Nem só de zelo são feitos os santos

Algumas pessoas já sabem, mas acho que não mencionei aqui o caso de dois periodistas italianos que foram demitidos de uma rádio (católica) após terem escrito um artigo em que teciam duras críticas ao Papa Francisco. A notícia (bem como o artigo escrito por Alessandro Gnocchi e Mario Palmaro) pode ser lida em espanhol aqui.

Os dois italianos não são um caso isolado. Ainda outro dia, El País – sim, El País! – publicou uma dura carta de uma senhora mexicana ao Papa, cujo conteúdo era muito semelhante ao deste artigo dos dois ex-radialistas da Rádio Maria. Compadeci-me com a perplejidad da Lucrecia Rego de Planas. Com o que não pude concordar foi com a divulgação pública da carta. Que bem imaginam estas pessoas fazerem ao disseminar a desconfiança para com o Vigário de Cristo?

O «escândalo dos pequeninos» não se encontra em meia dúzia de frases toscas que a mídia secular lê sob sua própria ótica desfocada. O escândalo, o escândalo grande e verdadeiro, encontra-se em católicos esbravejando publicamente contra o Romano Pontífice. Coisa mais anti-tradicional do que isso não existe. A Igreja não é uma democracia na qual cada um dos fiéis é poder constituinte originário. A mentalidade de se fazer abaixo-assinados e lobby político para provocar mudanças nas esferas superiores de poder simplesmente não é católica.

Não interessa aqui o quão «justas» estes católicos julguem as reivindicações que fazem. Interessa também e principalmente o meio pelo qual elas são feitas. Afinal de contas, ao contrário do que ensinava Maquiavel, os fins não justificam os meios. De nada adianta alguém fazer a melhor coisa do mundo através de expedientes francamente deploráveis.

Sim, Santa Catarina de Siena atacou duramente o Papa. Mas ela dirigiu os seus ataques ao Papa. O sujeito que se senta na internet para vomitar impropérios contra o Romano Pontífice em nada se assemelha à Virgem de Siena, simplesmente porque os ataques despejados nos meios de comunicação em massa dirigem-se primariamente às massas, e não aos indivíduos. Um equivalente medieval desse péssimo hábito contemporâneo seria se, durante o exílio de Avignon, os católicos distribuíssem nas vilas e cidades panfletos mal-educados atacando a pusilanimidade de Gregório XI. É bastante claro que Santa Catarina não fez jamais nada sequer minimamente parecido com isso. Nunca ninguém fez nada parecido com isso.

Aliás, corrijo-me: já houve, sim, quem fizesse algo parecido com isso. Recordo-me de um nome: Savonarola. O pregador dominicano passou à história por despejar do púlpito os mais virulentos ataques contra a Cúria Romana e o Papa… Alexandre VI. Ora, perto de Alexandre VI, qualquer dos Papas do século XX pode pleitear a sua conceição imaculada!

Savonarola é porventura santo? Por acaso a Igreja o elegeu como modelo de virtudes a servir de exemplo para os fiéis católicos? Muito pelo contrário. Foi censurado diversas vezes por Roma, excomungado por fim, e morreu na forca. Sobre este interessante personagem D. Estêvão Bettencourt escreveu o seguinte:

Objetivamente falando, o procedimento do pregador florentino merece reprovação. Movido pela obsessão de pretensa vocação profética, excedeu os limites da reverência e da obediência na tarefa que ele se propôs, de repreender não somente as multidões populares, mas também as autoridades civis e religiosas. Não se poderia legitimar a sua insubmissão ao Papa Alexandre VI, que, apesar de graves deficiências, era o legítimo Pontífice (a propósito de Alexandre VI veja-se “P.R.” 4/1958, qu. 11). Acreditando arbitrariamente em sinais extraordinários, o pregador deixou-se alucinar e distanciou-se da realidade.

E sobre ele o velho beneditino ainda acrescenta estas palavras que deveriam ser gravadas em pedra e meditadas sete vezes por dia por todos os que se arvoram juízes dos Sumos Pontífices: «Infelizmente porém, não percebeu (ao menos, em sua conduta prática) que a fidelidade a Cristo e [à] Igreja implica necessariamente fidelidade ao Papa, mesmo a um Alexandre VI».

