Retratação de Dom Williamson

Reproduzo como li em ZENIT. Não tem no Dinoscopus. Apenas comento que a notícia me dá um duplo sentimento, por um lado bom, por outro lado ruim. É bom que Dom Williamson saiba ceder naquilo que não é essencial, e é bom que ele tenha a humildade de fazer um pedido público de perdão, numa situação que tantas tribulações trouxe para o Santo Padre e a Igreja de Nosso Senhor. Mas é muito ruim que a opinião pública politicamente-correta tenha forçado um bispo a se retratar sobre uma posição histórica que passa longe de ser “intrinsecamente má” como querem fazer parecer.

Ele, no entanto, não negou o que disse à televisão sueca. Falou que não teria feito as declarações se soubesse do mal-estar que seria causado, falou que manifestou apenas opiniões de quem não é historiador… mas não falou “é, vocês estão certos, as câmaras de gás existiram mesmo e o número de judeus mortos foi de fato o que vocês dizem”. Um mínimo de sensatez precisa ser salvaguardado, e Dom Williamson soube fazê-lo com diplomacia.

Segue a carta.

O Santo Padre e o meu Superior, bispo Bernard Fellay, solicitaram que eu reconsidere as observações que fiz na televisão sueca quatro meses atrás, pois suas consequências têm sido muito pesadas.

Observando essas consequências, posso verdadeiramente dizer que lamento ter feito essas observações, e que se eu soubesse de antemão todo dano e dor que elas dariam origem, especialmente para a Igreja, mas também para os sobreviventes e parentes das vítimas da injustiça sob o Terceiro Reich, eu não as teria feito.

Na televisão sueca, eu manifestei apenas a opinião (… “eu penso”… “eu acho”…) de uma pessoa que não é um historiador, uma opinião formada há 20 anos com base nas provas disponíveis então, e raramente expressa em público desde então. No entanto, os eventos das últimas semanas e os conselhos de membros da Fraternidade São Pio X persuadiram-me da minha responsabilidade por tanto sofrimento causado. Para todas as almas que ficaram verdadeiramente escandalizadas com o que eu disse, diante de Deus, peço perdão.

Como o Santo Padre tem dito, todo ato de violência injusta contra um homem fere toda a humanidade.

+ Richard Williamson,

Londres, 26 de fevereiro de 2009.

[Traduzido do inglês por Zenit]

Vaticano II, Missa Nova, Crise da Igreja, etc

– Frase de Paulo VI, no blog Adversus Haereses: Quem quer que visse no Concílio [Vaticano II] um relaxamento dos compromissos anteriores da Igreja para sua fé, a sua tradição,a sua ascese, a sua caridade, o seu espírito de sacrifício e a sua adesão à palavra e à cruz de Cristo, ou ainda uma indulgente concessão à frágil e versátil mentalidade relativista de um mundo sem princípios e sem fim transcendente, a uma espécie de cristianismo mais cômodo e menos exigente, estaria cometendo um erro. Não sei qual é a referência original da frase; ela, no entanto, mostra exatamente aquilo que eu sempre tenho falado aqui com relação ao Vaticano II: aqueles que o tratam como se fosse uma ruptura com a Fé da Igreja – não importa de que lado estejam, ou o grau de importância na hierarquia eclesiástica que ocupem – simplesmente estão errados. Assim, o Santo Padre Bento XVI – gloriosamente reinante -, com o seu governo da Igreja, não está “traindo” o Vaticano II; ao contrário, o Concílio foi traído ao longo das últimas décadas e o Papa está colocando as coisas nos seus devidos lugares. Rezemos pelo Sucessor de Pedro.

– No site da FSSPX, “O Problema da Reforma Litúrgica”, uma síntese esquemática feita por Dom Williamson do livro de mesmo nome. Tem o seu valor porque a coluna da direita, chamada de “Teologia Nova”, encontra-se realmente disseminada pelo mundo “católico” e é realmente digna de atenção e censura; o problema é que esta “Teologia Nova” não é [obviamente] a teologia da Igreja Católica. Também o Rito de Paulo VI pode e deve ser celebrado com a mentalidade católica e, aliás, celebrá-lo segundo esta “Teologia Nova” é um erro. Diria até, é traí-lo, como – mutatis mutandi – interpretar o Vaticano II de maneira contrária à Fé da Igreja é uma traição ao Concílio.

– No Fratres in Unum: a humilhação do papado de Bento XVI. O Santo Padre enfrenta heroicamente – saibamos disso! – uma enorme resistência para governar a Igreja. Oremus pro Pontifice Nostro Benedicto. “Irmãos, rezemos pelo Papa. Nenhum de nós sabe o que ele deve estar passando. Dom Fellay afirmou outrora que o Papa encontra hoje uma Igreja impossível de se governar. Os reiterados pedidos de oração mostram, caríssimos, o quanto o Papa precisa de nossos clamores aos céus”. E rezemos pela humilhação dos inimigos da Igreja (que, hoje, ostentam báculos, vestem púrpura…), como na Litaniae Sanctorum: ut inimicos Sancte Ecclesiae humiliare digneris, Te rogamus, Domine, audi nos!

