Afinal, que diferença faz se Cristo foi ou não casado?

Têm recebido uma significativa repercussão as notícias a respeito da descoberta de um papiro que sugere que Nosso Senhor tenha sido casado. Vi a matéria hoje na INFO e ouvi, pela manhã, o assunto na CBN; ontem eu já vira a mesma notícia no site da Terra.

O que dizer sobre o assunto? É de se espantar o sensacionalismo com o qual a mídia costuma tratar qualquer velharia como se fosse a última descoberta científica de uma novidade revolucionária sobre a qual nunca se ouviu falar antes! É verdadeiramente impressionante: como é possível tratarem com tanto frisson um fragmento de texto antigo que alude a uma genérica “mulher de Jesus”, quando já se conhecem (e há muito tempo) textos que dão nome e sobrenome a esta alegada “esposa”?

O Apócrifo de Filipe fala de Maria Madalena como “companheira” de Jesus e afirma que Ele a beijava com freqüência – “na boca”, alguns gostam de completar em um impressionante exercício de leitura adivinhatória de lacunas. E, na Idade Média, nós sabemos que os cátaros foram acusados, justamente, de afirmarem que Cristo tinha um relacionamento com Maria Madalena (ora como esposa, ora como concubina). Se estas referências são eruditas demais para a nossa classe jornalística, temos aquele mega-best-seller, “O Código Da Vinci”, contando exatamente a mesma história caquética. Por qual motivo ela só agora seria digna de crédito?

[E antes que me venham com chorumelas dizendo que as comparações são injustas, respondo logo que, muito pelo contrário, são a mesmíssima coisa: historietas de comadres em tempo algum levadas a sério pelos cristãos. Continuemos.]

Com relação a este novo papiro antigo, uma reportagem de G1 diz que ele é questionado por especialistas. E estes questionamentos, parece, já produziram resultados: ontem o documento era do século II (Terra) e, hoje, já é do século IV (EFE, via INFO)! A continuar com este prodigioso processo de envelhecimento datacional, na próxima semana descobrem que o papiro se trata, na verdade, dos primeiros rascunhos do Dan Brown lançados fora pelo escritor em um surto de bom senso infelizmente passageiro. Mas, da matéria de G1, interessa-me particularmente a declaração do porta-voz da Santa Sé:

“Não muda em nada a visão sobre Cristo e os Evangelhos. Este acontecimento não tem influência alguma sobre a doutrina católica”, enfatizou.

Se ele fala do papiro, é verdade: não muda nada porque uma fábula espúria antiga não se torna verdadeira só pelo fato de estar escrita num fragmento de texto velho. Mas, se ele fala do alegado relacionamento de Cristo com Maria Madalena ou com qualquer outra, aí é preciso dizer que muda, sim, muita coisa.

Afinal de contas, durante séculos – melhor, milênios! – os cristãos professaram unanimemente que Nosso Senhor veio ao mundo para redimir a humanidade, e esta Sua missão redentora passou pelo sacrifício de Si na Cruz do Calvário. Jamais se afirmou que a missão do Redentor houvesse passado pela constituição de uma família, e isto importa sim. Tomar uma esposa não é um acidente de percurso na existência humana, como o seria por exemplo um jantar em Betânia ou um passeio de barco pelo Mar da Galiléia. Aqui sim, se Nosso Senhor certa feita jantou na casa de um coxo em Jericó ou se ele retirou-Se alguma vez para rezar sozinho no meio do Mar Morto, não faz de fato diferença alguma.

Mas um casamento não é um aspecto acidental da vida humana: é uma vocação positiva, um elemento constituinte do papel assinalado por Deus para cada um nesta terra. A plena realização do ser humano, a sua santificação, o tornar-se aquilo que Deus quer que ele se torne, passa estruturalmente pelas núpcias que ele contrai ou deixa de contrair. Se Cristo houvesse sido casado e a Igreja tivesse ignorado ou escondido este fato, isto representaria uma lacuna incompreensível na missão do Salvador, uma negligência injustificável sobre o papel do Sagrado Matrimônio: coisas que simplesmente não podem existir na indefectível Igreja de Cristo. Portanto, este assunto não é “indiferente”, porque um Matrimônio nunca é “indiferente”. Cristo não Se casou, porque assim sempre o afirmou a Igreja de Deus.

