Eleições presidenciais, comunismo, excomunhões e os dias piores que hão de vir

Eu publiquei há pouco uma ligeira nota sobre o programa de governo da presidenciável Marina Silva. Disse que, posteriormente, faria algumas considerações melhor detalhadas. É chegada a hora de cumprir a promessa.

Muitas pessoas me perguntam em quem vou votar ou sondam, de alguma maneira, critérios para a escolha moralmente comprometida do próximo presidente do Brasil. Pois bem, tenho três coisas a dizer com relação a isso: primeiro, o compromisso civilizacional de todos é com o expurgo do socialismo, como é evidente. Segundo, não existe nenhuma excomunhão automática para quem vota em comunista e, nas condições atuais de temperatura e pressão, ninguém “perde a alma” por conta dos números que aperta ou deixa de apertar na urna eletrônica. Terceiro, essa discussão toda é irrelevante porque as eleições, a menos que aconteça algum fato novo da magnitude da queda de um avião, já estão decididas e nada podemos fazer para mudá-las.

Esmiucemos um pouco cada um desses pontos.

O compromisso civilizacional é com a derrocada do socialismo

Dizê-lo é chover no molhado e, portanto, não vou me demorar nesta seara. Já se vão quase oitenta anos desde que o Papa vituperou o comunismo com aquele terrível e tão exato apodo de «intrinsecamente perverso» (Divinis Redemptoris, 58); de lá para cá, a história só fez mostrar que a Igreja, como de costume, estava coberta de razão. Todas as experiências socialistas falharam e falharam fragorosamente, reduzindo povos inteiros à miséria e aviltando o ser humano de maneira que nenhum outro regime opressor da história, das teocracias árabes ao absolutismo voluntarista, foi capaz de aviltar. O homem enfrentou percalços políticos ao longo dos últimos milênios, sem dúvidas; mas, perto do terror comunista dos séc. XX-XXI, todos os outros regimes poderiam passar pelo mais perfeito Paraíso Terrestre.

Mudou o comunismo? Concedo que tenha mudado. Que tenha se tornado aceitável, no entanto, nego-o, e nego com veemência. A última pérola socialista teve lugar na nossa vizinha Venezuela, cujas Forças Armadas foram recentemente encarregadas da importantíssima missão – imprescindível à Segurança Nacional! – de prender os cidadãos que fossem flagrados “contrabandeando” produtos básicos (digamos, rolos de papel higiênico), adquirindo-os acima da cota estabelecida pelo Governo. Ora, isso é simplesmente ridículo e degradante. É completamente injustificável. No entanto, é a esse abismo de miséria que o socialismo sempre e inevitavelmente conduz. Os fatos estão aí à sobeja para o demonstrar.

É portanto, dever de todo homem de bem lutar com todas as suas forças para que o Brasil não amargue um tão deprimente futuro. Isso significa mudar os rumos pelos quais a nossa Pátria Amada vem sendo conduzida. E é aqui, nas questões concretas referentes ao pleito que se avizinha, que as coisas começam a ficar mais nebulosas. Tentemos esclarecer algo delas.

Não há excomunhão automática simplesmente “para quem vota em comunista”

E nunca houve. Atenção ao que digo: não há a excomunhão, repito-me, para quem vota em comunista simpliciter. Com isso quero dizer que nenhuma, nenhuma excomunhão automática atualmente vigente (ou que tenha vigido em alguma época da história) tem como fato gerador o mero voto em partidos comunistas.

Hoje há sete excomunhões automáticas no Codex, mais uma estabelecida posteriormente. Cito-as na ordem em que lembro: 1. absolvição de cúmplice em pecado contra o Sexto mandamento; 2. quebra do sigilo de confissão; 3. profanação eucarística; 4. agressão física ao Romano Pontífice; 5. sagração episcopal sem mandato pontifício; 6. aborto provocado; 7. heresia, apostasia e cisma. A oitava, instituída em momento posterior: tentativa de ordenação feminina.

As seis primeiras (e a oitava) têm um fato gerador concreto, externo, determinado e de fácil verificação. Pela primeira, fica excomungado o sacerdote que proferir o ego te absolvo sacramental sobre um fiel com quem ele – o sacerdote – cometeu pecado contra a castidade; fica excomungado tão-logo conclua o sacramento, ipso facto – i.e., pelo mesmo fato de ministrar a absolvição. Pela segunda, fica excomungado o sacerdote que revelar o conteúdo de uma confissão sacramental que tenha ouvido, e o fica pelo fato mesmo de o ter revelado. Idem quanto às seguintes: pela terceira, a excomunhão fulmina o profanador tão-logo a Eucaristia é profanada; pela quarta, queda excomungado o agressor do Papa pelo ato mesmo da agressão física. Pela quinta, no instante mesmo em que a sagração episcopal é conferida, o bispo sagrante (e os recém-sagrados), em decorrência do sacramento ministrado ilicitamente, são excomungados; pela sexta, ao aborto provocado, seguindo-se o efeito, e em decorrência deste, excomunga-se quem o procurou. O mesmo quanto à oitava: no ato de tentar conferir invalidamente o sacramento da Ordem, «seja aquele que tenha tentado conferir a ordem sagrada a uma mulher, seja a própria mulher que tenha tentado receber a ordem sagrada, incorrem na excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica».

