Comentando o adeus do Arcebispo – 10

10 – E agora, dom José? & À espera da entrevista que não houve

Por fim, chegamos à última página do especial do JC. Uma grande foto de mais de meia folha do rosto de Dom José, mitrado, entre de perfil e de costas. Ele não olha para a câmera. A mensagem implícita – já devidamente explicitada ao longo das páginas anteriores – é clara: o Arcebispo nem sequer olha para o povo. Não se importa com ele. É-lhe indiferente. Dá-lhe as costas. O título, em letras garrafais, parafraseando o poema de Drummond, é a coroação apoteótica da imagem de Dom José pintada pelo jornal: um fracassado, como o José do poeta.

O jornal já não diz mais quase nada; apenas regozija-se com a “vitória” sobre o inimigo. A enxurrada difamatória varreu do senso crítico do leitor qualquer possibilidade de não ter ojeriza por esta figura que personifica o atraso da Arquidiocese. O trabalho sujo foi feito, e tudo está consumado. Há festa na roda dos escarnecedores.

É, todavia, muito fácil ganhar a batalha quando se está lutando sozinho contra um boneco de palha pré-fabricado. No texto seguinte, o jornal vai “se defender” dizendo que Dom José não quis dar entrevistas; mas é claro que não. Qual pessoa iria, em seu juízo perfeito, perder tempo com palavras que seriam distorcidas ou, na melhor das hipóteses, sufocadas pela avalanche de ataques contrários? Foi mostrado aqui, neste BLOG, qual a linha do Jornal do Commercio e quais os pontos abordados pelo seu caderno especial. Com qual propósito o Arcebispo iria dar entrevistas? Diante de Herodes, Jesus também se calou – Iesus autem tacebat. Diante da intimação do Governo para que se defendesse, Dom Vital fez o mesmo. Diante do Jornal do Commercio, então, que é muitíssimo mais irrelevante do que o Governo Imperial ou do que o Rei Herodes, por que deveria um Sucessor dos Apóstolos falar?

Uma última alfinetada irônica – dom José garante ser um homem de diálogo – e pronto: agem os responsáveis pelo jornal como se tivessem cumprido candidamente a sua missão jornalística. Todavia, como foi mostrado aqui nos últimos quinze dias, a missão do JC é deformativa, e não informativa. Calou-se Dom José, e o Jornal do Commercio, na ânsia de sujar a imagem do Arcebispo, resfolegou-se na lama, e saiu sujo. Sujo pela gritante parcialidade com a qual redigiu o seu caderno especial. Sujo com a falta de honestidade na exposição dos fatos. Sujo pelas insinuações ofensivas feitas ao longo das oito páginas. Sujo pela falta de profissionalismo dos seus jornalistas, que deveriam informar, e não apresentar um espantalho aos seus leitores como se fosse o responsável pela Arquidiocese de Olinda e Recife nas últimas duas décadas. Sujo pelo vergonhoso espetáculo que representou.

Dom José não vai ficar em Recife, é a informação passada pelo Jornal do Commercio. Ao menos, reconhece o jornal que a sua partida não tem ainda data definida:

Está nas mãos do papa Bento XVI decidir quando exatamente dom José deve arrumar as malas. (…) Poderá demorar meses e até anos.

A informação está corretíssima. Logo depois, o jornal tenta polarizar a discussão sobre o “perfil” do sucessor de Dom José (provavelmente, quem escreveu esta página não leu o artigo do prof. Delgado na página anterior). Falando em linha dura, em perfil mais moderado e em Igreja libertária e mais progressista, o jornal deixa clara a sua posição: contra Dom José, e contra qualquer bispo que seja “da mesma linha” dele, ou seja, contra qualquer bispo católico que o seja de fato. O texto termina (de novo…) com a fala de uma fulana qualquer do “Igreja Nova”, que expressa em poucas e elegantes palavras a sua apostasia:

Não estamos procurando alguém para seguir, mas alguém que siga com a gente[.]

Mas, no final, nada disso tem relevância, porque a nomeação dos bispos para as dioceses é uma prerrogativa da Igreja de Roma, e tentativas de se fazer “lobby” contra ou a favor um ou outro “candidato” é extrapolação de competência. Nem mesmo os fiéis católicos podem influenciar na escolha dos seus bispos – quanto mais aqueles que, se são católicos, não são fiéis e, se são fiéis, não são católicos! A Igreja não é uma democracia; esperemos o Sucessor de Pedro volver os olhos para o nordeste brasileiro e confiar este rebanho a um outro Arcebispo. Quem quer que seja ele, será o Bispo legítimo, cabeça desta Igreja Particular, a quem os fiéis católicos estarão – sem dúvida alguma – unidos, pois sabem que, separados dele, não podem pretender estar em comunhão com a Igreja de Cristo, que têm como Mãe, e fora da qual não se podem salvar.

