O cortejo dos assassinos penitentes

O Estadão traz hoje uma pequena coluna da lavra do revmo. padre José Arnaldo Juliano, capelão do Mosteiro da Luz em São Paulo. Segundo o sacerdote, de cada dez confissões que ele atende, quatro estão relacionadas ao aborto.

É um número altíssimo, tremendo!, que nos autoriza — penso — a tirar algumas conclusões bem duras.

Antes de qualquer coisa, isso revela o avançado nível de barbárie em que nos encontramos. A banalização da vida — mormente da vida humana inocente e indefesa — atingiu patamares que provavelmente fariam corar de vergonha os pagãos de antes de Cristo. A questão mais grave, penso, é a indiferença. O aborto ainda é rechaçado pela maioria da população brasileira; no entanto, ninguém parece se importar com a sua prática escancarada, obscena, a céu aberto. No âmbito intelectual parece que as pessoas no geral compreendem que um feto no ventre da mãe é um ser humano cuja vida ou morte não pode estar sujeita à livre escolha de seus pais; mas no dia-a-dia, na vida prática, no quotidiano, as pessoas têm uma deplorável capacidade de virar o rosto e fingir que não estão vendo nada. Parece ser reencenada aqui aquela triste máxima sobre a corrupção do nosso povo: todos a condenam, mas em determinadas situações todos a praticariam.

Depois: o número revela o imenso mal provocado pela leniência dos poderes públicos no combate a este crime horrendo. Se a índole do povo é tendente à dissolução, compete aos governantes refrear-lhe os maus instintos. Mas a verdade é que nós assistimos, nas últimas décadas, à implantação sistemática e consistente de políticas públicas tendentes a facilitar cada vez mais o crime horrendo do aborto. O padre Lodi denuncia isso pelo menos desde 1999. O resultado está aí: por conta da banalização do mal, muitas mulheres psicologicamente fragilizadas acabam sendo empurradas — muitas vezes por companheiros inescrupulosos — para o assassínio covarde dos seus filhos. E a isso os poderes públicos fecham os olhos, e esses dramas terríveis a sociedade finge não ver.

E isso nos leva à seguinte outra questão: tanto sangue inocente derramado clama aos Céus vingança, e ainda haveremos de padecer muito em expiação pelos nossos crimes. Se o Brasil agoniza sob a corrupção política institucionalizada, se as nossas taxas de homicídios ganham das de países em guerra, se mosquitos nos transmitem pragas horrendas, se as drogas ceifam um número cada vez maior de vidas, se o desemprego cresce e a economia vai mal, tudo isso é pouco — é quase nada — perto do castigo que merecemos pela indiferença com a qual tratamos o crime horrível do aborto. Se este crime, que é o mais horrendo e o mais vil de todos, não nos escandaliza, então nós perdemos o direito de nos escandalizar diante do que quer que seja. Se o nosso coração está tão endurecido a ponto de não se comover com uma criança assassinada no ventre de sua mãe — um ser humano inocente morto, um de nós!, assassinado no santuário da vida –, então somos bestas selvagens sobre as quais a mão implacável de IHWH dos Exércitos não poderá jamais pesar o suficiente.

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Tudo isso é terrível e é dramático, mas resta no fundo da caixa uma esperança a nos alentar. É que as mulheres que cometem esse ato infame ainda se arrependem e, entre lágrimas, procuram um sacerdote para se confessar — no Mosteiro da Luz de São Paulo, quatro em cada dez confissões versam sobre o aborto! Se o pecado é horrendo, o arrependimento é sublime e, o perdão, magnânimo. Se os nossos confessionários estão abarrotados de criminosos e assassinos, que Deus seja louvado! Pior seria se os criminosos não acorressem ao Tribunal da Misericórdia, se os assassinos não fossem limpar nas lágrimas da Penitência o sangue de suas mãos. Os números que o padre José Arnaldo nos trazem assustam, sim, sem dúvidas, mas também servem de alento: o senso do pecado continua, a voz da consciência ainda clama a despeito da massiva propaganda pró-aborto a que estamos sujeitos diuturnamente. A despeito da despudorada opção pelo crime que o Brasil institucionalmente fez, os brasileiros ainda se envergonham do homicídio, ainda se arrependem do assassinato, ainda pedem perdão pelo crime horrendo do aborto. Se o Céu se alegra com um único pecador arrependido, talvez este cortejo de assassinos penitentes nos alcance um pouco da Misericórdia de Deus.

Os perpétuos incapazes

Hoje as pessoas têm uma verdadeira aversão à pena de morte. Tratam-na como se fosse uma violência, uma agressão, uma injustiça; mas à primeira vista tanta ojeriza parece não ter sentido. Afinal de contas, por definição, toda e qualquer pena legitimamente aplicada é de algum modo um exercício de força, é um mal infligido, é um dano causado; não fosse desse modo, pena não seria. Mesmo assim, a coisa mais comum é encontrar pessoas que exercem, sobre a pena capital, um juízo de reprovação por vezes até mais severo do que contra o próprio crime de homicídio. Como se explica isso?

Penso que há dois pressupostos elípticos que ajudam a compreender essa mentalidade. Há, primeiro, uma exacerbação da sensibilidade cristã. Aquela história de que deveríamos oferecer a outra face a quem nos esbofeteia ficou de tal modo impregnada na cultura ocidental que por (muitas) vezes, ao não agirmos assim, sentimos que estamos violando um dever. A metáfora do sândalo perfumando o machado que o derruba tornou-se universal; e nós, quando nos negamos a perfumar aqueles que nos destroem, percebemo-nos como se fôssemos de algum modo transgressores de uma lei ainda mais alta do que a que proíbe o crime.

A verdade é que parece de algum modo mais censurável a pena que o crime por uma razão análoga àquela que faz com que a vingança seja por vezes mais reprovável que a própria agressão. O agressor avilta-se pelo próprio fato de agredir; já o agredido, espera-se que seja magnânimo. Se o agressor praticou o mal movido por sabe-se lá que condições — a necessidade, o medo, o impulso –, o mesmo não se pode dizer da vingança: ela é sempre premeditada, ela não tem outro propósito senão retribuir o mal sofrido. E quando se institucionaliza a pena de morte o contraste fica ainda mais marcante: é fácil imaginar um criminoso premido pelas circunstâncias, enquanto o mesmo não se pode jamais dizer da impessoalidade burocrática da justiça.

Mas há aqui também um outro pressuposto inconfessado: é a noção de que a civilização é superior ao crime e, portanto, nós, homens de bem, somos de alguma maneira superiores aos criminosos — não estando assim autorizados a agir com eles da mesma forma que eles agem para conosco. Em crianças nós toleramos certos comportamentos que, em um adulto, seriam dignos da mais áspera censura; repreender uma criança da mesma forma que repreenderíamos um adulto soa-nos um absurdo injustificável. Se uma criança nos bate com todas as suas forças, nós nem assim poderíamos bater-lhe de volta com toda a força de que dispomos. Ora, o criminoso está em um nível evolutivo inferior ao homem civilizado — e, portanto, ainda que ele nos faça todo o mal que esteja ao seu alcance, nós não lhe poderemos causar em resposta todo o dano de que somos capazes. Não deixa assim de ser irônico que o humanismo abolicionista tenha esses rasgos de condescendência: a pena capital é repelida porque, coitado, o criminoso não a merece.