A sétima excomunhão, contudo é diferente. Por este cânon – o 1364 – fica excomungado o apóstata da Fé, o herege e o cismático; mas a heresia, a apostasia e o cisma, ao contrário de todas as outras excomunhões automáticas, antes de serem atos externos bem-determinados, são disposições interiores da alma. Alguém pode externar a sua heresia por meio de atos e palavras, sem dúvidas; mas esses atos e palavras não são a heresia em si. E é exatamente isso o que mais interessa para resolver a questão do apoio ao comunismo. Acompanhem-me.

O comunismo é heresia já incontáveis vezes condenada pela Igreja. Portanto, quem adere à doutrina comunista torna-se, assim, herege (ou apóstata… a distinção é pouco relevante para fins práticos, uma vez que ambos os delitos são punidos pelo mesmo cânon e com a mesma pena) e, por ser herege (ou apóstata), queda excomungado pelo Cân. 1364. Se, portanto, o comunista vota em um candidato comunista, ele fica excomungado não por conta do seu voto (como se o voto fizesse as vezes da profanação eucarística da terceira excomunhão acima mencionada), mas por ser comunista. E, uma vez que ninguém se torna comunista “de repente” quando está diante de uma urna no ato de votar, este indivíduo está excomungando, pelo Cân. 1364, antes mesmo de votar e mesmo que não vote.

Essa distinção é muitíssimo relevante porque pode existir (e aliás sempre existiu) a figura do indivíduo que vota em um candidato/partido comunista não por ser ele próprio (o indivíduo votante) comunista, mas porque não vislumbra, em consciência, outra opção melhor. E esse é exatamente o caso das atuais eleições presidenciais: entre a comunista Dilma Rousseff e a comunista Marina Silva, quem opta por uma delas não necessariamente está fazendo tal opção por ser comunista. Ao contrário até: se alguém avalia que um dos dois comunismos é, enquanto comunismo, menos eficiente do que o outro – e portanto demorará mais para implementar medidas socialistas, ou enfrentará maiores dificuldades para o fazer etc. -, pode estar lhe dando o voto não com animus de apoiador do comunismo, mas exatamente o contrário: como uma tentativa de desacelerar, um pouco que seja, o processo revolucionário em curso. Ora, se alguém vota em uma determinada comunista porque não se vê com outra opção para limitar os danos do próprio comunismo, tal pessoa evidentemente não é comunista e, não sendo comunista, não é herege (e nem apóstata) e, portanto, não cai sob o Cân. 1364 do CIC. C’est fini.

E o Decretum contra Communismum?, alguém pode perguntar. Bom, esse decreto ou estabeleceu lei penal específica ou não estabeleceu lei penal específica, et tertium non datur. Se ele estabeleceu lei penal específica, então foi ab-rogado com a entrada em vigor do novo Código de 1983, que o diz taxativamente:

Cân. 6 — § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:

(…)

3.° quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da Sé Apostólica, a não ser que sejam recebidas neste Código;

Se ele não estabeleceu lei penal específica – como aliás parece ser o caso -, então se trata de uma exemplificação da excomunhão automática na qual incorriam (e ainda incorrem) «o apóstata da Fé, o herege e o cismático»; e, neste caso, valem todas as considerações que acima foram feitas.

Parece-me que há um excesso de escrúpulos dos católicos com relação ao processo de voto; e, permitam-me dizê-lo, isso só favorece os inimigos da civilização. Ninguém precisa ficar com terríveis dores de consciência, julgando-se corresponsável por tudo o que pode fazer um candidato em quem, por conjunturas adversas, acabou-se por votar. O Catolicismo é a religião do Logos, e não a do arbítrio nonsense; e não tem lógica absolutamente nenhuma a pessoa, anti-comunista a vida inteira, ser excomungada por votar (v.g.) na Marina Silva unicamente por vislumbrar nela a melhor opção para quebrar a hegemonia petista. Erros quanto a juízos de fato (por exemplo, sobre qual candidatura apresenta na verdade maior perigo à pátria), é claro que sempre pode haver; mas essa espécie de equívoco, involuntário e de boa fé, à qual todos nós, seres limitados e finitos que somos, estamos sujeitos, não tem e não pode ter jamais o condão de excomungar ninguém.

Há muitos pecados pelos quais se pode perder a própria alma. Na esmagadora maioria dos casos, no entanto, as eleições brasileiras – mormente as presidenciais – não constituem matéria para eles.

As eleições já estão decididas

Exagero. Talvez eu deva dizer “90% decididas”. É Tolstoi, se bem me recordo, no final do seu “Guerra e Paz”, que lança uma teoria dessas: de que os homens são meros coadjuvantes que obedecem a necessidades históricas imperiosas e tal. Obviamente não a abraço sem reservas. No que concerne a eleições presidenciais, contudo, os brasileiros obedecem, sim, e com bastante regularidade, ao império das pesquisas de intenção de voto.