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Anexo 1 – .O adeus do arcebispo

O ADEUS DO ARCEBISPO
E agora, dom José?
Publicado em 04.07.2008

No dia em que fez 75 anos, data-limite para o cargo, o arcebispo garantiu que deixará o Recife para garantir liberdade ao sucessor

[A ]sombra do arcebispo emérito de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, acompanha dom José Cardoso até na hora de traçar os seus planos para o futuro. E, por mais que tenha tentado fugir das comparações, quem resgata a lembrança do antecessor é o próprio dom José. “Posso garantir uma coisa: quando deixar o cargo, não vou permanecer no Recife. Acho que não convém. O meu sucessor deve ter liberdade de tomar as diretrizes como ele quiser. Eu passei por essa experiência. Você assume uma arquidiocese com plenos poderes e o seu antecessor está presente. Isso não é bom.” Uma crítica clara a dom Hélder. Mesmo na despedida, dom José olha para a frente, com os pés no passado.O arcebispo nunca aceitou o fato de dom Hélder ter continuado na arquidiocese, após a sua substituição, em abril de 1985. Ele garante que tomará um rumo diferente. “Vou me esconder num convento carmelita. Procurar uma residência e continuar servindo a Igreja. Mas será fora do território da arquidiocese.” No auge da crise com o rebanho, o incômodo com a presença de dom Hélder era tanto que dom José chegou a mandar um emissário falar com o arcebispo emérito para cobrar o seu silêncio. Coube ao então bispo auxiliar dom João Evangelista Martins Terra dar o recado.

Que dom José vai sair, isso é fato. Está determinado nas leis da Igreja, as mesmas que ele segue com devoção e fidelidade. Agora, quando isso vai acontecer, só o Vaticano sabe. A carta de renúncia, escrita em 15 minutos, segundo contou o arcebispo, foi enviada para a Nunciatura Apostólica, em Brasília, na última segunda-feira, data em que ele completou a idade-limite para continuar no cargo. Está nas mãos do papa Bento XVI decidir quando exatamente dom José deve arrumar as malas. Mesmo que a renúncia seja aceita, padres e leigos acreditam que a saída não será imediata. Poderá demorar meses e até anos.

A expectativa agora é em torno do sucessor. A questão central não é tanto o nome, mas o perfil de arcebispo que o Vaticano escolherá para substituir dom José. Pelos ventos conservadores que sopram em Roma, muitos acreditam que o próximo chefe da Igreja Católica em Pernambuco será da mesma linha dura. É quando o nome do arcebispo da Arquidiocese da Paraíba, dom Aldo Pagotto, aparece. Ele foi vigário-geral da Arquidiocese de Olinda e Recife, em 1997, e é próximo a dom José. Com carreira e personalidade semelhantes à do atual arcebispo, o atual bispo de Garanhuns, dom Fernando Guimarães, também aparece na lista de apostas.

Num perfil mais moderado, padres e leigos lembram o nome do recém-nomeado arcebispo de Vitória da Conquista (BA), dom Luiz Gonzaga Silva Pepeu. Mas o sonho dos seguidores de uma Igreja libertária e mais progressista é o retorno do bispo de Sobral (CE), dom Fernando Saburido, que já atuou como bispo auxiliar de dom José Cardoso. “O que nós queremos é um bispo mais pastor e menos administrador. Que deixe a Igreja caminhar. Não estamos procurando alguém para seguir, mas alguém que siga com a gente”, afirma a bióloga Bete Barbosa, integrante do grupo de leigos Igreja Nova. Ela cita uma frase de dom Hélder para mostrar que a esperança do rebanho está renovada: “Quanto mais negra é a noite, mais carrega em si a madrugada”.

Anexo 2 – .O adeus do arcebispo

O ADEUS DO ARCEBISPO
À espera da entrevista que não houve
Publicado em 04.07.2008

Em um ponto os críticos e defensores de dom José parecem concordar: o arcebispo de Olinda e Recife é um homem coerente. Nunca voltou atrás numa decisão, por mais polêmica e desgaste que ela tenha causado. Pelo menos, não publicamente. E no trato com a imprensa não foi diferente. Dom José sempre foi avesso a repórteres e alimentou a visão de que os jornais o perseguiam. Em todos os anos de arcebispado, contam-se nos dedos da mão as entrevistas exclusivas concedidas por ele, para tratar de questões pertinentes ou não à Igreja. A postura foi a mesma desta vez. Procurado para fazer um balanço dos seus 23 anos à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife, a resposta, repassada por sua secretária, foi curta e direta: “Dom José não dá entrevistas ao Jornal do Commercio”.De pouco adiantou argumentar, com seus assessores, que seria para um caderno especial, abordando diferentes questões da atual administração e que agora, no momento de sua saída, seria importante ele analisar tudo o que havia ocorrido em seu arcebispado. “Ele sabe disso, mas não vai falar”, encerrou a conversa a secretária. Em outras situações, a arquidiocese tinha a preocupação de indicar alguém para falar em nome do arcebispo. Desta vez, nem isso.

Mas dom José garante ser um homem de diálogo. Em novembro do ano passado, ele concedeu uma entrevista à jornalista Graça Araújo, na Rádio Jornal, e respondeu à primeira pergunta defendendo essa idéia. “Eu acredito no diálogo. Tem uma frase muito famosa de um escritor católico francês que diz que o diálogo é o encontro de dois amigos da verdade eterna. Eu gosto muito dessa definição. Quando a gente dialoga com uma pessoa, pressupõe que ela é também um amigo da verdade eterna, a verdade de nosso senhor Jesus Cristo.”

Numa última tentativa de entrevistar o arcebispo, a reportagem esteve na celebração dos seus 75 anos, realizada segunda-feira, na Cúria Metropolitana. Após a missa, ele conversou com a imprensa. Falou da sua biografia e das pessoas importantes na sua vida religiosa. Mas, na primeira pergunta sobre o modelo de Igreja que deixava na arquidiocese, a entrevista foi encerrada pelos seus assessores. “Dom José, o povo está lhe esperando.” E o arcebispo foi cortar o bolo do seu aniversário.