Bento XVI não pode ser ainda Papa — o “ministério ampliado” não faz sentido

A tese de um ministério papal ampliado — do qual fariam parte Bento XVI e por S. S. Francisco, cada um dos dois exercendo diferentes aspectos do mesmo Papado –, recentemente aventada por Dom Georg Gänswein (*), merece algumas considerações ligeiras.

[(*) «Declarações explosivas de Dom Georg Gänswein: Existe um “ministério expandido” e Bento XVI ainda é Papa. Como é possível?» e «“Um ministério ampliado”. A íntegra do discurso explosivo de Dom Gänswein».]

Primeiramente, não se compreende como possa ser possível, em tal caso, um ministério “ampliado” — ou melhor, como a existência de dois Pontífices, concorrentes portanto no exercício do munus do Sucessor de Pedro, poderia importar numa ampliação do ministério e não, antes, em uma sua restrição.

Uma das provas clássicas a favor da unicidade de Deus é esboçada exatamente a partir do fato de que Deus é infinito. Ora, se não houvesse um só Deus, mas dois, então nenhum deles poderia ser infinito, porque para que fossem dois seria necessário que se distinguissem em algum aspecto (sob pena de serem não dois, mas um único) — e nos aspectos em que se distinguissem um deles teria mais e, o outro, menos, e vice-versa. A noção de infinitude — é a conclusão inafastável do argumento — pressupõe e exige a de unicidade. Não tem como ser diferente.

O mesmo se pode dizer sobre «o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja» (cf. Pastor Aeternus, cap. III (1831)): se ele compete a duas pessoas, então nenhuma das duas o detém — no mínimo porque um dos dois Papas não estaria sob a jurisdição do outro. Dividir a jurisdição plena não é expandi-la, senão restringi-la: se duas (ou mais) pessoas exercem o supremo poder de jurisdição, então esse poder deixa ipso facto de existir. A referida “expansão” do Papado significa, na prática, a destruição do Papado.

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Depois, afirmar simplesmente que «não há (…) dois Papas, mas na verdade um ministério expandido com um membro ativo e um outro contemplativo» não tem nenhum significado. Não tem sentido teológico a distinção entre o Papado e o exercício do Papado, entre o munus e o ministerium — ou, se existe tal distinção, ela não se encontra nas declarações recentemente alardeadas como se fossem algo da maior importância. O múnus pontifício foi «confiado pelo Senhor singularmente a Pedro, primeiro entre os Apóstolos» (Lumen Gentium, 20); ora, pertencendo singularmente a Pedro, não pode ser dividido entre um membro ativo e outro contemplativo do Sumo Pontificado. Mais uma vez, insista-se: se há mais de um Sumo Pontífice, então — se as palavras significam alguma coisa –nenhum deles é Sumo.

Se se quer simplesmente dizer que existe uma “figura” nova no seio da Igreja, e esta figura é a do “Papa Emérito” (expressão cuja capacidade de gerar confusões eu antevi no instante em que me deparei com ela pela primeira vez), tal se trata de algo evidente; no entanto, esta figura não pode “pertencer” ao Papado em nenhum sentido doutrinário ou jurisdicional. Doutrinário, porque tal figura é claramente criação eclesiástica, não disposição divina; jurisdicional, porque as prerrogativas intrínsecas do Papa — dentre as quais se destaca o poder pleno, supremo e imediato sobre todos os membros da Igreja — não podem ser limitadas por uma figura de direito eclesiástico. Isso é tão óbvio quanto a própria existência de Bento XVI.

Sinceramente, não vejo outra maneira de se colocar a questão. Se Bento XVI não renunciou de verdade — hipótese que reputo absurda, como já expliquei longamente aqui, aqui e aqui — então ele é Papa e Francisco é um Antipapa; se, ao contrário, a renúncia foi verdadeira, então Francisco é Papa e Bento XVI é outra coisa. O que não dá é pra defender uma renúncia “pela metade”, com consequente cisão da figura do Papado. Uma novidade desta monta simplesmente não cabe dentro do que se conhece como Doutrina Católica.

Não existem, portanto, data venia, declarações «explosivas» do secretário do Papa — como se a própria natureza do Papado tivesse subitamente mudado à força de um dispositivo canônico que sempre existiu, ou como se um Papa pudesse ser “menos Papa” pela circunstância de o seu antecessor continuar vivo. Se se pode realmente dizer que as exatas atribuições canônicas do «Papa Emérito» não estão muito bem determinadas (e isso, conceda-se, é fato), as do Papa Reinante são por sua vez muito bem conhecidas — e as situações novas da Igreja, por inauditas que sejam, não têm e nem podem ter o condão de diminuir ou relativizar o alcance daquilo que já está dogmaticamente definido. Se o Papa Francisco é Papa — e não vejo como ele não possa ser –, então ele é Papa por inteiro, é Papa plenamente, é Papa como sempre foram os Papas da Igreja de Cristo, com o mesmíssimo poder e as mesmas responsabilidades. Isso independe por completo do status canônico diferenciado que porventura ostente Bento XVI.