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O estranho é que a abolição da pena de morte termina por resvalar, no limite, para a supressão de toda e qualquer pena. Executar um criminoso é uma crueldade, concedamos; mas não é também uma coisa cruel encarcerar um infeliz? Se um assassino não merece ser executado porque a sociedade não pode pagar o mal com o mal, por que um sequestrador mereceria ser encarcerado? Tal não seria punir a privação da liberdade do cativeiro com a privação da liberdade do cárcere? Se não aceitamos que se possa castigar unicamente para pagar o mal praticado — a clássica função retributiva da pena –, haverá realmente boas razões para se castigar por qualquer motivo que seja? Não deveríamos procurar outras formas de resolver os conflitos, formas que causem menos danos?

Gustavo Corção, falando sobre o valor da vida, escreveu certa vez que a consciência católica sempre viu na pena capital «um recurso extremo graças ao qual os homens mais perversos recuperaram a dignidade perdida e o direito ao respeito de todos». A afirmação, que provavelmente será considerada estranha aos leitores contemporâneos, tem no entanto um fundamento bastante simples: nós só atribuímos responsabilidades pelos seus atos àqueles que são perfeitos como nós. Inimputáveis são os loucos e as crianças — aqueles coitados que, na fórmula jurídica, são incapazes de perceber o caráter ilícito de sua atitude ou de se determinar de acordo com esse entendimento (Código Penal, 26). Inimputáveis são seres humanos defeituosos, incompletos, inferiores. Apregoar o abolicionismo universal das penas, assim, é no fundo tratar a todos como perpétuos incapazes, é não lhes conceder a plenitude da condição humana.

Sobre a ocupação da Faculdade de Direito do Recife

Alguns amigos me perguntam se não me solidarizo com os estudantes — muitos dos quais colegas meus, com os quais estudo ou já estudei, que eu vejo praticamente todos os dias — que invadiram ontem à noite o prédio da Faculdade de Direito do Recife. Dizem-me que eles fazem isso porque estão convencidos de estar agindo de maneira correta; só chegaram a este extremo porque não vêem outra alternativa. Em assim sendo o momento é de “dialogar” e não de acirrar animosidades.

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Bom, a questão absolutamente não é essa. Claro que eles, internamente, estão convencidos de estarem fazendo a coisa certa. Isso é óbvio, todo mundo só faz aquilo que acredita ser correto. Gostaria muitíssimo, aliás, de ver essa capacidade de empatia dos meus interlocutores aplicada a tudo — porque, para ficar só em um exemplo, os portugueses que aqui chegaram há quinhentos anos certamente acreditavam estar fazendo a coisa certa ao catequizar os índios, e eu não estou acostumado a ver muita condescendência histórica com a colonização ibérica. Exigir para si mesmo aquilo que costumeiramente se nega aos outros, portanto, não é lá uma disposição dialógica sincera; ao contrário, tem forte sabor de hipocrisia.

O ponto não é que os estudantes acreditem estar fazendo o certo. O que interessa aqui é saber qual o juízo público que deve ser feito de suas atitudes. Quais as consequências exteriores e objetivas de suas ações, se eles devem ser por elas responsabilizados e de que maneira. Esta é a discussão que interessa. Estou plenamente convencido de que aqueles jovens acreditam estar fazendo a coisa certa quando invadem uma propriedade pública na calada de noite e impedem que os cidadãos — muitos dos quais alunos hipossuficientes, beneficiários de assistência estudantil — tenham acesso à prestação de serviços a que aquele prédio público se destina. Não tenho a menor dúvida disso, como — mutatis mutandis — não tenho a menor dúvida de que um homem-bomba muçulmano acredite estar fazendo a coisa certa quando um explode um metrô no ocidente. Não cabe cogitar das intenções do homem-bomba. O que interessa é dizer que não é socialmente aceitável que uma pessoa exploda as outras, por melhores que sejam as suas intenções.

Vão me dizer que ocupar um prédio público é bastante diferente de explodir um metrô. Claro que é diferente, mas o princípio é rigorosamente o mesmo: é justificar a violação de uma norma social por conta das alegadas boas intenções que movem o violador da norma. Explodir um metrô e ocupar violentamente um prédio público obviamente não são censuráveis na mesma medida; mas são, ambas as atitudes, censuráveis em medidas distintas e é isso que se quer dizer aqui. Porque, afinal de contas, nós devemos olhar para a reprovabilidade da conduta ou para as intenções do agente? Se for para estas, então precisamos ser mais condescendentes com o terrorismo (e com a colonização portuguesa, o nazi-fascismo etc.); se, ao contrário, devermos olhar para os resultados objetivos das ações individuais, e se a repressão à atitude particular não guardar relação direta com a bondade ou maldade da intenção de quem a pratica, então talvez precisemos olhar para as ocupações das universidades públicas de uma maneira um pouco menos superficial. Talvez exigir a imediata retirada dos estudantes não se confunda com “condenar” as suas tomadas de posições políticas.

Este assunto interessa particularmente a este blog porque é, em última instância, uma reedição do fenômeno “quem sou eu para julgar?”. Porque do jeito que a sensibilidade contemporânea está estruturada fica parecendo que só é possível reprovar uma atitude pública se a pessoa que a prática for particularmente culpável de alguma espécie de maldade intrínseca; ou, a contrario sensu, que se uma pessoa puder estar subjetivamente justificada em alguma sua motivação interior então não é possível fazer nada contra as suas atitudes externas. Bom, uma e outra coisa estão erradas. Nem a condenação externa de um ato implica a reprovação pessoal do agente, nem a possibilidade de o agente estar de boa-fé o autoriza a cometer publicamente o ato sem que ninguém possa fazer nada a respeito. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Esta compreensão é completamente básica na doutrina católica: há certas atitudes que são inadmissíveis ainda que se possa imaginar que alguém as cometa em candura de consciência. A Igreja é intolerante nos princípios porque crê, mas é condescendente com as pessoas porque ama. Os atos de homossexualismo são intrinsecamente desordenados e não podem em hipótese alguma ser aprovados, ainda que se deva evitar para com as pessoas homossexuais todo sinal de discriminação injusta. Uma pessoa pode viver em uma situação objetiva de pecado sem que contudo seja subjetivamente culpável ou não o seja plenamente. É sempre o mesmo princípio aplicado das mais distintas maneiras; e o desconhecimento dele faz com que as pessoas ou acreditem que o Papa está a revogar a Doutrina da Igreja, ou que esta mesma Doutrina está a impedir Sua Santidade de ser verdadeiro Papa.