Diante de tudo isso, o que dizer de dois jornalistas italianos que jogam na imprensa um artigo intitulado «Questo Papa non ci piace»? Acaso se pode criticar o padre que prontamente os dispensou dos seus serviços a uma Rádio Católica? Se vivessem em fins do século XV, acontecer-lhes-ia coisa muito pior. A história nos ensina que nem só de zelo são feitos os santos. Os detratores do Papa Francisco deveriam se olhar mais atentamente no espelho: talvez o negro que lá vislumbrem não seja o do hábito de Santa Catarina. Cuidem para que não seja, ao contrário, um prenúncio do triste fim de Savonarola.

Os contraceptivos e a banalização do sexo

Um dos aspectos menos compreendidos da doutrina da Igreja Católica diz respeito à proibição dos contraceptivos. O problema acontece porque este ensinamento é as mais das vezes deslocado do seu lugar natural e, com isso, a sua correta apreciação fica prejudicada. Geralmente não adianta meramente citar os documentos magisteriais sobre o assunto, porque eles se direcionam a uma situação distinta daquela que os interlocutores estão geralmente imaginando – o que contribui para a confusão.

O ensinamento católico encontra a sua formulação lapidar na conhecida Humanae Vitae de Paulo VI: é «de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» (HV 14). A expressão mais importante aqui é «ato conjugal», que evidentemente pressupõe dois cônjuges: um esposo e uma esposa unidos pelos sagrados liames do Matrimônio. O que a Igreja diz aqui, simplesmente, é que para os esposos não é uma «via legítima para a regulação dos nascimentos» (id. ibid.) recorrer à contracepção artificial.

Penso que, para a maior parte das pessoas, o recurso aos contraceptivos dá-se não num contexto de entrega conjugal, mas sim de sexo fora do Matrimônio. Ora, sexo fora do Matrimônio é já pecado de per si: trata-se ou de adultério ou de fornicação, em qualquer dos casos uma grave violação do Sexto Mandamento que não passa a ser pecaminosa somente por causa do preservativo utilizado e nem deixa de sê-lo caso o ato sexual seja feito sem camisinha. Para uma correta compreensão do ensinamento católico é preciso, penso, separar as duas coisas. Ou melhor, as três coisas.

A primeira coisa, a se dizer para os casais casados, é que a regulação artificial da natalidade é intrinsecamente desordenada. Para isso valem as razões evocadas na Humanae Vitae e em outros documentos similares, que apontam para o nexo intrínseco entre «o significado unitivo e o significado procriador» (HV 13) do ato conjugal como querido por Deus e inscrito na natureza sexuada humana.

A segunda coisa, a se dizer para os solteiros, não pode ser simplesmente «não use camisinha». O que é preciso lhes dizer é que não façam sexo fora do casamento. Isso é uma coisa muito mais básica do que o veto à contracepção artificial, e se explica à luz da antropologia cristã e do significado mais profundo da sexualidade humana, que não pode ser reduzida ao hedonismo doentio com o qual é tratada nos dias de hoje. Pretender explicar a imoralidade da contracepção para gente que ainda não entendeu sequer que não pode sair por aí tendo relações sexuais com desconhecidos (*) é uma tática evidentemente fadada ao fracasso.

[(*) Para fins de intimidade conjugal, um amigo, um namorado ou mesmo um noivo é um desconhecido. É uma pessoa que, por sua própria condição, não tem o direito a certas intimidades que são próprias dos esposos unidos em uma empresa comum para a vida inteira: enquanto este compromisso mútuo não for firmado, e enquanto permanecer aberta a possibilidade de que os caminhos de ambos venham a se separar, duas pessoas são estranhas entre si independente do tempo há que se conheçam e da quantidade de informações sobre a outra que cada uma delas possua.

O amor conjugal está alicerçado sobre a entrega integral em vistas ao futuro, e não sobre o tempo gasto no passado. Ter passado algum tempo (por grande que ele seja) com uma pessoa é coisa banal, que se pode advogar até mesmo em favor de animais irracionais; em princípio, um cachorro pode ter passado a sua vida inteira com uma única cadela, ou um boi com uma única vaca, e nem por isso é-nos possível elevar o “relacionamento” deles ao patamar do amor humano.

Ao contrário, devotar o seu futuro a um companheiro é ato de liberdade por excelência, único digno da natureza humana que detém inteligência e vontade para ser senhora da própria existência. É fácil assenhorear-se do que já passou, entregar fatos consumados sobre os quais não se pode fazer mais nada; o que é verdadeiramente digno e humano é entregar o que ainda não é (e nada, a não ser o próprio amor, impede que seja diferente). Enquanto esta entrega não for feita, repito, duas pessoas são a rigor desconhecidas entre si. Não por acaso a Bíblia emprega a palavra “conhecer” para se referir aos atos sexuais.]

