Notícias do fim do mundo: mãe diz ter “nojo” dos filhos

Mais notícias do fim do mundo: uma americana deu à luz oito filhos no ano passado e disse sentir nojo das crianças. A notícia passa a ser ainda mais revoltante pelo fato de que os óctuplos – como era de se esperar – foram concebidos em um procedimento de inseminação artificial.

Se chega a ser impressionante que uma mãe tenha a capacidade de ter nojo dos próprios filhos, o fato de ter sido ela mesma a pagar por um procedimento caro para engravidar faz com que a história toda chegue às raias do surreal. A pergunta pode e deve ser feita novamente: a que ponto chega o egoísmo de alguns? E, como naquela notícia do casal paranaense, é de novo aqui a fertilização in vitro que está envolvida nesta rejeição dos filhos. Pessoas que julgam poder tudo e, por isso, não dão valor ao que possuem.

Uma vez que a inseminação artificial transformou os filhos em uma mercadoria ou em um serviço – pelo qual se paga (caro) e, depois, recebe-se o produto -, como se surpreender que agora os filhos sejam tratados como objetos? Como um produto de luxo que se pode comprar e do qual, depois, é perfeitamente natural se desfazer?

Enquanto as pessoas continuarem tratando seres humanos como se fossem itens de luxo fabricados com tecnologia de ponta, coisas assim irão continuar acontecendo. Uma vez que os filhos deixam de ser o fruto do amor de uma família e passam a ser algo que se encomenda e pelo qual se paga… é porventura de se espantar que o egoísmo fale mais alto e a “coisificação” do ser humano atinja estes níveis que estamos vendo por aí?

Que Deus tenha misericórdia de nós, e que tenha piedade dessas crianças que vêm ao mundo por fruto de um hedonismo doentio dos seus pais – que, depois, comportam-se como crianças mimadas que abandonam num canto da casa o brinquedo do qual enjoaram. Tristes tempos em que vivemos! Que a Virgem Santíssima nos ajude a todos.

O egoísmo e a prática do bem

Desço para fumar um cigarro. A televisão está ligada. Uma entrada ao vivo de um plantão jornalístico chama-me a atenção (não, não tem nada a ver com os ETs de hoje); trata-se de um caso (até meia hora atrás, pelo menos) ainda em curso de um sujeito de Santo André que está mantendo, desde ontem, duas adolescentes reféns em sua casa. O motivo? Decepção amorosa; uma das meninas (tem quinze anos) é ex-namorada dele (que tem 22 anos).

Vinte e dois anos! Por causa do fim de um relacionamento, trocou as palavras doces dos apaixonados pelas ameaças sob a mira de um revólver. E eu cá, com meus botões, não consigo deixar de pensar que é preciso ter sido uma criança muito mimada – acostumada sempre a ter tudo – para fazer semelhante insensatez. Por causa de uma menina! O jovem Werther pode dizer o que quiser, mas não vai mudar os fatos: há uma clara hierarquia de valores na realidade, e a “paixão” não está no ponto mais alto dela.

Por causa do fim de um namoro! Alguém pode dizer que este sujeito é um “egoísta” que “só pensa em si”; não é de todo falso, mas também não é de todo verdade. Na verdade, se esse sujeito pensasse o suficiente em si, não faria uma besteira dessas. Se ele pensasse o suficiente em si, perceberia que está se prejudicando com esta atitude insana. Se ele pensasse bastante em si, deixaria de fazer a sua vida orbitar em torno desta menina, por mais que ela lhe fosse cara.

Raul Seixas, evidentemente, não é referência em matéria espiritual, mas ele de certa maneira percebeu este paradoxo do Cristianismo (embora não o tenha conseguido resolver completamente) em uma música chamada “Carpinteiro do Universo”. Há uma frase que sintetiza perfeitamente isto sobre o que estamos falando: “o meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar”. Na visão do rockeiro baiano, então, fazer o bem às outras pessoas é a atitude mais coerente para quem pensa demasiado em si mesmo, porque ajudar é bom também para quem ajuda. Platão disse a mesma coisa por outras palavras quando, pela boca de Sócrates (acho que é n’A República), disse que “se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade”. Isso tudo não deixa de ser verdade, embora só aborde um dos lados da questão; mas só este lado já seria suficiente para impedir a tragédia em Santo André.

Qual o problema, então? Acaso as pessoas são pouco egoístas, é isso? Na minha opinião, não. Primeiro, porque ajudar ao próximo não é egoísmo simpliciter (falo sobre isso mais abaixo); segundo, porque existe a – chamemo-la desta vez assim – “desordem no egoísmo”, que é (na minha opinião) o que deveria ser chamado egoísmo propriamente. Porque egoísmo – aqui está o ponto da questão não contemplado por gregos e baianos – não é somente pensar em si, mas pensar em si da maneira errada. Todo mundo está obrigado a pensar em si, e a própria Doutrina Católica o afirma, quando diz que todo mundo está obrigado a cuidar da salvação da própria alma. Mas também é verdade que ninguém pode ser egoísta. As duas afirmações, portanto, seriam contraditórias se o egoísmo fosse simplesmente uma preocupação consigo mesmo. Acontece que não há nenhuma contradição.

O homem deve atribuir a si próprio a importância que ele tem: nem mais, nem menos. Da mesma forma como a humildade não é a “virtude” por meio da qual uma pessoa bonita se olha no espelho e diz que é feia, ou um homem inteligente diz para si próprio que é burro, o egoísmo não é pensar demasiadamente em si, e sim pensar desordenadamente em si. Faz toda a diferença. O rapaz de Santo André, se ele pensasse muito em si, mas pensasse atribuindo os valores corretos às variáveis envolvidas, não ia fazer a loucura que está fazendo. O problema não é o “egoísmo” entendido como auto-preocupação, e sim como desordem na atribuição de valores à realidade.

Esta desordem pode até fazer com que alguém, num caso concreto, busque de maneira egoísta o prazer que se sente ao ajudar às demais pessoas; mas – e aqui a caridade afasta-se da (bem ou mal intencionada) mera filantropia -, se permanece o vício radical [a desordem na apreciação dos bens], cedo ou tarde todo o castelo de aparências irá ruir. Somente pensando em si próprio, e pensando corretamente, é possível seguir caminhando; pois a Cruz sem Cristo é simplesmente masoquismo, e a teoria do “egoísmo egoísta” de Raul Seixas só funcionaria plenamente em um mundo de masoquistas (que, evidentemente, não é o mundo real). Só a Doutrina Católica é capaz de mover o mundo; a Cidade de Deus é construída pelo amor a Deus até o desprezo de si, e não sobre o amor a si até o desprezo de si. Porque, via de regra, o amor a si “sozinho” leva somente ao desprezo de Deus, e não ao desprezo de si. Amar a Deus e ao próximo por amor a Deus (e o “primeiro próximo” de cada um de nós somos nós mesmos), eis a fórmula da caridade, eis o mandamento deixado por Jesus, eis a única força capaz de mudar o mundo.

P.S.: Conclusão do arrazoado: se não estiver radicada em Cristo (ou ao menos no “desejo implícito de Deus” para os casos de Ignorância Invencível), toda filantropia é egoísmo; caso esteja, é caridade, e tertium non datur. Não é verdade, portanto, que o egoísmo gere ou mesmo que possa gerar a caridade; duas realidades mais antagônicas não pode haver.