Quanto às estórias espúrias – por antigas que sejam – que digam diferente, elas por certo não conseguirão jamais abalar a solidez das referências documentais que temos a respeito da história de Cristo. Mas é preciso cuidar também para que elas não lancem dúvidas sobre o papel que o seu estado de vida exerce na salvação de cada ser humano concreto, sobre o lugar privilegiado que ocupa o Sagrado Matrimônio na economia da Salvação. Dizer que “tanto faz” é aviltar a concepção cristã de casamento e de família. Dos inimigos da Igreja (que tampouco têm consideração alguma pela Família) é esperado que pensem assim. Mas os cristãos não têm o direito de professar semelhante acinte à ordem que o Onipotente estabeleceu para a Sua criação.

A qualidade dos ataques à Igreja

Eu nem sei se o que o sr. Armando falou aqui em outro post merece comentários, mas é no mínimo engraçado ver o nível das acusações que os inimigos da Igreja gostam de alardear. Há um artigo grande e maçante chamado – pasmem! – “Padres Pedófilos – o Verdadeiro Catolicismo”, que o sujeito teve a coragem de escrever. Não tenho paciência para refutá-lo todo (e, aliás, nem é necessário, porque ele só faz reunir as mesmas acusações gagás de sempre, já incontáveis vezes refutadas – quem tiver interesse, basta usar a busca daqui mesmo do Deus lo Vult!), mas vou comentar algumas das besteiras lá presentes. Só para mostrar a qualidade dos artigos que tencionam denegrir a imagem da Igreja de Nosso Senhor.

Porque a Igreja Católica oferece, em suas igrejas, o “catecismo”, apenas para crianças,mas não oferece curso algum para adultos, no que diz respeito à similaridade com a “catequização” das crianças?

Sério, em quantas paróquias este sujeito já pisou na vida para falar uma besteira desta magnitude? A enorme maioria das paróquias (talvez até todas) oferecem, além do Catecismo para as crianças da Primeira Eucaristia, pelo menos o Catecismo de jovens para a Crisma. Grande parte delas têm grupos jovens. Muitas têm também catequese para adultos, que se preparam para receber o Batismo, a Eucaristia ou a Crisma – ou os três Sacramentos. Com base em quê, além do próprio preconceito totalmente descolado da realidade, o sujeito vem dizer que a Igreja não oferece catequese para adultos?

Sem contar, aliás, a cretina insinuação caluniosa de que a Catequese das crianças tenha alguma relação com a pedofilia. Que ele prove as acusações que faz. Cuspir cretinices na internet é muito fácil. Quero ver o corajoso “jornalista e escritor” de Taubaté demonstrar a ligação – em uma única paróquia que seja! – entre catequese e pedofilia.

Um aspecto assustador, da pedofilia de hoje, são as associações ativistas chamadas de “pró-pedofilia” que argumentam que a pedofilia não é uma doença, mas uma simples orientação sexual. Chegam ao ponto de, com bases em supostos “estudos científicos” alegarem que a sociedade deve reconhecer e legitimar a pedofilia.

Verdade. Mas qual a mínima relação, por remota e escabrosa que seja, entre estas “associações ativistas” e a Igreja Católica? Por acaso há padres na NAMBLA? Por acaso há ativistas pró-pedofilia usando textos da Bíblia Sagrada ou do Catecismo da Igreja para embasar as suas teses? Qual a razão, então, de se citar associações pró-pedofilia em um texto que leva por título “o Verdadeiro Catolicismo”?

A Igreja nunca pretendeu ensinar o povo ou ministrar-lhe algum ensinamento religioso, mas costumava retirar do povo algumas pessoas para que pudessem ajudá-los em suas liturgias fechadas.

Sem dúvidas, a lógica anti-clerical tem regras próprias. Dependendo da calúnia que se deseje cuspir, a Igreja ora quer impôr a Sua Doutrina goela abaixo a todos, ora não quer dar nenhum “ensinamento religioso” ao povo. A cada dia estas pessoas provam que Chesterton estava certo.

