A “reforma histórica” do Papa Francisco (I) – A Liturgia

Diz-nos a mídia secular que o Papa Francisco está para fazer uma “reforma histórica”. Nós bem sabemos o quão estapafúrdia é a cobertura da grande mídia em assuntos eclesiásticos; inobstante, por detrás de cada manchete mentirosa ou reportagem deturpada há sempre alguma coisa de verdade que convém escarafunchar, quer seja para desmentir os prognósticos disparatados da imprensa, quer seja para nos informarmos realmente sobre o que está acontecendo – esta que deveria ser a função da imprensa, mas que ela obviamente não cumpre e, portanto, sobra para nós corrermos atrás dos fatos por conta própria.

O que há de verdade neste burburinho que ouvimos ao nosso redor? O Papa vai fazer algumas coisas. Fato, aliás, completamente simples e banal: é lógico que o Papa está sempre fazendo coisas, pois precisa administrar uma Igreja com um bilhão de fiéis e, se nunca houvesse nada a ser feito, não seria necessário sentar um monarca plenipotenciário no Trono de São Pedro. O Papa vai tomar as decisões de governo que compete a ele como Romano Pontífice: é lógico que vai. Chamar isso de «reforma», contudo, é a primeira armadilha midiática que precisamos evitar como o diabo: «reforma» é uma palavra que traz em si um programa, indicando que as coisas vão mal e é necessário “mudar tudo” para colocá-las novamente nos eixos.

Quando a mentalidade contemporânea pensa em «reforma», ela pensa automaticamente em abandonar coisas velhas para abraçar novas coisas: dificilmente “reformar” uma casa, por exemplo, significa – como se deveria esperar pelo étimo da palavra – conduzi-la novamente ao que ela era quando foi originalmente construída. Reformar uma casa é mudá-la: é construir um outro cômodo, é substituir toda a cozinha, é levantar um outro pavimento, et cetera. Na vida da Igreja é tudo muito diferente: a reforma do Carmelo, por exemplo, é o retorno à espiritualidade carmelita original. Ora, se é a mídia quem está falando em «reforma», convém entender a expressão no sentido corriqueiro do termo. O que a imprensa está aventando é que o Papa vai fazer «coisas novas» na Igreja.

Eu infelizmente não acredito que o Papa Francisco vá fazer uma «reforma» no sentido teresiano. Precisamos rezar, e muito, pelas decisões de governo que ele vem tomando e está na iminência de tomar, porque antevejo incontáveis mudanças plausíveis que ele poderia introduzir na Igreja, e das quais eu sinceramente não consigo enxergar o bem que poderia advir.

Por exemplo, com relação à Sagrada Liturgia. É bem sabido que o Papa Francisco distancia-se bastante do estilo de Bento XVI; para ficar apenas em dois exemplos que são de partir o coração, ele colocou uma mesa na Capela Sistina no dia em que foi eleito para não precisar celebrar versus Deum, e adotou o italiano nas liturgias pontifícias em abandono ao latim que o seu predecessor restaurara. Possui igualmente uma estética litúrgica à qual eu me permito fazer um comentário: embora os paramentos que enverga tenham aquela «nobre simplicidade» que minimamente se exige no Rito Romano, é de se lamentar o virtual abandono das vestes antigas. Bento XVI – disse o «Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice» em 2010 – «apresenta[va] um modelo em suas celebrações, quando usa[va] tanto vestes de estilo moderno como, em alguma ocasião solene, as “clássicas”, também usadas por seus antecessores». Enche-me de tristeza que este «exemplo do escriba (…), comparado por Jesus com um chefe de família que tira do seu tesouro nova et vetera» não seja compartilhado pelo atual Vigário de Cristo.

Sobre o mesmo assunto, são angustiantes estas duas notícias, uma delas por enquanto apenas um rumor, mas a segunda, já um fato consumado. O fato: «os consultores da Oficina de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice foram todos – T.O.D.O.S – removidos dos seus postos». Foi uma remoção sutil, que consistiu somente na não-renovação da provisão de cinco anos que detêm todos os cargos consultivos da Cúria, mas ainda assim uma dolorosa remoção: está desfeita a retaguarda teórica que Bento XVI constituíra na Cúria Romana para zelar pelas liturgias pontifícias. O rumor: o arcebispo Piero Marini – não confundir com D. Guido Marini, [por enquanto ainda] cerimoniário pontifício do Papa Francisco – pode ser nomeado a qualquer instante «como novo Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos». O “mau Marini” era cerimoniário pontifício à época de João Paulo II, e foi o responsável direto pela situação deplorável à qual por incontáveis vezes se reduziram as celebrações do Bem-Aventurado Pontífice. A se confirmar esta malfadada nomeação, será um duro golpe em todos os católicos que têm amor pela Sagrada Liturgia e que entendem a importância da «reforma da Reforma» para a solução da crise atual.