Volto à nossa Faculdade de Direito. Muitos dos marginais que estão lá dentro são provavelmente meus amigos; nem eles deixam de ser criminosos pelo fato de eu ser capaz de compreender as suas motivações, e nem o fato de eles serem meus amigos faz com que esteja tudo bem em invadir um prédio público e prejudicar a vida de milhares de pessoas que pouco ou nada compactuam com a visão de mundo deles. Se são pessoas malignas, não, claro que não são — não passam de jovens com uma visão de mundo equivocada que, conquanto possa ser subjetivamente justificável, é socialmente deletéria e se deve, com certeza!, externamente combater. Se deveriam ser retirados à força, é lógico que deveriam! Não se poderia sequer ter deixado que eles passassem a noite lá, e quanto mais o tempo passa mais a situação se torna difícil de resolver. Entender as motivações de terceiros não é condescender com as agressões de outrem, nem tampouco reagir às atitudes socialmente deletérias é negar que os seus fautores tenham ideais sinceros: no fundo é isso o que interessa aqui. No meio de todos os males provocados pelos bárbaros que neste momento estão ocupando ilegitimamente um prédio histórico, que ao menos a tragédia possa ajudar essas distinções básicas a serem melhor compreendidas.

Escola sem Partido: méritos e riscos

A proposta do “Escola sem Partido” está dando o que falar, principalmente por conta de uma consulta pública no site do Senado que vem provocando uma verdadeira guerra virtual nos últimos dias — com a vitória pendendo ora para um lado, ora para o outro. Muita gente me havia pedido para escrever sobre o assunto, e eu estava reticente. Talvez a própria escrita deste texto esclareça as razões da minha resistência original.

Antes de qualquer outra coisa, cabe deixar claro que não se trata de um tema propriamente católico; quero dizer, não se trata de um tema sobre o qual seja possível apresentar uma “resposta católica” universalmente aceita. Conheço gente que está muito entusiasmada com o projeto; conheço, igualmente, gente que tem ressalvas contra ele. Com isso não quero dizer que o problema seja de tal natureza que mereça a indiferença dos católicos; é claro que não. Apenas a solução apresentada não é a única aceitável. A um mesmo problema se pode quase sempre apresentar soluções distintas: por exemplo, a morte de mulheres em decorrência da prática do aborto é sem dúvidas um problema. Isto reconhecem, facilmente, os católicos e as feministas. Já as soluções apresentadas por um grupo e pelo outro são em tudo distintas: os primeiros querem evitar todas as mortes evitando o próprio aborto, e as últimas querem evitar as mortes das mães mediante o asséptico, legal e profissionalizado assassinato dos filhos.

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Aqui a situação é diferente. O problemaa existência de doutrinação nas escolas — é no geral incontestável, ao menos entre os católicos; os inimigos da proposta, por sua vez, debatem-se entre afirmar que não há doutrinação e reclamar o próprio direito de doutrinar em paz. Não nos ocupemos tanto com estes últimos. Procuremos entender o porquê de haver discórdias entre nós.

Os católicos temos uma diferença radical para com os incrédulos do século moderno: nós acreditamos firmemente na existência de uma verdade, com relação à qual os homens têm um dever moral de reconhecimento. Isto significa que não nos é permitido ficar inertes diante das mentiras que contam nas nossas escolas — das quais a comparação entre um santo católico e um assassino comunista é apenas o absurdo mais patente. Teríamos este dever, aliás, ainda que as escolas não tivessem nada a ver conosco; sendo compulsórias para os nossos filhos como o são, no entanto, este dever se nos reveste de maior premência. Trata-se de um problema da mais alta gravidade, cujo reconhecimento é necessário ainda que se possa licitamente divergir quanto aos meios de o enfrentar.

A questão é que, havendo este problema, há (pelo menos) três coisas diferentes em jogo.

a inspiração original do Escola sem Partido, que pode ser resumida na seguinte proposta:

Nada mais simples: basta informar e educar os alunos sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores; basta informar e educar os professores sobre os limites éticos e jurídicos da sua liberdade de ensinar.

Há modelos de projeto de lei do mesmo Escola sem Partido, dos quais o Federal contém coisas como a que segue:

Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.

Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.

E há o projeto de lei efetivamente em tramitação no Congresso, que é praticamente igual ao modelo acima apresentado, com talvez uma única diferença — um dispositivo que proíbe “a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes” –, sobre a qual o próprio idealizador do movimento já se manifestou de maneira contrária.

A grande questão é que da inspiração primeira ao que é possível fazer vai uma distância muito longa, por vezes maior do que aceitável pelos partidários da insatisfação original. Que há um problema de doutrinação nas nossas escolas, há; mas como combatê-lo eficazmente? Uma lei não funciona somente para o que ela “foi pensada” para fazer; mormente no caos jurídico contemporâneo, uma lei tem vida própria e os seus efeitos podem se espraiar por situações muito distantes das que os seus idealizadores originalmente imaginaram. O PL 867/2015, por exemplo, diz um dos princípios aos quais atenderá a educação nacional é o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”.

A justificativa do projeto e o histórico da educação brasileira nos dizem que, com isso, pretende-se limitar o discurso hegemônico da esquerda; mas não é difícil imaginar uma situação na qual professores decentes passem a ser perseguidos com base nesta lei. Afinal de contas, se é para haver “pluralismo de idéias”, então um professor que diga que os homens e as mulheres são naturalmente diferentes entre si precisa, também, contrabalancear esta afirmação dizendo igualmente — e de forma neutra, isenta — que há quem diga que ser homem ou ser mulher é meramente uma construção social, e que qualquer das duas teorias é em princípio aceitável. Do mesmo modo, uma professora de biologia que diga que a vida do indivíduo humano se inicia com a concepção deverá, de maneira equilibrada e imparcial, afirmar que há também quem diga que ela só inicia em outro momento — com a nidação, a formação do sistema nervoso central ou sabe-se lá o quê, e antes disso o embrião ou o feto humano não passa de um punhado de células com as quais é possível fazer qualquer coisa. Em suma: a lei, que objetiva dar espaço à verdade no meio de um oceano de mentiras, pode muito facilmente ser usada para exigir que a mentira seja introduzida naqueles (já escassos!) espaços onde a verdade é privilegiada.

Não vou me alongar muito. Não sei exatamente o que pensar sobre o projeto; por um lado intuo que a gritaria das esquerdas é sinal de que o Nagib acertou no ponto correto e, ao mesmo tempo, não quero simplesmente fazer “fogo amigo” contra pessoas que têm uma visão de mundo correta, sadia e necessária. Por outro lado, compreendo as ressalvas que outras pessoas — também católicas, também sérias, também preocupadas com os rumos da sociedade — fazem a respeito do projeto, e até faço minhas algumas delas. Arrisco-me a dizer somente duas coisas.