Sobre as “liturgias fechadas”, escapa-me à compreensão o que este gênio quis dizer. Alguém lhe mande um folheto com horários de missa – e um aviso bem grande de que, em tais momentos, as igrejas estão abertas e as pessoas podem entrar.

Com o apoio dos governos onde [a Inquisição] foi instaurada, perseguiram, torturaram e mataram centenas de milhares (há fontes que citam milhões) de pessoas inocentes, quer fossem homens mulheres ou crianças, das formas mais bárbaras imaginadas. (…) Os bens das vítimas assassinadas, eram repartidos entre o Estado e a Igreja.

Sim, há fontes que citam “milhões”. Dan Brown, por exemplo. Tem o mérito o jornalista de Taubaté, no entanto, de trazer a lume este aspecto dos horrores do Santo Ofício freqüentemente negligenciado até mesmo por fontes históricas sérias como o insuspeito autor d’O Código da Vinci: ao lado da perseguição às bruxas e aos cientistas, a Inquisição instaurou uma terrível perseguição a crianças! Logicamente, como explica com maestria o sr. Armando em seguida, tudo isso era por causa dos bens dos infantes nos quais a Igreja, com Sua ganância, queria pôr as mãos. Bonecas e carrinhos eram muito valiosos à época. Há também fontes, aliás, que explicam que o medo infantil do Bicho-Papão remonta precisamente a esta época, sendo este uma referência que as crianças faziam ao Papa no aumentativo.

Dá para levar a sério? E qual a mínima relação existente entre Inquisição (e Cruzadas, e Nazismo, e tantas outras coisas que estão presentes no texto) e pedofilia?

Segue mais um monte de bobagens sobre celibato. Após, uma sessão de “perguntas e respostas”. E, para fechar com chave de ouro, o jornalista arrisca até mesmo uma profecia:

Com certeza a Igreja Católica vai cair. Eu só não posso precisar quando. Só sei que não vai demorar e ela não dura mais que 5 anos!

Beleza, sr. Armando. Daqui a cinco anos a gente conversa de novo. Combinado assim?

Curtas Diversos

Dan Brown e o programa da Revolução Anticristã. “Assim, pois, os livros de Dan Brown seguem um programa bem definido, que é o programa da Revolução Anticristã, em suas três etapas para a derrocada do homem. O autor não é só um romancista ingênuo: sabe muito bem o que quer inculcar, o veneno que quer inocular”.

Sacrifícios humanos na Uganda (!). É a Radio Vaticano que noticia. “Não são raras as detenções de pais e parentes – refere a reportagem do jornal Avvenire – acusados de vender crianças com a finalidade de sacrifícios. Através dos meios de comunicação, os feiticeiros promovem as suas atividades e pedem ingentes somas de dinheiro para sacrificar seres humanos e animais. As pessoas que pagam por esses serviços acreditam que o sangue ajude a adquirir riqueza”. Domine, miserere.

Notícias sobre a Reforma da Reforma chegam à Canção Nova. “Nesse sentido, Marini condenou o ‘comportamento despótico’ dos sacerdotes que fogem às regras litúrgicas e enfatizou que a liturgia ‘não está disponível para que façamos uma interpretação pessoal dela'”.

– Cardeal Schönborn em Medjugorje I: Bispo Local censura visita. “O bispo da diocese local de Mostar-Duvno publicou uma declaração expressando preocupação com relação às declarações feitas pelo Cardeal Christoph Schönborn durante uma visita a Medjugorje na semana passada, enfatizando que a visita do cardeal ‘não implica em qualquer reconhecimento da autenticidade das ‘aparições’ relacionadas à Medjugorje'”.

– Cardeal Schönborn em Medjugorje II: Papa recebe cardeal em audiência privada. “Agora, uma vez que a Santa Sé ainda não se manifestou sobre tais aparições e muitos cardeais e bispos de todo o mundo manifestaram seu ceticismo sobre a autenticidade destas aparições, Bento XVI pediu, pois, a Schönborn, maior prudência nas declarações relacionadas a Medjugorje, de modo que a sua presença naquele local (destino, a cada ano, de milhões de peregrinos), tratando-se de um membro do Colégio Cardinalício, não seja instrumentalizada por alguns para ‘autenticar’ os fenômenos que a Santa Sé, além das vias ordinárias, pretende ‘monitorar’ e analisar com uma comissão ‘ad hoc’, a cuja liderança deve ser chamado o Cardeal Camillo Ruini”.

