Os velhinhos de Carlos Cardoso

É melhor ler besteira do que ser analfabeto; mas tem horas em que se é levado, sinceramente, a duvidar da veracidade deste dito popular, e a se perguntar se não são os analfabetos que são felizes, porque vivem ao abrigo da enxurrada de coisas estúpidas que, vez por outra, caem à nossa frente. É o caso do tosquíssimo post que um amigo me enviou, publicado no Natal no “Blog do Cardoso” – que, aliás, eu não sei quem é.

Comentei aqui um dia desses sobre a existência de pessoas adultas que não conseguiam diferenciar Deus de Papai Noel; o sr. Cardoso apresentou-se como um perfeito exemplo daquilo que eu estava falando. Cai como uma luva, é impressionante: se eu tivesse procurado alguém para comentar, provavelmente não o teria encontrado.

No meio de um ataque de raiva completamente injustificado, o autor do blog dirige as suas invectivas contra um padre italiano que cometeu o gravíssimo pecado de contar para as crianças que Papai Noel não existe! E o motivo de semelhante ira santa é, justamente, o que foi por mim apontado no outro post sobre os falsos símbolos natalinos: ele não consegue conceber “Deus” e “Papai Noel” como pertencentes a ordens de conhecimento distintas. Não percebe a diferença entre uma fábula e uma conclusão metafísica. Para ele, Papai Noel e o Deus Altíssimo são dois “velhinhos”, e a única diferença é que o primeiro é bonzinho e, o segundo, cruel. São suas palavras:

Então vejamos; um sujeito que acredita em um velhinho imaginário de barbas brancas estraga a infância de crianças que acreditam em outro velhinho imaginário de barbas brancas? Notem que em momento nenhum as crianças disseram que não acreditam no velhinho do padre, mas esse puto egoista não quer mais nenhum outro velhinho na história.

Este curioso espécimen de incapacidade intelectual é desanimador. Reforço, portanto, o que eu disse aqui antes: será que as crianças são capazes de fazer a distinção cognitiva necessária entre o Menino Jesus e Papai Noel que até mesmo alguns adultos alfabetizados são incapazes de fazer? Não há, repito, problema intrínseco com as fábulas! Mas é necessário que cada coisa fique em sua própria esfera.

Só mais duas besteiras do Carlos Cardoso precisam ser postas em pratos limpos. Primeira asneira: Muito mais crianças acreditam no Papai Noel e em suas variações do que no seu velhinho de barbas brancas. Quase todas as culturas têm uma figura semelhante ao Papai Noel. Concedendo que seja verdade a última frase, a idéia de Deus é um universal humano, podendo ser encontrada semper et ubique, em todos os povos de todos os tempos – os ateus são exceções que confirmam a regra. É, portanto, um absurdo completo o articulista querer insinuar que há mais pessoas que acreditam em Papai Noel do que em Deus!

Segunda asneira: Enquanto isso, padre Dino, o senhor poderia nos dar um EXCELENTE presente de Natal e ao invés de estragar a infância de um monte de crianças, poderia ser HOMEM e dar uma declaração dizendo que “Maomé é uma figura imaginária, como Branca de Neve e Cinderella”. Meu Deus, o homem surtou! Maomé é um personagem histórico! Ele não consegue distinguir Deus, de Papai Noel, de Maomé (o conhecimento metafísico, do – digamos – fantasioso, do histórico); para ele, são três velhinhos igualmente inexistentes!

E o pior é que tem gente que lê esse tipo de coisa e acha o máximo…

Respeito devido aos sacerdotes – Sta. Catarina de Sena

Filha querida, ao manifestar-te a grande virtude daqueles pastores, quero colocar em evidência a dignidade dos meus ministros. Pelo pecado de Adão, as portas da eternidade fecharam-se, mas o meu Filho abriu-as com a chave do seu sangue. Ao sofrer a paixão e morte, ele destruiu vossa morte e vos lavou no sangue. Sim, foram seu sangue e sua morte que, em virtude da união da natureza divina com a humana, deram acesso ao céu. E a quem deixou Cristo tal chave? Ao apóstolo Pedro e a seus sucessores, os que vieram e que virão depois dele até o dia do juízo final. Todos possuem a mesma autoridade de Pedro; nenhum pecado a diminui, do mesmo modo que não destrói a santidade do sangue de Cristo e dos Sacramentos. Já disse que o sol eucarístico não tem manchas e que o mal cometido por quem o administra ou recebe não apaga sua luz. Não, o pecado não danifica os sacramentos da santa Igreja, não lhes diminui a força; prejudica a graça e aumenta a culpa somente em quem os ministra ou recebe indignamente.