Uma: que o efeito simbólico do projeto de lei pode ser salutar. O próprio Miguel Nagib já disse que, no seu projeto, “o que interessa é o cartaz com os deveres do professor”. Talvez fosse interessante, então, remover os elementos burocráticos que podem dar azo a perseguições políticas e insistir somente no constrangimento que o cartaz onipresente pode provocar em educadores picaretas. A lei assim não haveria de ensejar punições administrativas; mas teria um efeito retórico que talvez não seja de se negligenciar.

Duas: que o mais importante em matéria de educação é firmar independência frente ao Estado, e não chamá-lo para tutelar os interesses legítimos da sociedade! O importante é que os pais eduquem os filhos — e exijam que eles sejam bem educados se, por acaso, precisarem terceirizar este seu dever. O importante é garantir o direito de ensinar o que é correto, e não demandar que o Estado exija quotas iguais para a verdade e para a mentira a todos os que exercem o múnus da docência. Não é suficiente fazer concessões para limitar o avanço do mal; é preciso, corajosamente e com uma santa altivez, fazer o bem. De peito aberto, de fronte erguida, sem a ninguém dever nada.

Só a Igreja combate a pedofilia com coerência

Mentes pequenas discutem pessoas enquanto grandes mentes debatem idéias. Trata-se de um lugar comum; mas todo lugar comum encerra importantes verdades. As pessoas passam e seu horizonte de atuação é muito restrito; as idéias permanecem, transcendem os homens e modificam o mundo. Discutir pessoas, destarte, é mesquinho, é pequeno, é insignificante. Quem detém pretensões um pouco mais ambiciosas precisa voltar-se para as idéias que levam as pessoas a agirem de tal ou qual maneira.

As idéias, contudo, para produzirem os seus efeitos no mundo, precisam de tempo. Raras vezes os primeiros propagadores de uma nova idéia verão todas as consequências de sua disseminação. Talvez não fosse claro, por exemplo, aos adeptos entusiasmados da revolução sexual da década de 60 que, poucos anos depois, crianças de 12 anos estariam fazendo filmes pornográficos. Por esses dias eu ouvia uma professora comentar que os anos 80 foram estranhos — eu já o comentei aqui. De fato foram tempos sinistros aqueles; considerá-los imprevisíveis, contudo, parece-me excessiva ingenuidade.

O abuso sexual infantil é uma lástima sob quaisquer aspectos deplorável. Creditá-lo à Igreja Católica, no entanto, é de uma hipocrisia avassaladora. Ora, não é possível esquecer — para ficar só no exemplo talvez mais paradigmático — que, há bem pouco tempo, a sexualidade infantil mereceu o apoio entusiasmado e aberto do cinema nacional; e de uma maneira tão constrangedora que a protagonista do filme, posteriormente, empregou sem sucesso a sua fortuna para tentar removê-lo de circulação. Não se diga que foi apenas uma excentricidade isolada da época: hoje mesmo, em pleno terceiro milênio, não falta quem chame de “cultura” o funk que estimula o estupro de meninas. Ora, as idéias têm consequências, por mais que o ignorem os seus propagadores. Nos dias de hoje parece haver um certo consenso de que o abuso sexual de crianças é uma coisa condenável. No entanto, somente a Igreja Católica o tem consistentemente condenado com a devida coerência!

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Ninguém faz mais que a Igreja contra a pedofilia. Recentemente se noticiaram novas medidas tomadas pela Santa Sé para facilitar a responsabilização de bispos que forem lenientes em casos de abusos infantis. Fui procurar; o documento que o Papa Francisco promulgou no último 4 de junho chama-se Come una madre amorevole — assim, em italiano mesmo, fugindo ao latim com que se costuma dar título aos documentos pontifícios. A Mãe Amorosa revela-se aqui implacável logo no primeiro artigo: os bispos podem ser legitimamente removidos de suas dioceses se a sua negligência provocar ou não impedir que seja provocado um grave dano a alguém.

Parágrafo primeiro: este dano pode ser físico, moral, espiritual ou patrimonial.

Parágrafo segundo: o bispo pode ser removido ainda que sua negligência não constitua culpa pessoal grave.

Parágrafo terceiro: em casos de abusos sexuais, basta que a indiligência seja grave (em oposição à molto grave do parágrafo antecedente).

Fico pensando em que hipótese um bispo pode ser negligente em matéria de abuso infantil e, ao mesmo tempo, não ser moralmente réu de culpa grave. Porque é evidente que a negligência pode configurar pecado mortal — e, para afastá-lo, é preciso que o agente ou não tenha visto com clareza a dimensão do problema, ou não dispusesse de plenas condições para o evitar. Em uma palavra: a negligência só não implica em pecado mortal se ela não for exigível. Mas, ora, se a atitude que se omitiu não era exigível, é ainda possível dizer que subsiste a própria negligência? Afinal, ser negligente é precisamente deixar de fazer algo que devia ser feito. Se devia ser feito, como é possível que não importe em culpa pessoal? Se não devia, como se pode falar ainda em negligência?

Penso que a novidade do documento reside precisamente nesta possibilidade de responsabilizar pessoas sobre as quais não é possível formar com segurança um juízo moral negativo. Fui olhar o Sacramentorum Sanctitatis Tutela e, nele, não encontrei semelhante previsão; a Graviora Delicta — que afirma ser «Congregationi pro Doctrina Fidei reservata» , entre outros, o «delictum contra sextum Decalogi praeceptum cum minore infra aetatem duodeviginti annorum a clerico commissum» — tampouco a traz. Não me recordo de a ter já visto em algum lugar — e, no entanto, ei-la reluzindo no frontispício da Madre Amorevole do Papa Francisco!

No Direito Penal secular isso provavelmente seria considerado responsabilidade objetiva — a possibilidade de se punir pessoas sem que lhes esteja caracterizado o dolo ou a culpa — e os doutrinadores contemporâneos, ciosos das garantias individuais contra a hipertrofia punitiva estatal, esmerar-se-iam por pintá-la aos olhos de todos como uma excrescência odiosa, não sossegando enquanto não a lograssem proscrever do Ordenamento Jurídico. No entanto, a justiça de Deus não deve prestar contas à justiça dos homens e, se é verdade que Leviathan não pode aplicar uma pena sem um fato típico, antijurídico e culpável, a Esposa de Cristo pode, sim, prescindir dessa culpabilidade na hora de desferir os golpes necessários à proteção dos Seus filhos.

É evidente que pode. Mais até: deve. Em se tratando de uma matéria grave como o abuso sexual de menores, mais do que estabelecer a culpa dos responsáveis importa fazer cessar o abuso e tomar medidas para que ele não se repita. Se determinado bispo não foi capaz de impedir a lepra da pedofilia de apodrecer parte do seu clero, é evidente que este bispo precisa ser substituído independente de sua culpa própria na propagação da epidemia — porque o papel do bispo é proteger os fiéis a ele confiados, e este dever é grave demais para que alguém possa eximir-se dele simplesmente dizendo “não consigo”. Ora, uma pessoa pode, perfeitamente, ser pessoalmente incapaz de enfrentar pervertidos sem que isso lhe acarrete culpa particular alguma. No entanto, tal pessoa não pode ser bispo católico. Não pode, porque de um bispo se exige mais do que de um católico comum. É bom que seja assim. Não pode não ser assim.