Isso por uma dupla razão. A primeira é óbvia: a pesquisa, quando bem feita, é representativa do universo total. A segunda é mais esdrúxula, mas não menos verdadeira: o brasileiro vota em manada. A mentalidade do eleitor brasileiro médio é a de que o voto é uma espécie de jogo de azar cujo objetivo é “acertar” o candidato (que há-de ser) vencedor: a turma vota, sério, como se estivesse apostando no jogo do bicho. E isso não pode ser mudado à força dos nossos esforços simplesmente porque o contingente dos que votam assim é gigantescamente enorme. É necessária uma conscientização em massa que eu não sei nem se é possível mas que, em sendo, é um processo de gerações que não vai se realizar daqui para outubro. Maktub.

Estas eleições foram definidas em junho do ano passado, e o PT perdeu. Há, desde então, um sentimento generalizado entre os brasileiros: a de que o PT não é mais suportável. Pelas razões o mais díspares possível, ninguém está satisfeito com o governo da companheira Dilma. Em um embate direto, virtualmente qualquer pessoa seria capaz de derrotar a sra. Rousseff, à única exceção do sr. Aécio Neves porque, por razões que a própria Razão desconhece, o PSDB é, entre os patrícios, o único partido mais odiado do que o PT. (O negócio anda tão escancarado que eu não duvidaria de que, num segundo turno entre o Fidelix e a Dilma, o PRTB ganhasse um mandato presidencial pela primeira vez em terrae brasilis.) Aqui a vitória eleitoral não é alcançada pela visão positiva que os brasileiros têm de um candidato, mas pela negativa que têm do seu adversário. E ninguém, ninguém é atualmente mais odiado do que o PT (à exceção, talvez, do PSDB – por isso um segundo turno entre a Dilma e o Aécio é o único cenário em que há alguma margem para incertezas).

Considerando, portanto, que o segundo turno será decidido entre a Marina e a Dilma (isso se a recém-PSBista não levar o caneco no primeiro turno…) e considerando que os brasileiros desgostam da sra. Rousseff muitas ordens de grandeza mais do que temem a dona Silva, é mister se render aos fatos: 2015 vai nascer sob a égide da segunda mulher presidente da história do Brasil. As pesquisas mostram uma diferença de 9-10 pontos percentuais (v.g. aqui e aqui); isso é entre 12 e 14 milhões de eleitores. Nenhum grupo social brasileiro possui semelhante contingente capaz de mobilizar. Essa diferença, simplesmente, não pode ser tirada.

A menos, é claro, que aconteça alguma reviravolta análoga à queda do avião que vitimou o Eduardo Campos; mas mesmo isso está além do nosso controle. Relaxemos, portanto, o nosso coração. Não podemos, por nosso próprio esforço, impedir a Marina Silva de ser a próxima presidente. Não adianta gastar energia e noites de sono com isso. Não tem lógica martirizarmo-nos por essas eleições: nenhum homem pode ser responsável por aquilo que está muito além do seu alcance fazer.

À guisa de arremate

Enfim, após a longa exposição, sistematizemos algumas coisas.

– Este blogueiro não se sente capacitado para indicar qualquer estratégia de voto aos seus leitores.

– Sobre ações políticas em geral, o que posso dizer é o que diz a Igreja: o socialismo é perverso e deve ser combatido. Isso, obviamente, tem um alcance que ultrapassa a mera atividade eleitoreira. A guerra contra o socialismo é uma guerra cultural que deve ser travada ininterruptamente, todos os dias e em todas as esferas da vida.

– Sobre ações políticas em específico, no que concerne às eleições presidenciais, não me parece que seja possível o juízo definitivo a respeito de ser o PSB ou o PT pior para o Brasil. No que concerne à licitude moral de fazer uma ou outra opção, são as disposições interiores de apoio ou rechaço ao socialismo revolucionário que determinarão a moralidade do voto. No quadro atual – e friso o no quadro atual -, não existe nexo causal necessário entre “votar em partido de esquerda” e “sofrer excomunhão automática”.

– Não nos matemos, portanto. Ninguém está obrigado a votar na Dilma. Ninguém está obrigado a votar no Aécio. Ninguém está obrigado a votar na Marina. Ninguém está obrigado a votar no Pastor Everaldo. Ninguém está obrigado a votar nulo. Ninguém está obrigado a rigorosamente nada. A situação em que vivemos é kafkiana, absurda. Não desperdicemos importantes energias com guerras fratricidas sem sentido.

– Sobre as análises políticas, conquanto elas não tenham, a esta altura do campeonato, o menor poder de mudar o resultado das eleições, elas devem ainda assim ser feitas com o propósito de melhor nos prepararmos para o que virá. O nosso problema não termina em outubro. O trabalho se propaga para além e com os resultados do pleito. Teremos muito a fazer no ano que vem, como vimos tendo. Paciência, persistência e coragem. Dias piores virão.