Uma terceira coisa se precisa dizer a respeito dos preservativos, e que é ligeiramente diferente das duas acima. Refere-se aos efeitos sociais deletérios da contracepção artificial. Sobre estes, é útil citar as palavras do saudoso D. Estêvão Bettencourt:

Não se deve argumentar a partir da onda de erotismo hoje existente para legitimar o sexo livre. Essa onda seria incoercível e, de certo modo, obrigaria jovens e adultos à prática sexual extraconjugal. — Na verdade, não é a freqüência ou a pujança de um determinado comportamento que o torna lícito. Como os assaltos dos malfeitores e a corrupção dos homens públicos são freqüentes, mas nem por isso são legitimados, assim também o sexo livre, por mais freqüente que seja, fica sendo reprovável. É muito mais sadio e educativo incitar os jovens e a sociedade ao uso regrado do sexo (por que não dizer, à castidade?) do que se deixar dominar pelos modismos; aliás, a disciplina e o autodomínio, no caso, são a única solução cristã.

É fácil ver que, num círculo vicioso, a promiscuidade é retroalimentada precisamente por estas tentativas de se lhe “minimizar” os danos. É fácil ver que as incontáveis campanhas de “sexo seguro” que empestam a nossa sociedade contemporânea têm o efeito de predispôr as pessoas (mormente os jovens) ao sexo livre e irresponsável, como se os males decorrentes de uma vida sexual desordenada unicamente se resumissem a meia dúzia de doenças sexualmente transmissíveis; como se, mutatis mutandis, o único problema do destempero à mesa fossem taxas de colesterol elevadas, e os mais deploráveis espetáculos de glutonice pudessem se transformar na mais sublime expressão da dignidade humana se forem seguidos de cuidadosas lavagens estomacais. À luz de tudo isso, é fácil perceber como os contraceptivos na verdade agravam o problema, que – parafraseando D. Estêvão – só pode ser corretamente enfrentado à luz de disciplina e de autodomínio, coisas cujo abandono não conduz senão à degradação humana. E disso, infelizmente, a nossa sociedade dá um triste testemunho.

Os frutos podres da pedagogia de Paulo Freire

Todos conhecem os vergonhosos índices que a Educação Brasileira vem repetindo, ano após ano, com constância e regularidade perturbadoras (o relatório trianual do PISA ainda não divulgou os dados de 2012, mas nada indica que teremos uma melhora significativa neste ranking). A percepção generalizada (facilmente alcançável por meio dos assustadores índices de analfabetismo funcional mesmo dos nossos estudantes com nível superior, ou das políticas do Governo Federal de reduzir as taxas de reprovação escolar dos níveis básicos através da simples aprovação indiscriminada de todos os alunos, entre outros exemplos) de que existe algo de muito errado com o sistema educacional brasileiro reveste-se de cores muito vivas para que se possa simplesmente ignorá-la. O que talvez não esteja ainda muito claro para todos é que estes frutos podres que o Brasil vem amargamente colhendo nos últimos anos são decorrência direta de uma concepção pedagógica deturpada e assustadoramente deficiente que, não obstante, tem sido alegre e hegemonicamente adotada por nossos educadores nas últimas décadas.

O artigo desta quinta-feira do Carlos Ramalhete fala sobre o nosso Patrono da Educação, Paulo Freire, de quem ser conterrâneo não me causa orgulho. As contundentes e verdadeiras palavras do articulista da Gazeta do Povo merecem ser lidas e meditadas: para que nós comecemos ao menos a reconhecer os erros passados, a fim de iniciarmos com eficácia o seu (lento e necessário) processo de correção.

Só o que fez este triste patrono foi descobrir que o aluno é um público cativo para a doutrinação marxista. A educação deixa de ser uma abertura para o mundo, uma chance de tomar posse de nossa herança cultural, e passa a ser apenas a isca com a qual se há de fisgar mais um inocente útil para destruir a herança que não conhece.

As matérias pedagógicas da licenciatura resumem-se hoje à repetição incessante, em palavras levemente diferentes, das mesmas inanidades iconoclastas. Os cursos da área de Humanas, com raras exceções, são mais do mesmo, sem outra preocupação que não acusar aquilo que não se dá ao aluno a chance de conhecer. O que seria direito dele receber como herança.