Amor_Estranho_AmorO abuso sexual de crianças é uma coisa terrível; nossa sociedade doente, no entanto, encontra e sempre encontrou mil modos de condescender com essa mácula! Lembremo-nos, o cinema brasileiro já filmou Amor Estranho Amor. Os nossos programas de auditório infantis já estiveram repletos de mulheres seminuas. As músicas cantadas ainda hoje por nossas crianças e adolescentes incentivam o sexo mais animalesco. O STF já há alguns anos flexibilizou a presunção de violência no estupro de vulnerável. O MEC há muito propõe aulas de educação sexual para crianças e jovens.

Somente a Igreja é de uma intolerância obstinada, medieval, contra o sexo infantil. Somente a Igreja afirma, sozinha, que o sexo é sagrado e que o seu lugar é dentro do Matrimônio com vistas à formação de uma família. Somente a Igreja prega, sozinha, que é preciso fugir do pecado e das ocasiões de pecado, e que é preciso mortificar os sentidos, e que a pornografia é pecado grave, e que certas modas imodestas muito ofendem a Nosso Senhor. Somente a Igreja ensina, sozinha, que o consentimento mútuo não elide o pecado contra a castidade, e que as depravações sexuais exaltadas pelo mundo moderno não deixam de ser depravações quando são consentidas. E, agora, somente a Igreja, sozinha, determina punição independente de culpa para quem não faz cessar os abusos sexuais sofridos por menores que de algum modo estavam sob sua responsabilidade.

A pedofilia é uma desgraça que cresce assustadoramente no mundo sob o impulso das concepções modernas a respeito do sexo. E somente a Igreja a combate com a coerência exigida. Somente à luz d’Ela este mal poderá ser vencido. Apenas esta Mãe Amorosa é capaz de proteger verdadeiramente os pequenos e indefesos.

Microcefalia e o avanço da agenda pró-aborto

O meritíssimo sr. Juiz de Direito da 1ª Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida de Goiânia, dr. Jesseir Coelho de Alcântara, apareceu recentemente na nossa imprensa defendendo o aborto das crianças portadoras de microcefalia. «Se houver pedido por alguma gestante nesse caso de gravidez com microcefalia e zika, com comprovação médica de que esse bebê não vai nascer com vida, aí sim a gente autoriza o aborto», disse o Magistrado à BBC Brasil.

A bravata deve, sim, preocupar. Embora pessoas com esta síndrome possam levar uma vida perfeitamente normal — inclusive a ponto de dizerem achar «errado propor aborto para casos de microcefalia» –, isto só acontece se lhes é permitido, em primeiríssimo lugar, nascerem. Antes do nascimento, quando o feto não passa de uma imagem em um aparelho ultrassom, é sempre possível dizer qualquer coisa. Já cansamos de ver isso acontecer.

Marcela de Jesus, diagnosticada anencéfala, viveu um ano e oito meses. Vitória de Cristo, diagnosticada anencéfala, viveu mais de dois anos e meio. Jaxon Buell nasceu em 2014 e continua vivo. E a anencefalia é uma má-formação mais grave do que a microcefalia! Se mesmo bebês anencéfalos, a despeito dos diagnósticos que recebam no útero de suas mães, teimam em viver quando não são assassinados, o que se dirá dos portadores de microcefalia — que, destes, temos fartos exemplos até à idade adulta?

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Não existe «comprovação médica de que esse bebê não vai nascer com vida», esta quimera que o Dr. Jesseir evoca para anestesiar a consciência dos seus interlocutores. Não existe e nem nunca vai existir, porque este tipo de previsão (e não “comprovação”) é por sua própria natureza muito frágil. Diante de um aborto espontâneo, analisar o embrião com microcefalia severa e aventar a hipótese (verossímil, conceda-se) de que esta síndrome causou aquela morte, tal é possível ex post facto. Dizer, no entanto, que uma gravidez microcefálica em curso vai comprovadamente terminar em aborto, tal não é ciência e nem medicina. É na melhor das hipóteses exercício leviano de futurologia — e, na pior, pura e simples vontade de exterminar o deficiente. Não se pretende apressar o que há-de acontecer inevitavelmente, e sim poupar-se de uma experiência que se imagina desagradável. Acontece que, neste caso, esta experiência consiste em um ser humano inocente.

Veja-se como é esta e não outra a justificativa do aborto! Na sua fundamentação da ADPF 54, esta excrescência jurídica, o Ministro-Relator não é tão exigente quanto o Dr. Jesseir de Alcântara. Marco Aurélio, em seu voto, chega mesmo a dizer que o aborto deveria ser uma opção à mãe ainda que se reconhecesse o direito à vida do feto. Está lá, à página 69 do Acórdão:

No caso, ainda que se conceba o direito à vida do feto anencéfalo – o que, na minha óptica, é inadmissível, consoante enfatizado –, tal direito cederia, em juízo de ponderação, em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde, previstos, respectivamente, nos artigos 1º, inciso III, 5º, cabeça e incisos II, III e X, e 6º, cabeça, da Carta da República.

Ou seja: para o nosso Judiciário, a inviabilidade da vida extra-uterina é somente uma desculpa para tranquilizar a consciência da opinião pública, que insiste em ser visceralmente contrária ao aborto. Esta inviabilidade não é necessária de verdade: os juízes prescindem dela, aceitando em seu lugar meras impressões diagnósticas de que «esse bebê não vai nascer com vida» — e os mais ousados têm até a pachorra de dizer, em voto, que a liberdade sexual da mãe prepondera sobre a vida do feto. Antes, como agora, o objetivo não é conciliar direitos conflituosos em um caso limítrofe: o objetivo, agora como então, é fazer avançar a agenda pró-aborto. Que outro motivo explicaria o surgimento desta discussão de agora, quando são tão gritantes as diferenças entre o anencéfalo típico e o típico portador de microcefalia?

Para se defender desta tragédia é preciso ter a coragem de anunciar a sanidade em um mundo que parece sufocado pelo mal; mas é preciso também expôr ao descrédito estes maus profissionais que põem seus saberes a serviço da eugenia. Por exemplo, uma associação de portadores de microcefalia que receberam «comprovação médica» de que não nasceriam com vida seria excelente para destruir a credibilidade desta espécie de atestado médico, e bem que poderia tornar os profissionais de saúde menos propensos a arriscar sua reputação nesta espécie de vaticínio macabro. E o Juiz de Direito da 1ª Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida de Goiânia, que não tem a coragem do Marco Aurélio, já disse que só “autoriza” o aborto com a dita «comprovação». Sem ela, ao menos as crianças goianienses estarão a salvo da sanha homicida do Dr. Jesseir.

