A Igreja Católica e a «reforma política»

É verdadeiramente oportuna – profética até – esta entrevista de D. Murilo Krieger, arcebispo primaz do Brasil, publicada recentemente em Zenit. Nela Sua Excelência afirma, aos quatro ventos e com todas as letras, para quem quiser ouvir, que, no que concerne à “reforma política” atualmente em análise em uma comissão da Câmara dos Deputados criada especificamente para este fim, «algumas das propostas não correspondem ao que nós bispos defendemos ou, ao menos, o que muitos bispos pensam; nem algumas propostas que julgamos importantes estão ali».

Veja-se bem, “reforma política” é uma expressão muito vaga, dentro da qual “cabe” praticamente qualquer coisa. E se é muito fácil conseguir um enorme consenso em torno de bandeiras genéricas – quem, em sã consciência, vai negar que existe algo de muito podre no sistema político do Brasil atual? -, ajuntam-se cada vez menos devotos sob os estandartes à medida que eles se vão especificando e detalhando. Isso é bastante evidente, e não tem como ser de outra forma. No entanto, pretender que o projeto detalhado sirva indistintamente a todos os que manifestaram concordância com o ideal genérico, aí já é um salto que não se pode fazer sem critério. Mais ainda: fazer acreditar que ao específico projeto de reforma política que se está delineando em uma comissão do Congresso Nacional irão acorrer entusiasmados todos os que estão insatisfeitos com os rumos do nosso governo, assim, sem mais, é mais do que erro metodológico: é falha de caráter, é falta de honestidade, contra a qual é necessário se precaver.

Que o nosso sistema político necessite de uma reforma é um lugar comum. Qual seja especificamente a reforma da qual ele precisa, aí já é assunto para dividir as opiniões e acirrar os ânimos. Afinal, o que é “reforma política”? É voto majoritário, proporcional ou distrital? É exigir fidelidade partidária ou permitir que os candidatos concorram a cargos políticos sem pertencer a partido algum? É acabar com as legendas pequenas ou facilitar o processo de criação de partidos? É fortalecer ou banir as coligações? É financiamento público ou privado de campanha? As dúvidas, em suma, são muitíssimas: e se é verdade que todo mundo quer “mudanças” no cenário político nacional, disso não segue necessariamente que todos queiram mudar cada um dos pontos passíveis de mudança, e nem muito menos que os desejem modificar para o modelo proposto pelo colegiado do Congresso.

E é aqui que a porca começa a torcer o rabo, que a Conferência dos Bispos começa a meter os pés pelas mãos e que a intervenção do Primaz do Brasil se faz necessária. Há algumas semanas, a CNBB apresentou solenemente o “Manifesto em Defesa da Democracia” «para a mobilização em torno do Projeto de Lei de Iniciativa Popular e da defesa do Projeto de Lei (PL) 6316/2013, em tramitação na Câmara dos Deputados». Nem vou olhar para o PL agora. Ater-me-ei, primeiramente, ao texto do manifesto. Nele é dito que «[u]rge, portanto, para restaurar o prestígio de tais instituições [da Democracia Representativa], que se proceda, entre outras inadiáveis mudanças, à proibição de financiamento empresarial nos certames eleitorais, causa dos principais e reincidentes escândalos que têm abalado a Nação».

Ora, em primeiro lugar, não é o “financiamento empresarial” o que expõe as instituições democráticas ao descrédito, e sim a corrupção do governo. O cerne do enojamento popular é o fato mesmo do desvio de recursos para fins escusos, e não a autoria “empresarial” de tal desvio. O mesmíssimo asco se verificaria, a propósito, se fossem agentes públicos a desviar verba pública para a compra de apoio político.

Em segundo lugar: ao não fazer nenhuma alusão – nem mesmo remota… – a quais seriam essas «outras inadiáveis mudanças» que o restabelecimento do prestígio das instituições democráticas exige, o documento assume os ares de um cheque em branco. Não se sabe ao certo o quê os seus signatários estão demandando. É o problema a que se fez referência acima.

