A repulsa à Cruz de Cristo

Recebi hoje uma notícia segundo a qual uma igreja britânica decidiu retirar uma imagem de Cristo Crucificado da frente do templo, porque era desagradável aos fiéis – e “assustava as crianças”. Pelo que pude entender da reportagem, é uma igreja protestante; provavelmente anglicana.

A escultura (tem uma foto na reportagem linkada acima) é feia, mas não por ser uma “descrição horrenda da dor e do sofrimento”, e sim por ter sido feita numa arte moderna pela qual eu tenho uma natural repulsa. Não é tanto de causar tristeza a remoção da “obra de arte”, mas sim os motivos alegados para que ela fosse removida: o hedonismo do mundo moderno está contaminando até mesmo os cristãos, que não suportam mais pôr os olhos no Homem das Dores.

Ah, se eles soubessem que é precisamente a dor de Nosso Senhor que nos deve ser causa de santa alegria… se eles soubessem que “fomos curados graças às Suas chagas” (Is 53, 5)! Querer afastar a dor da vida é criar uma ilusão, porque nós vivemos – como rezamos na Salve Rainha – em um “Vale de Lágrimas”, e as tribulações não “desaparecem” quando nós fechamos os olhos e nos recusamos a vê-las. Devemos enfrentar os nossos sofrimentos e carregar as nossas cruzes; não fingir que elas não existem, porque existem, quer as aceitemos, quer não.

Ouvi certa vez alguém dizer que, no Calvário, havia três cruzes, para nos ensinar que todos sofrem: sofrem os inocentes, como Cristo, sofrem os pecadores penitentes, como São Dimas, e sofrem os que não aceitam o sofrimento, como “o Mau Ladrão” (Gesmas ou Gestas). É pouquíssimo provável que nós consigamos sofrer como inocentes, mas precisamos, no mínimo, aproveitar o nosso sofrimento para mais perfeitamente nos unirmos a Cristo Nosso Senhor, como São Dimas. O que não podemos, de nenhuma maneira, é sofrer como Gestas!

Dizer que o Crucificado assusta crianças é uma tremenda bobagem, somente concebível numa sociedade que tenciona, talvez, criar as suas crianças dentro de uma bolha cor-de-rosa onde o sofrimento não tem lugar. Quando, um dia, essas crianças forem confrontadas com “o mundo de verdade”, será então um grande choque; o mundo pode prometer uma vida sem sofrimentos, mas ele nada pode contra a palavra do Criador, que nos diz que, no mundo, havemos de ter aflições (cf. Jo 16, 33). Uma promessa de uma terra sem males é utópica e enganosa – a única esperança que podemos ter está precisamente na Cruz de Nosso Senhor, pois foi aí que Ele demonstrou o Seu amor por nós. Não com uma mentira reconfortante, mas com a verdade nua e crua, dolorosa, do Seu Divino Sangue se esvaindo, de Seus pés e mãos transpassados, da agonia do corpo exausto e ferido, dependurado à vista de todos, morrendo para que tivéssemos vida… Nós não queremos a falsa segurança de uma vida a salvo da morte, mas – ao contrário – a esperança de uma Vida apesar da morte. É disso que precisamos: da Verdade. A Cruz de Nosso Senhor nos traz à memória, de súbito, todo o cerne da mensagem de Salvação das Escrituras Sagradas: somos pecadores, Deus nos ama, temos esperança.

O mundo odeia a Cruz de Cristo… até onde pode ir um mundo que odeie o sofrimento? Como não perceber que uma concepção da vida que exclua a dor não vai poder produzir senão traumas e decepções, quando as pessoas se depararem – e fatalmente se depararão – com o mundo real? Busquemos o Crucificado, esforcemo-nos para estarmos sempre juntos de Nosso Senhor. E, junto com São Paulo, anunciemos com destemor “Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos – quer judeus quer gregos -, força de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor 1, 23-24).