor em cada uma das ideologias (v.g. a social-democracia);

ii) a “terceira via” não é a Doutrina Social da Igreja, como se esta fosse um sistema econômico pertencente à mesma categoria do capitalismo ou do comunismo; na verdade, uma vez que a DSI é mais propriamente um conjunto de princípios aos quais se devem adequar quaisquer sistemas político-econômicos concretos que se pretendam compatíveis com o catolicismo, melhor seria falar em “terceiras vias”, no plural, significando com isso quaisquer formas de organização da vida pública que, fugindo aos erros quer do liberalismo individualista, quer do socialismo coletivista, fosse informada pelos ditames da Doutrina Social católica (e, nesse sentido, o próprio distributismo citado nos comentários, se é conforme à DSI, com ela contudo não se identifica, sendo sempre possível conceber um outro pensamento que não seja idêntico ao distributismo mas igualmente respeite o que por aquela Doutrina é apregoado).

Em suma, o que este texto intentava era, simplesmente, apontar para a necessidade – tão amiúde negligenciada – de não se cair em uma defesa irrestrita do capitalismo ao se combater o comunismo (ou vice-versa); e o pretendia fazer sem apontar a social-democracia (de maneira alguma!) como uma solução concreta e sem nem mesmo insinuar que a Igreja tivesse um regime econômico pronto, monolítico e universalmente válido a implantar. Aos que se confundiram com essas coisas, minhas sentidas desculpas.]

Faz muitos anos que li “O problema da liberdade” de Fulton Sheen, mas uma de suas frases ficou-me impressa na memória: segundo o prelado, o liberalismo (capitalismo) queria concentrar a maior parte dos ovos em poucas cestas, o comunismo queria quebrar todos os ovos e espalhar o produto pelas cestas todas e, a Igreja, defendia a distribuição mais justa dos ovos inteiros pelas cestas existentes. Acredito que tenha sido a primeira vez que li um ensaio que defendesse uma terceira via como resposta ao clássico embate entre capitalismo e socialismo. É de se lamentar, no entanto, que a senda aberta pelo arcebispo americano não tenha sido melhor explorada pelos católicos que o sucederam.

No afã – justíssimo – de combater o comunismo, muitas vezes acabamos empurrados para o erro oposto. Não é verdade que o católico precise defender intransigentemente o capitalismo ou mesmo possa ser liberal sem reservas: se é indiscutível que se deve no geral apoiar a economia de livre mercado, não é menos verdade que certa intervenção estatal é exigida para o correto funcionamento das forças econômicas em prol do bem comum. Neste sentido, recomenda-se a leitura dos parágrafos 347-350 do Compêndio de Doutrina Social da Igreja; o qual, alguns parágrafos adiante, termina por sintetizar que «[o] livre mercado pode produzir efeitos benéficos para a coletividade somente em presença de uma organização do Estado que defina e oriente a direção do desenvolvimento econômico» (Compêndio, 353). Isso talvez seja um terror para o libertarianismo puro; no entanto, como se disse acima, o católico não pode ser liberal simpliciter.

O espírito do capitalismo, aliás, segundo Weber, é próprio da ética protestante, para usar o título de sua provavelmente mais famosa obra. Uma das situações narradas pelo sociólogo alemão para explicar a diferença entre conservadores e liberais é bem curiosa. Sob a ótica econômica, incentiva-se a venda de uma mercadoria aumentando-se o valor que por ela se está disposto a pagar: são as leis básicas da oferta e da demanda. Se o trabalho é visto como uma mercadoria, então seria de se esperar que aumentar os salários incentivasse os trabalhadores a trabalharem mais. No entanto, Weber notou que exatamente o oposto disso verificava-se com certos indivíduos: recebendo mais, eles passavam a trabalhar menos, porque passavam a conseguir o mesmo salário de antes com um dispêndio menor de horas de trabalho.