Em terceiro lugar, por fim, e muito mais importante aqui: ainda concedendo que a «proibição de financiamento empresarial nos certames eleitorais» fosse uma medida que gozasse da aceitação pacífica da sociedade brasileira, não caberia à Conferência dos Bispos tomar partido em tema tão materialisticamente contingente. A Igreja é Católica porque congrega em Si toda a diversidade legítima de posições temporais: n’Ela cabem (ressalvados, lógico, os aspectos das correntes políticas que são incompatíveis com o ensino da Igreja, e os quais existem em menor ou maior grau ao longo do espectro político historicamente apresentado) o monarquista e o republicano, o democrata e o liberal, o parlamentarista e o presidencialista, o defensor e o opositor do financiamento privado de campanha.

Não existe, portanto, nenhuma “posição católica” a respeito de reforma política alguma a não ser aquela que consiste nos princípios da Doutrina Social da Igreja – e, destes, não decorre nenhum regime político específico, nenhuma norma sobre financiamento de campanhas políticas, nenhum tipo concreto de sistema eleitoral. A Igreja não desce a essas miudezas. Não se queira, assim, sequestrar o apoio eclesiástico para iniciativa legislativa alguma dessa jaez. Pelo contrário aliás: talvez o engodo seja um indício de que os católicos, hic et nunc, devamos nos posicionar de modo contrário, e não favorável, ao movimento que se está urdindo.

Os primeiros cardeais que serão criados pelo Papa Francisco

Foram hoje pela manhã anunciados os nomes dos novos cardeaisdezenove, ao total – que serão criados pelo Papa Francisco no próximo consistório, marcado para o mês que vem (fevereiro). É o primeiro consistório do Papa Francisco. Os nomes dos que receberão a púrpura cardinalícia são os seguintes:

16 cardeais eleitores:

1 – Dom Pietro Parolin, Secretário de Estado.
2 – Dom Lorenzo Baldisseri, Secretário Geral do Sínodo dos Bispos.
3 – Dom Gerhard Ludwig Muller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
4 – Dom Beniamino Stella, Prefeito da Congregação per o Clero.
5 – Dom Vincent Nichols, Arcebispo de Westminster (Grã Bretanha).
6 – Dom Leopoldo José Brenes Solórzano, Arcebispo de Manágua (Nicarágua).
7 – Dom Gérald Cyprien Lacroix, Arcebispo de Québec (Canadá).
8 – Dom Jean-Pierre Kutwa, Arcebispo de Abidjã (Costa do Marfim).
9 – Dom Orani João Tempesta, O.Cist., Arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil).
10 – Dom Gualtiero Bassetti, Arcebispo de Perúgia-Città della Pieve (Itália).
11 – Dom Mario Aurelio Poli, Arcebispo de Buenos Aires (Argentina).
12 – Dom Andrew Yeom Soo jung, Arcebispo de Seoul (Coreia).
13 – Dom Ricardo Ezzati Andrello, S.D.B., Arcebispo de Santiago do Chile (Chile).
14 – Dom Philippe Nakellentuba Ouédraogo, Arcebispo de Ouagadougou (Burquina Faso).
15 – Dom Orlando B. Quevedo, O.M.I., Arcebispo de Cotabato (Filipinas).
16 – Dom Chibly Langlois, Bispo de Les Cayes (Haiti).

3 cardeais não-eleitores (mais de 80 anos):

1 – Dom Loris Francesco Capovilla, Arcebispo emérito de Mesembria.
2 – Dom Fernando Sebastián Aguilar, C.M.F., Arcebispo emérito de Pamplona.
3 – Dom Kelvin Edward Felix, Arcebispo emerito de Castries.

Na minha vaticana ignorância, achei que os nomes estão dentro do que se devia esperar. D. Parolin é o novo Secretário de Estado; D. Müller e D. Stella, são prefeitos de importantes dicastérios romanos. D. Baldisseri foi criado cardeal à moda antiga, logo após o conclave que elegeu o Papa Francisco. O Rio de Janeiro sempre teve cardeais e, portanto, o nome de D. Orani não é nenhuma surpresa. Não conheço os outros nomes, mas eles estão bem espalhados pelos cinco continentes, sendo muitos de Sés Primaciais.