Na terra, quem possui a chave do sangue é o Cristo-na-terra. Certa vez eu te manifestei essa verdade numa visão, para indicar o grande respeito que os leigos devem ter pelos ministros, bons ou maus que eles sejam, e quanto me desagrada que alguém os ofenda. Pus diante de ti a jerarquia da Igreja sob a figura de uma dispensa contendo o sangue de meu Filho. No sangue estava a virtude de todos os sacramentos e a vida dos fiéis. À porta daquela despensa, vias o Cristo-na-terra, encarregado de distribuir o sangue e fazer-se ajudar por outros no serviço de toda a santa Igreja. Quem ele escolhia e ungia, logo se tornava ministro. Dele procedia toda a ordem clerical; ele dava a cada um sua função no ministério do glorioso sangue. E como dispunha dos seus auxiliares, possuía a força de corrigi-los nos seus defeitos.

De fato, é assim que eu quero que aconteça. Pela dignidade e autoridade confiada a meus ministros, retirei-os de qualquer sujeição aos poderes civis. A lei civil não tem poder legal para puni-los; somente o possui aquele que foi posto como senhor e ministro da lei divina.

Os ministros são ungidos meus. A respeito deles diz a Escritura: “Não toqueis nos meus cristos” (Sl 105, 15). Quem os punir cairá na maior infelicidade. Se me perguntares por que a culpa dos perseguidores da santa Igreja é a maior de todas e, ainda, por que não se deve ter menor respeito pelos meus ministros por causa de seus defeitos, respondo-te: porque, em virtude do sangue por eles ministrado, toda reverência feita a eles, na realidade não atinge a eles, mas a mim. Não fosse assim, poderíeis ter para com eles o mesmo comportamento de praxe para com os demais homens. Quem vos obriga a respeitá-los é o ministério do sangue. Quando desejais receber os sacramentos, procurais meus ministros; não por eles mesmos, mas pelo poder que lhes dei. Se recusais fazê-lo, em caso de possibilidade, estais em perigo de condenação. A reverência é dada a mim e a meu Filho encarnado, que somos uma só coisa pela união da natureza divina com a humana. Mas também o desrespeito. Afirmo-te que devem ser respeitados pela autoridade que lhes dei, e por isso mesmo não podem ser ofendidos. Quem os ofende, a mim ofende. Disto a proibição: “Não quero que mãos humanas toquem nos meus cristos”!

Nem poderá alguém escusar-se, dizendo: “Eu não ofendo a santa Igreja, nem me revolto contra ela; apenas sou contra os defeitos dos maus pastores”! Tal pessoa mente sobre a própria cabeça. O egoísmo a cegou e não vê. Aliás, vê; mas finge não enxergar, para abafar a voz da consciência. Ela compreende muito bem que está perseguindo o sangue do meu Filho e não os pastores. Nestas coisas, injúria ou ato de reverência dirigem-se a mim. Qualquer injúria: caçoadas, traições, afrontas. Já disse e repito: não quero que meus cristos sejam ofendidos. Somente eu devo puni-los, não outros. No entanto, homens ímpios continuam a revelar a irreverência que têm pelo sangue de Cristo, o pouco apreço que possuem pelo amado tesouro que deixei para a vida e santificação de suas almas. Não poderíeis ter recebido maior presente que o todo-Deus e todo-Homem como alimento. Cada vez que o conceito relativo aos meus ministros não coloca em mim sua principal justificativa, torna-se inconsistente e a pessoa neles vê somente muitos defeitos e pecados. De tais defeitos falarei em outro lugar. Mas quando o respeito se fundamenta em mim, jamais desaparece, mesmo diante de defeitos nos ministros; como disse, a grandeza da eucaristia não é diminuída por causa dos pecados. A veneração pelos sacerdotes não pode cessar; se tal coisa acontecer, sinto-me ofendido.

Santa Catarina de Sena, “O Diálogo”
Cap. 28.
Paulus, 9ª edição, São Paulo, 2005
pp. 237-240