Nuvens negras se assomam no horizonte! Precisamos rezar com mais afinco, que aparentemente ainda não estamos fazendo o bastante. Como dizem estas felicíssimas palavras do padre Tim Finigan citando S. Vicente Ferrer que o Fratres recentemente traduziu, «se você discorda do Papa, a oração não é simplesmente um conforto sentimental piedoso, mas o curso de ação apropriado, uma vez que ela é um apelo ao seu superior imediato». Rezemos pelo Papa, rezemos pelo bem da Santa Madre Igreja.

Curtas: O filo-gayzismo mal-disfarçado de D. Piero Marini e do pe. Beto

D. Marini a favor do casamento civil gay, vejo quase ao mesmo tempo no pe. Z. e no Fratres in Unum. O que dizer? Bom, parece-me que os temores de que o antigo cerimoniário pontifício pudesse ressurgir das cinzas estão agora – graças a Deus! – mais difíceis de se concretizarem. Afinal, todo mundo sabe que o Papa Francisco é um ferrenho opositor tanto do casamento gay quanto dessa sua versão mais “light” chamada união civil gay.

Quanto ao mérito das declarações de D. Piero Marini, remeto às (já tradicionalmente) lúcidas palavras do Everth Queiroz:

E agora, o que vocês vão dizer, com um bispo da Igreja defendendo a união civil gay? – Ora, o mesmo de sempre: que “[em] presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimônio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo”, como está disposto em um documento da Congregação para a Doutrina da Fé, de 2003. Note-se bem: é um dever opor-se tanto ao “reconhecimento legal das uniões homossexuais” quanto à “equiparação legal das mesmas ao matrimônio, com acesso aos direitos próprios deste último”. E, se as palavras do então Cardeal Joseph Ratzinger valiam com toda a força também para quem não comunga da fé católica, quanto mais para os fiéis da Igreja, quanto mais para seus bispos! Não tem essa de “o que não se pode reconhecer é que esse par seja um matrimônio”. Há o dever de oposição clara e incisiva também ao reconhecimento civil das uniões de pessoas do mesmo sexo.

É simples assim: não há nada de novo sob o sol. Seríamos mais felizes se nos acostumássemos a ignorar o ruidoso vai-e-vem das opiniões humanas (mesmo que sejam emitidas por prelados católicos!) e, ao contrário, repousássemos tranqüilos na solidez permanente do Ensino Moral da Igreja de Cristo.

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– Sobre o mesmo assunto, aliás, o Bispo de Bauru exigiu a retratação de um sacerdote católico que, em um vídeo recentemente popularizado na internet, afirmou (entre outras barbaridades) que «hoje em dia não dá mais para você enquadrar o ser humano em homossexual, bissexual ou heterossexual (nós nos deveríamos ser enquadrados simplesmente seres sexuados), e que o amor pode surgir em qualquer desses níveis. […] Então a Igreja tem que mudar sim. Ela vai ter que mudar».

Soube da publicação da nota via Ecclesia Una, e ela já se encontra devidamente divulgada no site da Mitra de Bauru. Dela (que é curta – leiam lá), destaco:

Determino [o padre Roberto Francisco Daniel (padre Beto)] a se retratar através do mesmo meio utilizado (site, Facebook e YouTube), no prazo até 29 de abril de 2013, confessando humildemente que errou quanto a sua interpretação e exposição da doutrina, da moral e dos costumes ensinados pela Igreja.

Que beleza, hein? Quem diria! Os nossos mais sinceros e efusivos agradecimentos a S. E. R. Dom Frei Caetano Ferrari, ofm, Bispo Diocesano de Bauru, que Graças a Deus interveio quando a pureza do Ensino Moral da Igreja se viu publicamente ameaçada. Tivéssemos mais atitudes assim, o Brasil estaria em condições bem melhores. Que a SSma. Virgem possa sustentar Sua Excelência nesse santo propósito, e que Ela suscite outros prelados dispostos a imitar o bom exemplo do bispo de Bauru.