Talvez alguns tenham estranhado a ausência do nome do Primaz do Brasil, D. Murilo Krieger, Arcebispo de São Salvador da Bahia. Bom, sabe-se que há uma lei canônica não-escrita de que uma mesma Sé não tem dois cardeais-eleitores. O Card. Geraldo Majella só muito recentemente (no dia 19 de outubro p.p.) deixou de ser cardeal-eleitor, e – penso eu – essa lista já estava pronta três meses atrás. D. Krieger, assim, provavelmente receberá a púrpura cardinalícia num próximo consistório.

Quanto ao mérito dos novos Príncipes da Igreja… como disse, infelizmente não conheço a maior parte deles. D. Müller e D. Baldisseri, preciso dizer, deixam-me assaz desconfortável; mas, entre todos, esses dois nomes não são nenhuma surpresa, pelas razões já acima expostas. Agora é rezar para que os por mim desconhecidos superem estes contra os quais ao menos algumas objeções se poderiam levantar. E também – por que não? – para que o barrete vermelho faça milagres, e chame estes homens à responsabilidade que doravante lhes cabe. Que o Espírito Santo os faça santos cardeais. Que eles verdadeiramente sirvam – até ao sangue, se necessário, como simboliza o vermelho que passarão a ostentar – ao crescimento da Fé Cristã, à liberdade e extensão da Santa Igreja Católica Romana.

Sobre os altares da Sé Primaz do Brasil

Na última quinta-feira, festa da Imaculada Conceição da Virgem Santíssima, foi celebrada em São Salvador uma missa na Forma Extraordinária do Rito Romano. Segundo o Fratres in Unum (que noticiou e publicou algumas fotos), foi a primeira vez que esta Santa Missa foi celebrada na Sé Primaz desta Terra de Santa Cruz depois de mais de quatro décadas.

Missa Tridentina, Comunhão Eucarística, Salvador

Eu não vi esta notícia divulgada em nenhum dos meios de comunicação seculares que, há pouco mais de uma semana, divulgavam mentirosamente uma Missa com acarajés na mesma capital baiana. E, no entanto, a Missa celebrada pelo Pe. Gilson Magno no dia oito de dezembro é que foi histórica. Indiscutivelmente histórica.

Ver Nosso Senhor voltar a ser imolado sobre os altares da Sé Primacial do Brasil segundo o rito que consagrou esta terra e santificou este povo ao longo de mais de quatro séculos e meio é histórico. Quem, ainda há poucos anos, haveria de imaginar algo assim? E, no entanto, ei-Lo que vive e que reina! Ecce Agnus Dei, superando – em muito – as nossas expectativas mais liberais. Louvado seja Deus no Santíssimo Sacramento do Altar.

Na Bahia, “ao mesmo tempo hóstia e acarajé”?!

Hoje pela manhã eu lia, estarrecido, as histórias de que o Arcebispo Primaz do Brasil celebrara ontem (04/12) uma Missa em Salvador onde eram distribuídos, lado-a-lado, acarajés sacrificados a ídolos e o Santíssimo Corpo de Deus sacrificado à Trindade Santa. Mostraram-me o escândalo em pelo menos três lugares distintos: Terra, Bahia em Pauta e A Tarde Online.

Notei que estes textos pareciam ser todos copiados uns dos outros. Embora houvesse uma ou outra diferença, a parte realmente escandalosa era rigorosamente igual em todos os três:

Pela primeira vez, em 30 anos, um arcebispo-primaz do Brasil celebra a missa campal em homenagem a Santa Bárbara. Dom Murilo Krieger presidiu a solenidade no Largo do Pelourinho, onde foi distribuída ao mesmo tempo hóstia e acarajé, que no candomblé é chamado de acará, ou seja, a comida ofertada à Yansã. Ato que emocionou até os que não têm fé.