Semelhante mentalidade não é favorável à atividade econômica racional que caracteriza o capitalismo, ou pelo menos não lhe é tão favorável quanto a outra mentalidade daquele que, diante de melhores salários, enxergue nisso mais uma oportunidade de aumentar o pão que de diminuir o suor do rosto. No entanto, é fato sociológico que os nossos – de nós, os católicos – antepassados europeus no geral preferiram trabalhar menos a acumular mais, e isso talvez seja digno de mais atenção do que até agora se lhe tem dispensado. Talvez devêssemos buscar melhores soluções para o problema dos ovos e das cestas, cuja importância não parece ter diminuído nas últimas décadas.

O problema maior que vejo na exaltação ingênua do capitalismo é o seguinte: dada ela, alguém não poderia pretender que o socialismo seja capaz de passar por um processo semelhante ao que atravessou o liberalismo: qual seja, o metamorfosear-se tanto que as razões da censura eclesiástica original deixem de subsistir (ou, pelo menos, transformem-se em elementos acidentais sem cuja presença seja possível a concepção filosófica continuar existindo)? Esta pergunta não pode ser respondida ao modo leviano ao qual as condescendências que atualmente fazemos ao liberalismo podem levar o observador incauto. Em uma palavra: não podemos abraçar tão acriticamente o capitalismo liberal que isso conduza a uma legitimação – ainda que meramente retórica – da adesão ao socialismo “mitigado”. Não é somente verdade que, numa escala de erros, o marxismo está mais alto que o liberalismo; não é uma questão meramente quantitativa. Nessa argumentação [precisa] entra[r] também o fato de que as idéias liberais não podem ser assumidas sem ressalvas. E, nisto, parece-me que temos sido um pouco relapsos.

Na Octogesima adveniens, o Papa nos ensina que, mesmo diante da multiplicidade de formas nas quais o marxismo atualmente se apresenta, «seria ilusório e perigoso mesmo, chegar-se ao ponto de esquecer a ligação íntima que [a]s une radicalmente, e de aceitar os elementos de análise marxista sem reconhecer as suas relações com a ideologia» (OA, 34). No entanto, no parágrafo seguinte é feita uma recomendação análoga no que toca ao liberalismo, à qual infelizmente se tem concedido muito menos importância que à primeira:

Mas, os cristãos que se comprometem nesta linha [da renovação da ideologia liberal] não terão também eles tendência para idealizar o liberalismo, o qual se torna então uma proclamação em favor da liberdade? Eles quereriam um modelo novo, mais adaptado às condições atuais, esquecendo facilmente de que, nas suas próprias raízes, o liberalismo filosófico é uma afirmação errônea da autonomia do indivíduo, na sua atividade, nas suas motivações e no exercício da sua liberdade. Isto equivale a dizer que a ideologia liberal exige igualmente da parte deles um discernimento atento (id. ibid., 35).

Cuidemos, portanto, para não subestimar o Magistério da Igreja, e para que a nossa involuntária aquiescência seletiva não induza outras pessoas a preterirem o ensino católico seguro em favor das doutrinas da moda. A resposta ao problema da liberdade não está em nenhuma das ideologias que assolaram o mundo das revoluções burguesas para cá. No nosso labor apologético, é preciso dar mais ênfase à terceira via entre socialismo e capitalismo que a uma – extemporânea e muitas vezes errônea – defesa demasiado crédula do liberalismo contemporâneo.

A falta de sentido como objetivo do discurso

O nosso mundo padece de uma falta crônica de rigor terminológico. O fenômeno se reproduz e manifesta nos mais variados âmbitos da vida, dos debates presidenciais à catequese dos párocos, das falas dos sedizentes formadores de opinião à informação dita imparcial da imprensa. É certo ser muito difícil negar a existência da textura aberta da linguagem; contudo, muitas vezes as pessoas agem como se se tratasse de um abismo intransponível e como se, na comunicação interpessoal, nada importasse mesmo porque qualquer coisa dita poderia, sempre e necessariamente, ser entendida de um sem-número de maneiras.