Os comentários sobre este assunto, como de costume, podem ser enviados à Gazeta do Povo. E, ainda, sob uma ótica mais especificamente católica, vale ler o sempre oportuno Dom Estêvão falando sobre o método Paulo Freire de alfabetização, de quem destaco:

Não há dúvida de que todo mestre há de ser aberto à aprendizagem de novas e novas verdades, como também à reformulação de seus conceitos; o progresso no saber é-lhe muitas vezes ocasionado pelo convívio com os próprios alunos.

Isto, porém, não quer dizer que o professor se deva julgar tão educando quanto o próprio discípulo.  Um tal esvaziamento do conceito de mestre vem a ser nocivo aos alunos, pois estes precisam de sentir firmeza e segurança no seu orientador.  A profissão da verdade deve ser efetuada com desassombro e sem subterfúgio, mas também com humildade.  Pelo fato de ter descoberto a verdade sobre tal ou tal assunto, o mestre é devedor em relação aos seus alunos, e deve pagar-lhes a dívida, comunicando e demonstrando a verdade; proponha os pontos certos e indubitáveis como certos, e os pontos ainda discutíveis como discutíveis.  Esta oferta da verdade, longe de ser desrespeito ao próximo, é precioso serviço prestado ao mesmo.

Por isto também não se pode aceitar a frase: “Ninguém educa ninguém” (Pedagogia do Oprimido, p. 79).  Na verdade, os homens são dependentes uns dos outros para eduzir (educere > educar) as virtualidades latentes no seu íntimo.  Em geral, são os pais, no lar, e os mestres, na escola, que educam os mais jovens; afirmar isto não significa “estar a serviço de algum sistema político opressor”.  O desempenho da autoridade não é algo de vergonhoso que se deva banir, mas, ao contrário, é um serviço que não se pode extinguir e que faz eco às palavras de Cristo: “O Filho do Homem veio não para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).

A semeadura já dura décadas, a colheita já foi realizada por diversas vezes, e a péssima qualidade destas safras já se nos revela mais do que evidente. O Brasil merece mais que isso. Já passou da hora de lançarmos fora estas sementes de joio e passarmos a investir em uma educação verdadeiramente de qualidade: uma educação que possa promover um desenvolvimento integral e (este sim!) verdadeiramente libertador do ser humano, ao invés de transformá-lo em marionete de um processo revolucionário cuja existência ele não é sequer capaz de perceber.

Apanhado de notícias

Relíquias de Dom Bosco em Curitiba, desde ontem: para quem estiver na cidade, hoje “a urna estará na Paróquia São Cristóvão (Rua Santa Catarina, 1.750, Vila Guaíra), também podendo ser visitada durante todo o dia, com missas às 10, 15 e 20 horas”.

– Aproveitando, sobre relíquias, ver Dom Estêvão em uma Pergunte & Responderemos de 1960, pp. 194-202. “Com estas palavras [Mc 14, 6-9; elogio “a respeito de Maria de Betânia, que ungira o corpo do Mestre pouco antes do desenlace final”] Jesus aprovava solenemente a veneração póstuma do seu corpo sagrado. Os dizeres do Divino Mestre implicavam outrossim um convite a que se tratassem de modo semelhante os despojos de todos os justos que Ele no decorrer dos tempos enxertaria em seu Corpo Místico”.

– Reportagem que não entendi: Bispos anglicanos recusam proposta do Papa. “Cerca de 30 bispos e arcebispos anglicanos, opostos à linha liberal da Igreja no que se refere à homossexualidade, recusaram esta quarta-feira a proposta do Vaticano de se converterem ao catolicismo” – grifos meus. Hein?! Que linha liberal da Igreja? Será que estes anglicanos apedrejam homossexuais?

Audiência Geral do Sumo Pontífice: arte e verdade, a Beleza como um caminho para encontrar Deus. O Papa falou sobre as catedrais medievais. Leiam na íntegra, pois não consigo citar tudo que gostaria! “O impulso ao alto [das catedrais góticas] queria convidar à oração e era em si mesmo uma oração. A catedral gótica queria traduzir, assim, em suas linhas arquitetônicas, o desejo das almas por Deus. (…) Das vidreiras pintadas se derramava uma cascata de luz sobre os fiéis para narrar-lhes a história da salvação e envolvê-los nesta história”.