Livro: “De Persona a Pessoa: o reconhecimento da dignidade do nascituro perante a ordem jurídica brasileira”, do prof. Humberto Carneiro

Já está disponível na Livraria Cultura o livro do prof. Humberto Carneiro, “De Persona a Pessoa: O Reconhecimento da Dignidade do Nascituro perante a Ordem Jurídica Brasileira”. Trata-se da dissertação de mestrado do professor, a cuja defesa estive presente e sobre a qual publiquei um relato aqui, no Deus lo Vult!, à ocasião. Humberto disse que organizaria o trabalho para o publicar. O momento enfim chegou — e em tempo oportuno, para engrossar as fileiras dos que, contra um utilitarismo perverso infelizmente muito em voga, defendem o valor da vida humana “desde a concepção até a morte natural”.

Embora o nosso Código Civil estabeleça que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (Art. 2º) e o Pacto de San José da Costa Rica (também em vigor no Brasil desde antes do próprio CC) determine que “pessoa é todo ser humano” (Art. 1., 2.), o fato é que hoje se procura, por todos os meios, mitigar o alcance desta norma de direito natural e positivo. As questões envolvendo pesquisas científicas com seres humanos em estágio embrionário e a autorização judicial para se terminar a gravidez de feto meroanencefálico (com a conseqüente morte do ser humano deficiente) são talvez os dois exemplos mais claros de como a nossa Suprema Corte, na verdade, para a defesa de interesses escusos, julga-se no direito de passar por cima tanto da legislação pátria quanto dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Os nossos ministros do Supremo Tribunal Federal, é fato, não são os mais ardorosos e entusiastas defensores daquela norma que manda “respeitar os direitos e liberdades (…) [de] todo ser humano” (CADH 1). Ao contrário até: eles buscam, em toda oportunidade, meios de a relativizar, de lhe diminuir o alcance, de a esvaziar de conteúdo. E eles não o poderiam fazer — ou, ao menos, não com tanta facilidade — se contassem com uma oposição firme e verdadeira, não só da opinião pública como também, e principalmente, da Academia.

É por isso que é tão importante que seja agora lançado, pela Editora da Universidade Federal de Pernambuco, um livro onde se defende, já desde o título!, o reconhecimento da dignidade do nascituro perante a ordem jurídica brasileira. Iniciativas assim, jamais louvadas o bastante, devem ser aplaudidas, divulgadas e imitadas. Oxalá esta mudança de paradigma possa se expandir depressa, a fim de que o estrago causado por más idéias a respeito do ser humano — hoje ainda, em certos círculos, dominantes — possa ser contido e vire, o quanto antes, apenas uma página triste da história do Brasil.

E a redução da maioridade penal?

Um leitor do Deus lo Vult! apresenta os seguintes (pertinentes) questionamentos:

1ª) Ser contra reduzir a maioridade penal é uma posição oficial da Igreja? Se sim, baseada em quê?

2ª) Você é a favor de reduzir a maioridade penal?

3ª) Por quê é tão polêmico esse tema pra a Igreja? Tendo em vista que a violência precisa ser combatida, são seria mais do que justo punir baixando a maioridade penal, de forma contundente, quem comete crimes?

Primeiramente, é preciso deixar claro a Igreja não tem “posições oficiais” sobre temas tão essencialmente contingentes como o modo adequado de punir as pessoas de acordo com a idade que elas tenham. A Igreja trabalha com princípios, deixando (ampla) margem à sua variada concretização de acordo com os tempos e lugares, os costumes e os modos de vida de cada sociedade.

Aquilo que mais aproximadamente se pode procurar a este respeito na Igreja são as disposições do Código de Direito Canônico. Dois cânones particularmente interessam aqui; encontram-se no Livro VI – “das sanções na Igreja” – do Código e, dentro dele, no Título III – “da pessoa sujeita às sanções penais”. São os seguintes:

Cân. 1323 — Não está sujeito a nenhuma pena aquele que, ao violar a lei ou o preceito:

1.° não tinha ainda completado dezasseis anos de idade;

* * *

Cân. 1324 — § 1. O autor da violação não se exime à pena, mas esta, imposta por lei ou preceito, deve atenuar-se ou em seu lugar aplicar-se uma penitência, se o delito for praticado:

[…]

4.° por um menor que tenha completado dezasseis anos de idade;

Daqui se vê que, no que se refere à punibilidade do fiel católico em razão de sua faixa etária, vigoram três regimes na Igreja:

  1. os menores de 16 anos não estão sujeitos a nenhuma pena;
  2. os que já completaram 16 anos e ainda não completaram 18 anos estão sujeitos a penas atenuadas ou substituídas por penitências;
  3. os que já completaram 18 anos são punidos normalmente.

Isto – atenção! – não diz respeito à legislação civil dos diversos países do globo: isto é o que a Igreja dispõe para a aplicação das penas canônicas. Os dois ramos do Direito – o canônico e o civil – são relativamente independentes e, portanto, é perfeitamente possível que uma pessoa seja civilmente inimputável e canonicamente punível, ou vice-versa, sem que haja nenhum problema intrínseco com isto.

No que se refere ao direito secular, às penas estabelecidas pelo Estado, o que vale é o que está no Catecismo (III parte, Segunda Seção, Cap. II):

2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.

Desta passagem é possível extrair as seguintes importantíssimas conclusões:

  1. não existe nenhuma referência à idade da maioridade penal;
  2. é dever do Estado reprimir os comportamentos socialmente deletérios;
  3. o primeiro objetivo da pena é “reparar a desordem introduzida pela culpa” (função retributiva);
  4. a emenda do culpado (ressocialização) deve ocorrer “na medida do possível”.

Ou seja: é dever do Estado punir os crimes. A maneira concreta como esta punição se dará é deixada à prudência política dos governantes; nada obsta a que, por exemplo, existam estabelecimentos prisionais diferentes de acordo com a faixa etária do criminoso, ou – no meu entender mais importante ainda – de acordo com a lesividade do delito. Uma sociedade, caso queira, pode estabelecer vinte faixas etárias diferentes com diferentes modos de punição para cada uma delas: havendo certa razoável proporcionalidade entre eles, não existe a isso nenhum óbice de natureza moral. O que a sociedade não pode é deixar os delitos impunes: até aqui a doutrina da Igreja.

A respeito da maioridade penal, as duas posições antagônicas – pelos menos as duas posições sérias antagônicas – podem ser resumidas, parece-me, nas seguintes: por um lado, há quem ache que punir mal é menos ruim do que não punir e, pelo outro lado, há quem julgue que não punir é menos ruim do que punir mal.