As pessoas perderam, completamente, a sua confiança na capacidade da linguagem de transmitir o pensamento: só isso explica a proliferação generalizada de discursos sem sentido que nos bombardeiam o tempo inteiro. O introito, fi-lo porque queria comentar, algo ligeiro, esta matéria sobre o padre que afirmou ter sido Jesus “revolucionário e comunista”. Há diversos absurdos aqui.

Há, antes de mais nada, o absurdo de semelhante sandice constituir manchete jornalística corriqueira. Por um lado, não provoca estupor que um sacerdote católico seja capaz de proferir tal absurdo; por outro lado, a própria notícia é escrita sem paixão, com três parágrafos mornos, como se o repórter estivesse redigindo a coisa mais desinteressante do mundo. A blasfêmia nos lábios do sacerdote – eis o que quero dizer – não provoca nem revolta e nem júbilo; nem os protestos dos bons, nem a exaltação dos maus. Permanece naqueles círculos das notícias banais, publicadas somente para “bater meta” e que, ao que parece, não interessam suficientemente a ninguém.

Há o próprio absurdo do conteúdo da declaração: Nosso Senhor Jesus Cristo, é evidente, não pode ser comunista nem propriamente e nem por analogia. Não o pode propriamente por patentes limitações de ordem historiográfica: o comunismo só surgiu muitos séculos depois de Cristo. E não o pode ser por analogia porque a doutrina cristã não é, nada, em nenhum aspecto, comparável à pregação comunista. Os princípios básicos desta são – para ficar apenas nos dois mais gritantes – a igualdade absoluta entre todos os homens (com todos eles dissolvidos na massa desindividualizada da qual é feito o Estado Onipotente) e a rejeição do direito de propriedade. E mostrar como o Cristianismo se opõe a ambas é a coisa mais fácil do mundo.

Quanto à primeira, basta lembrar a estrutura hierárquica que Jesus claramente impingiu ao grupo dos Seus seguidores: Ele ensinava às multidões, mas enviava em missão apenas a alguns que chamou discípulos («setenta e dois», segundo São Lucas) e só a Doze constituiu Apóstolos, Seus mais próximos colaboradores, como bem o sabemos. Quanto à última, seria desnecessário e até meio ridículo arrolar as passagens todas onde o próprio Cristo defende, sim, que as pessoas tenham posses; contentemo-nos, tão somente, com este breve versículo, horror dos que pugnam contra o direito de propriedade:

O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. (São Mateus 13, 44)

Ousando comparar as coisas mais sublimes – o Reino dos Céus! – a um vil comércio de terras, mais lógico seria que Nosso Senhor fosse chamado de latifundiário que de «comunista». Mas a lógica, percebe-se, não é mesmo o ponto forte dos que gostam de inventar nescidades à revelia do Magistério da Igreja Católica.

Por fim, há o absurdo da fala do padre. Veja-se a confusão do discurso:

Jesus é revolucionário, é super-revolucionário, vai além dos seres humanos, é amor, a sua ação é socialista, é comunista, compartilhou com uma comunidade de seres humanos.

Por todas as revoluções, o que raios isso poderia significar?! Não satisfeito em simplesmente assertar o revolucionarismo de Cristo, o padre vai além e afixa-Lhe um superlativo. Não fica claro, de nenhuma maneira, nem em quê, exatamente, se distingue o “super-revolucionário” do reles revolucionário comum e nem por qual misteriosa razão Jesus Cristo pertenceria a uma classe ou a outra. Ao dizer que Ele “vai além dos seres humanos”, mais uma vez não se percebe onde o reverendíssimo sacerdote quer chegar: sim, Cristo, “vai além” dos homens porque é Deus, mas isso não tem nada a ver, à primeira vista, com os dois adjetivos precedentes. Segue o discurso, sem a mínima conexão das partes seguintes com as antecedentes: “é amor”, diz o padre. Deus caritas est, de fato, verdade cristã incontrastável. No entanto, o discurso decai novamente da alta teologia para a revolta materialista chinfrim e, de repente, sem ter nem pra quê, a ação de Cristo é, de novo, comunista e socialista. Mais uma vez, nem uma única explicação é dada. Por fim, como se até então não fosse suficiente, vem o grand finale: “compartilhou com uma comunidade de seres humanos”.