E as igrejas no Haiti? “Sou Cristão Católico mesmo assim fico indignado quando vejo chefes religiosos dando poucas palavras de ‘consolo’ como contribuição. Enquanto isso pessoas fazem muito mais como a atriz Angelina Jolie e a modelo Gisele Bündchen que fez uma doação de US$ 1,5 (R$ 2,6 milhões) para a Cruz Vermelha para ajudar os esforços humanitários no país”. Só dois comentários: (1) qualquer busca no Google mostraria, pra ficar em um só exemplo, que Cáritas Internacional está disponibilizando ajuda de emergência no Haiti; e (2) “[q]uando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita” (Mt 6, 2-3).

Dom Ratko Peric — que repetidamente advertiu contra os perigos do “fenômeno Medjugorje” e energicamente rechaçou confiança nas supostas aparições — lamentou que a visita do Cardeal Schönborn tenha causado novos problemas pastorais para sua diocese. Citando uma lista de conflitos e irregularidade levantadas pelas atividades dos supostos videntes e seus apoiadores, Dom Peric expressou “pesar” pelo fato de que a aparição do cardeal austríaco tenha proporcionado nova credibilidade às suas reivindicações.

Anjos e Demônios

[ATENÇÃO! CONTÉM REVELAÇÕES SOBRE O ENREDO (SPOILERS)!]

angels_demonsMais pernicioso do que “O Código da Vinci”, porque mais sutil: foi a opinião com a qual saí ontem da sessão de cinema onde fui para ver Anjos e Demônios. Comentava com um amigo no caminho de volta – aliás, leiam as considerações dele sobre a película – que, neste filme – ao contrário do Código da Vinci que intenta “revolucionar” tudo o que se sabe sobre o Cristianismo -, a cantilena é a mesma do início ao fim: a Igreja Católica é inimiga da Ciência. A repetição da tese ad nauseam, das mais variadas formas ao longo do enredo, aliada ao já conhecido e amplamente disseminado preconceito histórico contra a Igreja adotado por grande parte das pessoas, faz com que o espectador saia do cinema, sim, com uma visão negativa e equivocada da Igreja.

O personagem do Tom Hanks ajuda. O seu ar de superioridade, a ironia com a qual ele trata – muito “apropriadamente”, dentro do enredo – todas as coisas referentes à Igreja, a sua mania de comentar en passant assuntos que ele “conhece muito bem” (as “informações enciclopédicas” das quais fala o Cardoso) e todos os demais ignoram, etc: a receita faz com que o público seja cativado pelo prof. Langdon – e, por conseguinte, pelas suas opiniões. Logo no início do filme, falando sobre a “célebre” cena de Pio IX com um martelo e um cinzel na mão, atravessando às pressas os corredores vaticanos para “castrar” as estátuas renascentistas… oras, nunca ouvi falar de semelhante coisa na vida. As estátuas renascentistas são imorais e a “cobertura” dos órgãos sexuais com folhas é posterior às obras; isso todo mundo sabe. No entanto, acho bem pouco provável que, por todos os séculos compreendidos entre o Renascimento e Pio IX, as estátuas tenham ficado indecorosamente expostas sem que ninguém parecesse se preocupar com elas; e, ainda que isso tenha acontecido, a cena do Papa quebrando-as pessoalmente raia o inverossímil.

A mesma coisa com La Purga. La Purga! “Vocês não lêem nem a sua própria história?”, pergunta com aquele jeito arrogante o prof. Langdon aos – se minha memória não me falha – membros da Guarda Suíça. “A Igreja mandou marcar a ferro quatro cientistas porque as suas conclusões científicas discordavam das do Vaticano, o que fez com que os Illuminati passassem a ser violentos”. A culpa – de novo! – é da Igreja Católica. Esqueceu-se o sr. Langdon de fornecer mais detalhes sobre estas pobres vítimas da violência vaticana. Quem são eles? Quando isso aconteceu? Onde? Mas o Dan Brown não pode fornecer essas informações, porque senão a invenção dele seria mais facilmente desmascarada.