Dom Williamson no Der Spiegel

Julgo oportuno voltar ao assunto da “negação do Holocausto” de Dom Williamson, à luz da recente entrevista que o bispo deu ao Der Spiegel e cuja tradução para o português foi publicada pela mídia tupiniquim. Antes de mais nada, é de enojar a atitude dos entrevistadores, com as perguntas as mais estúpidas possíveis, como se estivessem falando com algum delinqüente ou alguma criança irresponsável que não tem capacidade de avaliar o alcance de suas próprias posições, sendo necessário corrigi-la. Perguntas como “o senhor então está ciente (…)” ou “o senhor ao menos reconhece (…)” deixam entrever a posição de superioridade na qual se colocam os jornalistas alemães, o que é lamentável, porque perde-se a chance de se produzir uma matéria interessante e fica-se (de novo) na superficialidade da conversa fútil e pueril, cuja informação mais relevante, para os jornalistas, é – a julgar pela manchete dada à reportagem – sobre a agenda turística do bispo inglês: “eu não viajarei para Auschwitz”…

Acho importante insistir num ponto que vem sendo sistematicamente ignorado: é um absurdo, de proporções descomunais, silenciar a priori a discussão histórica sobre o número de vítimas do regime nazista  ou qualquer outra. Tudo bem, a Segunda Guerra Mundial é um acontecimento relativamente recente, e os seus horrores ainda estão vivamente pintados na memória da Europa, de modo que é possível dar-lhe um desconto graças ao – se é que existe isso – “estado psicológico alterado” da civilização européia e entender que certos temas provoquem muito mais reações passionais do que um esforço intelectual sério e compromissado com a verdade histórica; no entanto, o presente caso ultrapassa todos os limites do razoável.

O Holocausto não é um dogma, é um fato histórico, e o que é mais importante nele não é o mero fato em si considerado, e sim ele enquanto violação concreta de alguns princípios morais básicos, em particular, o fato auto-evidente de que as pessoas não podem ser gratuitamente assassinadas, muito menos por questões raciais. Suponhamos, apenas para argumentar, que Dom Williamson tivesse realmente dito que o Holocausto nunca aconteceu. Qual é o problema moral intrínseco com isso? Nenhum. O problema estaria na afirmação de que é lícito e a coisa mais normal do mundo matar judeus simplesmente por eles serem judeus. Negar [ou questionar, como é o caso, a proporção d]o fato histórico não é a mesma coisa de rejeitar o princípio. As pessoas precisam deixar os sentimentos exacerbados de lado e entender que matar judeus não é errado por causa do Holocausto, mas exatamente o contrário: o Holocausto é errado porque é errado matar judeus. Se nunca houvesse existido Holocausto, continuaria sendo um absurdo matar judeus por questões raciais. Anti-semitismo é – como disse Dom Williamson – “uma rejeição aos judeus por causa de suas raízes judaicas”, é preconceito racial. Anti-semitismo é errado, mas questionar fatos históricos não é necessariamente anti-semitismo.

Como eu falei acima, entende-se que a discussão suscite paixões, que ela seja ofensiva à memória e à sensibilidade dos mortos durante a Guerra e seus familiares, que ela seja inoportuna e desnecessária, que se argumente não haver evidências históricas suficientes para se fazer revisionismo, etc; tudo isso é verdadeiro e precisa ser levado em consideração, sem dúvida alguma. Mas há uma clara desproporção entre a entrevista de Dom Williamson e as reações a ela, e as acusações de anti-semitismo lançadas à face do bispo não decorrem de suas palavras: é questão de Justiça dizê-lo. A irracionalidade  passional não pode ser imposta como única atitude razoável, estigmatizando todo o resto. Tal linha de “raciocínio” pode conduzir a conclusões aberrantes.

Por exemplo: quem nunca ouviu dizer que os índios da América pré-colombiana foram exterminados pelos colonizadores espanhóis? Se os índios tivessem o mesmo poder que têm os judeus do século XX, negar que houve este “extermínio” seria uma espécie de “anti-indigenismo”, equivalente a justificar o preconceito racial contra os índios, a sua escravidão e extermínio, e capaz de fazer rasgar as vestes qualquer cidadão de bem. Ora, este tipo de pensamento casuístico é disparatado, porque a moralidade dos atos não depende dos fatos históricos. Completamente ao revés, é o próprio julgamento dos fatos históricos que depende desta moralidade. É errado assassinar judeus, é errado assassinar índios, é errado assassinar negros, e ponto final. E é errado negar que isso seja errado – questionar se isso aconteceu ou não num dado momento histórico, não. São duas coisas completamente diferentes.

É preciso levantar-se em defesa de Dom Williamson, porque não é necessariamente anti-semitismo fazer questionamentos sobre fatos históricos. A proporção que o assunto vem tomando, com um verdadeiro frisson dos abutres anti-católicos lançando-se vorazmente sobre um espantalho por eles próprios criado, exige que se dê um basta a este simulacro de debate. Com o intuito de semear a discórdia e lançar confusão sobre o importante momento que vive hoje a Igreja, calunia-se um bispo por algo que ele não fez e ataca-se a Igreja por meio de um duplo boneco-de-palha: atribuindo ao bispo da FSSPX uma posição que não é sua, e atribuindo ao Papa e à Igreja a posição anteriormente atribuída ao bispo da FSSPX. Na verdade, o ponto mais importante (o mais lúcido, mais sensato, mais verdadeiro) da entrevista ao Der Spiegel – que bem merecia as manchetes dos jornais – não é o suposto anti-semitismo de Dom Williamson, e sim a resposta final dada pelo bispo: “Não, eu sou apenas o instrumento aqui, de forma que uma ação possa ser realizada contra a SSPX e o papa. Aparentemente o catolicismo esquerdista da Alemanha ainda não perdoou Ratzinger por ter se tornado papa”.