Quem compartilhou? Cristo? A ação? Compartilhou o quê? A ação? Cristo? O amor? Com qual comunidade? A “dos seres humanos”? E, se a comunidade não fosse “de seres humanos”, seria de quê? É inútil procurar qualquer sentido: o padre não quer dizer absolutamente nada. Trata-se de pura verborragia, de um pretenso “falar bonito” que, na verdade, de bonito não tem nada, porque amputa a linguagem exatamente daquilo que é a sua função precípua: transmitir o pensamento.

Ninguém sabe o que o pe. Molina quer dizer com a sua tagarelice, e é proposital: ele não quer, mesmo, ser entendido. Quer apenas jogar palavras soltas que evoquem sentimentos atualmente benquistos – “socialista”, “amor”, “partilha”, “comunidade”, “Jesus Cristo” – num saco de gatos onde cada parte é uma unidade semântica autônoma e não tem qualquer relação com o todo. É isso o que acontece, com assustadora freqüência, nos dias de hoje: o próprio objetivo do discurso é não ter sentido algum, é não se comprometer, é não transmitir nada e apenas evocar estados de espírito de algum modo agradáveis. Que os que assim agem não consigam ver o quanto isso degrada o ser humano é somente a conseqüência previsível de trocar o pensamento claro e rigoroso pelos arroubos emotivos provocados por palavreados vazios.

Eleições presidenciais, comunismo, excomunhões e os dias piores que hão de vir

Eu publiquei há pouco uma ligeira nota sobre o programa de governo da presidenciável Marina Silva. Disse que, posteriormente, faria algumas considerações melhor detalhadas. É chegada a hora de cumprir a promessa.

Muitas pessoas me perguntam em quem vou votar ou sondam, de alguma maneira, critérios para a escolha moralmente comprometida do próximo presidente do Brasil. Pois bem, tenho três coisas a dizer com relação a isso: primeiro, o compromisso civilizacional de todos é com o expurgo do socialismo, como é evidente. Segundo, não existe nenhuma excomunhão automática para quem vota em comunista e, nas condições atuais de temperatura e pressão, ninguém “perde a alma” por conta dos números que aperta ou deixa de apertar na urna eletrônica. Terceiro, essa discussão toda é irrelevante porque as eleições, a menos que aconteça algum fato novo da magnitude da queda de um avião, já estão decididas e nada podemos fazer para mudá-las.

Esmiucemos um pouco cada um desses pontos.

O compromisso civilizacional é com a derrocada do socialismo

Dizê-lo é chover no molhado e, portanto, não vou me demorar nesta seara. Já se vão quase oitenta anos desde que o Papa vituperou o comunismo com aquele terrível e tão exato apodo de «intrinsecamente perverso» (Divinis Redemptoris, 58); de lá para cá, a história só fez mostrar que a Igreja, como de costume, estava coberta de razão. Todas as experiências socialistas falharam e falharam fragorosamente, reduzindo povos inteiros à miséria e aviltando o ser humano de maneira que nenhum outro regime opressor da história, das teocracias árabes ao absolutismo voluntarista, foi capaz de aviltar. O homem enfrentou percalços políticos ao longo dos últimos milênios, sem dúvidas; mas, perto do terror comunista dos séc. XX-XXI, todos os outros regimes poderiam passar pelo mais perfeito Paraíso Terrestre.

Mudou o comunismo? Concedo que tenha mudado. Que tenha se tornado aceitável, no entanto, nego-o, e nego com veemência. A última pérola socialista teve lugar na nossa vizinha Venezuela, cujas Forças Armadas foram recentemente encarregadas da importantíssima missão – imprescindível à Segurança Nacional! – de prender os cidadãos que fossem flagrados “contrabandeando” produtos básicos (digamos, rolos de papel higiênico), adquirindo-os acima da cota estabelecida pelo Governo. Ora, isso é simplesmente ridículo e degradante. É completamente injustificável. No entanto, é a esse abismo de miséria que o socialismo sempre e inevitavelmente conduz. Os fatos estão aí à sobeja para o demonstrar.