Continua o prof. Langdon com as suas bobagens: os “altares da Ciência” construídos em igrejas de Roma, Galileo e Bernini como Illuminati, o “caminho da iluminação” que devia ser percorrido pelos que quisessem ser admitidos à sociedade secreta, o Diagramma Veritatis escrito por Galileo que ensina como chegar a este caminho… a Igreja sempre retratada como obscurantista, inimiga da ciência, e os cientistas em guerra constante contra Ela, zombando d’Ela ao se reunírem às barbas dos cardeais no Castelo Sant’Angelo, colocando nas igrejas d’Ela as pistas a serem descobertas por quem quisesse ser um Iluminado.

Mas a figura do camerlengo é uma das piores. Aparentemente colocado para ser uma contraposição ao ceticismo do prof. Langdon, e depois revelado como o responsável – de alguma maneira mirabolante – pelo roubo da anti-matéria, seqüestro dos cardeais e elaboração de um plano infalível para salvar a Cidade do Vaticano da bomba que ele próprio armou e, por conseguinte, ser aclamado Papa graças ao heroísmo de sua atitude, a Igreja está muito mal representada por este jovem sacerdote. Todo o seu discurso inflamado em favor da Igreja, proferido ao colégio cardinalício, está enviesado pela mesmíssima falsa oposição Igreja x Ciência do prof. Langdon. Se até mesmo o personagem “católico” da trama concorda plenamente com o simbologista, então – é o que facilmente conclui o espectador – a Igreja é mesmo responsável por todas essas barbaridades contra a Ciência perpetradas ao longo dos séculos. Nem mesmo a reviravolta final que o mostra como responsável por toda a tragédia ao invés de paladino salvador é o suficiente para macular por completo todas as suas atitudes ao longo do filme. Permanece, por exemplo, um nobre ideal a ser buscado a idéia dele de “mudar” a Igreja e fazê-la “não ser mais” (!) inimiga da Ciência. E as pessoas que tenham “simpatia” pela Igreja são, diante do filme, “empurradas” a terem exatamente esta posição: ah, os erros pertencem ao passado e vamos construir uma Igreja que “não seja mais” inimiga da Ciência. Propositalmente, não existe uma posição que seja simpática à Igreja, não existe alternativa ao erro de fundo da falsa oposição existente entre fé e ciência: os inimigos da Igreja tratam-Na no máximo com indiferença porque Ela não é amiga da Ciência, e os amigos da Igreja querem que Ela mude para que seja amiga da Ciência…

Retomando, para terminar, uma crítica que já ouvi em outros lugares: diante de todas as mentiras do filme, pode-se objetar dizendo “ah, mas isso tudo é ficção, é como X-MEN, e não dá para exigir que as obras de ficção sejam verdadeiras”. As obras de ficção não precisam ser verdadeiras, é claro, mas também não podem apresentar informações falsas como se fossem verdadeiras. E Anjos e Demônios faz exatamente isso. Afinal, no meio de um monte de coisas verdadeiras (com algumas falhas aqui ou ali, mas em substância verdadeiras) como a Igreja, o Papa, o camerlengo, o colégio cardinalício, o Conclave, os arquivos vaticanos, Galileo, Bernini, o êxtase de Santa Teresa, o Castelo Sant’Angelo… quem é que vai saber se a história da castração das estátuas de Pio IX é mentira ou verdade? Ou se a existência de cientistas Illuminati é mentira ou verdade? Ou se La Purga é mentira ou verdade? O filme tenciona, sim, confundir e consegue. Como já falei no início (e é, a meu ver, a pior coisa da obra), a visão da “Igreja inimiga da Ciência” – a mentira repetida do início ao fim, em todas as partes da trama – impregna-se fortemente em quem assiste Anjos e Demônios. Agora ouse dizer a alguém que isso é ficção…

Curtas de fim de sexta-feira

Bento XVI caminha na corda bamba entre israelitas e palestinos, conforme diz o título de uma matéria-desabafo do pe. Thomas Williams, LC, publicada em ZENIT na última quarta-feira. “Parece que alguns dos ouvintes do Santo Padre – afirma – não se sentiriam satisfeitos com nada do que o Papa possa dizer ou fazer, a ser não que caísse de joelhos suplicando que a terra o engolisse na mais total das vergonhas. […]  Como um equilibrista espiritual, ele tem de oscilar com cuidado à direita e à esquerda, e imediatamente é rotulado como insensível ou mau. […] Parece que muitos observadores não se importam com as verdadeiras intenções do Papa, e passam todas as suas palavras e ações pelo microscópio, em busca de uma falta”.