Não sei a fonte principal. A notícia em “Terra” cita a sra. Maria Olívia Soares do “Bahia em Pauta”; a reportagem do “A Tarde Online” não cita ninguém, e mostra o texto inteiro como se fosse da sra. Maíra Azevedo. Não conheço nenhuma das duas. Em todo caso, parece-me absurdamente improvável que duas fontes independentes tenham conseguido escrever o mesmíssimo período [qual seja, «onde foi distribuída ao mesmo tempo hostia e acarajé, que no Candomblé é chamado de acará, ou seja, a comida ofertada à Iansã»] referindo-se a um fato inusitado destes.

Como assim, um arcebispo – e o primaz da Terra de Santa Cruz! – distribuindo comidas ofertadas a demônios junto com a Santíssima Eucaristia em uma Missa solene?! A história não tem verossimilhança; se verdade fosse, seria o caso (como apontou um amigo) de transferir Sua Excelência para a diocese de Pasárgada com a máxima urgência. Não era possível que isto tivesse acontecido desta maneira. Alguma coisa estava errada.

Um outro amigo de Salvador disse que esta missa [de Santa Bárbara] ocorre publicamente no centro histórico de Salvador há muito tempo, a despeito do Cardeal Majella não a celebrar. Sobre os acarajés distribuídos junto com a comunhão, ele afirmou desconhecer o fato; disse que o que acontecia era que, no Ofertório, entravam em procissão algumas coisas, entre as quais o acarajé. É estranho entrar com comida durante a Santa Missa, mas em princípio não é ilegal; a Instrução Geral do Missal Romano, no seu número 73., determina que, na procissão do Ofertório,

[a]lém do pão e do vinho, são permitidas ofertas em dinheiro e outros dons, destinados aos pobres ou à Igreja, e tanto podem ser trazidos pelos fiéis como recolhidos dentro da Igreja. Estes dons serão dispostos em lugar conveniente, fora da mesa eucarística (IGMR 73).

Em princípio, portanto, a comida ofertada aos pobres pode ser solenemente introduzida na Liturgia e, conquanto não seja colocada sobre o altar, não há desobediência às rubricas aqui. Cabe talvez questionar a possibilidade de confundir o povo com esta prática, ou ainda a conveniência de serem tocadas músicas africanas no Santo Sacrifício da Missa (o que aliás é outra coisa), mas não cabe, a partir disso, falar que Dom Murilo Krieger estava distribuindo promiscuamente a Sagrada Eucaristia junto com o Acará de Iansã. Seria, repito, por demais inacreditável.

Ao encontro desta minha incredulidade veio esta nota da Arquidiocese de São Salvador da Bahia sobre o assunto, dizendo com todas as letras que semelhantes afirmações eram inverídicas:

Expressões como “Dom Murilo Krieger presidiu a solenidade no Largo do Pelourinho, onde foi distribuída ao mesmo tempo hóstia e acarajé, que no Candomblé é chamado de acará, ou seja, a comida ofertada à Iansã” (A Tarde on line e Terra Magazine) não favorecem a grandeza do momento por um simples motivo: faltam com a verdade.

Com o desmentido oficial da Mitra de Salvador, portanto, cabe ao(s) autor(es) da malfadada afirmação sobre a suposta distribuição concomitante da Eucaristia e do Acará apresentarem provas de suas assertivas. Senão, estaremos diante daquilo de que fala a nota: de «falta de conhecimento ou má fé de alguns veículos de comunicação presentes na cobertura da Missa de Santa Bárbara» – coisa que seria profundamente de se lamentar mas que, infelizmente, em se tratando da mídia secular, não seria nada de se duvidar.

Novo primaz da Terra de Santa Cruz

Fui ontem à posse do novo Arcebispo de Salvador. Talvez alguém pudesse perguntar o que é que um recifense estava fazendo tão longe de sua terra natal. Qual o interesse que um fiel da Arquidiocese de Olinda e Recife pode ter pela Arquidiocese de Salvador? O quê um bispo que inclusive faz parte de outra regional da CNBB (Nordeste III, quando Olinda e Recife pertence à Regional Nordeste II) tem a ver com um católico de outro estado?