Comissão da CNBB prepara Seminário Nacional de Liturgia. “A equipe lembrou também o início do movimento litúrgico impulsionado por Lambert Beaudin ao afirmar, em 1909, a necessidade de ‘democratizar a liturgia'” – valei-nos Deus! A tradução da Editio Typica Tertia do Missal Romano, no entanto, que aliás já tem até uma versão corrigida, não aparece nesta Terra de Santa Cruz. Domine, usquequo?

Good bye, bad bishops: site que mostra contadores em tempo real indicando quanto tempo falta para alguns purpurados apresentarem a sua renúncia. A grande maioria é de bispos americanos, embora estejam lá o Schönborn e o Kasper. A versão tupiniquim de um site desses… deixa para lá.

Discurso do Papa aos bispos da Regional Sul 1. “Dado que a consciência bem formada leva a realizar o verdadeiro bem do homem, a Igreja, especificando qual é este bem, ilumina o homem e, através de toda a vida cristã, procura educar a sua consciência. O ensinamento da Igreja, devido à sua origem – Deus –, ao seu conteúdo – a verdade – e ao seu ponto de apoio – a consciência –, encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada pessoa, crente e mesmo não crente”.

Sobre o dízimo

Na minha paróquia tem “Pastoral do Dízimo”. E uma senhora veio certa feita falar comigo, porque ela estava confusa: aprendera que tinha que pagar o dízimo. Desde há muito tempo, pagava-o na forma de cestas básicas, quer distribuídas na capela da vila, quer entregues pessoalmente a pessoas necessitadas. No entanto, ouviu alguém da Pastoral dizer que isso que ela fazia não era dízimo, e ficou com problemas de consciência; afinal de contas, estava ou não estava cumprindo o preceito da Igreja?

A supracitada pastoral, preciso confessar, não me agrada. Tecnicamente, sim, a coleta da missa é diferente do dízimo, que é diferente das espórtulas, que é diferente das esmolas. No entanto, o mandamento da Igreja não diz simplesmente “pagar o dízimo”, e sim pagá-lo segundo o costume, o que faz toda a diferença. E, desde não sei quando – é assim desde que eu me entendo por gente -, no Brasil o costume de oferecer dinheiro durante o Ofertório da Santa Missa é muito mais difundido do que o de ser dizimista “cadastrado”.

Lembro-me de ter lido, em alguma edição da Pergunte & Responderemos (não a tenho à mão agora para procurar), Dom Estêvão falar [algo como] que o incentivo no Brasil ao pagamento do Dízimo na forma, p.ex., das pastorais do Dízimo, intentava exatamente mudar o costume brasileiro: abandonar a coleta da Santa Missa e os emolumentos, e deixar apenas o dízimo. E eu tenho ressalvas contra estas tentativas de se mudarem os costumes “de cima pra baixo”.

Obviamente, qualquer um pode ser dizimista regular strictu sensu (conheço muitos bons católicos que são). Podem também arranjar outras formas de socorrerem às necessidades materiais da Igreja, entre as quais tem lugar de destaque a própria coleta da Missa – conheço também muitos bons católicos que preferem fazer assim. Até entendo que se deseje difundir a prática – em si, santa – do dízimo regular, mas discordo da forma como vejo isso ser feito algumas vezes.

Primeiro porque não vejo necessidade de uma pastoral para isso. Segundo, porque sei por experiência que é muito complicado pastoralmente “separar”, para um fiel simples, a doação voluntária de um (inexistente) pagamento obrigatório. Terceiro, porque ser dizimista regular não é a única maneira de se cumprir o quinto mandamento da Igreja – aliás, o Papa Bento XVI, no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, deu-lhe uma redação diferente: Contribuir para as necessidades materiais da Igreja, segundo as possibilidades.

Ninguém precisa ser “mais católico do que o Papa”. Incentive-se, mas não se imponha. Catequize-se verdadeiramente, ao invés de apelar para (falsos) argumentos de autoridade. E, acima de tudo, respeite-se a justa liberdade dos filhos de Deus. Porque, na minha opinião, agir de outra maneira não pode jamais redundar em benefícios para a Igreja de Nosso Senhor.