É portanto, dever de todo homem de bem lutar com todas as suas forças para que o Brasil não amargue um tão deprimente futuro. Isso significa mudar os rumos pelos quais a nossa Pátria Amada vem sendo conduzida. E é aqui, nas questões concretas referentes ao pleito que se avizinha, que as coisas começam a ficar mais nebulosas. Tentemos esclarecer algo delas.

Não há excomunhão automática simplesmente “para quem vota em comunista”

E nunca houve. Atenção ao que digo: não há a excomunhão, repito-me, para quem vota em comunista simpliciter. Com isso quero dizer que nenhuma, nenhuma excomunhão automática atualmente vigente (ou que tenha vigido em alguma época da história) tem como fato gerador o mero voto em partidos comunistas.

Hoje há sete excomunhões automáticas no Codex, mais uma estabelecida posteriormente. Cito-as na ordem em que lembro: 1. absolvição de cúmplice em pecado contra o Sexto mandamento; 2. quebra do sigilo de confissão; 3. profanação eucarística; 4. agressão física ao Romano Pontífice; 5. sagração episcopal sem mandato pontifício; 6. aborto provocado; 7. heresia, apostasia e cisma. A oitava, instituída em momento posterior: tentativa de ordenação feminina.

As seis primeiras (e a oitava) têm um fato gerador concreto, externo, determinado e de fácil verificação. Pela primeira, fica excomungado o sacerdote que proferir o ego te absolvo sacramental sobre um fiel com quem ele – o sacerdote – cometeu pecado contra a castidade; fica excomungado tão-logo conclua o sacramento, ipso facto – i.e., pelo mesmo fato de ministrar a absolvição. Pela segunda, fica excomungado o sacerdote que revelar o conteúdo de uma confissão sacramental que tenha ouvido, e o fica pelo fato mesmo de o ter revelado. Idem quanto às seguintes: pela terceira, a excomunhão fulmina o profanador tão-logo a Eucaristia é profanada; pela quarta, queda excomungado o agressor do Papa pelo ato mesmo da agressão física. Pela quinta, no instante mesmo em que a sagração episcopal é conferida, o bispo sagrante (e os recém-sagrados), em decorrência do sacramento ministrado ilicitamente, são excomungados; pela sexta, ao aborto provocado, seguindo-se o efeito, e em decorrência deste, excomunga-se quem o procurou. O mesmo quanto à oitava: no ato de tentar conferir invalidamente o sacramento da Ordem, «seja aquele que tenha tentado conferir a ordem sagrada a uma mulher, seja a própria mulher que tenha tentado receber a ordem sagrada, incorrem na excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica».

A sétima excomunhão, contudo é diferente. Por este cânon – o 1364 – fica excomungado o apóstata da Fé, o herege e o cismático; mas a heresia, a apostasia e o cisma, ao contrário de todas as outras excomunhões automáticas, antes de serem atos externos bem-determinados, são disposições interiores da alma. Alguém pode externar a sua heresia por meio de atos e palavras, sem dúvidas; mas esses atos e palavras não são a heresia em si. E é exatamente isso o que mais interessa para resolver a questão do apoio ao comunismo. Acompanhem-me.

O comunismo é heresia já incontáveis vezes condenada pela Igreja. Portanto, quem adere à doutrina comunista torna-se, assim, herege (ou apóstata… a distinção é pouco relevante para fins práticos, uma vez que ambos os delitos são punidos pelo mesmo cânon e com a mesma pena) e, por ser herege (ou apóstata), queda excomungado pelo Cân. 1364. Se, portanto, o comunista vota em um candidato comunista, ele fica excomungado não por conta do seu voto (como se o voto fizesse as vezes da profanação eucarística da terceira excomunhão acima mencionada), mas por ser comunista. E, uma vez que ninguém se torna comunista “de repente” quando está diante de uma urna no ato de votar, este indivíduo está excomungando, pelo Cân. 1364, antes mesmo de votar e mesmo que não vote.