Oras, isto é simples de responder. Eu vim de Recife para oferecer o meu preito ao novo primaz desta Terra de Santa Cruz – expressão que, graças a Deus, foi relembrada diversas vezes ao longo da cerimônia. Vim de Recife porque, sendo católico, faço parte da totalidade da Igreja de Cristo que, embora espalhada ao longo de toda a terra, é Una. Vim de Recife para suplicar ao Altíssimo que tenha misericórdia de Salvador, e digne-Se conceder a esta Sé um santo bispo, um santo cardeal, um santo primaz.

São Salvador da Bahia de todos os santos, salvai Salvador! Por diversas vezes repeti a prece. Que, pela intercessão de Nossa Senhora da Conceição da Praia, ela possa ser ouvida. Que o Altíssimo Se compadeça desta Sé primacial.

A cerimônia, embora longa, foi em sua maior parte digna. A posse deu-se dentro da celebração da Santa Missa. Após a (longa) procissão de entrada – seminaristas, diáconos permanentes, padres e bispos -, dom Murilo imediatamente iniciou a celebração: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. E eu gostei. Comentei com um amigo que estava ao lado: “ele não deu nem ‘boa noite'”. Faço notar que isto não é antipatia, nem falta de educaçao, nem nada: é simples respeito às normas litúrgicas, segundo as quais a saudação do sacerdote é “a graça e paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”, feita após a invocação da Trindade Santa – e não “olá”, nem “boa noite”, nem “desejo-vos uma boa celebração”, nem nada do tipo. E Dom Murilo cumprimentou o povo exatamente como um sacerdote, dentro da Santa Missa, o deve cumprimentar.

A Catedral estava repleta! Os bancos iniciais, reservados às autoridades (eclesiásticas, civis e militares); os bancos da metade pro fim da basílica, reservados aos fiéis que chegaram cedo (coisa que eu não fiz). Foi em pé, ao fundo da igreja, que eu acompanhei toda a celebração. Que, como eu disse antes, foi em linhas gerais uma digna celebração.

Começando pela procissão de entrada, quando alguns militares (alunos de CPOR, quiçá; não sei ao certo) formaram duas fileiras na entrada da basílica, para dar passagem ao cortejo eclesiástico. Prestando continência – belíssima imagem, dos poderes seculares homenageando o poder sagrado! A espada temporal a serviço da espada espiritual. Permita Deus que o gesto amistoso possa se traduzir em gestos concretos ao longo do tempo.

Falou o cardeal Magella. Foi feita a leitura da bula de nomeação de Dom Murilo Krieger. Falou o senhor Núncio Apostólico – que fez o gratíssimo favor de lembrar aos presentes o tríplice múnus episcopal, de ensinar, santificar e reger. O báculo foi entregue, pelo núncio e pelo cardeal, ao novo Arcebispo de São Salvador da Bahia. Entoou-se então o Gloria in excelsis Deo (falo metaforicamente; não foi exatamente este o hino de louvor). Dom Murilo só veio falar após a leitura do Evangelho, durante a sua homilia.

Na Festa da Anunciação, coisa que o novo primaz fez questão de lembrar. Lembrou também que aquela era a primeira (e, por muito tempo, foi a única) diocese desta Terra de Santa Cruz. E disse que era uma grande honra ser chamado a uma cidade que, no seu próprio nome – Salvador! – prestava uma homenagem a Nosso Senhor Jesus Cristo. Acrescento eu: para desespero dos laicínicos de plantão. A sua homilia esteve dentro do esperado e, para mim, por um ou outro detalhe, foi bastante positiva. Falou em colaboração com o Estado no mútuo respeito aos limites de cada um. Falou na importância dos colaboradores do bispo – em particular, do clero – para viabilizar a governabilidade de qualquer diocese; e aproveitou para dizer ao clero que lhe seria como “um pai” ou um “irmão mais velho”. Falou que ia trabalhar em sintonia com o papa Bento XVI, o qual poderia confiar nele. E falou ainda outras coisas que, agora, me fogem à memória.

Deus Caritas Est é o seu lema episcopal. É este também o nome da primeira carta encíclica de Sua Santidade, o Papa Bento XVI gloriosamente reinante. Que esta pequena coincidência possa ser um indicativo de proximidade entre a Bahia e o Vaticano; que a Sé de São Salvador do Brasil possa ter um digno e santo primaz.