Sobre músicas protestantes

Tenho uma natural repulsa a músicas protestantes. O problema não é propriamente teológico – porque, como alguém já apontou, se a música não contiver heresias ela é uma música católica, num sentido análogo àquele em que a “fé protestante” em Jesus Cristo como Deus e Senhor não é uma “fé protestante”, e sim a exata Fé Católica -, mas sim PASTORAL. É muitíssimo inconveniente que os católicos sejam levados a acreditar que não tem problema algum em ser herege protestante, já que as músicas deles podem ser usadas pelos católicos. É inconveniente que os católicos tomem gosto por músicas que são intrinsecamente pobres (já que há uma gama enorme de verdades da Fé Católica que os protestantes nunca colocarão em suas músicas, porque não as aceitam). É inconveniente favorecermos os grupos heréticos, quando poderíamos favorecer e fomentar os grupos católicos. Enfim, a utilização de músicas reconhecidamente protestantes (excluo deste rol aquelas que já se tornaram praticamente de domínio público, e que quase ninguém associa ao protestantismo quando a escuta) por católicos é muito inconveniente.

Trago as considerações do excelente Dom Estêvão, de saudosa memória, sobre o assunto, publicadas na Pergunte & Responderemos (n/] 516, 2005):

“Não é conveniente adotar cânticos protestantes em celebrações católicas pelas razões seguintes:

1)Lex orandi lex credendi (Nós oramos de acordo com aquilo que cremos). Isto quer dizer: existe grande afinidade entre as fórmulas de fé e as fórmulas de oração; a fé se exprime na oração, já diziam os escritores cristãos dos primeiros séculos.

No século IV, por ocasião da controvérsia ariana (que debatia a Divindade do Filho), os hereges queriam incutir o arianismo através de hinos religioso, ao que Sto. Ambrósio opôs os hinos ambrosianos.

Mais ainda: nos séculos XVII-XIX o Galicanismo propugnava a existência de Igrejas nacionais subordinadas não ao Papa, mas ao monarca. Em conseqüência foi criado o calendário galicano, no qual estava inserida a festa de São Napoleão, que podia ser entendido como um mártir da Igreja antiga ou como sendo o Imperador Napoleão.

Pois bem, os protestantes têm seus cantos religiosos através de cuja letra se exprime a fé protestante. O católico que utiliza esses cânticos, não pode deixar de assimilar aos poucos a mentalidade protestante; esta é, em certos casos, mais subjetiva e sentimental do que a católica.

2) Os cantos protestantes ignoram verdades centrais do Cristianismo: A Eucaristia, a Comunhão dos Santos, a Igreja Mãe e Mestre… Esses temas não podem faltar numa autêntica espiritualidade cristã.

3) Deve-se estimular a produção de cânticos com base na doutrina da fé.”

(Dom Estevão Tavares Bettencourt, OSB)

Recomendo ainda a leitura deste artigo do Amo Roma!. E que nos esforcemos para resgatar a riqueza da música católica.

Encerramento da Pergunte & Responderemos

É com pesar que comunico o encerramento da revista católica “Pergunte & Responderemos”, criada, escrita, editada e dirigida pelo saudoso Dom Estêvão Bettencourt, monge beneditino e maior teólogo católico brasileiro contemporâneo, falecido no dia 14 de abril último.

Durante meio século, Dom Estêvão esteve sozinho à frente do projeto, que tanto bem fez às almas sedentas de um oásis de Doutrina Católica no meio do relativismo dos nossos dias. A profícua atividade intelectual do monge contrastava com a sua compleição física, a ponto de maravilhar os que cotejavam o vigor dos seus escritos com a fragilidade de sua figura encurvada. Com a sua passagem à Casa do Pai, a Igreja Militante perdeu um valoroso general e, com o encerramento da revista, perdeu uma poderosa arma na defesa da Sã Doutrina.

O último número da revista – produzido, como as demais edições após a sua morte em abril, a partir dos artigos prontos que o monge deixou em sua escrivaninha – será o 555, de setembro de 2008; o Mosteiro de São Bento – e, acrescento eu, o Brasil como um todo – não possui ninguém com envergadura suficiente para dar prosseguimento à obra do santo teólogo.

Para quem não conhece a revista, o Veritatis Splendor disponibiliza uma edição eletrônica no seguinte endereço:

Pergunte & Responderemos On-Line

Que o legado de Dom Estêvão possa sucitar católicos dispostos a procurar, cada vez mais, o conhecimento das coisas de Deus, a fim de desempenharem o melhor possível o papel a ele assinalado pela Divina Providência na História.