Essa distinção é muitíssimo relevante porque pode existir (e aliás sempre existiu) a figura do indivíduo que vota em um candidato/partido comunista não por ser ele próprio (o indivíduo votante) comunista, mas porque não vislumbra, em consciência, outra opção melhor. E esse é exatamente o caso das atuais eleições presidenciais: entre a comunista Dilma Rousseff e a comunista Marina Silva, quem opta por uma delas não necessariamente está fazendo tal opção por ser comunista. Ao contrário até: se alguém avalia que um dos dois comunismos é, enquanto comunismo, menos eficiente do que o outro – e portanto demorará mais para implementar medidas socialistas, ou enfrentará maiores dificuldades para o fazer etc. -, pode estar lhe dando o voto não com animus de apoiador do comunismo, mas exatamente o contrário: como uma tentativa de desacelerar, um pouco que seja, o processo revolucionário em curso. Ora, se alguém vota em uma determinada comunista porque não se vê com outra opção para limitar os danos do próprio comunismo, tal pessoa evidentemente não é comunista e, não sendo comunista, não é herege (e nem apóstata) e, portanto, não cai sob o Cân. 1364 do CIC. C’est fini.

E o Decretum contra Communismum?, alguém pode perguntar. Bom, esse decreto ou estabeleceu lei penal específica ou não estabeleceu lei penal específica, et tertium non datur. Se ele estabeleceu lei penal específica, então foi ab-rogado com a entrada em vigor do novo Código de 1983, que o diz taxativamente:

Cân. 6 — § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

(…)

3.° quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código;

Se ele não estabeleceu lei penal específica – como aliás parece ser o caso -, então se trata de uma exemplificação da excomunhão automática na qual incorriam (e ainda incorrem) «o apóstata da Fé, o herege e o cismático»; e, neste caso, valem todas as considerações que acima foram feitas.

Parece-me que há um excesso de escrúpulos dos católicos com relação ao processo de voto; e, permitam-me dizê-lo, isso só favorece os inimigos da civilização. Ninguém precisa ficar com terríveis dores de consciência, julgando-se corresponsável por tudo o que pode fazer um candidato em quem, por conjunturas adversas, acabou-se por votar. O Catolicismo é a religião do Logos, e não a do arbítrio nonsense; e não tem lógica absolutamente nenhuma a pessoa, anti-comunista a vida inteira, ser excomungada por votar (v.g.) na Marina Silva unicamente por vislumbrar nela a melhor opção para quebrar a hegemonia petista. Erros quanto a juízos de fato (por exemplo, sobre qual candidatura apresenta na verdade maior perigo à pátria), é claro que sempre pode haver; mas essa espécie de equívoco, involuntário e de boa fé, à qual todos nós, seres limitados e finitos que somos, estamos sujeitos, não tem e não pode ter jamais o condão de excomungar ninguém.

Há muitos pecados pelos quais se pode perder a própria alma. Na esmagadora maioria dos casos, no entanto, as eleições brasileiras – mormente as presidenciais – não constituem matéria para eles.

As eleições já estão decididas

Exagero. Talvez eu deva dizer “90% decididas”. É Tolstoi, se bem me recordo, no final do seu “Guerra e Paz”, que lança uma teoria dessas: de que os homens são meros coadjuvantes que obedecem a necessidades históricas imperiosas e tal. Obviamente não a abraço sem reservas. No que concerne a eleições presidenciais, contudo, os brasileiros obedecem, sim, e com bastante regularidade, ao império das pesquisas de intenção de voto.