O altar-mor da igreja, infelizmente, estava (aparentemente) em reformas e, por isso, estava coberto. Mas o crucifixo que foi colocado no alto, por trás do altar, é – segundo me disse um amigo baiano – aquele que foi trazido na nau de Tomé de Souza quando da fundação da Bahia. São pequenos detalhes aos quais gosto de me apegar, e que vislumbro como excelentes sinais de que uma mudança de ventos está em curso. Aliás, mais um: havia um belo coral cantando ao longo de toda a liturgia. E, durante a comunhão, a antiga igreja dos jesuítas ouviu o Panis Angelicus.

Nem tudo são flores, é claro. É bem verdade que a representante dos leigos falou que estes preferem o calor humano à frieza das normas e das leis, e o representante do colégio dos consultores falou em respeito às diversas maneiras de expressão religiosa do povo baiano (cito de memória e não ipsis litteris, mas o sentido era exatamente esse). Y otras cositas más sobre as quais não vale a pena falar… Isto, no entanto, só mostra uma coisa que nós todos já sabemos: Salvador é uma Arquidiocese complicada. No entanto, é a Sé Primaz. Que não pode continuar entregue àqueles que trabalham pela destruição da Igreja. Dom Murilo terá muito trabalho por aqui, disto eu não tenho dúvidas. Mas estou certo de que terá graças de estado para fazer um bom governo. Que ele as saiba reconhecer e aceitar.

Enfim, está empossado o novo primaz do Brasil. Que Deus o ajude! Que a Virgem Santíssima interceda pela primeira Sé desta Terra de Santa Cruz. E que São Salvador da Bahia de todos os santos possa salvar a arquidiocese de Salvador. Abaixo, algumas fotos que tirei durante a cerimônia. Não estão as melhores possíveis (estive em posição pouco privilegiada), mas dá para ter alguma idéia da cerimônia.

Salve, Salvador!

Cheguei hoje à noite à cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Viagem ligeira, só até o domingo; rever alguns amigos e, principalmente, (tentar) participar da posse do novo arcebispo primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, que se dará amanhã (festa da Anunciação) à noite.

O vôo é curto. Lá de cima, no entanto, olhando pela janela, contemplando o meu Recife do alto, lembrei-me de uma excelente metáfora que ouvi de um piedoso sacerdote na missa do último final de semana. Falava ele sobre a importância de se elevar a alma por meio da oração. E exemplificava dizendo que, num vôo que fizera recentemente, pudera ver – do alto – o horizonte muito mais amplo, o céu e o mar, de uma maneira muito mais clara do que via quando estava no chão. E, assim como se pode ver melhor o horizonte físico quando o avião está no ar, analogamente a alma consegue enxergar melhor os horizontes sobrenaturais quando se eleva por meio da oração. Elevar a alma é enxergar mais. E mais distante. E de modo mais amplo.

É Quaresma, e é tempo de oração. Rezemos mais, e ampliemos assim os nossos horizontes. Que o Altíssimo Se compadeça de nós. Que bons ventos – verdadeiramente do Espírito Santo – possam soprar sobre esta Arquidiocese Primaz. Que a Virgem Santíssima, Nossa Senhora Aparecida, interceda pelo Brasil.

CNBB apóia plebiscito ao qual os bispos dizem não!

No dia 18 de junho p.p., sexta-feira, ao invés de incentivar os fiéis a fazerem penitência em memória da Paixão do Senhor, o site da CNBB publicava uma matéria comunistóide em favor do plebiscito pelo limite de terras. “Pastorais Sociais e Organismos da CNBB confirmam apoio ao plebiscito pelo limite de propriedade da terra e ao Grito dos Excluídos” – era o longo título do artigo que, ao contrário de outros, encontra-se até agora disponível no site da Conferência. À época, eu também comentei aqui sobre o escândalo.