Acho que ninguém discorda disto: o nosso sistema carcerário pune muito mal. Já o disse alhures, aliás: estou convencido de que, no futuro, os nossos descendentes olharão para nós com horror e, implacáveis, censurar-nos-ão a indiferença com a qual parecemos levar as nossas vidas enquanto, nas nossas prisões, seres humanos – nossos semelhantes – vivem pior do que animais.

Reconhecê-lo não é esquerdismo. O insuspeito Nelson Rodrigues, em uma de suas crônicas d’A Cabra Vadia (“A fotografia do ódio”, pp. 62-65), traz-nos os seguintes interessantíssimos parágrafos:

Imaginem um chefe de família, de origem italiana. Mas a origem pouco importa. Era uma criatura doce, cálida, generosa. Um dia foi preso porque não tinha, na hora, a sua identidade. Sua mulher, seus oito filhos, estão em casa, esperando para o jantar. Mas ele não vem porque foi atirado no fundo de um xadrez. Passou lá, entre marginais, 24 horas, e gritando. Digo eu que o verdadeiro grito parece falso. E o motorista gritava como se estivesse imitando, apenas imitando a dor da carne ferida.

Eis o que aconteceu: — fora estuprado por seis ou sete marginais. Saiu do xadrez, foi para casa. Empurrou a mulher, entrou no quarto e trancou-se. Lá, meteu uma bala na cabeça. Morreu de ódio, morreu odiando, como a fotografia de Manchete. E, como a leitora, não sabia a quem odiar. Os marginais eram, decerto, os menos culpados. Episódios assim são uma rotina que jamais variou. Isso pode acontecer com o filho, o pai, o irmão de qualquer um; pode acontecer com qualquer um. A vítima pode uivar três dias e três noites. Ninguém se mexe na delegacia.

Ora, isso foi escrito em 1968…! O que diria o cronista se visse, em todo o esplendor do terceiro milênio, o Carandiru, Pedrinhas ou o nosso Aníbal Bruno?

A grande questão de fundo, sobre a qual ninguém fala, é a seguinte: o sistema carcerário é ruim para o “adolescente” de 17 anos como o é para o “jovem” de 19. Quem é contra a redução da maioridade não quer que apenas o “de menor” seja poupado dos horrores dos presídios: quer, igualmente, que o seja o “de maior”. Apenas não existe viabilidade para a bandeira e, portanto, por uma mera questão de contenção de danos, ele aceita a incoerência acidental da própria posição.

Tal é legítimo? Lógico que é. O problema é que se está diante de duas posições injustificáveis. O Estado não pode deixar de punir. Mas tampouco pode pôr em grave risco a integridade física e mental de seus cidadãos. Alguém pode justificar a sua posição favorável à redução da maioridade afirmando que se devem tolerar os males do sistema carcerário em vistas a evitar a impunidade generalizada, que é um mal maior. Por outro lado, alguém pode defender a não redução da maioridade alegando que se deve tolerar a relativa impunidade a fim de mitigar os danos injustos do sistema penitenciário patrício, que – este sim! – é o mal maior aqui. Como determinar, de uma vez por todas e absolutamente, a qual dos dois litigantes assiste razão?

O que precisa ficar claro é que a questão não tem absolutamente nada a ver com a idade a partir da qual os brasileiros conseguem entender o caráter ilícito de seus atos e se determinar de acordo com este entendimento. É lógico que – salvo exceções extraordinárias e que devem ser provadas a posteriori, jamais presumidas – pessoas de quinze, dezesseis ou dezessete anos sabem perfeitamente o que estão fazendo. A questão é o que fazer com quem comete crimes, dentro das circunstâncias históricas concretas em que estamos inseridos. E, aqui – excetuando-se, é claro, posições tresloucadas como “não se pode punir, apenas reeducar” ou congêneres -, há espaço para bastante diversidade legítima de opinião.

Por que não deixar “as pessoas fazerem o que quiserem”?

Um leitor fez o seguinte comentário aqui no Deus lo Vult!:

eu sou a favor do livre arbítrio.. quem quiser abortar, aborta! acho que o pai e a mãe tem que decidir se querem ou não viver uma vida infeliz cuidando de uma criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso. larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

Ora, é completamente sem sentido apelar para o “livre-arbítrio” quando se está falando de eliminar uma vida humana inocente. Todo mundo é a favor do livre-arbítrio, é lógico; mas defender determinado emprego do livre-arbítrio que redunde em dano injusto a um bem de um terceiro, aí já é coisa que não faz sentido algum.

Apliquemos o mesmo “racio-símio” a outros tipos penais previstos no ordenamento brasileiro:

  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser assaltar, assalta! Acho que o assaltante tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser sequestrar, sequestra! Acho que o sequestrador tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • eu sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser desviar dinheiro público, desvia! Acho que o corrupto tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.
  • sou a favor do livre arbítrio..[.] quem quiser cometer qualquer crime, que cometa! Acho que o criminoso tem que decidir se quer ou não viver uma vida infeliz (…) larguem de hipocrisia e deixem as pessoas fazerem o que quiserem.

O “argumento”, como se pode ver, é completamente insustentável. A gente só pode advogar o direito à liberdade quando o seu exercício estiver direcionado para coisas em si mesmas boas ou pelo menos neutras. Antes, portanto, de se dizer “a favor do livre arbítrio” para o aborto, é preciso demonstrar que o aborto, considerado em si mesmo, é moralmente bom ou, pelo menos, indiferente. Sem enfrentar essa questão em primeiríssimo lugar, “hipocrisia” é querer aplicar aos opositores a pecha de estarem querendo violar o sacrossanto livre-arbítrio de outrem. Aqui, não!

[A mesma situação, aliás, poderia ser também resolvida simplesmente dizendo: ok, que cada um tenha o livre-arbítrio de fazer o que quiser, contanto que arque com as conseqüências de suas atitudes. Assim, o assaltante continua com o livre-arbítrio de assaltar, correndo com isso o risco de ser preso; o assassino, continua com o livre-arbítrio de assassinar, contando com o risco de ser morto em legítima defesa por sua vítima ou por um terceiro que por acaso o surpreenda no ato da realização do homicídio; e, o abortista, continua com o livre-arbítrio de abortar, ficando por conta disso sujeito às conseqüências penais que decorrem da sua conduta.

Se não o dizemos, contudo, é porque nos parece que esta visão conota uma espécie de “jogo de soma zero”, como se dispôr-se a sofrer a sanção penal de um crime fosse algo análogo a pagar o preço devido por um bem: como se transformasse o crime, assim, em uma transação normal e socialmente aceitável.

Acreditamos, ao contrário, que sofrer as consequências jurídicas de um crime não é, de nenhuma maneira, o “preço justo” que transforma o cometimento do crime em um negócio jurídico normal. As condutas criminosas devem ser evitadas, ponto; e não  é correto dizer que elas possam ser cometidas mediante o pagamento de x reais de multa ou y anos de reclusão. Parece-nos, assim, que meramente defender o livre-arbítrio para o mal, desde que com suas consequências, é um erro de perspectiva. Há que se distinguir a liberdade em abstrato do exercício concreto dessa liberdade: condenar algumas modalidades deste não equivale, sob lógica nenhuma, a negar aquela.]