– Surgem rumores de que o homem que tentou assassinar papa se converteu ao catolicismo e quer ser batizado. “Mehmet Ali Agca, o homem que em 13 de maio de 1981 tentou matar o papa João Paulo II, alega ter se convertido ao catolicismo”. A mesma reportagem diz que o seu ex-advogado é cético quanto à sua conversão. Aqui tem uma entrevista estranha que não sei se é com o próprio Agca ou com o seu atual advogado; são essas coisas confusas que me fazem achar melhor aguardar um pouco para saber se é verdade ou se é boato.

O Estado e o aborto: artigo de Ogeni Luiz Dal Cin, advogado e filósofo. “Ora, como preservar a liberdade – esse o paradoxo do liberalismo – em detrimento da vida, se a liberdade supõe a vida e se a destruição da vida em nome da liberdade destrói a potencialidade da liberdade na vida violada? Destruir o outro antes que possa exercer sua liberdade para não precisar reconhecer-lhe a liberdade? […] De nada adiantou nosso constituinte definir, em cláusula pétrea, o direito à vida, sem nenhuma restrição, e defini-lo como direito superior e independente do Estado, se agora, por uma lei ordinária, na junção de interesses ideológicos e personalíssimos, já se considera casuisticamente mais que suficiente o intuito de legalizar o direito de matar a vida humana, antes do nascimento”.

Cientista nega tese de Anjos e Demônios, mas ninguém liga. “Zichichi, religioso e antidarwiniano, foi o homem que descobriu a antimatéria em 1965. Segundo ele, sua descoberta não pode ser roubada e muito menos contida num recipiente, mas é isso que ocorre em Anjos e Demônios, a nova parceria com a qual a dupla Howard/Hanks espera superar a receita bilionária do O Código da Vinci”. Parece que, não contente em apresentar aberrações históricas, o filme traz também aberrações científicas…

– Aliás, aos que dizem que o filme é ficção e ninguém confunde com a realidade, a própria matéria do Estadão acima citada traz a seguinte declaração do direitor do filme, Ron Howard: “Quando li Anjos e Demônios pela primeira vez, foi o que realmente ficou comigo. Essa sociedade secreta perseguida pela Igreja tinha entre seus integrantes Galileo Galilei e Bernini. O que aconteceu com eles? Os illuminatti existem até hoje? Meu Deus, se eu não me interessasse por isso, com o que mais iria me interessar?”. Se aparentemente nem o diretor do filme sabe que Galileo e Bernini não fizeram parte de Illuminati nenhuma, quanto mais o espectador de cultura mediana!

– Sobre a mesma confusão feita [por ignorância ou cretinice] pelo próprio Dan Brown, vale ler este post do blog do Veritatis que traduz uma entrevista do escritor disponível no seu site: “Sim, parte da informação factual revelada é surpreendente, mas eu acho que a maioria das pessoas compreende que uma organização tão longeva e poderosa como o Vaticano não poderia ter chegado a esse ponto sem guardar alguns esqueletos no armário. Eu acho que a razão pela qual “Anjos e demônios” está criando polêmica agora é que o livro abre alguns desses armários, que a maioria das pessoas nem sabia que existiam”. E então, será que somos nós que não sabemos diferenciar ficção de realidade?

– Escritor inglês ateu, amigo de Dawkins e Hitchens, converteu-se em abril passado ao cristianismo. A. N. Wilson anunciou no início do mês passado o seu retorno à Fé Cristã em um artigo de jornal chamado “por que eu creio novamente”! Da primeira matéria citada: “No han descubierto [seus amigos ateus] – como creen ellos – el tremendo engaño de la religión (…) El problema es que no se han dado cuenta de algo muy sencillo. Quizá es demasiado obvio para entenderlo; tan obvio como los amantes creen que deben estar juntos, o tan obvio como la decisión final del que se fuga”.

