A cruz e o cocar

Há uns quatro meses, eu escrevi aqui sobre a ordenação episcopal do bispo de São Gabriel da Cachoeira. Estarrecido diante da cerimônia na qual Dom Edson Damian foi ordenado, eu comentei: “Para afastar os maus espíritos, Sua Excelência parece preferir o Yaigê às orações católicas; para ser coroado no dia de sua sagração, Sua Excelência parece preferir um cocar indígena a uma mitra católica. Parece preferir o paganismo ao Evangelho”.

Temo ter estado certo. Em recente reportagem do Jornal Nacional, Dom Damian foi capaz de fazer a seguinte afirmação: “São os índios que estão vivendo como viviam os primeiros cristãos que tinham tudo em comum, nós é que temos que nos converter a eles”. O vídeo está gravado (tem no link), e foi transmitido em cadeia nacional. Vergonha, escândalo: então um bispo católico tem a capacidade de afirmar publicamente que nós devemos nos converter ao paganismo!

E, então, estas tosquíssimas e estapafúrdias declarações de um Sucessor dos Apóstolos são utilizadas para embasar o resto das baboseiras veiculadas na reportagem. “Deus é a natureza, são as árvores, a própria caça, a própria pescaria”, fala um índio ex-padre. “A ideia de que há almas pagãs vagando na floresta e de que elas precisam ser salvas a qualquer custo já não é mais aceita pela direção da Igreja. […] [O novo bispo] veio disposto a rever o conceito de conversão”.

O conceito de “conversão” não pode ser revisto. Simplesmente não pode significar outra coisa que não o abandono dos erros e a aceitação da Fé Católica, a Fé Verdadeira, sem a qual é impossível agradar a Deus e se salvar. Sim, provavelmente ainda há almas pagãs vagando na floresta e, sim, elas precisam ser salvas, porque foi por elas que Nosso Senhor derramou o Seu Divino Sangue na Cruz do Calvário. Que o mundo não saiba dessas coisas, é compreensível. Agora, que não as saiba um bispo católico, sucessor dos Apóstolos, colocado pela Igreja para tomar conta da porção do povo de Deus a ele confiada, é estarrecedor. O que ele dirá, quando o Justo Juiz for lhe pedir contas das almas que foram deixadas sob os seus cuidados?

“Durante quase um século os ritos romanos da igreja tomaram o lugar dos mitos ancestrais” – é o que diz a reportagem. E é o mais frustrante: então a Cruz de Cristo imperou sobre o paganismo durante quase um século e, hoje, todo o trabalho realizado às custas das vidas de tantos bons e zelosos missionários foi lançado por terra. Acho que já falei aqui sobre o obelisco que tem no centro da Praça de São Pedro, e sobre o motivo que me faz gostar sobremaneira dele. É um símbolo pagão, sem dúvidas, mas faz as vezes de despojos de guerra: foi exorcizado, foi colocado diante da Basílica de São Pedro, no alto dele foi colocada uma cruz com relíquias da Cruz de Nosso Senhor e, na base, foi escrito: vicit Leo de tribu Iuda. Venceu o Leão da Tribo de Judá. Venceu a Cruz de Nosso Senhor. Venceu a Igreja Católica. E o paganismo foi derrotado, e está aos pés da Cruz: é o que diz o obelisco da Praça de São Pedro.

Isso, em Roma. Porque aqui, no Brasil, no interior do Amazonas, o paganismo escarnece da Cruz de Cristo. Sob as bênçãos de um sucessor dos Apóstolos de mitra e cajado, ou de cocar e lança, não o sei. Sei que é tremendamente frustrante. Se, em Roma, a Cruz de Nosso Senhor levanta-se acima do obelisco pagão, aqui, em terras tupiniquins, o cocar pagão ergue-se garboso sobre a cabeça de um bispo da Igreja Católica. Que o Deus Altíssimo tenha misericórdia de todos nós.

Bispo, pajé, xamã… ?

O respeito devido aos sacerdotes é particularmente difícil nos nossos dias. Quando as próprias autoridades religiosas não se dão ao respeito e parecem querer uma excessiva “mundanidade”, o que é que nós podemos fazer?

Foto: Maria Luiza Silveira
Foto: Maria Luiza Silveira

Soube hoje que o bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM) foi ordenado com um cocar. Foi o próprio Dom Edson Damian que escolheu ser “ordenado em meio aos indígenas”, numa cerimônia aberta pelo pajé que “entrou balançando o Yaigê” [uma “grande lança ritual”] que serve para afastar “qualquer resquício de malefício”, na presença de “dezenas de padres, além de 11 bispos de vários locais do Brasil”.

A matéria não diz se também foi Sua Excelência que escolheu ser “coroado” com um cocar; mas diz que este foi “[u]m dos pontos altos da cerimônia”. Depende do ponto de vista, digo eu. Desconheço se Satanás já chegou outra vez tão alto no seu propósito de ridicularizar a Igreja de Deus. E, sob outra ótica, desconheço se uma cerimônia de sagração episcopal já foi tão rebaixada assim em outra época da história.

Um cocar! Vejam só, é ridículo. Para afastar os maus espíritos, Sua Excelência parece preferir o Yaigê às orações católicas; para ser coroado no dia de sua sagração, Sua Excelência parece preferir um cocar indígena a uma mitra católica. Parece preferir o paganismo ao Evangelho. E um sucessor dos Apóstolos recém-sagrado!

E não me venham com balelas de “inculturação”. Se os índios da época do descobrimento não precisaram de Yaigês para entenderem o que era a Santa Missa, por que os de hoje precisariam? Se os índios foram evangelizados ao longo de vários séculos sem que ninguém precisasse paganizar a Santa Missa, por que isso hoje seria necessário? Ademais, a inculturação (além de ser um processo orgânico e não artificial como este escândalo) pressupõe a purificação da cultura, e a superstição besta de afastar “qualquer resquício de malefício ou impedimentos” balançando umas sementes está longe de ser um elemento purificado, está longe de ser compatível com a Doutrina Católica.

Dom Damian quer ser bispo católico para levar o Evangelho da Salvação aos índios, ou quer brincar de ser pajé ou xamã no século XXI para ficar fazendo parte de rituais pagãos sobre os quais há muito tempo já imperou a Cruz de Cristo? Não há meio termo possível. Está nas Escrituras Sagradas que não existe união alguma entre Cristo e Belial. E acrescento eu: tampouco entre Cristo e Tupã.