Católicos, mais uma vez, precisam defender uma catedral de uma turba de vândalos

Está excelente a cobertura que o Edson fez sobre o vandalismo anti-católico das abortistas e dos gayzistas na Argentina. Leiam lá. Deixo aqui só um vídeo, o segundo que consta no link acima. É longo, mas é bonito.

Aos 1m50, aparece uma manifestante pichando (!) a camisa dos católicos que, fazendo um cordão humano, se interpunham entre a horda de revolucionários e a Catedral de Posadas (Argentina). Aos 3m25, uma garota histérica tenta agredir um dos defensores da Catedral e, contida por uma amiga, descamba em um frenesi de gritaria que me fez lembrar este exemplo de argumentação abortista que pus há alguns anos cá no blog. Aos 9m47, uma das revolucionárias enfia um papel (!!) na boca de um dos católicos que estavam rezando. E, ao longo de todo o vídeo, o deboche, as agressões, a provocação gratuita, o vandalismo, enfim, toda a baixeza sulfúrea desta gente que se diz defensora iluminada de direitos humanos fundamentais.

Aconteceu também recentemente em La Plata, embora este vídeo seja menos violento (mas não menos dramático, ao mostrar os bárbaros se aproximando cada vez mais das muralhas que defendem a civilização…) e, a julgar por ele, o confronto aqui talvez não tenha sido tão aberto quanto em outros lugares. Mas não se trata de nenhuma novidade e nem de nenhum fato isolado. O mesmo aconteceu no Peru no início do ano passado e, alguns anos antes, em Neuquén. Estas ondas de violência são organizadas e sistemáticas. Só não vê quem não quer.

E quem são os opressores aqui? Quem os obscurantistas? Quem, enfim, os representantes de um modelo atrasado que ameaça o futuro da civilização? São os católicos rezando e suportando toda sorte de violências, ou – ao contrário! – os baderneiros que se lançam tão agressivamente contra eles?

Tradição, tradições e conservadorismo – por Carlos Ramalhete

[Excelente intervenção do Carlos Ramalhete em um papo privado sobre Tradição Católica, tradições cristãs e conservadorismo. Publico na íntegra a resposta dele, que delineia bem o papel que nos compete – a todos nós! – diante do mundo moderno, na situação em que nós o encontramos.]

O fato de haver uma diferença entre a Tradição – que é fundamentalmente doutrinal – e tradições – aplicações provadas pelo tempo desta Tradição ao mundo, dela dependentes e a ela apontando – não faz com que nem se justifique um minimalismo doutrinal que as tornaria irrelevantes nem, muito menos, com que se possa acusar todo conservadorismo de confusão entre aquela e estas.

Num momento como este em que vivemos, em que os poderosos tentam criar uma sociedade nova a golpes de leis e novelas, o conservadorismo nada mais é que o reconhecimento de que “qualquer evolução dos costumes e qualquer gênero de vida devem ser sempre mantidos dentro dos limites impostos pelos princípios imutáveis fundados nos elementos constitutivos e nas relações essenciais de cada pessoa humana, elementos e relações que transcendem as contingências históricas” (Dz-H 4580; é Paulo VI, nada de rad-tradismo…). A palavra chave é “mantidos”, que poderia ser traduzida também como “conservados”. Conservadorismo é isso. Como há, sim, uma enorme riqueza cultural de que somos, ou deveríamos ser, herdeiros, espelhando e expressando de várias formas o possível e o impossível nesta conservação de limites, preservá-la é sim dever nosso.

Como filhos fiéis da Igreja, o nosso dever é procurar *conservar*, sim, o que resta da civilização cristã, até para que no futuro mais ou menos próximo possa se erigir uma *outra* civilização cristã. Não se trata, como é evidente e eu não me canso de repetir (quer dizer, canso, sim: confesso que torra a paciência ter que dizer sempre a mesma coisa…), de voltar a qualquer passado tido como utópico, mas de procurar manter a sociedade “dentro dos limites impostos pelos princípios imutáveis”.

Isso quer dizer, na prática, que, como já ocorreu 1600 anos atrás, é função da Igreja (e nós somos Igreja, assim como o clero e os seminaristas de cuja formação se está falando) *conservar* o imenso tesouro de sabedoria humana, já depurado pelo confronto com a Revelação, que compõe o currículo de humanidades clássicas que eu mencionei ser importante. Quer dizer *conservar* o valor da vida humana, o valor da mulher (cada vez mais reduzida a ou um pseudo-homem ou a uma máquina de prazer sexual), o valor da hierarquia, o valor do respeito à sabedoria dos idosos, etc. E conservar Cícero, Dante, Ortega. E, por que não, mesmo que como exemplo negativo, Rawls, Marx ou Rand?

Isso não quer dizer que seja um herege quem não aprecia o valor de Dante ou de Cícero. Quer dizer apenas que é um idiota. E já há idiotas o bastante nas telas de tevê, para que se os queira também nos presbitérios.

No meu apostolado, eu não chego ao ponto de assistir TV, embora até leia sobre o que está passando nela; falta-me paciência. No meu trato com catecúmenos e com o público em geral, procuro apresentar como novidade, em geral apoiando-me unicamente na razão, as obviedades que só o são por terem já chegado a esta situação pela sua repetição ao longo dos séculos; é sabedoria humana, sim, mas é sabedoria, e sabedoria burilada pela Igreja ao longo dos séculos. E ela tem que ser, sim, conservada, ou estaremos como o muçulmano que manda queimar a biblioteca de Alexandria por que ou repete o Corão é assim desnecessária, ou o nega e é assim blasfema.

Cada geração de jovens pode aprender de novo, e precisa aprender de novo, descobrir de novo aquilo que é sua herança. Cada uma. Ano passado um aluninho de filosofia de seus 15 anos de idade veio, sério como só um rapaz desta idade pode ser, me dizer que resolvera tornar-se um estóico. Ótimo. Melhor estóico que fã do BBB ou fanqueiro. Isso quer dizer que o contato com o estoicismo é necessário para sua salvação? Não, mas pode perfeitamente bem ser instrumental. A chance de o ser é muito maior que a do contato com Tati Quebra-Barraco. Ou, pior ainda, de achar que “descobriu” alguma coisa ao abandonar-se aos mais baixos instintos, como sói ocorrer com quem não percebe que não é o primeiro ser humano a sentir atração sexual. O estoicismo, tal como nos chegou após depurado pela Igreja ao longo dos séculos – nas palavras de Padre Antônio Vieira, “um estóico é como um cristão de antes de Cristo” – é uma semente do Verbo, algo que abre para a graça.

Já temos problemas demais com idiotas que, por falta desta mesma cultura clássica que estou defendendo, confundem pudor com a moda de 1950. Não precisamos de uma reação igualmente inane, que se arrepia ao ouvir falar de conservadorismo por achar que há perigo de confusão entre Tradição e tradições, como se tanto estas quanto aquela não fossem, hoje, animais em risco de extinção.