Sobre Anjos e Demônios

1. Opinião de um católico: “Meu maior problema com livros e filmes do tipo Anjos e Demônios é que, ao misturar ficção e realidade, a tendência é que tudo seja absorvido pelo público como realidade. (…) A pessoa vai ao cinema ver Anjos e Demônios e sai realmente achando que Galileu e Bernini eram Illuminati, que Copérnico morreu assassinado, que a Igreja atrapalha a ciência, que Pio IX era um maníaco que atravessava o Vaticano de martelo na mão, que a Igreja “marcou” quatro Illuminati (Langdon reprova o chefe da Guarda Suíça, perguntando se os católicos não leem sua própria história. Bom, nós lemos; é que La purga não é história, é invenção de Dan Brown), que os cientistas querem refazer o momento da criação, que Galileu escreveu o tal Diagramma e por aí vai. Isso é um desserviço considerável à verdade histórica, e também à ciência” – Marcio Antonio Campos.

2. Opinião de um anti-clerical: “Os Illuminati defendiam a ciência no lugar da religião, e no filme roubam um frasco de antimatéria do Large Hadron Collider para explodir o Vaticano. Embora a idéia não deixe de me agradar, o filme faz com que fique claro a perda que tal explosão causaria. As igrejas são lindas, as estátuas magníficas. Se uma coisa de bom posso dizer da Igreja Católica é que não só pensam a longo prazo como possuem um magnífico senso estético, completamente ausente do Bispo Macedo e seus templos tenebrosamente feios. […] Um dos efeitos interessantes e inusitados do filme é que deixa o espectador com todo um respeito pela Igreja. A Tradição, os Rituais, dá pra entender porque sobreviveram por mais de 2000 anos como instituição. É mais ou menos como o Judaísmo, embora no caso todos os membros preservem ativamente a cultura e os rituais, já com os católicos um monte de gente se diz seguidor mas nem lembra que Papa veio antes de João Paulo II” – Carlos Cardoso.

3. Opinião “científica” sobre o livro: “‘Anjos e Demônios’ é escrito em estilo irresistível e acessível. Você prefere não dormir só para ler mais um pouquinho. Ele trata de questões que passam pela cabeça de todos: a existência de Deus, a possibilidade de se ter fé em um Universo que parece ter profunda indiferença por nós, a reconciliação entre o científico e o espiritual. Só que o livro leva o conflito entre razão e fé à uma conflagração apocalíptica. […] A ciência é vista como uma ameaça à religião: quanto mais aprendemos sobre a natureza, mais difícil é aceitar a existência de forças sobrenaturais” – Marcelo Gleiser, 2004.

4. Na Rádio Vaticana: “O editorial intitulado ‘O segredo de seu sucesso’ diz que a Igreja deveria se perguntar por que uma visão ‘simplista e parcial’ dela mesma, conforme a mostrada nas obras de Dan Brown, encontra tanto eco, mesmo entre católicos.  ‘Seria provavelmente um exagero considerar os livros de Dan Brown um sinal de alarme, mas talvez eles devam ser um estímulo para que se repense e renove a maneira como a Igreja emprega a mídia, para explicar suas posições sobre as questões mais candentes do momento’ − diz o editorial” – 08 de maio de 2009.

Minha opinião: não li o livro e [ainda] não assisti o filme. No entanto, diante dessas “obras” que têm valor intrínseco menor que o de um ponto do Bomclube e, não obstante, alcançam um sucesso estrondoso frente ao grande público, chega quase a me bater um verdadeiro desânimo. Porque as refutações das bobagens nunca têm o mesmo poder de penetração do que o da bobagem em si. Para ficar em um só exemplo que, pelo que eu venho lendo, é um dos pontos fortes do filme: de que adianta explicar cuidadosamente como a ciência experimental é filha da Igreja Católica, se “eu vi no cinema com o Tom Hanks que é o contrário”?

Católicos, mãos à obra! Há muito trabalho a ser feito.