Isso por uma dupla razão. A primeira é óbvia: a pesquisa, quando bem feita, é representativa do universo total. A segunda é mais esdrúxula, mas não menos verdadeira: o brasileiro vota em manada. A mentalidade do eleitor brasileiro médio é a de que o voto é uma espécie de jogo de azar cujo objetivo é “acertar” o candidato (que há-de ser) vencedor: a turma vota, sério, como se estivesse apostando no jogo do bicho. E isso não pode ser mudado à força dos nossos esforços simplesmente porque o contingente dos que votam assim é gigantescamente enorme. É necessária uma conscientização em massa que eu não sei nem se é possível mas que, em sendo, é um processo de gerações que não vai se realizar daqui para outubro. Maktub.

Estas eleições foram definidas em junho do ano passado, e o PT perdeu. Há, desde então, um sentimento generalizado entre os brasileiros: a de que o PT não é mais suportável. Pelas razões o mais díspares possível, ninguém está satisfeito com o governo da companheira Dilma. Em um embate direto, virtualmente qualquer pessoa seria capaz de derrotar a sra. Rousseff, à única exceção do sr. Aécio Neves porque, por razões que a própria Razão desconhece, o PSDB é, entre os patrícios, o único partido mais odiado do que o PT. (O negócio anda tão escancarado que eu não duvidaria de que, num segundo turno entre o Fidelix e a Dilma, o PRTB ganhasse um mandato presidencial pela primeira vez em terrae brasilis.) Aqui a vitória eleitoral não é alcançada pela visão positiva que os brasileiros têm de um candidato, mas pela negativa que têm do seu adversário. E ninguém, ninguém é atualmente mais odiado do que o PT (à exceção, talvez, do PSDB – por isso um segundo turno entre a Dilma e o Aécio é o único cenário em que há alguma margem para incertezas).

Considerando, portanto, que o segundo turno será decidido entre a Marina e a Dilma (isso se a recém-PSBista não levar o caneco no primeiro turno…) e considerando que os brasileiros desgostam da sra. Rousseff muitas ordens de grandeza mais do que temem a dona Silva, é mister se render aos fatos: 2015 vai nascer sob a égide da segunda mulher presidente da história do Brasil. As pesquisas mostram uma diferença de 9-10 pontos percentuais (v.g. aqui e aqui); isso é entre 12 e 14 milhões de eleitores. Nenhum grupo social brasileiro possui semelhante contingente capaz de mobilizar. Essa diferença, simplesmente, não pode ser tirada.

A menos, é claro, que aconteça alguma reviravolta análoga à queda do avião que vitimou o Eduardo Campos; mas mesmo isso está além do nosso controle. Relaxemos, portanto, o nosso coração. Não podemos, por nosso próprio esforço, impedir a Marina Silva de ser a próxima presidente. Não adianta gastar energia e noites de sono com isso. Não tem lógica martirizarmo-nos por essas eleições: nenhum homem pode ser responsável por aquilo que está muito além do seu alcance fazer.

À guisa de arremate

Enfim, após a longa exposição, sistematizemos algumas coisas.

– Este blogueiro não se sente capacitado para indicar qualquer estratégia de voto aos seus leitores.

– Sobre ações políticas em geral, o que posso dizer é o que diz a Igreja: o socialismo é perverso e deve ser combatido. Isso, obviamente, tem um alcance que ultrapassa a mera atividade eleitoreira. A guerra contra o socialismo é uma guerra cultural que deve ser travada ininterruptamente, todos os dias e em todas as esferas da vida.

– Sobre ações políticas em específico, no que concerne às eleições presidenciais, não me parece que seja possível o juízo definitivo a respeito de ser o PSB ou o PT pior para o Brasil. No que concerne à licitude moral de fazer uma ou outra opção, são as disposições interiores de apoio ou rechaço ao socialismo revolucionário que determinarão a moralidade do voto. No quadro atual – e friso o no quadro atual -, não existe nexo causal necessário entre “votar em partido de esquerda” e “sofrer excomunhão automática”.