Sobre a «criança que obviamente será inútil e morrerá quando o sentimento por ela já estiver imenso»… o que dizer diante de tamanha barbaridade? É evidente que tal conclusão é fruto unicamente da mentalidade doentia do autor do comentário; é patente que ele não tem o menor suporte fático, nenhum dado empírico a lhe autorizar. Porque o que nos contam as pessoas que tiveram filhos deficientes – mormente anencéfalos – é coisa completamente distinta. Busquem-se, a título de informação, as histórias de Marcela de Jesus ou Vitória de Cristo que já foram contadas neste mesmo blog.

Mas, mesmo assim, olhar unicamente para o sentimento dos pais é um erro de proporções. Em uma escala valorativa minimamente decente, o direito à vida da criança – mesmo deficiente! – ganha do direito a “bons sentimentos” dos pais. E, se não se pode exigir de ninguém que enfrente como homem as adversidades que a vida lhe trouxer, pode-se ao menos (e, aliás, deve-se!) impedi-lo de violar gravemente os direitos de outrem em reação àquelas adversidades. Eximir-se de fazê-lo é decair na mais horrenda barbárie, onde o que vale é a lei do mais forte e onde o estado de ânimo de alguém o autoriza a tudo para fazer valer a própria vontade, independente de quem seja pisoteado neste processo.

É lógico que ter um filho com uma deficiência grave é algo devastador. No entanto, matar o próprio filho por ele ser gravemente deficiente é de uma desumanidade atroz. É possível, sem dúvidas, levantar uma infinidade de argumentos para justificar, in casu, a atitude desesperada do pai que opta pelo assassínio intrauterino do seu filho doente. O que não dá é para pleitear o direito universal e inalienável ao extermínio pré-natal das crianças deficientes.

O aborto e a reforma do Código Penal: votação adiada para 2015

Conforme nota divulgada no início da tarde pelo Brasil Sem Aborto, a votação do novo Código Penal – PLS 236/2012 – ficou para o próximo ano. Alguns rápidos comentários:

– O referido projeto encontra-se no momento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Em sua versão mais recente (que pode ser encontrada, apensa ao relatório, aqui), o projeto é incomparavelmente melhor do que a proposta original – ao menos no que concerne ao aborto, que foi a parte a que dediquei maior atenção -, o que não pode deixar de ser comemorado como uma vitória. Nossos sinceros e agradecidos parabéns a todos os que se envolveram com o tema e, às custas de muito trabalho e grande dedicação, arrancaram ao Congresso brasileiro uma proposta minimamente sintonizada com a população brasileira, a cuja esmagadora maioria repugna o crime horrendo do aborto.

– Nada é certo ainda e, portanto, a celebração a que se referiu acima não nos pode fazer baixar a guarda: o projeto não foi apreciado! Isso significa que, à parte o relatório em grande medida positivo (no que concerne ao aborto, insista-se, uma vez que ainda não tive a oportunidade de o ler inteiro), nada foi procedimentalmente conquistado: a nova composição da CCJ (que será formada em 2015) não está obrigada a seguir o documento do Senador Vital do Rêgo.

– Por conseguinte, a nossa situação atual não é cômoda: tudo ainda pode mudar. Não podemos esmorecer neste importante combate e, tão-logo as atividades da CCJ sejam retomadas, precisamos estar atentos aos futuros desdobramentos deste importante drama do qual depende a vida de incontáveis brasileiros ainda não nascidos. A guerra ainda está longe de terminar.

– Não obstante, reproduzimos o trecho do relatório que aborda o tema, a fim de registrar os avanços que nele ficaram consignados:

No art. 127, preferimos manter a fórmula já consagrada no CP vigente, que estabelece a exclusão de punibilidade e não a exclusão do crime. Com relação ao inciso I, mantivemos a redação do aborto necessário, previsto no inciso I do art. 128 do Código Penal vigente. Aliás, foi nesse sentido o texto aprovado pela Comissão Especial, sendo que, na consolidação, o texto não foi atualizado.

Ainda no art. 127, que passa a ter o nomen juris de “Disposições gerais aplicáveis ao aborto”, inserimos parágrafo para punir a conduta de difundir ou fazer propaganda indevida de procedimento, substância ou objeto destinado a provocar aborto. Isso porque está sendo revogada a Lei de Contravenções Penais, que pune conduta similar no seu art. 20. Inserimos o termo “indevidamente” para admitir a divulgação de avanços da medicina relacionados ao tema, visto que há hipóteses de aborto que não configuram crime, sendo certo que a gestante, em circunstâncias que tais, merece o atendimento médico com a melhor técnica existente, autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.

– Talvez fosse preferível que a votação tivesse ocorrido hoje e o projeto saísse da CCJ com a redação que atualmente possui. É possível; no entanto, não é producente chorar pelo leite derramado. Em contrário, registre-se, existe ainda um dispositivo absolutamente bárbaro no atual projeto do Código, que legaliza a eugenia no Brasil em pleno século XXI, quando achávamos que este horror já não passava de uma vergonhosa página dos pesadelos do século passado. Trata-se do inciso III do Art. 127, que diz que não se pune o aborto praticado por médico «se comprovada a anencefalia ou se o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos».

– Nós acreditamos que os seres humanos – todos os seres humanos – têm o direito de viver, independente de suas limitações. Acreditamos que os mais fracos devem ser os mais protegidos pelos cidadãos e pelo Estado, e não os primeiros a serem descartados – e, pior, com a anuência dos Poderes Públicos. A legalização da eugenia pré-natal, exigida por uma minoria de sedizentes intelectuais que a saúdam como um progresso benéfico para o país, não pode encontrar guarida em uma nação que se pretenda civilizada.

– Ao contrário, seria preferível, isso sim, que o aborto eugênico fosse tipificado como um qualificador do crime de aborto: «Provocar aborto em razão de doença ou deficiência física do nascituro: Pena – prisão, de (e.g.) dois a seis anos». Exterminar um ser humano indefeso é uma covardia; exterminar um ser humano indefeso porque ele é deficiente, aí é de uma perversidade atroz, que precisa ser coibida com mais vigor.

– Continuamos, por fim, no nosso combate. A fim de que a vida seja verdadeiramente protegida em todas as suas fases, desde a sua concepção até a morte natural, e a fim de que esta exigência moral incontornável encontre eco também na nossa legislação positiva: que não retrocedamos! A vida é um bem muito importante para ficar sujeito ao arbítrio dos particulares, como querem alguns. Não é uma questão onde se possa alegar indiferença. A ninguém pode ser facultado exterminar um ser humano inocente. À compreensão desta verdade está estreitamente relacionado o nível de evolução de uma sociedade.