Hoje, foi publicada uma matéria no jornal “Gazeta do Povo” que revela uma outra face da moeda, meticulosamente escondida sob a maneira marxista do site da CNBB enxergar (e, pior ainda, divulgar) a realidade: bispos dizem “não” a plebiscito. Leiam-na na íntegra. Lá, vocês verão bispos como Dom Cristiano Krapf, Dom Aloísio Opperman e Dom Murilo Krieger dizendo claramente que são contrários a este plebiscito! Como isso é possível? Na verdade, o que acontece é que, aparentemente, a CNBB apóia o mesmo plebiscito ao qual os bispos teimam em dizer não! De onde vem tão curioso caso clínico de esquizofrenia?

Queira o leitor bondosamente voltar ao longo e enfadonho título da notícia do site da CNBB, linkada no início do post. Quem é que apóia, afinal de contas, este malfadado plebiscito? A matéria não diz “os bispos apoiam”, e nem “a CNBB apóia”, nem nada do tipo. Com uma malícia ofídica, o que a matéria diz é que as “Pastorais Sociais” e uns anônimos “Organismos da CNBB” apoiam tal plebiscito. Não diz nem que “a CNBB” o apóia, nem que “os bispos” o apóiam, porque seria mentira.

Entendam bem! A CNBB não apóia este plebiscito. Este suposto apoio, dito assim claramente, não está em lugar nenhum (embora também não esteja desmentido… voltamos a este ponto já já). Os bispos em seu conjunto também não apoiam este plebiscito, e fizeram questão de o dizer pública e claramente, como mostra a matéria do “Gazeta do Povo” que eu trouxe acima. Até mesmo Dom Demétrio, que particularmente é favorável à consulta popular, confessa que, na última Assembléia Geral ocorrida em Brasília, embora tenha havido discussões sobre o assunto, “em nenhum momento houve decisão, nem sobre o limite da terra, nem sobre o que fazer com a propriedade excedente”. São palavras de um prelado favorável ao plebiscito!

Nem a CNBB apóia oficialmente o plebiscito, nem os bispos como um todo o apoiam. Mas, então, como explicar que o apoio “oficioso” a esta consulta popular – em assunto sobre o qual a Assembléia Geral da Conferência não chegou a nenhuma decisão, convém lembrar – esteja tão disseminado? Por que a CNBB não o desmente?

Volto ao início do post: o malicioso artigo sobre o apoio das “Pastorais” e dos anônimos “Organismos” da CNBB ao plebiscito – que claramente confunde os leitores – encontra-se até agora no site da CNBB. No entanto, no final do mês passado, o artigo de Dom Luiz Gonzaga Bergonzini contrário à sra. Dilma Rousseff foi rapidamente retirado do site porque… era a posição particular de um bispo, e não representava a posição da Conferência! É incrível a desonestidade desta gente, mas é isso mesmo: há algumas posições particulares, de alguns prelados, que podem e devem ser veiculadas no site oficial da CNBB, e há algumas outras posições particulares de outros prelados que não podem estar no site de nenhuma maneira e, caso apareçam por lá, devem ser retiradas o quanto antes. E este site duas-caras é – vergonha! – o site oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

E agora, como é que fica? O apoio ao plebiscito é posição oficial da CNBB, ou é posição particular de alguns bispos? Se for posição oficial da Conferência, então nós temos pelo menos quatro bispos mentindo publicamente. Se não for posição oficial da Conferência (e sim opinião pessoal de algum bispo), por qual motivo esta posição pessoal merece destaque no site da CNBB, enquanto que a de Dom Luiz Gonzaga foi rapidamente censurada?

Não deixem de fazer a pergunta inconveniente à assessoria de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: imprensa@cnbb.org.br. Aproveitem e perguntem também (como citou o Marcio Antonio Campos no quadro da matéria do “Gazeta do Povo” – leiam lá) por qual esotérico motivo é permitido mencionar expressamente o nome dos candidatos em alguns tipos de artigos (como na malfadada Análise de Conjuntura sobre a qual eu já comentei aqui e desde fevereiro está no site da CNBB) e não em outros (como no artigo de Dom Luiz Gonzaga que foi censurado). Estou curiosíssimo para saber qual vai ser a resposta.