– Não nos matemos, portanto. Ninguém está obrigado a votar na Dilma. Ninguém está obrigado a votar no Aécio. Ninguém está obrigado a votar na Marina. Ninguém está obrigado a votar no Pastor Everaldo. Ninguém está obrigado a votar nulo. Ninguém está obrigado a rigorosamente nada. A situação em que vivemos é kafkiana, absurda. Não desperdicemos importantes energias com guerras fratricidas sem sentido.

– Sobre as análises políticas, conquanto elas não tenham, a esta altura do campeonato, o menor poder de mudar o resultado das eleições, elas devem ainda assim ser feitas com o propósito de melhor nos prepararmos para o que virá. O nosso problema não termina em outubro. O trabalho se propaga para além e com os resultados do pleito. Teremos muito a fazer no ano que vem, como vimos tendo. Paciência, persistência e coragem. Dias piores virão.

Sobre manifestações e análises das manifestações

A propósito das recentes manifestações que pululam Brasil afora, as duas notícias abaixo são importantes.

Primeira: o MPL botou a bola debaixo do braço e disse que não brincava mais, porque havia «várias (…) reivindicações feitas nos atos [de manifestações]» com uma pauta conservadora demais para os nobres e impolutos ideais esquerdistas dos vândalos que iniciaram a onda de protestos.

Segunda: uma pesquisa recente mostrou que o jovem «confia mais em família, Deus e si próprio que no Estado». Os números são impressionantes: «Entre os ouvidos, 53% dizem que o próprio esforço é o principal fator que contribuiu para sua vida melhorar, enquanto que o governo foi citado por apenas 2% dos entrevistados – Deus por 31% e família por 11%».

O que isso significa? Para mim, principalmente que as análises atuais são simplistas e não conseguem abarcar a totalidade do fenômeno que estamos presenciando. Se é inverossímil estarmos diante de uma primavera conservadora, a hipótese destes atos estarem sendo milimetricamente calculados pela esquerda não é menos incrível.

Precisamos rezar, mais do que nunca, para que a Santíssima Virgem da Conceição Aparecida livre o Brasil do flagelo do comunismo.

E temos o dever de fazer o que estiver ao nosso alcance para negar à esquerda a sela deste cavalo branco.

As trevas do Comunismo

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A comunista Coréia do Norte à noite, em foto tirada do espaço pela NASA, revelando a desoladora escuridão na qual o país está imerso em comparação com os seus vizinhos.

De acordo com a NASA, a Coréia do Norte ocupa o 71º lugar no mundo em produção de energia elétrica, e 0 73º em consumo. A Coréia do Sul é o 12º em produção e 10º em consumo, segundo estimativas de 2009.

Palestra com Graça Salgueiro no Círculo Católico – ATUALIZADO

Divulgo com alegria esta imperdível palestra da Graça Salgueiro que será realizada aqui em Recife, no Círculo Católico, no próximo dia 13 de junho de 2012, a partir das 19h00. Os demais detalhes podem ser encontrados no cartaz: cliquem para ampliar. Para quem não conhece, a Graça Salgueiro é «estudiosa da estratégia e ações da esquerda latino-americana lideradas pelo Foro de São Paulo no continente, edita o blog Notalatina e tem seus artigos publicados no site argentino La Historia Paralela», como consta em sua minibiografia do Mídia Sem Máscara. Quem puder, não deixe de ir.

[UPDATE: recebi a mensagem seguinte da própria Graça Salgueiro. A palestra será gratuita, mas as inscrições – por razões de espaço – devem ser feitas. Assim, quem de fato for precisa ligar para o Círculo Católico e confirmar a presença.

Amigos,

Acabo de ser informada que minha palestra terá entrada GRATUITA, mas que é necessário telefonar para fazer a inscrição, por questão de vaga.

Assim, aqueles que estão de fato interessados, têm disponibilidade e se comprometeram em ir, peço-lhes que por gentileza LIGUEM PARA O CÍRCULO CATÓLICO DE PERNAMBUCO para confirmar a presença e reservar sua vaga, cujos números encontram-se no cartaz divulgado ontem.

Agradeço se repassarem para seus contatos

As demais informações permanecem tal como foram originalmente divulgadas.]